Lenda da mandioca

janeiro 29, 2024

Mandioca é um dos alimentos brasileiros que se tornou muito popular na África. É tão popular naquele continente que há quem pense que a palavra mandioca é de origem africana. O termo, porém, vem do tupi guarani e significa casa de Mani. Há muitas lendas sobre a origem da mandioca. Gosto muito da que segue

>>> […] certa vez, uma índia teve uma linda filhinha, a quem deu o nome de Mani. A menina era muito bonita e de pele bem clara. Mani […] vivia sorrindo e transmitindo alegria […].

Certo dia, a indiazinha não conseguiu se levantar da rede. O pajé correu pra acudir, levou ervas e bebidas, fez muitas rezas. Mesmo assim […] nem os segredos da mata virgem, nem as águas profundas[…] evitaram a morte de Mani. […]

Os pais resolveram enterrá-la na oca onde moravam, pois isso era costume dos índios tupi. Regaram a cova com água, mas também com muitas lágrimas […] Passados alguns dias, no local em que ela foi enterrada, nasceu uma bonita planta. […] a raiz era escura por fora e branquinha por dentro, lembrando a cor de Mani.

A mãe chamou o arbusto de maniva, em homenagem à filha. Os índios passaram a utilizar a planta para fabricar farinha e cauim, uma bebida […]

A planta ficou conhecida também como mandioca […] tornou-se símbolo de alegria e abundância para os índios. <<<

Esa versão pode ser encontrada em https://nova-escola-producao.s3.amazonaws.com/cS88ZNqmQRPd3RYeUZ5WCkFJeasRmsYQEft4FgbssKytV5KR8wz87NYpKcMM/his4-03und05-problematizacao-textos.pdf

Formação Profissional – Billet

janeiro 9, 2024

Stephen Billlet, investigador australiano, é autor que merece ser conhecido por quem lida com formação profissional ou educação profissional. Seguem links para dois dos artigos dele.

Constructing Vocational Knowledge: situations and other social sources

Knowing in Practice: re-conceptualising vocational expertise

texto

dezembro 6, 2023

Relações entre Educação Básica e Educação Profissional

… e os pretos foram expulsos da cozinha

Nota. Não escolhi o título desta comunicação. Ele me foi dado. Eu reordenaria os termos para Educação Profissional e Educação Básica. Minha observação não é uma bobagem estilística. É denúncia de que na Academia a educação escolar tem precedência sobre a formação profissional.

Jarbas Novelino Barato

O capital usa a escola de acordo com seus interesses. (Cláudio Salm)

Abordar as relações entre classes sociais e educação é um tabu. (Mike Rose)

Começo esta comunicação com afirmações marcantes de dois saudosos autores com quem estive algumas vezes, Cláudio em encontros presenciais, Mike em conversas pela internet. Não vou me estender em comentários sobre as frases que escolhi como abertura, mas espero que elas sejam lembradas a cada passo no que vou dizer. Aproveito a oportunidade para recomendar obras de um e outro, Escola e Trabalho (SALM, 1980), The Mind at Work: Valuing the Intelligence of the American Worker (ROSE, 2004)

Havia outra citação que eu pensei em destacar como as de Salm e Rose, mas, no processo de escrever achei que ela poderia integrar a introdução a esta minha fala.

Sobre o trabalho idiota

Paul Willis escreveu um livro interessante sobre trabalho e educação: Aprendendo a ser Trabalhador – Escola, Resistência e Reprodução Social (WILLIS, 1991). A obra tem como base extensas entrevistas que o autor fez com um grupo de jovens de origem proletária. Willis procurou verificar como esses jovens viam a escola e o trabalho em suas vidas. Um dos aspectos importantes analisados pelo autor é a resistência dos jovens aos valores promovidos pela educação escolar que ignora ou se opõe à cultura operária. Não vou aqui analisar o livro de Willis. Isso nos levaria a caminhos que não são os pretendidos neste texto. Mas, há na obra registros que podem nos ajudar a contextualizar relações entre trabalho e educação que não costumam merecer muita atenção nos meios acadêmicos. Um desses registros é o que segue, trecho final  de uma conversa de Paul Willis com os jovens após uma sessão de orientação ocupacional na escola em que os rapazes estudavam:

(Paul Willis) O que vocês me dizem do palestrante que veio da Faculdade de Educação?

(Fred) Eles tentam fazer você desistir do trabalho… Ele disse pro Joey: “ Você quer ser um pintor ou um decorador?” Qualquer idiota pode pintar uma parede. Ou você quer fazer decoração, desenhar placas?”.

(Spansky) “Ser alguém na sociedade que lambuza paredes”… Eu queria me levantar e dizer pra ele: “ Tem que haver algum idiota que lambuze paredes!”. (WILLIS, 1991, p. 121)

Os comentários de dois jovens proletários sinalizam uma questão que não pode ser ignorada, educadores não costumam valorizar o trabalho manual, sobretudo aquele não ensinado em cursos técnicos ou tecnológicos. Os adolescentes acompanhados por Willis percebem isso e dizem que acadêmicos são incapazes de apreciar profissões como as de marceneiro, pedreiro, pintor, retireiro, funileiro, borracheiro, lancheiro e outras tantas que costumam ser destino ocupacional da maior parte da população. Penso que nossa reflexão neste ponto pode ganhar mais outra referência a partir de um caso.

Para investigação que fiz sobre verticalização da formação profissional (BARATO, 2020), acompanhei diversas sessões de orientação sobre trabalho para alunos de programas de aprendizagem profissional. Numa delas, o professor apresentou um documentários sobre como os jovens refletiam sobre seu futuro profissional, assim como sobre as oportunidades formativas disponíveis. Seguiram-se comentários, observações e perguntas dos aprendizes.

Duas aprendizes contaram que tinham convite para trabalhar em salão de beleza. A um delas foi oferecida vaga como recepcionista do salão, à outra foi oferecida a oportunidade de aprender o ofício, começando por funções auxiliares das cabeleireiras. O professor disse para as moças que as ofertas as desviariam de  um futuro melhor: terminar o programa de aprendizagem e ingressar numa faculdade, Deixou muito claro que trabalho em salão de beleza não era desejável. Acrescentou que não dizia aquilo por preconceito, mas porque desejava um futuro melhor para aquelas alunas. (Creio que o professor resolveu dizer que não era preconceituoso porque havia um observador externo na sala). Essa ressalva contrariava tudo que ele disse anteriormente sobre o trabalho em salão de beleza. Ele não queria que suas orientandas escolhessem uma profissão que os adolescentes acompanhados por Willis ironicamente chamavam de trabalho idiota (“alguém tem que lavar cabelo…”).

Continuo a examinar o trabalho idiota para que possamos pensar sobre ele em relações entre educação básica e educação profissional.

Num artigo que escrevi para homenagear Mike Rose fiz referência a dois trabalhos “idiotas”, o de garçonete e o de pedreiro. Reproduzo este meu escrito aqui.

Há um personagem muito conhecido em filmes americanos, a garçonete. Mudam as histórias a cada película, mas a gente sabe de antemão como será a garçonete. Ela é sempre uma jovem ou mulher adulta que não conseguiu terminar o ensino médio. Muitas vezes é mãe solteira. Vive numa casa pequena, despojada de móveis, desorganizada, precisando de uma boa limpeza. O aluguel está sempre atrasado. Sua vida sentimental é confusa. Os sonhos que ela tem sobre relacionamento amoroso com jovens bonitos e de sucesso são apenas sonhos, sem qualquer base na realidade. Seus namorados ou amantes são homens cuja vida beira a marginalidade e que, muitas vezes, tratam-na com violência. Essa jovem ou mulher adulta não é muito inteligente. Por isso é garçonete, uma profissão que exige pouco conhecimento, pouca habilidade e nenhuma formação profissional específica. Os restaurantes e cafés em que ela trabalha não são sofisticados, são locais de alimentação que os americanos chamam de family restaurants, ou são lanchonetes populares. Ela às vezes tenta outro destino ocupacional, mas não é bem sucedida. Falta-lhe escolarização adequada. Falta-lhe capacitação para trabalhos mais exigentes que o serviço em restaurantes. Falta-lhe inteligência. Pelo que vemos no cinema, parece que trabalhar de garçonete é destino ocupacional para jovens mulheres que não conseguem qualquer outra maneira de ganhar a vida.

A garçonete que vemos no cinema é personagem cujas características nascem de profundos preconceitos contra o trabalho manual, e contra a mulher pouco escolarizada. O conhecimento profissional dela é ignorado pelo roteirista. O saber que ela tem, nascido dos fazeres necessários em seu ofício, é invisível. E essa invisibilidade não acontece apenas com quem escreve para cinema, ela é resultado de um modo de ver da sociedade. Na verdade, o trabalho da garçonete não é invisível. Ele não se revela para analistas que sofrem de uma miopia muito comum, a miopia que caracteriza modos de ver o conteúdo do trabalho socialmente desvalorizado. No Brasil, esse tipo de invisibilidade do saber do trabalho, ou mais propriamente, essa miopia dos analistas, acontece com a profissão de pedreiro. Para homens com pouca escolaridade e nenhuma capacitação formal para o trabalho, programas sociais de formação profissional acelerada elegem a profissão de pedreiro como a melhor opção. Tal escolha tem como pressuposto que a profissão não exige muita inteligência, nem saberes cuja elaboração demanda longo tempo de aprendizado.

Comecei a pensar na capacitação profissional dos pedreiros, pintores, eletricistas, encanadores e carpinteiros quando, em discussões sobre educação, amigos educadores usavam a figura do pedreiro como protótipo de gente rude e pouco inteligente. Nunca quis saber os motivos pelos quais intelectuais ilustres elegeram o pedreiro como encarnação de um ser humano desprovido de saberes significativos. Naquela época (início dos anos de 1980) pensava que não era adequado responder os argumentos dos citados educadores a partir de um acidente biográfico [sou filho de pedreiro]; temia ser acusado de utilizar minhas origens de classe de modo ingênuo e romântico. Hoje não tenho mais estes pudores. Nunca aceitei a interpretação de meus ilustres companheiros. Muitos velhos profissionais da construção civil, com os quais convivi na infância, eram sensíveis, inteligentes, educados. Tio Waldomiro e Salvador desenhavam tão bem ou melhor que arquitetos diplomados. Marreco e Aristides, além de serem oficiais respeitados, eram músicos e executavam peças eruditas. Paulino era excelente escultor. Meu pai, além de dominar muito bem seu ofício, tinha uma percepção fina e arguta da política.

Deixo as considerações sobre o fenômeno da escolha de pedreiro como uma profissão desprovida de saberes significativos e volto a olhar para a garçonete. Sem a cegueira analítica de quem não consegue ver a riqueza dos saberes da garçonete, tento elencar que saberes essa profissional mostra em seu dia a dia de trabalho. A garçonete domina uma psicologia social aplicada (nada a ver com a psicologia dos livros) para facilitar seu trabalho em relacionamentos com vários tipos de clientes, neste sentido, a profissional elabora uma taxonomia (uma generalização) que lhe permite prever o que pode acontecer em serviços com cada categoria dos frequentadores do restaurante. Ainda no campo da psicologia, a garçonete sabe que conversas ela pode manter com diferentes clientes; por diversos motivos não basta uma comunicação apenas profissional com a clientela, muitas vezes é preciso personalizar a conversa com quem frequenta habitualmente a casa. A garçonete tem um domínio invejável de planejamento, ela sabe distribuir seu trabalho de maneira efetiva, temporal e espacialmente, atendendo praças com seis ou oito mesas; ela consegue harmonizar serviços, evitando idas e vindas excessivas para executar diferentes tarefas, isso significa, por exemplo, atender num mesmo percurso clientes que estão chegando e clientes que estão a pedir a conta. Numa hora de movimento intenso, a garçonete circula pelo restaurante carregando com elegância e habilidade pratos, bandejas, xícaras e outros objetos. O tempo todo ela está controlando os pedidos de sua praça para evitar atrasos e insatisfação; além disso, caso algum atraso possa acontecer, ela o prevê e previne a clientela antes que surjam reclamações. A profissional do serviço de sala em restaurantes revela prodígios de memória no controle de grande diversidade de pedidos e de clientes. A garçonete também tem notável habilidade de relacionamento com suas companheiras e com o pessoal de cozinha, com o objetivo de manter o trabalho fluente. Tentei descrever até aqui algumas das habilidades que exigem muita inteligência social da garçonete. Deixei de lado quase todos os aspectos ligados às técnicas de serviço no transporte de alimentos  da cambuza para as mesas, assim como as técnicas de serviço para cada tipo de alimento e de bebida. Sem a miopia típica de analistas que não conseguem enxergar os saberes do trabalho manual, podemos entender que o trabalho de garçonetes exige inteligência e um conhecimento aplicado que demanda bastante tempo de aprendizagem. A garçonete não é a pessoa ignorante e incapaz que nos acostumamos a ver no cinema.(BARATO, 2021)

Rose Meraglio, mãe de Mike Rose, sustentou a família (Mike e um marido impedido de trabalhar por motivos de saúde) com seus ganhos como garçonete por mais de trinta anos. Mike, brilhante pesquisador e professor da UCLA (University of California at Los Angeles) escreveu, no seu clássico livro sobre trabalho e educação (ROSE, 2004), um capítulo tocante que revela todo o saber de uma  garçonete com base em observações que fez sobre o trabalho dela, assim como em conversas que teve com Rose Miraglio. Meu amigo, o sindicalista Sebastião Neto, diz que todas as pessoas que lidam com o tema trabalho e educação precisam ler o texto do professor da UCLA. Tenho a mesma opinião que o Neto.

Garçonete e pedreiro não são as únicas profissões que educadores ilustres sugerem ser idiotas. A lista é longa e pode incluir pintores, encanadores, chapeiros, manicures, costureiras, zeladores de edifícios, caixa de supermercado, empacotadores etc. Todos estes destinos ocupacionais, apesar de “idiotas”, precisam ser feitos por alguém como disse um dos adolescentes acompanhado por Willis. E a maioria desses trabalhos não entra na programação de instituições de educação profissional. Eventualmente são considerados em programas emergenciais de educação e trabalho como o PRONATEC. Mas, como regra geral, não vão para a escola.

Fica uma pergunta: como a escola aborda os trabalhos idiotas, já que eles serão praticados pela maioria dos alunos que passam pelo ensino básico? João Madureira, meu professor do quarto ano primário abordava a questão. Ele nos dizia que muitos de nós teríamos como destino as fábricas de sapato, não porque fôssemos menos inteligentes que os companheiros de classe média que continuariam seus estudos no ginásio e no colegial. João Madureira não nos tratava como crianças, mas como jovens que começariam a trabalhar precocemente. O que ele fazia era orientação profissional no sentido proposto por Sílvio Bock (2014, 2010)

O território do ensino profissional livre

As ocupações que não vão para a escola não deixam de ser ensinadas, formal ou informalmente. Em educação, elas povoam um território que se convencionou chamar de ensino profissional livre.

Vou tecer comentários sobre o ensino profissional livre para ilustrar algumas questões no campo da formação profissional. Parte significativa de cursos de formação profissional, rotulada de ensino livre, é ignorada por educadores. O ensino livre é uma educação clandestina. Forma cabeleireiros, manicures, eletricistas, costureiras e muitos outros profissionais que o escolhem como possível porta de entrada no mundo do trabalho ou caminho para mudanças ocupacionais.

Nos anos de 1970 havia na cidade de São Paulo cerca de 2.400 escolas de ensino livre (PARO, 1981). Esse tipo de ensino está completamente fora do sistema e não se articula com nenhum grau de ensino. Às vezes a escola de ensino profissional livre faz parte de uma rede com diversas unidades. Às vezes ela é pequena, com apenas uma sala. Num levantamento preliminar do ensino profissional livre (PARO, 1981), era grande o número de escolas de datilografia; mas havia uma variedade enorme de diferentes ofertas de preparação para o trabalho. Nos anos de 1990,  boa parte do ensino profissional livre consistia em ofertas no campo da informática, com predomínio de uma linguagem de programação, Basic. Continuavam, porém, os cursos tradicionais como os de costureira ou de mecânico de automóveis.

Em muitas ofertas de ensino livre há promessas de que o aluno terá sucesso num campo novo. Foi o que aconteceu com os cursos de Basic. Eles prometiam aos alunos ingresso numa área, a de informática, que lhes daria chance de trabalho bem remunerado. Quem conhece linguagens de programação sabe que o Basic não abre qualquer porta para o paraíso ocupacional. Muitas e muitas outras promessas em diversas áreas enganam gente pobre que paga por cursos que não lhes trarão qualquer vantagem no mundo do trabalho. Mas, é preciso reparar, que há muitos cursos que podem ser portas de entrada em ocupações que dão às pessoas esperanças de conseguir trabalho. Este é o caso, por exemplo, de muitos programas de formação de cabeleireiros.

Paro fez um levantamento inicial do ensino profissional livre para examinar como o assunto poderia ser objeto da pesquisa de mestrado que ele estava planejando. No meio do caminho, porém, desistiu da investigação  e resolveu ingressar no campo de estudos da administração escolar. Se ele tivesse continuado a examinar o ensino profissional livre, certamente teríamos hoje elementos muito interessantes sobre o que chamo aqui de educação marginal.

O ensino profissional  livre é inteiramente desvinculado da educação que é regida por legislação. Não há qualquer norma sobre a natureza das ofertas do ensino livre. Isso acontece quanto a nomenclatura, carga horária, avaliação, docência. Um curso de corte e costura, por exemplo, pode ser bastante breve ou ter uma carga horária longa. Pode ser desenvolvido em ambientes com muitos equipamentos, ou pode ser um programa à distância no qual os alunos desenvolverão as técnicas com equipamentos e recursos próprios. Cabe perguntar: quem são os docentes de corte e costura, de programação de micro, de mecânica, de funilaria etc. Esses docentes são, como se dizia nos velhos tempos, práticos. Aprenderam a ensinar ensinando. E alguns deles são excelentes professores. Mas antes de serem docentes práticos foram profissionais que dominavam bem seu ofício.

Trago para cá o ensino profissional livre porque ele não costuma entrar em estudos sobre formação profissional, embora desempenhe um importante papel formador para a população que não tem acesso a níveis elevados de educação. Ele chega a ser desenvolvido também por instituições tradicionais de formação profissional como o SENAI e o SENAC. Mas nessas instituições os cursos livres mais voltados para populações pobres costumam ser deixados de lado. Vi isso acontecer, por exemplo, com o curso de manicure. Ele desapareceu do portfólio do SENAC de São Paulo nos anos de 1990. Historicamente, este é um movimento observado em todas as instituições de formação profissional que, atraídas pelo ensino formal (médio e superior), deixam qualificações profissionais de base para entidades beneméritas e assistencialistas ou para as tradicionais escolas privadas de ensino profissional livre. Sob vários aspectos, o ensino profissional livre é uma educação pobre para os pobres.

Cabe aqui registro que colhi em estudo sobre formação profissional para a UNESCO, entrevistando coordenador de cursos livres num instituto federal. O informante tinha muito entusiasmo pelos programas, pois os alunos, adultos que passaram muitos anos longe da escola, tinham orgulho de poder dizer que voltaram a ser estudantes. Mike Rose registra o mesmo fenômeno em sua obra sobre educação de adultos (ROSE, 2015). Mas, a instituição onde tais cursos eram oferecidos não os considerava como propostas educacionais relevantes. No Instituto, os cursos livres estavam vinculados ao departamento de extensão, não ao departamento de educação.

Recentemente introduziu-se no discurso educacional a sigla FIC- Formação Inicial e Continuada. Toda formação profissional não desenvolvida no nível médio e superior passou a ser chamada de FIC. Desapareceram do horizonte os cursos de qualificação profissional. O fenômeno, a meu ver, é consequência da escolarização da educação profissional. Cursos que formam trabalhadores qualificados foram rebaixados a FIC. Por trás desta ideia está o pressuposto de não são bem educados profissionais como encanador, marceneiro, pedreiro, soldador, mecânico que aprenderam o ofício em ambientes de trabalho ou que se qualificaram por meio de um curso livre. Para mim é difícil entender que um encanador é apenas um iniciado no campo do trabalho, não um oficial de pleno direito. Permito-me copiar mais um longo trecho de texto que escrevi recentemente sobre o tema.

Zé Nilton, meu primo, é encanador. Ele cursou apenas os quatro primeiros anos de ensino. Depois disso começou a trabalhar. Com a ajuda de meu pai e outros mestres de obras, Zé Nilton aprendeu o ofício de encanador com experientes profissionais do ramo. Aprendeu fazendo. Ainda bastante jovem, era reconhecido como um profissional competente, sempre chamado para aplicar seus conhecimentos de hidráulica em novas obras ou no reparo de velhos encanamentos. 

Meu primo educou-se no e pelo trabalho, constituiu um vasto conhecimento de hidráulica num processo de aprendizagem que passou pelo fazer e pela integração a uma comunidade de prática social. Mas, a maioria dos educadores, se for convidada a avaliar a educação do Zé Nilton, irá examinar seus registros escolares, entrevistar seus professores, verificar o desempenho que ele teve em seus estudos. Poucos educadores irão investigar como ele aprendeu a ser encanador numa relação mestre/aprendiz no dia a dia dos fazeres em canteiros de obras. Tal processo raramente é visto como educação. Como Zé Nilton não chegou ao ensino médio, é bem provável que os senhores e senhoras da academia o vejam como um trabalhador pouco educado. Mas posso garantir que Zé Nilton é um trabalhador bem educado. Ele aprendeu o ofício de encanador na melhor escola que existe para encanadores, o canteiro de obras. Ele aprendeu o ofício de encanador com os melhores educadores, companheiros e mestres que apreciam e sabem o seu ofício.

Faço aqui uma ressalva necessária, ao lembrar que o trabalhador se educa pelo trabalho em oficinas, envolvido com a produção de obras, não estou desmerecendo a educação escolar. Trabalhadores devem ter a mais completa educação escolar que possa ser oferecida por nossos sistemas de ensino. Mas um trabalhador com diploma de ensino médio, ou mesmo superior, e sem domínio de um ofício não é bem educado. (BARATO. 2023, p.  )

 O ensino profissional livre repercute o que acontece no modo de ver profissões. Se fizer parte daquilo que os rapazes acompanhados por Willis chamaram de trabalho idiota, as profissões invisíveis serão boas candidatas para integrar programas de ensino profissional livre.

A marginalidade de alguns cursos do ensino profissional livre desaparece quando eles ganham importância educacional e ocupacional. Durante muitos anos existiu um curso de pedicuro-calista, com cargas horárias variáveis e inteiramente livre da legislação educacional. A profissão começou a ganhar certo status e a associação da categoria pediu ao SENAC para que este oferecesse um curso de qualificação profissional para formar os trabalhadores de clínicas especializadas no tratamento de pés, exigindo que os candidatos tivessem pelo menos o ensino fundamental completo. Essa exigência tinha certo tom de ironia, pois o presidente da associação, pedicuro-calista muito procurado, tinha apenas três anos de escolaridade. O programa logo ganhou contornos de uma formação educacional mais exigente e passou a ser um curso técnico, o de podologia. O velho nome, pedicuro-calista foi abandonada para dar lugar a uma designação mais moderna, desvinculada da lembrança artesanal sugerida pelo velho nome. A profissão com o curso técnico ingressou no seleto clube adas ocupações do campo da saúde, ganhando respeitabilidade fundada em supostas bases científicas. Vale assinalar que em muitos países, Reino Unido e Austrália, por exemplo, a formação do podólogo acontece em cursos superiores. E é muito provável que num futuro próximo isso ocorra também no Brasil.

O caso do podólogo é similar a outros que vou relatar mais à frente. Por enquanto ele é suficiente para que possamos ver as relações entre ocupações pouco valorizadas socialmente e o ensino profissional livre.

Creio que bem situei o ensino profissional livre. Não interessa aqui aprofundar a análise sobre essa educação que é marginal mas merece ser estudada, inclusive para se evitar desvios da formação profissional causados por excessiva escolarização da mesma.  O ensino profissional livre desvela aspectos da relação educação e classes sociais que não podem ser ignorados. Ele está voltado para ocupações que não são consideradas para integrar propostas de ensino técnico ou tecnológico. Quem o busca é a população mais pobre e pouco escolarizada. Pequena porcentagem desse ensino é oferecida por associações beneméritas ou programas sociais de prefeituras. Mas a parte mais significativa da oferta é de instituições privadas. Assim, gente bastante pobre acaba pagando por uma educação que julga que lhe abrirá oportunidades de trabalho.

Muitos educadores que conheço criticam o ensino profissional livre como desvio educacional que precisa ser corrigido. Essas críticas tem forte influência de uma interpretação de que a boa educação é a escolar. O ensino profissional livre, como disse, não vai para a escola. É preciso examinar melhor o porquê disso, começando por análises sobre escola e classes sociais. Não há espaço para isso aqui, mas entendo que as contradições reveladas pelo ensino profissional livre muito podem nos ajudar em análises sobre a educação técnica e tecnológica.

Pé na gordura e charme da cozinha

O que aconteceu com a formação profissional na cozinha merece atenção especial. Antes de prosseguir tenho que explicar a expressão “pé na gordura”. Nas cozinhas há um trabalho duro dos peões que lavam imensas panelas, limpam um chão muito engordurado, carregam fardos pesados. Diz-se destes trabalhadores que eles têm o pé na gordura. O que fazem nada tem a ver com a charmosa profissão de chef de cozinha. Vale ver como se chegou ao charme das profissões do eixo tecnológico da gastronomia nos dias de hoje e para quem sobrou o destino ocupacional de peão de cozinha, o trabalhador que tem o pé na gordura.

Em 1968, o SENAC de São Paulo recebeu do estado, em regime de comodato, um antigo hotel-cassino em Águas de São Pedro. O repasse daquele bem público para a instituição aconteceu com o objetivo de dar início a programas de formação de profissionais para o ramo de hotelaria. Surgiu assim o Hotel Escola de Águas de São Pedro. Foram organizados cursos para as áreas de recepção, hospedagem, sala e cozinha. Interessa aqui ver o que aconteceu na cozinha.

O curso de cozinheiro, em tempo integral, tinha duração de seis meses. O programa foi organizado por cozinheiros experientes. Os alunos aprendiam fazendo, em temporadas semanais por todos os setores da cozinha – açougue, garde manger, confeitaria, cozinha quente. Havia poucas aulas teóricas em sala de aula. Do ponto de vista pedagógico, o curso de cozinha reproduzia o modelo de aprendizagem das antigas corporações de ofício.

A formação de cozinheiros no hotel escola acontecia em duas fases de três meses. Na primeira, o aluno recebia o certificado de auxiliar de cozinha, no segundo, o certificado de cozinheiro. Não se exigiam muitos anos de escolaridade dos candidatos. Para ingresso no curso, o pré-requisito era de apenas três anos de escola. Mas, por causa de dificuldades para preencher as vinte vagas a cada três meses, havia bastante flexibilidade em termos de exigências de anos de estudo.

As unidades do SENAC, na Capital e no Interior, atuavam como fontes de recrutamento de alunos. E para tanto tinham metas a cumprir. Os candidatos, recrutados nas periferias urbanas, eram, quase todos, jovens em situação de risco. Entre eles havia um grande número de negros. Tinham hospedagem gratuita no antigo alojamento dos trabalhadores do hotel-cassino e recebiam uma ajuda de custo mensal. Apesar dessas aparentes vantagens, ninguém queria ir para a cozinha. Era muito mais fácil recrutar alunos para sala e recepção.

As dificuldades para recrutar alunos de cozinha perduraram por muitos anos. As coisas começaram a mudar na metade dos anos de 1980. Depois, pouco a pouco, a formação do cozinheiro passou a interessar jovens de classe média. No Hotel Escola começaram a surgir outras programações na área de gastronomia. Acordos do SENAC com a Universidade de Cornell e com o Culinary Institute of America possibilitaram ofertas de cursos de nível universitário que poderíamos classificar como cursos de extensão ou pós graduação lato sensu. Nos anos que seguiram, a instituição criou cursos de nível técnico e tecnológico no campo da gastronomia. O Tecnólogo em Gastronomia do Grande Hotel São Pedro é um dos primeiros cursos superiores do país voltado para a formação de chefs de cozinha.

Apesar do ingresso da instituição em cursos de nível técnico e tecnológico para formar profissionais de cozinha, o antigo curso de cozinheiro não desapareceu. Ele continua a existir com características de programação muito parecidas com as adotadas em 1969, forte capacitação por meio do trabalho na cozinha do hotel e escasso número de aulas teóricas em sala de aula. A duração da formação permaneceu a mesma, seis meses em tempo integral. Mas, aconteceram mudanças radicais.

O que mudou foi o perfil dos alunos. Eles agora são gente de classe média, todos com ensino médio completo e muitos com ensino universitário (completo ou incompleto). O SENAC não divulga o curso. Apesar disso, a procura é muito grande, com oito candidatos por vaga. A existência desse curso parece contrariar os percursos comuns de educação voltada para ocupações de status elevados. O antigo curso de cozinheiro do Grande Hotel São Pedro já não é mais uma qualificação, é uma suposta FIC, pois agora formam-se profissionais no nível técnico e tecnológico. A persistência do referido curso de cozinheiro pode ser explicada pela excelente qualidade que ele tem e uma abordagem metodológica que privilegia o aprender fazendo. Além disso, ele é uma oportunidade de formação para quem não quer ou não pode ingressar no curso técnico ou tecnológico.

A criação de cursos técnicos e superiores em gastronomia têm como justificativa a demanda de profissionais com formação mais sólida que os antigos cozinheiros que aprenderam o ofício empiricamente. Antes, diz a justificativa,  bastava uma formação do artesão de cozinha. Agora se requer a formação de um profissional mais completo. Cito comentário que vai nesta direção:

Observa-se neste campo uma transformação na organização e na dinâmica da culinária que passou do setor associado aos ofícios à esfera da produção cultural legitimada, movimento que levou a uma mudança na denominação dos profissionais mais prestigiados desse campo – de cozinheiro a chef de cozinha, associada a uma mudança de status- de artesãos a produtores intelectuais, indicando mudanças correlatas no trabalho e  no modo de produção. (NOBRE, p. 88)

A citação guarda paralelo com a dicotomia entre culturas primitivas e culturas modernas em análise feita por Jean Lave ( 1997), mostrando os equívocos que uma visão evolucionista, que etiqueta o passado como atrasado e o presente como avançado, tem sobre entendimentos a respeito do conhecimento em antropologia e psicologia. Primitivos teriam um saber empírico, intuitivo, sem bases teóricas bem desenvolvidas. Já os modernos teriam um saber racional, científico, lógico. Esse modo de ver tem sido contestado por estudos que buscam situar o conhecimento em contextos significativos, não em mentes desencarnadas. Um exemplo em tal direção é o estudo que Hutchins  (1983) fez sobre os navegadores da Micronésia. Esses marinheiros primitivos navegavam pelo mar aberto com acertos admiráveis de rumo, sem usar qualquer instrumento de navegação e cartas náuticas. Segundo Hutchins os navegadores da Micronésia tinham um saber náutico altamente sofisticado. Não vou explorar mais no momento as consequências que as críticas de Lave tem para a educação, particularmente para a educação profissional. Vou apenas voltar à citação e mostrar como ela sugere que o saber do trabalho escolarizado é um avanço em educação.

Com a formação profissional escolarizada dos cozinheiros, diz o autor, “saímos do setor de ofícios para a esfera da produção cultural legitimada”. Em ofícios, de acordo com essa visão, não há produção lastreada em conhecimento sólido de gastronomia. No mesmo trecho há sugestão de que em ofícios não há produção cultural legitimada. A atuação e organização das antigas corporações de ofício em Roma (collegia), por exemplo, contrariam este modo de considerar a transição de atividades artesãs para novos modos de produzir (FRASCA, 1994). Isso não é levado em conta, pois é preciso justificar a invasão da classe média nos espaços da cozinha, com o consequente afastamento de possíveis aprendizes oriundos das classes populares.

Na citação ainda, vemos a indicação de que com os cursos de gastronomia serão formados chefs de cozinha não simples cozinheiros. Estes últimos eram apenas artesãos. Os primeiros são produtores intelectuais.  A expressão “produtores intelectuais” reduz os cozinheiros não escolarizados a executores de técnicas cujas razões desconhecem. A carga de preconceito contra o trabalho manual é evidente no caso. A cozinha produzida por intelectuais ganhou uma dignidade que antes não tinha.

Volto ao antigo curso de cozinheiro do Grande Hotel Escola de Águas de São Pedro. De acordo com o autor que citei, ele é apenas um reminiscência da formação de artesãos. Com a criação de cursos técnicos e tecnológicos, deveria ter desaparecido. Mas ele lá continua. Houve apenas duas mudanças, os pobres não mais o frequentam e raros são os alunos negros no curso.

Parece que a continuidade dos cursos de cozinheiro de Águas de São Pedro tem uma explicação, ele continua a reproduzir relações mestre/aprendiz que são a forma mais eficiente de aprender um ofício (GAMBLE, 2006). Os alunos já não são aqueles jovens em situação de risco, muito pobres e com pouca escolaridade. A clientela agora é formada por filhos da classe média, com escolaridade mínima do segundo grau completo. Alguns desses alunos são egressos de cursos técnicos e tecnológicos na área de gastronomia. Em entrevista (BARATO, 2015), ex-aluna de um curso de técnico em cozinha me disse que viera para Águas de São Pedro para apender mais. Na mesma época observei três alunos do Tecnólogo estagiando no setor de açougue da cozinha. Eles tinham muita dificuldade para cortar peixes de acordo com um padrão que fora estabelecido para o menú do dia. Assim como a ex-aluna de curso técnico, estavam ali para mais aprender.

Os cursos técnicos e tecnológicos na área de gastronomia escolarizaram a formação de cozinheiros. Neste sentido tem razão o autor aqui citado, nas escolas quer se formar um produtor intelectual, não um artesão. O desejo de intelectualizar a profissão  reflete-se no ensino. Em escolas de hotelaria não há mais cozinhas, há laboratórios de gastronomia. Os laboratórios não são locais de produção, são locais de criação. Por isso, os alunos saem do curso com a ilusão de serem criadores, mas incapazes de produzir alimentos de acordo com demandas de um restaurante ou hotel.

Tento aqui mostrar que é preciso mudar modos de ver educação profissional em cursos técnicos e tecnológicos. Antigas propostas de formação profissional inspiravam-se nas tradições das corporações de ofício. E essa inspiração resultava em dois entendimentos que quero destacar. Do ponto de vista metodológico predominava a relação mestre/aprendiz. Do ponto de vista epistemológico, o fazer não era visto como “mera habilidade”, mas como uma arte com fortes tradições numa comunidade de prática.

A relação mestre/aprendiz é dinâmica que faz com que o saber circule numa oficina, pois ela não é unidirecional. O que a caracteriza é a negociação de entendimentos para a realização de uma obra. (FRASCA, 1996) Ela não é uma forma ultrapassada de ensinar e de aprender porque já não existem mais as corporações ofício. Curiosamente essa relação mestre/aprendiz continua muito viva em laboratórios científicos (CRAWFORD, 2015).

Do ponto de vista epistemológico, o fazer é um conhecimento com status próprio, não um desdobramento de conhecimentos teóricos. Isto vale para cirurgia e para carpintaria. A ideia de que um saber desenraizado do fazer, mais amplo que o conhecimento local, facilita transferência de aprendizagem e pode garantir aplicação a novas situações não foi comprovada em sucessivas pesquisas no campo das ciências cognitivas (LAVE, 1997), mas continua a ser uma crença hegemônica em educação. Ela aparece em diversas tendências pedagógicas, entre as quais as que ressaltam a solução de problemas e as que sugerem que competências amplas podem incluir aplicações novas para o aluno.

O caso da história do ensino de gastronomia no SENAC mostra que a escolarização da educação profissional pouco considera como as pessoas aprendem a trabalhar. Mostra a priorização da sala de aula e a conversão das oficinas em laboratórios de aplicação. A tensão entre educação pelo trabalho e educação escolar é resolvida em favor da última. É preciso dar a esta questão a atenção que ele merece.

Existe um projeto de lei (NOBRE, 2023) para regulamentar a profissão de cozinheiro. O projeto estabelece que só poderá exercer a profissão de cozinheiro pessoa devidamente habilitada em curso reconhecido. Não fica muito claro no projeto se, além do tecnólogo, o técnico em cozinha terá direito ao exercício da profissão. O antigo curso de formação de cozinheiro não atende ao que se propõe, pois não é reconhecido, é apenas um curso livre que hoje recebe o apelido de FIC. Um dos argumentos para justificar a regulamentação da profissão é o e que há cursos suficientes para atender à demanda de formação. O autor citado, em um trecho de seu texto, critica as corporações de ofício porque estas controlavam o acesso ao trabalho em suas áreas. Ao mesmo tempo, ele vê com simpatia a o projeto de lei que regulamenta a profissão de cozinheiro e usa a escola como instrumento de exclusão de trabalhadores que aprenderam pelo próprio trabalho.

Conheço chefs de cozinha e chefs de partida que se formaram no trabalho. Alguns deles iniciaram sua carreira como peões. Outros, como auxiliares de cozinha. Tornaram-se cozinheiros após um longo processo do aprender fazendo com mestres e complementando tal aprendizagem com estágios e cursos rápidos. Quase todos eles não têm ensino médio. Mas, como disse em outra parte sobre a carreira de um encanador que conheço, são trabalhadores bem educados. Se a regulamentação da profissão for aprovada não haverá mais oportunidade de crescimento para quem aprendeu no e pelo trabalho. Os trabalhadores mais pobres ficarão para sempre com os pés na gordura.

Dediquei muitas linhas à formação de cozinheiros. Abordei principalmente situações que acompanhei para estudos sobre educação profissional no Hotel Escola de Águas de São Pedro. Penso que minha análise do que aconteceu com a educação profissional na área de gastronomia pode iluminar algumas das questões que julgo de importância fundamental na relação entre educação básica e educação profissional. Destaco algumas dessas questões na próxima seção.

O trabalho não foi para a escola

Nos discursos que vejo sobre educação profissional no nível técnico e tecnológico percebo que apenas tecnologia e ciência foram para a escola. O saber do trabalho, etiquetado com a expressão negativa “mera habilidade”, ficou de fora. Antes do surgimento do que hoje chamamos de educação profissional, aprender a trabalhar acontecia fora dos muros escolares. Isso não quer dizer que necessariamente não houvesse formas sistemáticas de capacitação de trabalhadores. As corporações de ofício faziam isso e mesmo quando elas inexistem, o processo de aprender trabalhando acontece, com apoio informal de mestres e companheiros. Paralelamente, desenvolviam-se dois saberes, o do ócio e o do trabalho (BARATO, 2005), O primeiro em escolas (locais de lazer de acordo com o sentido do termo skole em grego), o segundo em oficinas (locais onde se produziam obras de acordo com o sentido de opus facere em latim).

No que segue, tento aprofundar alguns pontos que já abordei anteriormente.

Ao examinar o ensino de técnicas, num projeto que coordenei no SENAC,  percebi que é preciso desenvolver uma visão com dupla dimensão, epistemológica e pedagógica. No campo epistemológico vale analisar particularidades do conhecimento incrustado no fazer, na ação. Mais que isso, é preciso reconhecer que fazer é conhecimento com um status epistemológico próprio. E isso não é banal porque a dicotomia conhecimento/habilidade predomina nos meios educacionais, reduzindo o segundo elemento (habilidade) a “mera execução”. No campo pedagógico é preciso considerar como se desdobra o conhecimento do fazer. Ele não é discursivo, mas ação que o aprendiz desenvolve utilizando insumos e ferramentas para produzir obras. A dimensão pedagógica da técnica sugere que o ensino e a aprendizagem no caso devem ser muito diferentes do ensino e aprendizagem escolar. As dimensões epistemológica e pedagógica da técnica requerem abordagens metodológicas próprias para o ensino. Requerem também um docente familiarizado com o conhecimento técnico, capaz de produzir obras, capaz de estabelecer com os aprendizes relações que favoreçam o desenvolvimento dos fazeres típicos de um ofício, profissão ou ocupação.

Vou fazer um pequeno desvio aqui lembrando um texto que examina o conhecimento do fazer a partir de mergulho dos pesquisadores em produções típicas da profissão de ferreiro (KELLER e KELLER, 1996). Ao apresentar a exploração que realizaram na produção de objetos de metal, os autores fazem observação que julgo conveniente reproduzir nesse desvio:

O lado interno de uma tarefa é conhecimento. No caso do ferreiro, o conhecimento vem à tona na solução de um problema que requer produção de um artefato. O conhecimento relevante inclui a imagem interna e o objeto ou fim da produção e a conceitualização do ferreiro sobre a sequência produtiva. A contrapartida do conhecimento são as reais atuações no mundo para produzir um fim material. (KELLER e KELLER, p. 129)

Meu desvio, fazendo referência a um estudo em que dois antropólogos aprendem a produzir utensílios de metal para mergulhar no conhecimento do fazer de um ferreiro, propõe algumas questões epistemológicas que mostram a dinâmica da aprendizagem de técnicas. Mestres de oficina administram uma dinâmica deste tipo, embora não consigam expressar o que acontece como o fazem Keller e Keller. Deixo o desvio demasiadamente acadêmico e volto à linguagem menos elaborada desta minha comunicação.

Aprendizes de técnicas não costumam dizer que estão “estudando”. Embora o que façam os coloque num caminho que  resulta em aprendizagem, predomina no caso o entendimento de que estão trabalhando. Foi isso que constatei em entrevistas formais e conversas paralelas com alunos do curso de cozinha do Hotel Escola de Águas de São Pedro que diziam: “aqui nós trabalhamos”. E diziam isso não para criticar a proposta de formação que privilegia ali engajamento no trabalho cotidiano da cozinha. Trabalhar para eles significa oportunidade de aprender. Por isso, consideram que a estadia nos diversos setores da cozinha poderia estender-se por mais tempo. Para eles mais trabalho significa mais aprendizagem (BARATO, 2021). O que ouvi dos alunos de cozinha de um hotel escola ecoa o que Etienne Wenger (1998) repara num grupo de trabalhadores que estudou para ilustrar o conceito de comunidades de prática. Wenger repara que há um componente importante de aprendizagem no trabalho, mas seus informantes não explicitam as dimensões educacionais do que fazem. Reconhecem que estão sempre aprendendo, mas suas respostas são parecidas com as que ouvi dos alunos que “trabalham” na cozinha.

Estou propondo uma abordagem que não é muito comum. A formação profissional está cada vez mais escolarizada. E o que estou propondo aqui é um movimento de desescolarização  da formação profissional. E a proposta que faço contraria movimentos que podem ser encontrados em instituições de educação profissional.

Escolhi um caso para mostrar o que chamo de escolarização da formação profissional. Educadora de uma instituição de formação profissional elegeu o tema de capacitação de professores do ensino profissionalizante de nível técnico como objeto de estudo de sua dissertação de mestrado (YAMAMOTO, 2013). Um grupo de professores de diversas áreas, entre as quais podologia, foi escolhido intencionalmente para, por meio de entrevistas e registros escritos, fornecerem informações sobre sua experiência docente em cursos técnicos. Além de examinar a atuação dos professores, a dissertação analisa como os mesmos docentes viram as oportunidades de educação continuada oferecida pela instituição.

O estudo não faz qualquer referência ao ensino-aprendizagem em oficinas. No caso da podologia sei que a instituição tem clínicas (oficinas) muito bem equipadas, onde os alunos atendem a clientes que buscam serviços de cuidados de saúde dos pés. Todas as informações solicitadas dos professores dos cursos técnicos de podologia e dos demais cursos referiram-se a atuação em sala de aula. O estudo não revela qualquer interesse em saber como um professor de podologia coloca um aluno num equipo para atender a um cliente dos serviços da clínica. Numa das unidades da instituição, o ambiente oficinal de podologia está dividido em três setores: recepção, clínica e laboratório de desinfecção de materiais. Os alunos trabalham por turnos em todos esses setores. Em cada um deles há execução de técnicas que integram o repertório dos saberes de um podólogo. Todos eles são ambientes de ação. Decidir o que fazer com um pé à sua frente e manejar com destreza os instrumentos de podologia são saberes que se aprende “fazendo”, não aplicando conhecimentos previamente aprendidos em sala de aula. Para tanto, o professor faz demonstrações, escala alunos para atendimentos a clientes, acompanha a execução dos trabalhos, realiza avaliação formativa, indica correções no processo que está sendo desenvolvido pelos alunos. O mestre de oficina não dá aulas no sentido tradicional, ele administra uma clínica e o trabalho que nela é realizado. Reitero, com base nestas observações sobre o trabalho na clínica de podologia, a necessidade de examinar epistemologia e pedagogia típicas da aprendizagem do fazer.

O desinteresse pela aprendizagem em oficinas parece estar relacionado com a ideia de que ali o ambiente é de aplicação. Sugere-se que educação profissional houve um salto significativo com uma docência que é mais compreensiva que a velha mestria das corporações. A autora cita trecho de um artigo que vale reproduzir aqui:

As exigências com relação ao perfil dos docentes da educação profissional estão, hoje, mais elevadas. Não é mais suficiente o padrão do artesanato, quando o mestre da oficina-escola, que impunha ao aluno a aplicação de séries metódicas de aprendizagem. (MACHADO, 2008, p. 15)

A citação, utilizada pela autora, para sinalizar que o papel da docência em formação profissional é muito mais complexo e exigente que no passado, mostra uma tendência que não reconhece a riqueza das relações mestre-aprendiz, modelo que continua até hoje a caracterizar a aprendizagem de técnicas de trabalho (GAMBLE, 2006). A figura do mestre é descrita como alguém que faz educação com base apenas no senso comum. A crítica ao mestre de oficina lembra a oposição que em antropologia social estabelecia contrastes entre o pensamento primitivo (mítico, irracional) e o pensamento científico (racional, lógico). (LAVE, 1997).  Há aqui a imposição de um racionalismo que não reconhece as dimensões epistemológicas da ação. Mas os “primitivos” têm realizações que produzem os mesmos resultados que abordagens científicas. Esse é o caso da navegação na Micronésia que já citei anteriormente. 

Na dissertação a que me refiro, a autora apresenta os títulos dos programas de educação continuada oferecidos aos professores. Nenhum dos títulos faz qualquer referência à atuação de docentes em ambientes oficinais. A autora reflete, portanto, uma visão pedagógica institucional que ignora o conhecimento do fazer. O mesmo acontecia com dois cursos de especialização  de formação de docentes de educação profissional que examinei num estudo para a UNESCO (BARATO, 2021).

Alguém pode estar imaginando que minha proposta é a de reproduzir nos dias de hoje as corporações de ofício. Não é esta minha intenção. Minhas referências às corporações de ofícios têm a ver com a especificidade do conhecimento do fazer. Esta forma de conhecer permanece e requer um tratamento muito diferente do que as soluções pedagógicas que foram criadas para ambientes escolares. Vale registrar dois casos que acompanhei em que a formação foi escolarizada e o conhecimento do fazer não era promovido pelos professores. Mas, demandas do aprender acabaram impondo soluções que lembram a relação mestre/aprendiz.

No primeiro caso, num curso técnico voltado para a agroindústria, os laboratórios vinham sendo utilizados apenas como locais para comprovação de princípios científicos. Havia, porém, expectativa de que os alunos usassem os laboratórios para produzir geleias, sucos, conservas. Os professores, gente com sólida formação acadêmica, não conheciam os processos produtivos. Podiam explicá-los, não sabiam mostrá-los. A solução foi contratar auxiliares de laboratório, técnicos que conheciam os processos produtivos. Eram estes técnicos que acompanhavam os alunos na produção. Legalmente, os auxiliares de laboratório não são docentes. Eles, porém, assumem papel parecido com os de mestres de ofício em sua relação com os alunos (aprendizes).

No segundo caso, num curso técnico na área de agropecuária, os alunos passavam um período de manejo de animais numa pocilga. Estudavam suinocultura em sala de aula. Aprendiam o manejo de animais numa pocilga da escola técnica em que estavam matriculados. Mas, na pocilga, não eram acompanhados pelos professores. Eram acompanhados por técnicos encarregados daquele setor da instituição. Os alunos eram ensinados e acompanhados por pelos técnicos no manejo dos animais. Mais uma vez, vemos profissionais que não são classificados como docentes assumindo papel de mestria.

Nos dois casos que acabo de contar, não se pode dizer que o trabalho não foi para escola. Foi. Mas entrou pelas portas do fundo. Trabalhadores que conhecem o ofício acabaram assumindo funções de docência voltada para o saber fazer. O saber do tralho resiste à escolarização.

Profissões e escolarização

Começo com uma citação:

As profissões são feitas de gente. Desde a origem das sociedades com profissões reconhecidas, a questão tem sido que pessoas. Quem terá permissão de participar da profissão, e quem será excluído. (WRESCH, 1996, p.80)

Não há exclusão de pessoas no caso do trabalho idiota, embora quem o faz seja sempre de origem proletária. Qualquer pessoa pode ser gari, pintor, pedreiro, porteiro de edifícios. Há exclusão de pessoas quando o trabalho ganha status. E neste caso, credenciais escolares têm um papel fundamental. Wresch chama atenção para um aspecto pouco considerado.  

Os  processos sociais que resultam na escolarização de profissões tem um jogo de interesses encoberto pelo argumento de que mudou o trabalho  e a profissão em análise demanda fundamentos científicos e tecnológicos. Voltarei ao tema oportunamente. Por ora, vou relatar e analisar mais um caso que conheci em meus tempos de supervisor pedagógico no SENAC.

Acompanhei um pouco da história do classificador e degustador de café. O profissional se formava pelo fazer em instituições como a Bolsa de Café de Santos. Nos anos de 1960, as instituições vinculadas à exportação do grão pediram ao SENAC para organizar um curso na área, Surgiu assim um curso de qualificação profissional para habilitar os profissionais do ramo. No início dos anos de 1980, corretores de café vinculados à Bolsa de Café de Santos sugeriram que o curso de classificador e degustador de café deveria ser desenvolvido  em nível técnico. Um demorado processo de análise ocupacional foi efetuado para determinar o perfil que deveria ter um curso técnico de classificador e degustador de café. Mas o curso acabou não sendo criado, pois a Bolsa de Café de Santos deixou de ter importância na comercialização de café. De qualquer forma a iniciativa não concluída mostra tendência de elevação do nível educacional dos profissionais,

O classificador de produtos vegetais (entre os quais o café) tinha rígido controle do Ministério da Agricultura. Este formulava um currículo que devia ser seguido por agências formadoras, usurpando funções do Ministério da Educação. Tal currículo tinha algumas matérias com cinco horas de duração. E isso não podia ser mudado, sob pena de descredenciamento da agência formadora. Por trás da rigidez do Ministério da Agricultura estavam interesses de engenheiros agrônomos, categoria que controlava direta ou indiretamente as atividades de classificação de produtos vegetais. O fenômeno acontece em muitas as áreas, com os conselhos profissionais regulando ou impedindo atuação de profissionais que não tem nível universitário. 

Os corretores da Bolsa de Café de Santos desejavam criar barreiras de acesso à profissão de classificador e degustador de café, o curso técnico para tal fim. Esperavam entender-se com o Ministério da Agricultura e estabelecer uma elevação da escolaridade dos profissionais. A extinção do antigo curso de qualificação afastaria da profissão pessoas menos escolarizadas e sem possibilidade de passar por um curso técnico.

Cabe notar que profissionais formados no e pelo trabalho ou em cursos de qualificação profissional conseguem classificar café com bastante competência, talvez o técnico também o conseguisse. Hoje a atividade é exclusiva de técnicos em agronomia ou engenheiros agrônomos. Mas para tanto, eles precisam fazer um curso complementar (especialização?) de 320 horas (com conteúdo parecido com o que era desenvolvido no antigo curso de qualificação).

O caso do classificador e degustador de café talvez não seja o mais claro com relação papel relativo da escolarização na formação profissional. Uma história das profissões, considerando períodos históricos de longa duração, mostraria melhor a questão. Não vou fazer isto aqui, mas sugiro que interessados deem uma olhada em Professioni e Mestieri a Roma: Una storia dell’ educazione (FRASCA, 1994). Vou, porém, oferecer mais alguns exemplos de como profissionalização e educação se relacionam.

O jogo entre exigências de formação e quem pode ingressar numa profissão é ilustrado pelo que aconteceu com a formação de advogados nos Estados Unidos. No que segue vou resumir uma narrativa que aparece em Disconected: Haves and Haves-nots in the Information Age (WRESCH, 1996).

No início de 1800, a formação de advogados, seguindo um modelo proposto pela Universidade de Maryland, começou a acontecer num curso de graduação com quatro anos de duração. Além de matérias relacionadas com as leis, os alunos estudavam também Literatura, Ciências Políticas,  Filosofia. Essa formação bacharelesca afastou da profissão pessoas que a aprendiam em leituras e a praticavam como aprendizes profissionais vinculados a um advogado atuante.

O quadro mudou quando a Universidade de Harvard flexibilizou a formação de advogados e estabeleceu um currículo voltado apenas para o Direito. Outras universidades a seguiram, oferecendo cursos de direito com dois ou três anos de duração. Além disso, muitas instituições de ensino superior passaram a oferecer cursos noturnos. Esses cursos de direito, mais flexíveis e com menor duração, deram oportunidades para que pobres, mulheres e negros ingressassem na carreira jurídica. Mas isso não durou muito. A mesma Universidade de Harvard elevou os padrões para a formação jurídica em 1870. O curso de direito deixou de ser um bacharelado e passou a ser um programa de pós-graduação. A mudança não influenciou de imediato todas as universidades. De modo irônico, Wresch faz o seguinte comentário:

Enquanto Harvard elevava padrões, coisas terríveis estavam  acontecendo nas Planícies. Em 1865, a Universidade de Iowa abriu uma faculdade noturna de direito. Inscreveram-se mulheres, trabalhadores, negros e minorias étnicas. Pior ainda, a ideia pegou. Em 1916 havia quase tanto estudantes em cursos de tempo parcial  noturnos de direito quanto alunos em universidades diurnas mais caras (WRESCH, p. 81)

As pressões pela elitização dos cursos de direito continuaram. Exigências por mais e mais anos de estudo para estudantes que não podiam fazer direito com dedicação exclusiva tornaram impraticáveis a formação em cursos noturnos e de tempo parcial. Dos anos de 1920 para cá, a formação de advogados num programa de tempo integral e de pós-graduação é a regra.

Os argumentos pela elitização do direito foram os de que advogados precisavam de uma formação acadêmica mais sólida e demorada. Wresch lembra que tal argumento é falho, um dos maiores advogados americanos, Abraham Lincoln, formou-se por meio de processos de aprendizagem profissional.

O que aconteceu com a formação em direito nos Estados Unidos não é único. Wresch lembra que algo parecido aconteceu na França. A École Polytechnique foi criada na época da Revolução como uma instituição democrática. Em 1816, com a volta da monarquia, os requisitos de ingresso foram alterados para que só os eleitos ingressassem na instituição. Para ingresso era necessário passar em exames de matemática abstrata e literatura, conteúdos aos quais foram acrescentados, um pouco mais tarde, grego e latim. Assim na École Polytechnique só conseguiam entrar alunos cujos pais pudessem pagar pelo exigente processo de preparação para os exames de ingresso.

  Mell não foi à faculdade

Mell, meu saudoso vizinho em San Diego sabia tudo de mecânica. Um dia minha mulher ia entrando na garagem com nosso velho Thunderbird. Mell veio atrás, gritando “pare!”, “pare!”. Assustada, minha mulher parou já no interior da garagem. Meu velho vizinho então me perguntou: “você trocou o óleo do motor de arranque?”. Disse que não, eu sequer sabia que havia um motor de arranque no carro. Meu vizinho abriu o capô, testou o óleo do motor de arranque. Estava sequinho. Mel me disse que era preciso trocar aquela peça e ele fez isso, retirando o motor avariado, comprando um novo e colocando-o, devidamente oleado, naquele banheirão que chamávamos de carro.

Como Mell descobriu que nosso motor de arranque estava sequinho? Por um barulho  diferente que saía do motor. O ouvido treinado do velho mecânico sabia qual era o problema. Mell tinha um domínio muito extenso de mecânica e era capaz de reparar motores de carros, caminhões, navios. Durante a segunda guerra ele foi engenheiro de um navio. Era o responsável pelo funcionamento do motor do barco. Profissionais como ele eram chamados de engenheiros, embora nenhum deles tenha frequentado faculdade.

Engenheiros como Mell não mais existem. Toda a mecânica aberta dos motores antigos desapareceu. Os motores têm agora componentes fechados que não permitem acesso a peças individuais (CRAWFORD, 2011). O ouvido do Mell foi substituído por um programa de computador que faz diagnóstico da máquina quando a levamos para a revisão. Se uma peça estiver avariada, haverá troca de todo o conjunto de componentes do qual ela é parte. Os profissionais que encaminham revisão de veículos não têm mais um ouvido educado como o do Mell.

A história do meu saudoso e querido vizinho de San Diego pode ser mais explorada para que a gente entenda como velhos trabalhadores dominavam um conhecimento que lhes foi tirado e transferido para “sistemas”. Ela mostra como a formação profissional de muitos trabalhadores foi empobrecida. O que aprendi com Mell merece muito mais considerações do que as que posso fazer aqui. Para nossa conversa neste momento, basta deixar registrado que os engenheiros agora são formados em cursos superiores e certamente não aprenderam a ouvir a sinfonia de motores como o engenheiro de navios que conheci.

Passo a narrar outra história

Ela era a maior gráfica da cidade. Havia no local imensas impressoras, cada qual operada por um gráfico experiente. O dono da empresa resolveu adotar medidas administrativas modernas. Para tanto contratou um profissional formado em faculdade de administração. Uma das medidas que o rapaz que vinha da faculdade adotou foi a de aperfeiçoar o controle do trabalho dos impressores. Desenhou com riscos de giz áreas que delimitaram a circulação em torno das máquinas. Os gráficos não podiam mais sair daqueles limites, contrariando o antigo costume de ir até a máquina de um companheiro e conversar sobre o trabalho em execução. Se necessário, o visitante ajudava o visitado a resolver algum problema de impressão. Na nova ordem cada gráfico podia deixar o posto de trabalho durante alguns minutos, com autorização do administrador, para tomar leite (providência necessária para evitar efeitos tóxicos das tintas), e para idas ao banheiro. No resto do tempo, o trabalhador deveria permanecer dentro dos limites fixados em torno de sua máquina.  A conversa com os companheiros durante a execução do serviço foi proibida.

Misteriosamente, as máquinas começaram a apresentar alguns defeitos (manchas na impressão, excesso de tinta em alguns lugares, falhas de impressão etc.). Até então, os gráficos resolviam a maior parte de tais defeitos, sozinhos ou com a cooperação de companheiros. Eles conheciam as máquinas profundamente. Mas, com a nova situação, se recusaram a resolver os problemas. Alegavam que eram gráficos, não mecânicos. Foi preciso apelar para mecânicos da empresa fornecedora do equipamento (importado da Alemanha), com despesas de viagem e gastos com diárias. Os custos não foram pequenos. O administrador foi demitido. Os riscos de giz, apagados.

O caso dos gráficos, que me foi contado por um presidente do sindicato da categoria, mostra um tempo em que as empresas começam a sequestrar o conhecimento dos trabalhadores, transferindo-o para a gerência. A medida é acompanhada por mudanças nas relações sociais e no sistema de educação. Este último costuma ser utilizado para justificar mudanças na organização do trabalho. Novos cursos são criados com o argumento de que o trabalho ficou mais complexo e exige mais educação dos trabalhadores. Mas esta história não é bem contada. Para bem explicar como os trabalhadores acabam sendo privados de seu conhecimento, com aumento do trabalho morto (apelidado de novas tecnologias) e maior concentração de poder nas gerências, vou recorrer a uma obra que merece ser conhecida, America by Design: Science, Technology and the Rise of Corporate Capitalism (NOBLE, 1979)

David Noble introduz sua obra lembrando que há um entendimento muito difundido de que ciência e novas tecnologias estão mudando o mundo. Esta observação feita no final dos anos de 1970 continua muito atual. Membros dos movimentos políticos de esquerda dos anos de 1960, por exemplo, entenderam que as novas tecnologias da informação e comunicação era libertária. Colocaram na tecnologia uma esperança que desconhecia o uso da mesma pelo “capitalismo informacional” (Dean, 2010). Nesta direção:

… a rica complexidade do processo social é reduzida à inexorável lógica de um tecnologia formalística. Abstraída artificialmente do mundo em que as pessoas de fato vivem, tal concepção distorce tanto a própria tecnologia como a sociedade que lhe dá sentido. (NOBLE, XVIII )

Na sequência, o autor, faz um comentário que é muito atual:

Infelizmente, essa explicação simplificada da história tem ampla adesão, e é diariamente reforçada pelo hábito conceitual comum que distingue, de uma lado, “tecnologia”, e de outro, “sociedade” ( ou “cultura”), como se as duas fossem feitas de coisas completamente diferentes. Dentro dessa moldura, entende-se que, uma vez que a sociedade abrange tudo o que é humano, a tecnologia deve ser algo diferente do humano, uma força historicamente desencarnada imposta ao viver das pessoas. (NOBLE, XVIII-XIX)

Discursos sobre impacto das novas tecnologia no trabalho e na educação têm esse acento criticado por Noble.  É comum, por exemplo, dizer que tecnologias da informação e comunicação criam metodologias de ensino, uma metodologia que está embutida nos instrumentos, ignorando aspectos epistemológicos. Além disso, a mesma forma de pensar entende que o ensino de tecnologia independe de interesses (do capital e do trabalhador). Uma forma comum de expressar este entendimento é a de dizer que as tecnologias são neutras ou que apareceram “justamente” no momento em que se tornaram necessárias (WEIZENBAUM, 1976 ).

O que mais nos interessa aqui é a ideia de que novas tecnologias tornam o trabalho mais complexo, exigindo mais conhecimento dos trabalhadores. Não se mencionam, no caso, os usos que o capital faz das tecnologias, transferindo para máquinas, equipamentos, sistemas o saber do trabalhador. O aumento expressivo do trabalho morto, com o consequente desaparecimento do trabalho vivo, é ignorado. Fica parecendo que a tecnologia é neutra e que ela exige trabalhadores cada vez mais educados. Ao escrever este parágrafo, lembrei-me de um bordão do MOBRAL nos tempos da ditadura:

“Trabalhador educado não fica desempregado.”

Tal bordão não tem ligação direta com os discursos sobre tecnologia no sentido assinalado por Noble. Ele, porém, continua muito atual como expressão ideológica de quem vê tecnologia como uma produção a-histórica. Além disso, ao falar em trabalhador bem educado, o bordão não difere muito de discursos que sugerem necessidade de que os trabalhadores precisam ter sólida formação científica e tecnológica. A contradição entre esvaziamento do conteúdo do trabalho e a exigência de domínio de sabres científicos e tecnológicos precisa ser examinada. Entre outras coisas, ela vende a ilusão de que o trabalho tem hoje conteúdos muito mais sofisticados que no passado. Isso nos remete a vários temas sobre relações entre educação básica e educação profissional.  Destaco dois.

Trabalho idiota. Há muitos trabalhos que podem receber o cruel apelido de idiotas. Eles, porém, correspondem a diferentes situações do ponto de vista do saber do trabalho. Há profissões cujo conteúdo foi esvaziado e pouco exigem em termos de conhecimento. Há profissões cujo forte teor de manualidade alimenta preconceitos sociais com relação aos trabalhadores que as exercem. No primeiro caso, simetricamente, as exigências de formação profissional decresceram. Floresce neste caso o trabalho abstrato nos sentido das profissões que os adolescentes entrevistados por Willis (1991) sabiam que não era preciso preparação prévia, mas apenas um cultura operária de quem sabe que não há dificuldade para se conseguir um “trabalho idiota”. No segundo caso, preocupa-me o entendimento de que o trabalho manual não é uma dimensão epistemológica importante. O fazer é visto apenas como aplicação de conhecimento proposicional. A inteligência do trabalhador é ignorada. Em seção anterior comentei como isso ocorreu no caso da cozinha, opondo artesanato a elaborações conceituais supostamente favorecedoras de criatividade.

Mais tecnologia exige mais conhecimento dos trabalhadores. Há muitos anos visitei a linha de montagem das máquinas de escrever da Remington. Os componentes da máquina passavam por uma esteira e no seu posto o trabalhador devia realizar algumas operações rotineiras, colocar, por exemplo, as mesmas três letras no carro de tipos, o dia todo. Aquilo lembrava Tempos Modernos, o famoso filme de Carlitos. Perguntei quanto tempo era preciso para formar um trabalhador para atuar naquele ambiente, me responderam que bastava um semana de treinamento para que o trabalhador se qualificasse para ocupar quatro diferentes posições na linha de montagem. A linha de montagem da Regminton era uma avançada solução tecnológica para acelerar a produção, com o consequente desaparecimento de mecânicos capazes de produzir integralmente uma máquina de escrever.

Estou saindo dos trilhos ou dando voltas desnecessárias. Preciso retornar ao Noble. O entendimento de que a tecnologia é neutra favorece iniciativas do capital para empobrecer o trabalho e livrar-se da dependência de conhecimento de trabalhadores que dominavam o processo de produção. A educação escolar foi utilizada para isso no caso da engenharia mecânica. Nas velhas fábricas, o conhecimento de engenharia mecânica é dominado por trabalhadores do chão de fábrica. Esse conhecimento ganhou uma nova configuração supostamente sustentada pela ciência, ciência (também supostamente) que os trabalhadores deveriam aprender. Foram então criados cursos de engenharia de nível superior, destinado a estudantes que tinham sólida educação básica.

Simultaneamente à criação dos cursos de engenharia houve grandes mudanças nos processos de produção, transferindo saber dos trabalhadores para máquinas, equipamentos, sistemas. É um tempo em que florescem as ideias de organização científica do trabalho buscando maior eficiência dos trabalhadores com domínio reduzido dos processos de produção.

Com trabalhadores cujo saber foi sequestrado pelo capital, dizia-se que os conhecimentos científicos e tecnológicos dos engenheiros seriam aplicados com mais eficiência do que o antigo saber laboral. Sugeria-se que a sofisticação da produção deveria ser acompanhada por sofisticação na educação. O que aconteceu de fato foi que os engenheiros mecânicos assumiram nas fábricas funções gerenciais, controlando o trabalho dos operários. O que estava em jogo não era propriamente avanço tecnológico, mas eliminação do poder de trabalhadores que dominavam o processo de produção.

Noble observa:

Os homens que criaram a profissão [engenharia mecânica], promovendo a distinção entre o “engenheiro mecânico” e o “mecânico”, basearam tal distinção menos sobre a posse do conhecimento técnico do que sobre  o exercício significativo da autoridade supervisora. (…) Como resultado, emergiu um novo tipo de profissionalismo, aquele que enfatizava credenciais acadêmicos, treinamento científico e promoção formal, no interior das hierarquias das corporações, na direção da administração; (NOBLE, p. 37)

Os engenheiros mecânicos não desconheciam ciência e tecnologia. Ambas eram conteúdos importantes dos cursos em que se formaram. Mas o que faziam efetivamente nas empresas não era aplicação de conhecimento tecnológico. Um conceito-chave na profissão era padronização.

A padronização científica do trabalho decorreu diretamente, segundo o modo de pensar dos engenheiros, da padronização dos materiais e das máquinas. Enquanto a padronização era a “eliminação” da perda de materiais, observou Magnus Alexander, a administração científica era a “eliminação de perdas nas pessoas”.

Não é mera coincidência que Frederick Taylor , o pai da administração científica, tenha investido tanto tempo em métodos de como cortar metais quanto o ele levou formulando seu princípios da administração das oficinas. Um complementava o outro. Ele sistematizou e padronizou os processos de produção com a finalidade de concentrar o controle nas mãos da gerência; e ele formulou sua estratégia de racionalizadas. O ponto crucial de tudo era a padronização do trabalho humano e, no fim de tudo, dos próprios seres humanos. (NOBLE, p. 82)

Usei muitas linhas para apresentar algumas ideias de Noble sobre a formação de engenheiros mecânicos s sobre o papel que estres passaram a ter numa fábrica que adotara novos rumos em termos de uso da tecnologia para a produção. Parece que fiquei muito longe do tema central desta comunicação,  articulação entre formação profissional e educação básica. Penso que isto não aconteceu. As referências a Noble e os casos que contei sugerem uma reflexão necessária sobre ciência, tecnologia e sociedade. Cabem aqui as perguntas:

Quem se apossa da ciência e da tecnologia?

O que significa ensinar ciência e tecnologia para os trabalhadores?

Trabalho entendido como arte inclui ciência e tecnologia?

Como superar a ilusão de que a tecnologia é neutra?

O ouvido do Mell sabia diagnosticar falta de óleo no motor de arranque. Que nome dar a este saber? Como o trabalhador o aprende? Pode existir uma explicação para o som produzido por um motor de arranque sem óleo. Mas ela é diferente da habilidade de relacionar o som com a situação do motor. Talvez não possamos chamá-la de ciência ou tecnologia. Mas ela é conhecimento que independe de ciência e tecnologia. Na linguagem utilizada por muitos trabalhadores, ela é parte da arte do mecânico. Não é um saber que se aprende na escola, mas na oficina. O ouvido do Mell não foi afinado em sala de aula, nem se articulou com o ensino básico. Mais ou menos anos de escolarização carecem se significado para a afinação do ouvido. Nem a ciência, pelo menos a ciência ensinada nas escolas, faz isso. Os sons ouvidos pelo Mell certamente têm explicação racional. Eles indicavam situação em que as peças do motor de arranque se desgastavam por causa da insuficiência de óleo. Há boas explicações para isso, mas elas são insuficientes para educar o ouvido de um mecânico.

Em conclusão: não há articulação entre educação básica e treinos para ouvir sons sadios ou comprometidos do motor. E não se trata apenas de ouvir sons s saber o que significam. Ao ouvir um som, o mecânico imagina concretamente como estão as peças do motor. Os sons que ele conhece ajudam-no a projetar como o motor está funcionando concretamente.  Volto a repetir: o ouvido do Mell não foi afinado na escola, não foi afinado em salas de aula. Também não foi afinado em ensino de ciência sobre funcionamento de motores

Deixo em aberto os temas quer podem decorrer do que foi aqui abordado quando se pensa na articulação entre formação profissional e educação básica. Meu receio é o de que o ouvido do Mell seja esquecido e que a educação escolar do mecânico vá para a sala de aula e deixe de lado a oficina.

Mulheres em cena

Eu estava concluindo minhas considerações neste texto quando me lembrei de que conversas sobre formação profissional não podem ignorar questões de gênero. Há trabalhos em que durante muito tempo caberia o aviso: “mulher não entra”. Isto acontece não só no interior das empresas e nos modos pelos quais as pessoas veem o trabalho feminino, isto acontece nas instituições que oferecem formação profissional e nas escolas.

Para ilustrar o tema, vou utilizar dados que reuni num estudo que aborda a especificidade epistemológica do fazer para estabelecer direções no campo de formação de docentes que ensinam em ambientes oficinais. Como o estudo devia preencher algumas exigências acadêmicas, a linguagem será menos coloquial do que a utilizada até aqui, embora eu tente amenizar o discurso acadêmico. O pressuposto da  investigação era o de que os saberes que transitam em oficinas promovem um tipo bastante particular de conhecimento. E essa particularidade do saber está relacionada com aspectos físicos (ferramentas, sistemas, matéria prima, insumos, arquitetura dos locais de trabalho etc.) e sociais (compartilhamento do saber, relação mestre/aprendiz, participação na produção de obras, formas de cooperação, pertencimento a uma comunidade de prática, sentimento de identidade profissional etc.).  O foco das observações não eram questões de gênero, mas elas espontaneamente emergiram em diversas situações na medida em que o estudo avançava. E isso abriu janelas para que se pudesse abordar igualdade de gênero na confluência entre questões epistemológicas e capacitação profissional. Em muitas profissões ainda predominam ideias de que o saber que lhes é próprio está vinculado ao masculino ou ao feminino. Em comentário sobre a difícil missão de alterar valores que passaram a integrar estrutura de uma civilização, Fernand Braudel ( 1993) observa que há um grande desafio para se alterar visões sobre papéis da mulher na sociedade (cf. p. 28-29).

Razões para tanto são históricas, culturais e econômicas  mas os estereótipos sobre papéis femininos no trabalho tendem a esconder tais razões sob a capa de uma epistemologia que sugere limites de saber para as mulheres. A análise dessas razões foge ao escopo deste estudo. Mas cabe aqui examinar as consequências que história, cultura e economia acabam tendo em modos de entender o saber tecnológico em várias profissões, criando barreiras para o ingresso das mulheres em muitos campos no mundo do trabalho. O que analisei a partir das observações, considerando a igualdade de gênero, acentua aspectos epistemológicos que podem ter desdobramentos no acesso à educação e nas decisões dos docentes quando começam a receber mulheres em oficinas onde predominam alunos do sexo masculino. Por outro lado, cursos voltados para ocupações tradicionalmente femininas talvez precisem ser avaliados tendo em vista mudanças na atuação docente para que não se naturalize uma situação resultante de determinações históricas, não do ser homem ou ser mulher.

Resolvi aproveitar boa parte de minhas observações sobre educação, trabalho e gênero que fiz num estudo para a UNESCO. Talvez eu devesse ter reduzido o texto, mas acho que o tema, quase sempre esquecido, merece destaque.

Há solda feminina?

Num estudo (BARATO, 2015), acompanhei nove turmas de soldadores. Apenas três dessas turmas tinham alunas matriculadas, em número muito reduzido. Numa das turmas, com quatorze alunos, havia apenas uma mulher, adulta e ex-presidiária. Noutra turma, com vinte estudantes, havia apenas duas alunas. Finalmente, noutra turma de vinte estudantes, encontrei três alunas. Nas outras seis turmas acompanhadas não havia mulheres buscando capacitação profissional como soldadoras.

 A escola é referência nacional no campo do ensino de metalurgia. Sua oficina de soldagem é exemplar. A turma acompanhada era um grupo de alunas (apenas três) e alunos que buscavam capacitação como soldadores num curso de qualificação profissional. Em entrevista com o docente este explicou o tipo de soldagem que seria objeto da sessão naquele dia. Mostrou um cordão de solda considerado como obra bem feita do ponto de vista profissional. Disse que aquela soldagem exigia muito capricho e, por essa razão, as alunas tinham melhor desempenho na tarefa que os alunos. Essa informação era curiosa. Em princípio ela parecia favorecer as mulheres que, segundo o docente, eram capazes de maior capricho que os homens. Por outro lado, a afirmação do professor tendia a reservar para as mulheres apenas um tipo de soldagem que, aparentemente, exigia menor empenho físico do soldador ou soldadora. O elogio ao desempenho das mulheres num tipo específico de soldagem sugeria diferença de gênero no exercício da profissão, assim como diferença do ponto de vista epistemológico . No fundo, o incidente crítico que acabou emergindo na fala do professor retrata um tratamento que sugere que há trabalhos de homem e trabalhos de mulher. Esse modo de entender sinaliza uma particularidade epistemológica contestável, sutilmente sinaliza que é próprio das mulheres apenas um saber relacionado com determinadas visões sociais de feminilidade. Dessa forma, a instituição escolar reforça, via considerações de caráter epistemológico, visões sobre papel apropriado das mulheres no mundo do trabalho. O professor, ao externar sua opinião sobre que trabalho de soldagem era mais adequado para as mulheres, disse que aquela era uma visão das empresas que preferiam mulheres para serviços de solda que exigem mais capricho. Esta suposta vantagem pode ter outra interpretação. A soldagem à qual o docente se referia tinha características de um trabalho repetitivo que exigia atenção concentrada do soldador. Num relato de uma soldadora americana (ROSE, 2007), verificamos que colegas de curso e docente destacavam as mulheres para os trabalhos repetitivos e as afastavam de tarefas mais desafiadoras e criativas. Assim, o que emergiu em minhas observações como aspecto que poderia favorecer as mulheres que começam a ingressar, ainda em número pequeno, em cursos de soldagem, é indicador de que há uma questão de cunho epistemológico que precisa ser mais discutida. De certa forma, a soldagem continua a ser considerada uma atividade para homens, ficando reservados para as mulheres apenas aspectos periféricos da profissão. Isso revela uma concepção de que o saber profissional dos soldadores é próprio de homens. Implicitamente, a fala do docente que acompanhei é a de que mulheres podem enfrentar dificuldades para apreender o conhecimento da profissão.  

Vale aqui lembrar a biografia da soldadora Lisa Leghon, Ela entrou ainda jovem num programa de capacitação de soldadores para contrariar os pais. Posteriormente, encantou-se com a profissão e continuou estudos de soldagem no nível superior. Nas narrativas sobre sua aprendizagem e carreira profissional, Lisa realça alguns dos aspectos que observamos em oficinas: encantamento com a produção de obras, desafios intelectuais decorrentes de problemas colocados pelo fazer, sentimento de pertencer a uma comunidade que compartilha valores. Por outro lado, sua presença em ambientes onde predominavam homens desvelou aspectos que mostram preconceitos e resistência à presença feminina em oficinas de soldagem. Convém reproduzir o que Mike Rose (2007) observa a partir da história de vida de Lisa:

… colegas de trabalho […] tentavam passar para ela as tarefas mais repetitivas e consideradas menos importantes; [surgiam] ofensas raciais [Lisa é uma mulher negra] e brincadeiras sexistas no ambiente, em um tom que era aumentado de um decibel a dois quando ela estava presente. Homens a desafiavam verbalmente – “O que você está fazendo aqui? Por que não está em casa?” – ou que a ameaçavam fisicamente. (p. 206)

Mulheres que, como Lisa, optaram pelo ingresso numa ocupação dominada por homens, enfrentaram tentativas de exclusão que podiam aparecer na forma de ofensas pessoais, em barreiras no exercício da profissão, em traços de preconceito quase nunca explícitos, mas encobertos por explicações de que mulheres não seriam capazes de realizar as tarefas mais exigentes da profissão  O saber técnico em ambientes industriais foi, durante muito tempo, entendido como exclusivo de homens. Mulheres, se admitidas em tal ambiente, iriam desempenhar sempre funções secundárias e não tinham acesso ao saber tecnológico dos ofícios mais prestigiados. Em consequência, escolas e docentes tendiam a não exigir das mulheres desempenhos mais expressivos em tarefas consideradas masculinas.

Em abordagem mais ampla do mesmo fenômeno, Liv Mjelde (2016) observa:

Faz uns vinte anos que foi desencadeado um rico debate sobre a participação da mulher no mercado de trabalho manufatureiro e suas posições subordinadas nele (Beechey, 1987; Cavendish, 1982; Cockburn, 1983, 1985, 1986; Glucksmann, 1995). Um dos aspectos característico do trabalho feminino no setor industrial tem sido o de que as mulheres se concentraram em determinadas indústrias a níveis particulares, onde ficaram sujeitas sistematicamente a salários e condições de trabalho inferiores aos de seus companheiros de trabalho masculinos. A “qualificação ou a questão da competência” tem também sua história específica associada a gênero; mais homens que mulheres encontraram seu lugar no mercado de trabalho manufatureiro qualificado, enquanto que a maioria das mulheres empregou-se  em trabalhos não qualificados ou semiqualificados. Nos ofícios marcados pela divisão entre trabalho qualificado e semiqualificado, como no da indústria gráfica, os homens tradicionalmente obtiveram as posições qualificadas. (MJELDE, 2016, p. 119) 

Convém ressaltar aqui um dos mecanismos que afastam as mulheres de certas ocupações: a convicção de que há trabalhos que não são apropriados para elas.  

Mas, há aspectos físicos que merecem atenção.   Roupas profissionais de proteção utilizadas foram concebidas para corpos masculinos. Para a maioria das mulheres o desconforto no uso da roupa de proteção é evidente. Convém aqui recorrer ao testemunho de Sue Silverstein, uma das soldadoras pioneiras nos Estado Unidos, em resposta a pergunta sobre os maiores obstáculos que enfrentou no início de sua carreira como soldadora (AIR GAS THINKS, 2018)

Quase odeio o que vou dizer, pois minha fala pode sugerir um estereótipo sobre o feminino; mas o maior obstáculo que enfrentei foi o das roupas utilizadas em soldagem. Eu ficava muito limitada com o tipo de EPI (Equipamento de Proteção Individual) disponível, e foi muito difícil encontrar botas de trabalho e máscaras suficientemente pequenas para meu tamanho. Felizmente acesso a equipamento adequado melhorou com o passar dos anos na minha carreira.

Nos ambientes observados para este estudo, parece que uma medida relativamente simples nos dois casos não é considerada, a de oferecer para mulheres EPI (Equipamento de Proteção Individual) adequado para seus corpos. Tal providência deveria fazer parte de necessárias mudanças para que as mulheres sejam devidamente acolhidas em alguns ambientes oficinais. Esses detalhes que observamos devem ser entendidos na direção de recomendação feita por Fawcett e Howden (2002) para que as instituições de educação profissional e tecnológica revisem materiais e currículos de ocupações tradicionais para superar estereótipos. O que constatei nas observações feitas em oficinas de solda e em cozinhas de diversas escolas de EPT é a existência de um ambiente masculino que se reflete no discurso da categoria profissional e nos equipamentos necessários ao desenvolvimento do trabalho. Parece que os educadores diretamente envolvidos com as atividades nos dois casos não percebem tal circunstância. De certa forma, a arquitetura do ambiente, assim como EPI, ferramentas, máquinas etc., é concebida para um grupo exclusivamente masculino. Em vez de mudar materiais e currículos, as escolas obrigam as mulheres a se adaptarem ao ambiente tradicional das ocupações . Há aqui espaço para que escolas e empresas comecem a considerar as necessárias mudanças para que certas barreiras físicas possam ser superadas.  

Liv Mjelde (2016) examina na história do ensino de cozinha  que mostra como aprendizagens nesse campo foram desenvolvidas inicialmente para o público feminino. Mjelde estudou a emergência do ensino da economia doméstica na Noruega no final século XIX. A autora centra sua análise num manual organizado para o ensino da cozinha. Tal ensino não estava voltado para o trabalho no mercado, mas para o trabalho doméstico, pois, em muitos países da Europa, os sistemas de ensino elegeram questões da alimentação e saúde dos trabalhadores como objeto de seus currículos, argumentando que as famílias proletárias poderiam ter vida mais saudável, assim como discernimento para aplicação de seus limitados recursos, se aprendessem princípios básicos de ciências que poderiam ser utilizados na vida cotidiana. A cozinha foi escolhida como o espaço que melhor poderia incorporar bases científicas por meio de produção saudável e barata de alimentos no espaço doméstico. Cabe reiterar que o ensino de cozinha não tinha finalidades profissionalizantes. Estava voltado, como já assinalamos, para o lar. E no lar, a produção de alimentos era concebida como uma extensão de trabalho de cuidado não remunerado nos termos de como o definem hoje as ciências sociais (BRASIL, 2016). A Economia Doméstica, da qual fazia parte o ensino de cozinha estudado por Liv Mjelde foi adotada no Brasil desde 1909 (AMARAL JÚNIOR, 2018) e era oferecida para as meninas nos antigos ginásios industriais do Estado de São Paulo. Um documento da Superintendência do Ensino Profissional, Secretaria de Educação e Saúde do Estado de São Paulo, “São Paulo – Realizações do Ensino Profissional: 1930-1940” (MORAES e ALVES 2002) é revelador em tal direção:

É preciso considerar também que a atuação da mulher na sociedade moderna exige dela, mesmo em se tratando de modesta profissional, certos conhecimentos que a habilitam a vencer, quer na vida pública, sabendo organizar inteligentemente e dirigir com proficiência o seu trabalho, quer na vida íntima, amparando os seus, evitando-lhes males e doenças, pela aplicação dos princípios de Higiene, da moderna Puericultura e da Dietética. A solução do problema da melhoria da raça repousa, em grande parte, sobre os ombros da mulher. (p. 134)

 O trecho citado reproduz o pensamento que esteve presente em propostas do ensino da economia doméstica desde a metade do século XIX. Mjelve situa esta história a partir de um material que retrata como se concebia a educação para o trabalho da cozinha nos lares proletários, um manual didático escrito pela ativista social Dorothea Christensen. Ela iniciou o ensino de cozinha com a criação, em 1890, de uma cozinha-escola para meninas que frequentavam o ensino fundamental. É interessante notar que Dorothea não ia para a cozinha. O ensino do fazer era tarefa de uma associada sua, Margarethe Ebbesen. A autora do manual apenas planejava atividades e escrevia. Ela não produzia obras na cozinha. Tal associação caracterizava uma clara divisão entre cérebro e mão.

Como já observamos, o ensino de cozinha nas escolas tinha como objetivo aplicar conhecimentos científicos que melhorassem o padrão alimentar dos trabalhadores. Esse movimento, rotulado de cientifismo (LEITE, 1992)  retrata um otimismo dos intelectuais do século XIX quanto à associação entre ciência e as atividades da vida cotidiana.  Dante Moreira Leite caracteriza o cientifismo como segue:

Fundamentalmente, o prestígio das ciências naturais e a tentativa de cientificicar o conhecimento do homem decorreram não do progresso científico, mas da tecnologia científica. Vale dizer, quando as aplicações tecnológicas permitiram a transformação mais eficiente da natureza – seja através da utilização da energia, seja através do controle físico dos organismos – a ciência tinha demonstrado sua eficiência e utilidade.” (LEITE, 1992, p. 181-182)

Neste sentido, o ensino não mudava papéis sociais, nem preparava as mulheres da classe operária para o trabalho fora de casa, mas procurava melhorar a eficiência do que elas já faziam normalmente. É nessa direção que o ensino da cozinha apareceu em escolas no século XIX. Buscava-se enriquecer com conhecimentos de ciências o fazer cotidiano das mulheres no espaço doméstico.

A economia doméstica era pensada como uma economia para a casa dos trabalhadores. O livro analisado por Mjelde contém conselhos para que “famílias de trabalhadores” com poucos recursos pudessem preparar refeições saudáveis e nutritivas. E nas “famílias de trabalhadores” a responsabilidade pela economia doméstica era das mulheres.

Liv Mjelde (2016) caracteriza o pensamento sobre papéis femininos na época como segue:

[A situação das mulheres era explicada] por um grupo de cientistas sociais cujos membros [todos homens] se definiam como “feministas domésticos” e viam as mulheres fundamentalmente como objetos sexuais. A biologia era o destino das mulheres. Esses homens acreditavam que as mulheres podiam melhorar seu status social e incrementar seu valor na sociedade sendo mais qualificadas em sua esfera tradicional de atividade. (p. 108)

Há outro aspecto de interesse para as questões de gênero no caso do ensino das tarefas da cozinha no âmbito da economia doméstica. No início, nas cozinhas escolares ensinava-se um saber holístico que não separava bases científicas de suas aplicações na produção de alimentos. As mulheres pioneiras do ensino de cozinha nas escolas abordavam tanto as técnicas de produção alimentar quanto informações úteis no campo da química, dietética, higiene. Com o tempo, porém, informa Liv Mjelde (2016) o ensino na cozinha ficou restrito a técnicas de produção de alimentos, os aspectos científicos do cozinhar foram para a sala de aula. Caracterizou-se então divisão evidente entre trabalho manual e trabalho intelectual. Mas, não foi só isso. O ensino de química e biologia associado à cozinha foi para sala de aulas onde todos os professores eram homens.  Essa prática que caracterizou o ensino de ciências para mulheres no âmbito da economia doméstica ainda tem reflexos educação de maneira geral. Por essa razão uma das orientações da UNESCO (2014) aborda o tema propondo que:

Nas Ciências naturais, a UNESCO atua para fornecer modelos significativos de papéis para as mulheres em ciências, favorecendo a capacitação de mulheres em ciências naturais e engenharias, e apoiando contribuições especiais de homens e mulheres para a geração do conhecimento científico e a disseminação do avanço de desenvolvimento sustentável. (p. 12)

A separação entre oficina e sala de aula na história do ensino de cozinha em economia doméstica mostra uma direção que vimos criticando neste estudo. Além disso, ela é reveladora de outro aspecto que nos interessa aqui, a relação entre epistemologia e decisões didáticas. A ideia de que a ciência é uma atividade masculina afastou as mulheres por muito tempo de atividades de produção científica. E, no campo do trabalho, as afastou de profissões em que a tecnologia se associa muito claramente à ciência. No campo da saúde, o mesmo movimento causou uma divisão de gênero, reservando para homens atividades mais vinculadas às ciências, como foi o caso da medicina, e reservando para mulheres atividades mais relacionadas com o cuidado, como foi o caso da enfermagem. Essa divisão tem sido estudada em tempos recentes, pois necessidades de cuidados a crianças e idosos vêm deixando os limites dos lares e ingressando no espaço público. Helena Hirata (2016), que costuma designar atividades de cuidado como profissões do afeto, estudou o fenômeno em três países (França, Japão e Brasil). Em seus estudos, Hirata mostra que a maioria dos profissionais do cuidado é composta por mulheres, num processo de transferência de atividade que antes acontecia nos lares para instituições profissionalizadas. Nos três países há alguns traços comuns: a remuneração é baixa, a profissionalização dos trabalhadores é precária, o trabalho quase sempre é exercido por imigrantes, a maioria dos profissionais do cuidado são mulheres. Homens que exercem tal tipo de trabalho são raros e se veem obrigados a assumi-lo por  não encontrarem outra alternativa. Na França, Helena Hirata encontrou alguns médicos africanos que, impedidos de exercer a medicina no país, aceitam trabalho de cuidado de idosos. No Brasil, a pesquisadora encontrou também casos de rebaixamento ocupacional de pessoas com formação profissional na área de saúde. Em muitas instituições, enfermeiras e auxiliares de enfermagem acabam aceitando trabalho e remuneração de cuidadoras.

Comparando profissões subalternas da área de saúde com atividades de produção de alimentos, concluímos que em ambos os casos predomina o trabalho do cuidado. Mas, há uma diferença significativa. No primeiro caso, as atividades antes limitadas ao lar passam a ser trabalho remunerado. No segundo caso, o ensino de cozinha, no âmbito da economia doméstica, apenas reafirma a visão tradicional de um cuidado que mulheres deveriam oferecer às suas famílias. O ensino de cozinha que examinamos em diversos hotéis e restaurantes escolas não é uma reprodução ou continuidade de atividades domésticas, mas um fazer vinculado a produção profissional de alimentos. Essa origem do ensino de hotelaria explica em parte porque predominavam homens em cursos de capacitação de cozinheiros nas instituições de EPT e exige ainda iniciativas para que a igualdade de gênero seja respeitada na formação profissional e nas relações de trabalho de cozinheiras e cozinheiros.

De volta ás oficinas de soldagem

O trabalho com solda nos parece muito interessante como plataforma para reflexões sobre igualdade de gênero. O ambiente de oficinas na área ainda é um domínio masculino. Mas a arte de unir metais é muito atrativa e a remuneração dos soldadores costuma ser bastante mais elevada que a de outros profissionais, incluídos os que possuem diploma de ensino superior. Além disso, a possibilidade de mulheres trabalharem como soldadoras, como observa  Liv Mjelde (2016) atrai a atenção da opinião pública. O número de soldadoras é ainda muito pequeno, dentro do padrão para ocupações industriais que Liv Mjelde caracteriza como cifra insignificante.  Nos Estados Unidos, por exemplo, as soldadoras são apenas 5% da categoria (WITSIL, 2016; AGHAJANIAN, 2018). No Brasil o número é ainda menor, ficando em torno de 3,7% (ESAB, 2015). Por isso, como observamos atrás é raro encontrar alunas em cursos de soldagem.

Em tentativas de alterar o quadro de um número insignificante de mulheres soldadoras há movimentos, numa linha de ação afirmativa, que resultam na formação de turmas exclusivamente femininas. Há inclusive projetos, como o Women Who Weld (WITSIL, 2016) que têm por objetivo oferecer apenas para mulheres oportunidades de aprendizagem no campo da soldagem. Ofertas de cursos de soldagem com turmas exclusivamenge femininas aconteceram também no Chile (BIRKLAND, 2019) e no Brasil (SENAI, 2014). No geral, tais programas são articulados com empresas que se comprometem a contratar soldadoras, e os resultados que apresentam são bastante positivos. Por um lado, tais iniciativas abrem espaços importantes para o ingresso das mulheres no campo da soldagem, uma vez que o estereótipo da ocupação ainda é o de um universo masculino. Por outro lado, as mesmas inciativas não têm todas as características das mudanças mais  desejáveis em programas de capacitação profissional em que ainda predominam trabalhadores do sexo masculino.

Em estudo realizado para o Bank’s Women in Development – WID (FAWCETT e HOWDEN, 1998) há uma recomendação relacionada com propostas de formação de turmas exclusivamente femininas para capacitação profissional em ocupações onde predominam homens. O documento do WID sugere cuidados de integração que resumo a seguir:

  • Embora programas específicos para mulheres ainda sejam necessários em alguns casos, a melhor estratégia é a integrativa, aquela em que as mulheres ingressam em cursos ao lado dos homens.
  • Em abordagens integrativas é preciso assegurar apoio específico para as mulheres. Tal apoio pode compreender medidas tais como: material promocional que deixe claro que o curso é acessível para mulheres; pré-treinamentos para familiarização com vocabulário, conceitos e ferramentas próprias da ocupação; aulas para promover acesso a informações que facilitem incorporação feminina no mercado de trabalho próprio da profissão.

Essa indicação do documento citado encerra-se com a seguinte observação:

A abordagem integrativa é particularmente efetiva em instituições bem estabelecidas, onde novas atividades podem ser introduzidas para complementar o treinamento especializado já existente. Em tal situação, as necessidades específicas de homens e mulheres podem ser atendidas no planejamento do programa de capacitação profissional. (p. 9)

Essa mesma observação é retomada no documento mais à frente nos seguintes termos:

O Plano nacional para implementar essa estratégia tem como alvo transformar as instituições de EPT de maneiras que elas atendam as necessidades ocupacionais e sociais das mulheres participantes (CINTERFOR, 1992). A vantagem de concentrar-se nas instituições de EPT existentes é a de oferecer, com o tempo, a legitimidade e credibilidade que elas podem garantir, assim como acesso a oficinas e recursos que elas podem disponibilizar. (p. 11).

 O incidente crítico que mencionei logo no início desta seção, o de um docente elogiando capricho e atenção das mulheres num tipo particular de soldagem, pode servir de referência para outas análises sobre igualdade de gênero no campo da educação profissional e tecnológica. Disfarces epistemológicos sempre podem aparecer como interpretações de que certos grupos humanos são mais capazes que outros em algum campo do conhecimento. Nas oficinas, tais disfarces podem aparecer para justificar diferenças de desempenho entre homens e mulheres, sem levar em conta restrições ambientais para o trabalho das mulheres, assim como fatores sociais e culturais que prepararam homens e mulheres diferentemente antes de seu ingresso num ambiente oficinal.

… e os pretos foram expulsos da cozinha

No que eu disse, acho que há elementos suficientes para que se entenda o complemento que propus ao título desta comunicação. Por isso não vou insistir sobre ele. O caso do curso de cozinheiro do Grande Hotel São Pedro mostra como interesses de classe remodelam a formação profissional. Um curso que antes acomodava pobres, pretos e pessoas pouco escolarizadas, agora é objeto de desejo dos filhos da classe média. As chances de pretos nele ingressarem são mínimas. A história que contei diz muito sobre relações de uma sociedade de classes com a escola e a formação profissional. Conversas sobre articulação de dois sistemas educacionais como se eles fossem apenas alternativas de educação gera propostas formais do que fazer, mas ignoram a quem interessa a educação que se oferece nas escolas e nos centros de

Conclusões

Depois de escrever vinte duas páginas desta comunicação, resolvi pensar um pouco sobre as conclusões que poderiam decorrer do meu escrito. Relacionei tais decorrências em tópicos que lembram o que Lutero chamava de teses, enunciados que marcam posições que precisam ser muito bem discutidas. Ao finalizar o texto, julguei que meu impulso inicial de escrever as conclusões e forma de enunciados era uma boa medida. De tudo o que eu escrevi decorrem, entre ouros, os seguintes enunciados:

  • As relações entre educação básica e educação profissional são de conflito.
  • A formação profissional resiste à escolarização, mas está perdendo a guerra.
  • Não há articulação entre educação básica e educação profissional.
  • Quando a formação profissional é escolarizada o trabalho tende a desaparecer.
  • Não há também articulação entre educação superior e educação profissional.
  • As profissões idiotas são esquecidas quando se fala em educação.
  • Em orientação profissional as profissões idiotas não são incluídas.
  • Velhas artes podem incluir ciência e tecnologia.
  • Ciência e tecnologia matam velhas artes.
  • Ciência e tecnologia não mudam per se as relações sociais.
  • A educação escolar (básica ou superior) subordina a formação profissional a exigências acadêmicas.
  • Falta de educação escolar não é barreira quando o capital precisa de determinado tipo de trabalhador.

Ou

  • “O capital usa a escola de acordo com seus interesses” (Claudio Salm)
  • A educação profissional escolar tenta acabar com as oficinas.
  • As oficinas são local de resistência á educação escolar.
  • A educação artesanal deixa a academia escandalizada.
  • Educadores ilustres não conseguem enxergar a boa educação do trabalhador que aprendeu sua profissão no e pelo trabalho.
  • Alguém precisa fazer o trabalho idiota.
  • Laboratórios de escolas de educação profissional não hospedam trabalho, apenas ciência.
  • Laboratórios não produzem obras, são apenas ambientes de uso para comprovar princípios científicos empiricamente.
  • Oficinas não são laboratórios de aplicação.
  • Não precisamos de salas de aula em educação profissional.
  • Há um desvio epistemológico na escolarização da formação profissional: o saber do fazer é rebaixado a mera habilidade.
  • Habilidade é conhecimento.
  • Pedreiros sabem o que fazem.
  • A psicologia das garçonetes funciona melhor que a psicologia dos livros,
  • Interesses de classe desenham boa parte dos currículos de cursos técnicos e superiores.
  • Toda e qualquer formação profissional deveria ser pós-secundária.
  • Devíamos voltar a chamar formação profissional de formação profissional, em vez de educação profissional.
  • O trabalho entra com muitas dificuldades na escola.
  • O saber do trabalho é mais arte do que ciência e tecnologia, mas na nova educação a arte foi rebaixada a belas artes.
  • A estética kantiana anulou a arte como saber.
  • Escolas não promovem a arte do trabalho.
  • Valores ensinados em sala de aula não são aprendidos como tal.
  • Valores nascem do fazer, não do dizer.
  • A precedência da sala de aula em educação profissional rebaixa o trabalho.
  • A escolarização da educação profissional afasta os aprendizes das comunidades de prática.
  • O conhecimento abstrato promovido pela escola não chega ao trabalho na hora H (ver Sylvia Scribner).
  • Constrói-se conhecimento trabalhando
  • Os primitivos são capazes de abstrações sofisticadas.
  • É possível aprender a trabalhar num curso de formação profissional.
  • A didática escolar mata a aprendizagem pelo trabalho.
  • Trabalhar talvez seja a forma mais importante de aprender.
  • Aprende-se a advogar no escritório, não na faculdade. (Não importa a beleza do que se vê na série Paper Chase).
  • Na minha rua há mais de cem zeladores de edifício. Desconfio que nenhum deles é formado. (houve uma época em que certos condomínios exigiam certificado de curso feito no SENAC).
  • Quem nunca trabalhou está formando trabalhadores.
  • Os mestres de ofício sabiam o que estavam fazendo.
  • A pedagogia das competências é um coveiro do trabalho.
  • A insistência de que o trabalhador precisa saber ciência nasce da mesma matriz que produziu a pedagogia das competências.
  • O contexto é parte integrante do saber do trabalho.
  • Cirurgia aprende-se com o bisturi na mão.
  • Cirurgia, assim como marcenaria, é arte.
  • Mão e tesoura não se distinguem quando um cabeleira está cortando cabelo.
  • No fazer, o trabalhador projeta a obra que quer realizar.
  • formação profissional

Perguntas

Ao meu ensaio de conclusão na forma de enunciados, podem ser acrescidas muitas perguntas sobre formação profissional. Não desenvolvi um extenso elenco de perguntas que podem ser feitas. Litei apenas algumas para indicar rumos:

  • Zeladores de edifício devem ser formados em cursos de qualificação ou em cursos técnicos?
  • Que formação deve ter uma cabeleireira?
  • Alunos formados em curso de gastronomia empregam-se como chefs de cozinha?
  • Chapeiro é um trabalho idiota?
  • A profissão de pedreiro é um destino ocupacional para pessoas pouco educadas?
  • Você sabia que fisioterapia já foi um curso livre?
  • Como justificar a existência de um curso técnico de padeiro?
  • Em que nível formar um soldador?
  • Onde formar um encanador?
  • Formados em engenharia elétrica são capazes de consertar televisão?

Referências

AGHAJANIAN, l. There’s a Shortage of Welders. Will More Women Fill The Gap?

Aug 21, 2018. The Atlantic, 2018.

Air Gas Thinks (Magazine). Editorial Staff | February 28, 2019. 

AMARAL JÚNIOR.   Educação para mulheres: análise histórica dos ensinamentos de economia doméstica no Brasil. Revista HISTEDBR On-Line, v. 13, n. 52, 2018. Consulta efetivada em 01/05/2019. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640242 Consulta efetivada em 01/05/2019

BARATO, Jarbas N. Trabalhadores bem-educados. Boletim Técnico do SENAC, 49, 2023.

BARATO, Jarbas N. Trabalho, conhecimento e educação: tributo a Mike Rose. Boletim Técnico do SENAC, 47(2), 2-32, 2022.

BARATO, Jarbas N. Oficinas e conhecimento: um desafio para a capacitação de docentes em educação profissional e tecnológica. Brasília: UNESCO, 2021.

BARATO, Jarbas N. Verticalização do Ensino e Trabalho: Educação Profissional para Todos. Relatório Final de Pesquisa. Brasília: UNESCO, 2020.

BARATO, Jarabas N. Formación Profesional: Saberes del ócio o saberes del trabajo? Montevideo: CINTERFOR, 2005

BIRKLAND, C. D. AKVA group Chile promotes gender equality in their productive processes. Blog AKVA Group, Mar 7, 2019. https://blog.akvagroup.com/news/akva-group-chile-promotes-gender-equality-in-their-productive-processes  .  Consulta efetivada em 03/05/2019.

BOCK, Silvio. Orientação profissional: A abordagem sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2014.

BOCK, Silvio. Orientação Profissional para as Classe Pobres. São Paulo: Cortez Editora, 2010.

BRASIL – Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Economia dos Cuidados: Marco Teórico-Conceitual – Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2016.

BRAUDEL, Fernand. A History of Civilization. New York: Penguin Books, 1993.

CRAWFORD, Matthew. The Case for Working with Your Hands. London: Penguin Books, 2011.

CRAWFORD, Matthew. The world beyond your head: on becoming an individual in the age of distraction, New York: Farrer, Straus and Giroux, 2015.

DEAN, Jodi: Blog Theory. Cambridge: Polity Press, 2010.

FAWCETT, C. S. e HOWDEN, S. Gender Issues in Technical Training and Vocational Education Programs. Bank’s Women in Development (WID): Washington, 1998.

GAMBLE, J. What Kind of Knowledge for the Vocational Curriculum? In MJELDE, L. & DALY, R. (Eds.). Working Knowledge in a Globalizing World: From work to learning, from learning to work. Bern: Peter Lang, 2006.

ESAB. Mulheres Mostram Que a Solda Pode Ser Forte e Bela. Artigo em https://www.esab.com.br/br/pt/news/archive/dia-da-mulher-2015.cfm .2015. Consulta efetivada em 30/04/2019.

FRASCA, Rosella. Mestieri e professioni a Roma: una storia dell’educazione. Firenze: La Nuova Italia, 1994

HIRATA, H. O Trabalho de Cuidado: Comparando Brasil, França e Japão. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. 24 – v.13 n.24•53 – 64 | 2016.

HUTCHINS,  Edwin. Understanding Micronrsian Navigation. In GENTNER, Dedre e STEVENS, Albert J.(Ed.). Mental Models. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates Publisher, 1983.

KELLER, C, e KELLER, J. Thinking and acting with iron. In CHAIKLIN, S. E LAVE, J (ed.). Understanding practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

LAVE, Jean. Cogniton in Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

LEITE. D. M. O Caráter Nacional Brasileiro: História de uma ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1992.

MACHADO, Lucília Regina. Diferenciais inovadores na formação de professores para a educação profissional. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, cl. 1, n. 1. Brasília. MEC, SETEC, 2008.

MJELDE, L. Las Propiedades Mágicas de la Formación en el Taller. Montevideo: Cinterfor, 2016.

NOBLE. America by design: Science, technology and the corporate capitalism. Oxford: Oxford University Press, 1977.

NOBRE, Celso D. Das Guildas da alimentação a chef de cozinha: transformações no ofício de cozinheiro. In COSTA, Luciano, APRILE, Maria Rita e BARONE, Rosa Elisa (org.). Ofícios e Saberes: histórias e resistências de trabalahadores. Bauru: Gradus Editora, 2022.

PARO, Vitor.  A propósito do ensino profissional livre. Ca. Pesq., São Paulo (36): 27-40, fev. 1981,

ROSE, Mike. O Saber no Trabalho: Valorização da inteligência do trabalhador. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2007.

ROSE, Mike. De Volta à Escola: porque todos merecem uma segunda chance na educação. São Paulo: Editora SENAC, 2015.

SENAI. SENAI qualifica mulheres na área de soldagem. Portal do SENAI, Departamento Regional do Piaui, 2014. https://fiepi.com.br/senai/noticias/geral/senai-qualifica-mulheres-na-area-de-soldagem-2408.html .   Consulta efetivada dia 21/04/2019.

UNESCO.  UNESCO Priority gender Equality Action Plan: 2014-2021. Paris: UNESCO, 2014.

WEIZENBAUM, Joseph. Computer Power and Human Reason: from judgment to calculation.San Francisco: Freeman and Company, 1976.

WRESCH, William. Haves and Have-nts in the Information Age. New Jersey: Rutgers University Press, 1996.

WILLIS, Paul, Aprendendo a Ser Trabalhador: Escola, Resistência e Reprodução Social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

WITSIL, F. Women who weld: Male-dominated skill aims for parity. Detroit Free Press, 2016. https://www.freep.com/story/money/business/michigan/2016/04/02/women-welders-workplace-skills-gender-gap/82429122/.&nbsp; Consulta efetivada em 01/05/2019.

 YAMAMOTO, Fernanda A. Aprendizagem da Docência de Professores de Educação Profissional. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Universidade Mackenzie, 2013.

SIL, F. Women who weld: Male-dominated skill aims for parity. Detroit Free Press, 2016. https://www.freep.com/story/money/business/michigan/2016/04/02/women-welders-workplace-skills-gender-gap/82429122/.&nbsp; Consulta efetivada em 01/05/2019.

 YAMAMOTO, Fernanda A. Aprendizagem da Docência de Professores de Educação Profissional. (Dissertação de Mestrado). São Paulo: Universidade Mackenzie, 2013.

Formação de Professores de EPT

outubro 31, 2023

Segue indicação de material que preciso examinar

Caminhos da formação profissional

outubro 10, 2023

Saio de conversa na qual se falou de itinerários formativos e verticalização da educação profissional. Firmei convicção que as duas coisas são equívocos. Elas sugerem que profissões como encanador, eletricista, pedreiro etc. são inferiores. Quem nelas está precisa subir os degraus superiores no nível técnico, tecnológico e pós-graduado.

Minha solução é a de horizontalizar a educação profissional, igualando toda e qualquer formação.

O credencialismo ocupacional que passa por certificados e diplomas escolares é uma invenção para dar poder a gente que fez curso “superior”, subordinando os detentores de cursos “inferiores”.

Ondas em TIC

outubro 9, 2023

Em tecnologia da informacão e comunicação sucedem-se ondas que morrem na praia para serem logo esquecidas. Algumas até voltam, mas são mais modestas e logo desaparecem, tragadas por ondas mais parrudas. Entre aparecer e morrer na praia, as ondas cumprem um ciclo que dura uns cinco anos. Poucas duram mais, mas não ultrapassam os dez anos.

As ondas de TIC podem ser de tudo: linguagens de programação, instituições, aplicativos etc. Seguem exemplos das tais ondas: basic, visual basic, pascal, orkut, logo, future kids, pilot, Tetris, Carmen San Diego, scratch, disquetes, CDs, vídeo discos, hypercard.

Hypercard. Foi uma onda grande. Pouca gente hoje dela se lembra.

Outra onda TIC que já morreu na areia da praia, Futurekids. Era uma escola de informática para crianças que acertou na mosca, pois a classe média queria que suas crias, em tenra idade, ingressassem logo no mundo das novas tecnologias.

Gostaria de saber se alguém que passou pela Futurekids teve alguma vantagem.Se você foi uma criança com tal experiência, comente aqui.

A ideia era a de que as crianças fossem para o computador assim que deixassem as fraldas.

Outra onda TIC que se foi, Pilot. Era um aplicativo que, entre outras coisas, permitia desenho de imagens e uso de movimento em lições com ele preparadas. Fui sujeito de uma pesquisa que um colega de mestrado estava fazendo sobre ele em 1983. O pesquisador buscava dados para saber como alunos reagiriam a usos do Pilot.

Havia expectativa de que o Pilot seria ferramenta revolucionária para educadores. Ele fez lá uma marola e sumiu. Exceto pelo Eduardo Chaves, não conheço qualquer educador que se lembre de aplicativo tão promissor.

Tive bastante dificuladades para encontrar referências sobre o Pilot na Web. Depois de muito buscar, encontrei-as num registro histórico sobre o Apple II. Clique no que segue, Language…, e vá até o título Other Languages para ver o que era o Pilot, como ele surgiu, e como foi redesenhado para o Apple II.

Trabalho Educação Billett

setembro 24, 2023

Knowing in practice: Re-conceptualising vocational expertise Stephen Billett School of Vocational, Technology and Arts Education Faculty of Education, Griffith University NATHAN 4111 Australia Ph (61) 7 3875 5855 Fax (61) 7 3875 6868 Email s.billett@mailbox.gu.edu.au Billett S (2001)

Knowing in practice: Re-conceptualising vocational expertise Learning and Instruction 11 (6) 431-452.

Knowing in practice: Re-conceptualising vocational expertise The following re-conceptualisation of vocational expertise is premised on reconciling contributions from cognitive psychology with those from social and cultural theories of thinking and acting. Relations between the individuals acting and the social practice in which they act are proposed as bases for knowing and performance — knowing in practice. Domains of knowledge are held to be products of reciprocal and interpretative construction arising from individuals’ engagement in social practice, rather than being abstracted disciplinary knowledge or disembedded sociocultural tools. The construction of the individuals’ domains of vocational practice is constituted reciprocally through their participation at work. Some implications for curriculum are also proposed. Introduction To date, views about expertise have largely been a product of theorising within cognitive psychology. This discipline has come to characterise expertise as the product of the breadth and organisation of individuals’ domain-specific knowledge comprising orders of procedures and levels of conceptual knowledge. Through work within this discipline over a period of three decades, expertise has come to be associated with the development of cognitive structures inside the head that can be applied skilfully in resolving problems associated with a domain of knowledge held as a long-standing truth. In this view, representations of knowledge held in memory are seen as being analogous to tools that can be applied to particular situations or impasses. However, resistance is mounting to the idea that the mind is located solely in the head and remote from the world beyond the skin (e.g. Scribner, 1997/1988; Wertsch, 1998). Not the least is the concern that performance in one situation does not predict performance in another, within the same domain of knowledge. Recent theorising has increasingly projected the mind into social practice and explored the relations between them. A non-dualist view is becoming more accepted, premised on the inseparability of relationships between individuals’ knowing and the social world in which they think and act (Rogoff, 1990; Scribner & Beach, 1993) and a concern to understand these relationships further (Scribner, 1997/1988). Some suggest a need to cast off dualism and the strong individual and mentalistic focus that has emerged from within cognitive psychology (e.g. Greeno, 1997; Hutchins, 1991). Some also propose that the individual’s contribution to this relationship represents no more than one component in the process of knowing that is distributed (Pea, 1993) or stretched (Lave, 1991) across social partners and artefacts. Others treat social determinism more cautiously, holding that cognition is both premised on individuals acting in socially-determined activities and sometimes separate from the physical circumstances (e.g. Cobb, 1998; Salomon, 1994), thereby locating roles for both individuals and social practice. The tension resides in the focus being on either capacities or practice (Pelissier, 1991) or on relations between the two. This leaves a conception of expertise that accounts for relations between the mind and social practice yet to be stated, and invites a reappraisal of current conceptions ofexpertise. The conception of expertise founded in mainstream American cognitive psychology based on individuals’ acquisition and organisation of domain-specific knowledge in memory sits uneasily with emerging views that include, emphasise or give primacy to the social and cultural contributions and their relationships to thinking, acting and knowing. With its focus on the internal processes of the mind, cognitive psychology is, on its own, unable to provide a comprehensive conception of expertise as it fails to account for the sources of knowledge, and their formation and transformations in the social world. Attempts to redress this positioning have guided recent work within the cognitive perspective (e.g. Resnick et al., 1991; Resnick et al., 1997). However, these are seen by some as attempts to merely contextualise cognitive theorising and as failing to enact fundamental shifts from viewing cognitive structures as acting ‘on’ to acting ‘in’ the social world (see Cobb, 1998). Taking these concerns, a conception of expertise is advanced that is locatable in the dynamic activities of social practices. It proposes how individuals come to know and act by drawing on cognitive, sociocultural and anthropological conceptions, and through an appraisal of the ontological premises of domains of knowledge. The interpsychological processes for developing expertise are held to be constituted reciprocally between the affordance of the social practice and how individuals act and come to know in the social practice. More than contextualising the cognitive account of expertise, relationships among social practice, activities and individual cognition are proposed as being central to this conception of expertise. Accordingly, it attempts to locate a path between the “twin hazards” of individual constructivism (particularly when portrayed as being overly mentalistic) and social determinism (Miller & Goodnow, 1995). Individuals’ construction of the knowledge that comprises a situated domain of expertise is founded in interpsychological processes of how individuals act within social practice, as this interaction interdependently engages knowledge with historical, cultural and situational geneses. This interdependence between the social practice and those who act within it (Lave, 1991) may be contested (Billett, 1995b) or resisted (Hodges, 1998). Consequently, individuals’ interactions with workplaces and the developments arising from these interactions are premised on participation in negotiated forms of engagement in work practice. Over time, these interpsychological processes result in the formation of intrapsychological attributes. However, as Vygotsky (1978) proposes, intrapsychological outcomes are a “ result of a long series of developmental events” (1978: 57) and the “process being transformed continues to exist and to change as an external form of activity before definitively turning inward” (1978: 57). Therefore, social situations — such as workplaces — are not just one-off sources of learning and knowing. Instead, they constitute environments in which knowing and learning are co-constructed through ongoing and reciprocal processes (Rogof1995; Valsiner, 1994). outcomes. The subjects were nominated as being either expert or non-expert on their frequency of success in predicting handicaps in horse races. There was no correlation amongst age, experience with handicapping and successful handicapping. Subjects were tested using the Weschler Adult Intelligence Scale (WAIS), which correlates with the Full Scale IQ test (Ceci & Liker, 1986). The findings indicated no correlation between performance on these scales and expert or novice classifications. Therefore, general ability of the subjects was not a predictor of success. Another study, comparing responses to economics problems between college-educated students and subjects who had learnt their economics knowledge in the workplace, produced similar findings (Voss et al., 1983). The college-educated students performed better than their workplace-prepared counterparts when answering questions about economics, but floundered when faced with real work tasks. The workplace-prepared subjects did exceptionally well on the latter categories of tasks. A common factor, in these two studies and acknowledged in a recent review (Ericsson & Lehmann, 1996) is that the existence of strong generalised processing ability alone, as indicated on an intelligence test, is not a sufficient quality for successful performance. The expert handicappers in Ceci and Liker’s (1986) study, and workplace learners in Voss et al.’s (1983) study required the integrated use of both strategic and highly specific forms of knowledge, embedded in a particular domain of activity. Similarly, Schraagen (1993) found that, whereas experienced scientists could develop research designs for familiar problems, they could not do so in unfamiliar areas. Studies of hospitality workers concluded that not only the goals for performance, but much of the knowledge required for performance, was quite situationally specific (Stevenson, 1996). Similar findings were advanced from investigations of airline counter workers (Beven, 1997). These studies illustrate the significant role of domain-specific knowledge in the performance at work, and either the invisibility or low level of contribution provided by more general competencies. Further, these findings point to the indivisibility between social practice and domains of knowledge that are manifested in particular ways in these social practices. For instance, basketball referees were able to identify categories of fouls more effectively than basketball players or coaches (Allard et al., 1991 cited in Ericsson & Lehmann, 1996). From what has been advanced above, domain specificity is salient for demanding thinking and acting, such as non-routine problem solving in everyday work activities. Therefore, contributions from the cognitive view are useful for understanding and identifying the attributes required for performance in goal-directed activities. Nevertheless, this view does little to account for the origins of these domains, nor for how individuals construct socially sourced knowledge in the forms of domains (Laufer & Glick, 1996). Yet, such is the interdependence in relationship between cognitive activities and the social world, that it possible to identify ways in which individuals’ construction of knowledge is structured by the goal-directed activities in which they engage. In illustrating this relationship, at least six bases can be identified from the cognitive literature (Billett, 1996). Firstly, the domain-specificity of expertise is associated with social practice. Consequently, salient principles which are indexed to social practice reflect the domain’s social genesis. Secondly, the knowledge constructed Page 7 through problem-solving is focused on resolving impasses set in the social world. Third, compilation of procedures and chunking of concepts is the result of ongoing engagement with socially-determined tasks. Fourth, transfer is socially and culturally constructed. Fifth, individuals’ efforts are relational to social practice with some tasks extracting a more effortful response than others. And finally, socially determined dispositional factors are relational to cognitive structures and activities. Accordingly, the domain of knowledge and individuals’ learning of that knowledge, which includes its organisation and associations necessary for performance, are founded in relations with social practice. For instance, take the hallmark of expertise, success in non-routine problem solving within a domain. Beyond individuals’ familiarity with the activity, routineness will be determined by the norms of particular social practice (e.g. workplaces) as will judgments about the worth of solutions to those problems. In terms of vocational practice, the kinds of problems and what constitutes non-routine tasks will be located in particular instances of the vocational practice. For example, with automotive mechanics’ work, the routineness of workplace tasks will differ according the requirements of the work practice. In a major city dealership, where mechanics might work on only one or two makes of vehicles which may be under warranty, an expedient response to a faulty vehicle component might be replacement with another. However, in a garage in a small rural town, where mechanics work on all kinds, makes and ages of vehicles, and where spare parts are not easily sourced, a successful solution might be to repair the component part or fabricate another. So, whereas the cognitive view makes important contributions to understanding expert performance, the concept of domains advanced by this discipline needs extending to include those that can account for their source and development. Social and cultural conceptions of expertise: Practice Despite its prominence in the literature, the cognitive perspective does not monopolise views about what constitutes expertise. Other perspectives also offer important contributions. The sociocultural literature emphasises domains of social and cultural needs embedded in distinct lines of development within social practice (Scribner, 1985). From an anthropological perspective, Lave and Wenger (1991) refer to expertise as being ongoing movement towards full participation and the formation of identity within a particular community of practice, which is constantly evolving (Lave, 1993). In a similar way, Goodnow (1990) uses cultural psychology to make complementary contributions referring to the appropriateness of particular behaviour in culturally determined activities. These views emphasise particular social practice as the premise for expertise and as something arising through participation in the social practice: ‘knowing in practice’. These perspectives offer more than an alternative to the cognitive perspective, because they also offer ways of understanding the relationships between social practice and the mind. Sociocultural theory holds that the organisation and construction of knowledge are socially and culturally constituted. Within the sociocultural approach (Wertsch, 1991), or what Cole (1998) refers to as cultural history activity theory, four lines of the evolving social development of knowledge Page 8 are identified (e.g. Cole, 1998; Rogoff, 1990; Scribner, 1985;). These are: the phylogenetic — the contribution to knowledge arising from the evolving history of the human species; the sociocultural — the particular requirements of evolving cultural practice (e.g. a vocation); the ontogenetic — the ongoing products of individuals’ learning throughout their lives through interaction with the social world; and the microgenetic — the moment-by-moment learning of individuals. However, just as the domains of knowledge advanced in cognitive theory are abstracted epistemological truths, the sociocultural level of development is also disembedded from circumstances where individuals enact goal-directed activities. Sociocultural practice, which embodies cultural need, is remote and disembedded from actual practice just as the conception of a vocation (e.g. hairdresser, plumber, doctor) is disembedded from what occurs in the enactment of the vocation. This line of sociogenesis reflects cultural need (the vocation) rather than the exigencies of the enactment of that practice. It is at the situational level that the goal-directed vocational activities are shaped, albeit influenced by historical and sociocultural lines of development. The requirements of a particular vocational practice (e.g. in a particular hairdressing salon, medical practice, garage, coal mine) influence how the disembedded knowledge of the occupation is manifested in practice. Engestrom and Middleton (1996) refer to microsociological approaches, contexts and structuring of work as the product of local interactions and negotiations. Suchman (1996) similarly points to “a local order of familiar equipment and practices, specifically constituted for the work at hand.” (1996: 56) To account for the circumstances which furnish the goal-directed activities that individuals engage in and judgments about how these activities have been undertaken, the situational level warrants inclusion as a line of development within sociocultural theory. This directly acknowledges the contributions of situational factors where the historical and culturally derived knowledge is deployed and manifested in actual practice, as in cognitive accounts. The requirements of social practices (e.g. the workplace or work practice) can be understood by their activity systems (Engestrom, 1993) (e.g. division of labour, community, objects and rules) that determine how activities in particular work practice proceed. Moreover, given the range of factors comprising the activity system, the social practice, the activities within it and the requirements for performance are likely to be unique in some ways (Billett, 1998). These claims are supported by the kinds of analysis that Suchman (1996, 1997), provides in her accounts of an airport operations room where the activities are the product of the individuals and artefacts constitute a locally ordered work setting that is not pre-determined not static, but is continually re-constituting itself. Therefore, if complexes of situational factors differentiate particular social practice (such as workplaces), what comprises expertise will be conceptualised in different ways across communities of work practice (Wenger, 1998), because requirements for performance are founded in the social practice. This is the case even when an activity that is conceptually similar at the sociocultural level (e.g. an occupation), is being undertaken. Situational factors associated with the expert enactment of knowledge go beyond the possession of sociocultural technical skills or tools (e.g. cutting hair, Page 9 diagnosing a patient). Instead, these factors influence how these skills are manifested in a particular circumstance. Because of this, acceptable practice in one workplace may be quite inappropriate in another, as procedures are different and the goals for performance may be quite distinct. These factors influence not only the activities individuals engage in, but also what is taken as expert performance. In an investigation of work activities in four hairdressing salons, the goals for and bases of participation in hairdressing activities were determined by factors comprising the internal press of the workplace and external demands of the client community (Billett, 1995a). In each salon, the goals for hairdressing had distinctive features. Given the same set of hairdressing problems to resolve, hairdressers in each salon fashioned responses that had consistency across and within the salons as well as some individual variations. Therefore, some components of the responses were consonant with the goals and norms of the sociocultural practice (hairdressing), while others were those of the particular salons (situational manifestations of practice) and some idiosyncrasies arising from the hairdressers’ ontogenies. Observation revealed the characteristics of the vocational practice included what comprised performance in each salon. In a fashionable inner city salon, the key goals for performance were to transform the clients’ appearance, and to offer new cuts and colours. The interaction with clients in this salon was a product of the clientele and the interests and values (lifestyle) of the hairdressers. In a salon in a low socio-economic suburb, the requirements for performance were to manage a precarious business with an absent owner, two part-time senior hairdressers and a clientele that included those who demanded complex treatments, yet did not subsequently care for their hair. A key requirement here was to manage these ‘awkward’ customers when they returned complaining vociferously and forcefully about their treatments. In another salon, the clientele comprised elderly women who came for companionship as much as for hair treatments. Here, the hairdressers’ knowledge of clients’ personal histories, knowing the names and circumstances of family and friends, was an important component of practice. The fourth salon was in a provincial town in a rural region that was enduring a three-year drought. The goals here included providing good value to maintain the clientele and managing the difficult balance between eliciting additional service (colours and perms) yet not causing clients to choose between the cost of a hair treatment and groceries for home. The factors that constitute the social practice within each of the salons are identifiable by and may be explained through their activity systems that included the division of labour, rules and norms, relationships with the client community and the degree of internal cohesion. Each site had particular goals associated with the division of labour. For example, one salon had a rule that hairdressers should engage in tasks, as they became available, whose complexity was most consistent with their level of skills. These were part of the particular work practice insisted upon by the owner-manager. This resulted in clients frequently being swapped among hairdressers, as Page 10 tasks of greater accountability became available. At the salon in the low socio-economic suburb, there was some disagreement among the staff’ about their conception of hairdressing. However, these differences were subordinated by common concerns about the ‘awkward’ clients and security of employment. So there were concepts and procedures of the vocational practice that were common to each instance of vocational practice, the product of their activity systems (Engestrom 1993) and local negotiations (Suchman, 1996). Indeed, how these common views were negotiated also differed across these social practices. For example, in the trendy salon there were common values about hairdressing which were different from the almost familial atmosphere of another salon, which had different mores and values about hairdressing. In a third, there was a rigid form of internal press associated with the authority and presence of the owner-manager. For instance, the hairdressers operated under the owner’s rule of ‘no-yappers’. The hairdressing was to proceed in silence unless clients initiated conversations. The hairdressers in this salon developed a set of signals by which they communicated non-verbally. These mores led to particular work strategies being developed in this salon, some primarily associated with responding to idiosyncratic demands of the owner. The work in this salon progressed in comparative silence compared with the exchanges that occurred in the other salons and which were part of the rationale for the hairdressers’ work in the salon that catered to elderly women. In these ways, local negotiations (Suchman, 1996) determined the goals for practice. Similar situationally specific notions of competence were observable in open cut coal mines (Billett, 1995b). Even across mines owned by the same company, some of them on adjacent leases, there were different requirements for performance. These were premised on the history of ownership, different demarcations of work, historically entrenched work practices, the mine’s age and the mine’s location in the coal-bearing basin. Consequently, conceptions of expert performance are not uniform across these workplaces, with the differences being accounted for by the activity systems of these communities of work practice. Individuals’ engagement in work practice has consequences for accessing and learning situationally constituted knowledge. The work practice in each salon afforded quite different access to novices and experienced hairdressers alike and made different demands, with different consequences, for what they learnt. One variable was size. In smaller salons, the apprentices had responsibility for a wider range of activities earlier than in the larger ones. Another was culture of practice (Brown et al., 1989). In the trendy salon, each hairdresser worked on their own clients from greeting them at the door to getting them coffee, washing their hair, negotiating with them and styling their hair. So it was incumbent on the apprentice in this salon to take sole responsibility for clients as soon as possible. In another salon, key work tasks were divided among the hairdressers, and the apprentices were more focused on support and preparatory activities until their final year. There was also a privileging of particular knowledge amongst settings (Goodnow, 1990), some of which remained the sole domain of principal participants. For example, two owner- Page 11 managers maintained control over the ordering and management of stock. Therefore, in these salons, even senior hairdressers were denied the experience of managing stock. Yet, at another salon, the apprentice’s role included checking and ordering stock. Consequently, although engaged in a common sociocultural practice, the salons not only had quite different requirements for expertise, but the way they afforded participation also differed. Expertise needs to be considered situationally, being related to the circumstances of the enactment of the vocational practice. This does not mean that the individual’s capacity to perform is welded to one setting. Rather, it recognises that expertise can only be understood within particular domains of knowledge and action (social practice), thus embedding it in particular social circumstances. Perhaps there is no such thing as a vocational expert per se, only those who are able to resolve non-routine and routine problems constituted by particular workplaces. For example, a hairdresser who might be expert in an inner city salon may not have some of the attributes required to be judged as an expert in one of the other salons. These characterisations are held to be qualities of expertise as situative phenomena. However, they constitute only one side of the interdependent relationship required for knowing at work. How individuals act in the social practice, thereby coming to know in ways that permit them to participate fully, and how they construct their domain of knowledge also reside with the individual. Therefore, the other dimension of the interdependence or interpsychological process is how individuals participate and construct knowledge. Individuals’ participation and construction: Knowing in practice The knowledge to be constructed by individuals and the means of that construction can be understood in terms of interdependence between the situation that comprises a domain of activities and goals, and the individuals acting in the social practice. This suggests that this knowledge, with its historical and cultural geneses, is manifested in particular ways in work practice, and that ultimately individuals’ appropriation of this embedded knowledge is interpretative or co-constructed (Valsiner, 1994; Wertsch, 1998). Accordingly, conceptions of domains need to include the individually constructed rule-system (procedures) and related conceptual knowledge (propositions), mediated by the socially derived circumstances in which they were deployed and appropriated interpsychologically. Over time, individuals’ situationally constructed domains of knowledge may become increasingly intersubjective when knowledge is shared with others, thereby engendering common aspects (Newman et al., 1989). However, it is unrealistic to expect complete concurrence and it is unlikely that knowledge that is opaque or not likely to be discussed will become intersubjective. Concept maps of the task of hair colouring generated by hairdressers in the four salons revealed much that was common (Billett, 1995a) at the superstructure level of their conceptual organisation (Groen & Patel, 1988). However, the microstructures of these concept maps were quite idiosyncratic. With concept maps of hair structures, the representations of the hairdressers’ knowledge were almost wholly idiosyncratic. The hairdressers claimed the differences were associated with the fact that hair colouring was discussed in the Page 12 workplace, whereas ‘hair structures’ were not talked about in the salons. Perhaps the reason for this is that hair structures are opaque and not accessible in hairdressing salons. Interestingly, the hairdressers claimed to associate concepts of hair structures with a different kind of social source: theory classes in technical colleges. Yet opportunities to develop intersubjectivity – for instance, with hair colouring do not mean that individuals will construct this knowledge wholly intersubjectively because idiosyncratic personal histories or ontogenies shape their constructions of knowledge (Billett, 1997). For instance, an English hairdresser working in Australia provided an atypical response to one problem. When asked about this response, the Australian hairdressers suggested that the solution was not appropriate in a hot climate where many clients spent time in chlorinated swimming pools. Further, as social practices are constantly transforming, the range of factors that determine the activity system must inevitably change over time. Whereas the sociocultural line of development reflects changing cultural needs (e.g. growing resistance to using chemicals in hairdressing), the situational level responds to factors at the level of the enactment of practice, which are themselves transforming. This transformation is ongoing because social practice such as that which occurs in workplaces is constantly being changed by the requirements of those who are the objects of its activities, those who work in them, the changing division of labour, relationships, and the norms and practices that constitute its activity systems (Engestrom & Middleton 1996; Suchman, 1996). For instance, since the investigation of the four hairdressing salons was completed, at least two of the salons have had a change of their ownership and significant changes in staff. It is within these constantly transforming situative domains of practice located in these workplaces that individuals engage in microgenetic development (moment-by-moment learning) (Rogoff, 1995), through their participation in goal-directed activities. Therefore, individuals’ interactions and negotiations within the social practice and their ability to maintain their participation represent an ongoing and evolving process. Individuals acting in social practice construct domains of knowledge; the construction of these domains is also mediated by their personal histories (e.g. their existing knowledge) and by the access to the activities of the particular social practice(s). This view of knowing in practice is quite distinct from those suggesting that domains of knowledge required for performance are objective bodies of knowledge, such as an academic disciplines or fields of study, not subject to interdependence among cultural need, social practice and individual interaction. Further, the degree to which hairdressers might be interested in being experts in a particular salon may well determine how they act in that social practice — how their domains of vocational practice are shaped. Having been able to map the hairdressers’ interests and motivations, it seems improbable that some of them would be able to, or even be interested in, working in some of the other salons. Indeed, some hairdressers had deliberately self-selected and sought out their place of employment. Even under duress of the kind that was evident in one salon, they would most likely engage in mastery rather than appropriation of the knowledge accessed in the workplace (Wertsch, 1998). Despite the owner’s insistence that he knew best, the apprentices reported learning from other Page 13 apprentices with whom they interacted at college. These interactions broadened their understanding of procedures of vocational practice. These examples show that expertise is more relational to particular social practice than has perhaps been advanced within cognitive theory. The cognitive view focuses on capacities (cognitive structures, process and memory), while the situational view emphasises interactional systems that include individuals as participants interacting with others, artefacts and objects that comprise the social practice. So the contribution of individuals acting in social practice can be understood through a consideration of ontogeny as a product of the accumulation of experiences throughout life. Therefore, rather than being singular or uniform, the construction of knowledge is an interpretative outcome premised on individuals’ acting in social practice. Individuals’ unique bases of knowledge and ways of knowing are reflexively deployed through goal-directed activities in social practice as they co-construct (Valsiner, 1994) or appropriate (Rogoff, 1995; Wertsch, 1998) knowledge. Accordingly, the development of expertise from this view is characterised by intersections between the trajectories of the transforming social practice and individuals’ ontogenetic development. Because of their unique ways of knowing, individuals’ conceptions of the requirements for performance will likely be differentiated in some way from others acting in the social practice. Through interactions, greater subjectivity may be realised. Yet there is a dynamic interplay between the evolving requirements for performance in terms of activities and the fit of the individuals’ constantly evolving knowledge of that practice. Moreover, securing expertise is both ongoing and contested through individuals’ encounters and relations within the social practice, such as in workplaces. Engestrom and Middleton (1996) similarly conclude that expertise now needs to be viewed as the “ongoing collaborative and discursive construction of tasks, solutions, visions, breakdowns and innovations” (1996: 4). So the areas of complementarily between the cognitive and sociocultural theories host an invitation to build upon these theories to understand the relationships between the mind and social practice, rather than not wholly discarding one or the other of these sets of ideas. Yet is it possible to generalise from the findings of studies of hairdressers and coal miners? Are situated domains likely to be shaped only by particular spatial and shared activities, such as workplaces? Certainly, the kinds of intersubjectivities likely to arise when individuals directly interact in workplaces and at home are potentially of a different kind than where individuals practise their vocation or live in isolation from others. The kinds of coordinated activity that Suchman (1996; 1997) identifies in an airport operations room, discussions in the cockpits of commercial airlines (Hutchins & Palen, 1997) and those between shift workers in manufacturing (Trognon & Grusenmeyer, 1997) will likely result in enhanced intersubjectivity between social partners. However, direct interpersonal interactions are not the only set of social factors that shape performance. Scribner (1985) and Rogoff (1990) propose that cultural practices and norms shape even the most apparently solitary activities. Scribner (1985) uses Marx’s example of the solitary lighthouse keeper to illustrate that practices and Page 14 expectations (goals) with historical and social geneses shape even this solitary work. An artist working in the isolation of his studio reported shaping his practice to account for situational factors determining the kinds and purposes of his work that included physical environments and consideration of the market (Billett, 1999). Similarly, Goodnow (1990) claims that academic journals from Europe have quite different character and value different emphases than those from the United States. Hence the requirements for performance are products of different cultural practice. Even a common language has localised and cultural variations, making its enactment in different kinds of circumstances subject to particular requirements and knowledge about how to proceed. Perhaps the sociogenesis is strongest when individuals can encounter the direct guidance that makes shared understanding of historically, culturally and situationally constituted practice highly accessible and where practice is physically situated to afford models and access to cultural practices. Nevertheless, even the vocational practitioner who works alone (e.g. the concert pianist) is likely to be confronted by expectations of and requirements for performance that will differ across situations and circumstances (e.g. piano, acoustics, repetoire). Re-conceptualising expertise In re-conceptualising expertise as something that is situated, dynamic, founded in and relational to practice, some of Lave and Wenger’s (1991) propositions provide useful starting points. They refer to full participation in a community of practice, rather than expertise. Even then, full participation is shaped by a belief that all practitioners are peripheral in the sense that practice itself is fluid and evolving. Hence there is no such thing as central participation. They propose four qualities for full participation. Firstly, learning about a social practice is realised through the process of becoming a full participant. Access to and participation in the community’s activities are necessary bases for the understanding required for full participation. Consequently, engagement over time is required for the appropriation of situationally germane knowledge and skilfulness. In this way, expertise is defined more broadly than the possession of skilful knowledge; it also comprises competence in the norms and cultural practices that sustain and utilise these skills. This view emphasises a focus on the requirement of particular practice, and the need to move from peripheral (novice) to full participation (expertise) within that practice. Third, full participation implies being capable with new activities, performing new tasks and comprehending new understanding (Lave & Wenger, 1991). This view is consonant with the attributes of experts to be adaptable and transferable (i.e. -the cognitive hallmark of expertise – non-routine problem solving). Fourth, individuals are defined by, as well as defining, their relationship with the social practice in which they participate. For example, as full participants, senior hairdressers, owners and managers determine how the vocational practice of hairdressing is conducted and what constitutes acceptable performance and the division of labour. This again emphasises the reciprocity within socially determined activities (Rogoff, 1995; Valsiner, 1994). Page 15 As noted, cultural values are also germane to social practice and constitute a need to include these culturally determined dispositional aspects of competence. Goodnow (1990) proposes that competent performance is circumstantial, with some behaviour being seen as being more smart or intelligent than others in given circumstances. Although some behaviour, which would be described as being intelligent, is adaptive and similar across cultures, there will be situationally determined variants. As the view of expertise being proposed emphasises credibility within social practice, it needs to include behaviours and approaches that are likely to be held as being ‘intelligent’ in the particular circumstances. For instance, there is an expectation of being cool and logical in work planning situations, spontaneous and light in social situations, and emotional in romantic situations (Goodnow, 1990). Also, on some occasions, some approaches to problem solving are better than others. Equally, some problems will be viewed as significant, whilst others are trivial. The significance of problems and the valuing of solutions will be determined by the social and cultural exigencies of the particular practice. Finally, some skills and some areas of knowledge are seen in some communities as belonging to some people more than others. The community of practice determines a hierarchy of tasks (Lave, 1990) and, within that, there may be knowledge reserved for particular groups. This privileging determines access. Drawing on these social and cultural factors, a tentative conception of expertise that encompasses cognitive, social and cultural dimensions is proposed. Experts’ knowledge and its organisation, as conceptualised within the cognitive literature, are subsumed within this view. That is, the organisation and development of knowledge permits individuals to address non-routine problems within a domain of activity. However, more than just being a collection of situated examples of cognitive activity, expertise emphasises the interdependence of the social and cultural influences on this knowledge, the participation in practice required to know, and the strong role played by ‘non-cognitive’ cultural dispositions in performance at work. In these ways, distinctions between practice or capacities (Greeno, 1997; Pelissier, 1991) have been softened by suggesting that these capacities are influenced by and constructed through participation in social practice at intersections between the social practice and individuals’ ontogenies. Therefore, the key elements of this conceptualisation of expertise are its relational, embedded, competent, reciprocal and pertinent characteristics. Consequently, it is proposed that expertise: (i) is relational in terms of requirements of a particular social practice in which it is enacted; (ii) is embedded , being the product of extensive practise, with meaning about practice derived by becoming a full participant, over time, and with understanding shaped by participation in the activities and norms of that practice; (iii) comprises competence in the community’s discourse, in the routine and non-routine activities, mastery of new understanding, and the ability to perform and adapt existing skills; (iv) is reciprocal , shaping as well as being shaped, by the community of work practice, which includes setting and maintaining standards of the practice; and Page 16 (v) requires pertinence in the appropriateness of problem solutions, such as knowing what behaviours are acceptable, and in what circumstances, in problem-solving. This quality reflects the values a community of work practice assigns to problems and the appropriate amount of effort and understanding of what knowledge is privileged. Considerations for curriculum A view of expertise as located in particular social practice presents the relationship between what has to be known (i.e. the norms, procedure, and concepts) and the knower (the individual) as a dynamic one. This relationship can be considered in terms of curriculum as pathways of participation in social practice. Such pathways are referred to in both the cognitive and sociocultural literatures. Cognitive psychology posits a pathway to expertise through the acquisition of procedural and conceptual knowledge, organised and richly indexed to facilitate complex thinking activities, such as adaptability, transfer and non-routine problem solving within a socially constituted domain (Gott, 1989; Royer, 1979). A sociocultural pathway to expertise is associated with engagement in particular social practices and seen as a trajectory towards the goal of participating fully, through engagement in tasks of increasing accountability. Over time, this participation leads to the acquisition of ‘skilful knowledge’, but also to the facility to engage successfully in the discourse, norms and practices of the particular social practice (Engestrom & Middleton, 1996; Goodnow, 1990; Säljö, 1999), thereby emphasising relations between capacities and practice. Commonality across both perspectives include the construction of knowledge arising through problem-solving that permits successful performance within a specific set of circumstances. The goals within these problem-solving processes are socially sourced, as are procedures used to secure those goals. While both perspectives refer to the application of salient concepts to secure outcomes, the sociocultural and cultural psychology views both emphasise relational aspects of competence. Together, they emphasise that expertise will likely be realised through social circumstances that provide the kinds of problems and solutions that are relational to and authentic within those circumstances. That is, learning experiences that are divorced from those activities and goals found in the circumstances where the knowledge is to be applied (e.g. substitute activities and sites) may not develop the kinds of knowing required to respond successfully to non-routine tasks. In this view of expertise, novices do not necessarily lack capability. They may, however, lack access to the knowledge within a particular domain of activities (practice) that permits the conceptualisation and categorisation of problems and, consequently, the capacities to secure goals. Differences amongst social practice and requirements for performance raise further concerns about the potential to transfer knowledge from one setting to another. The complex of situational factors and local negotiations that comprises practice may explain the problem of transfer across situations where the same vocational activity is being conducted. For example, the particular social circumstances of educational institutions and workplaces (those situations where vocational practice is conducted) are rendered quite distant from each other by analyses premised Page 17 on activity as the basis for knowing in practice. Further, accounts of the contributions of situational factors and local negotiations defy the value of highly detailed and prescriptive curricula intents that are increasingly favoured in vocational education, often in behavioural formats (i.e. competency standards). The situational factors also challenge assumptions that knowledge can be understood by decontextualised and abstracted entities (e.g. key or generic competencies). It is the particular complex of factors that gives meaning to problem-solving activities in the community of work practice, and solutions need to account for these factors. Therefore, developing expertise requires more than a focus on cognitive and sociocultural tools. How those tools are enacted in particular circumstances and activities is crucial. Although shaped by sociocultural sources that convey durable knowledge, this knowledge is also embedded in domains of activities within the social practice, thereby transforming the abstracted knowledge through its application (e.g. the teaching or deployment of academic disciplines). Expertise includes that which permits the resolution of non-routine problems to the satisfaction of the requirements of social practice. Conceptions of curriculum, therefore, need to take into account how goals for performance vary and articulate how it is possible to develop knowledge that is robust enough to transcend the particular workplace. Therefore, in developing robust knowledge in individuals, different conceptions of solutions to problems and their adequacy need to be appraised. Variability in practice needs to be emphasised, with principles and practices identified that assist knowing about different kinds of solutions and evaluations of their appropriateness. For instance, apprentice chefs might learn about different ways of thickening sauces. These ways of knowing would include the application of existing sociocultural practice (e.g. a rue for white sauce and arrowroot for fruit flans), what kinds of thickening are likely to be useful in different kinds of catering (e.g. restaurant and hospital food) and for different kinds of purposes (further thickening a sauce that is too thin, cost considerations). This strengthens the view that it is not sufficient to learn just the knowledge and procedures of sociocultural development. It also elaborates the reasons why learning experiences should also focus on conditions of application of the knowledge and skills to be learnt and how those applications might vary across instances of vocational practice. Summary In sum, a dynamic, negotiated and situated view of expertise is advanced here building upon the contributions from cognitive psychology (e.g. Ericcson & Lehmann, 1996; Ericsson & Smith, 1991), anthropology (Lave, 1993; 1991), cultural psychology (Goodnow, 1990) and sociocultural theory (e.g. Cole, 1998; Wertsch, 1991; 1998), and others whose work sits between these disciplines (Rogoff, 1990; 1995). Central to this case is the conception of domains of knowledge. Rather than being epistemological truths with an objective and singular character, such as those associated with academic study, socially determined activities constitute domains of knowledge Page 18 that are shaped by history and culture. In turn, these individuals construct this knowledge as personally structured and organised domains, which may become increasingly intersubjective if shared through interpsychological processes in workplaces. Both cognitive psychology and sociocultural theory advance conceptions of domains that are abstracted and remote from the circumstances in which goal-directed activities of vocational practice are enacted. As others have argued (e.g. Cobb, 1998; Lave, 1993), it is not adequate to merely add contextual factors to cognitive conceptions. Nor is it useful to emphasise social and cultural contributions at the cost of discarding the individual as a significant and interdependence agent (Salomon, 1994). Instead, there are bases for reconciling the cognitive and sociocultural perspectives and important contributions from other disciplines that augment and advance our understanding of thinking, acting and knowing. Consequently, the proposal here sits within concerns that elaborate and reappraise ideas advanced within cognitive psychology (e.g. domains of knowledge, expertise, problem solving) and acknowledge the contributions of both capacities and practice to the formation of expertise and its development by individuals. In doing so, it sits within and contributes to current discussions about the relationships between social practice and individuals acting in social practice, through attempting to avoid the ‘twin hazards’ of individual constructivism and social determinism (Miller & Goodnow, 1995). Ultimately, expertise is held to be a product of interdependence between the individual acting and the social practice in which they act: ‘knowing in practice’. Acknowledgements Expansive thanks to the two anonymous reviewers and editor whose helpful contributions assisted the revision of this paper. References Alexander, P. A., & Judy, J. E. (1988). The interaction of domain specific and strategic knowledge in academic performance. Review of Educational Research, 58 (4), 375-404. Alexander, P. A., Schallert, D. L., & Hare, V. C. (1991). Coming to terms: How researchers in learning and literacy talk about knowledge. Review of Educational Research, 61 (3), 315-343. Beven, F. (Ed.). (1997). Learning in the Workplace: Airline Customer Service . Brisbane, Australia: Centre for Learning and Work Research, Griffith University. Billett, S. (1995a). Structuring Knowledge Through Authentic Activities . Unpublished PhD thesis. Brisbane, Australia: Griffith University, Faculty of Education. Billett, S. (1995b). Skill Formation in Three Central Queensland Coal Mines: Reflections on Implementation and Prospects for the Future . Brisbane, Australia: Centre for Research into Employment and Work, Griffith University.Billett, S. (1999). Experts’ ways of knowing. Australian Vocational Education Review, 6 (2), 25-36. Billett, S. (1996). Situated learning: Bridging sociocultural and cognitive theorising. Learning and Instruction, 6 (3), 263-280. Billett, S. (1997). Dispositions, vocational knowledge and development: Sources and consequences. Australian and New Zealand Journal of Vocational Education Research , 5 (1), 1-26. Billett, S. (1998). Situation, social systems and learning. Journal of Education and Work , 11 (3), 255-274. Carraher, T. N., Carraher, D. W., & Schliemann, A. D. (1985). Mathematics in the streets and in schools. British Journal of Developmental Psychology, 3, 21-29. Ceci, S. J., & Liker, J. K. (1986). A day at the races: A study of IQ, expertise and cognitive complexity. Journal of Experimental Psychology: General 115 , 225-266. Chase, W. G., & Simon, H. A. (1973). The mind’s eye in chess. In W.G. Chase (Ed.) Visual Information Processing . New York: Academic Press. Chi, M. T. H. (1978). Knowledge structures and memory development. In R. Siegler (Ed.). Children’s thinking: What develops? (pp. 73-96). Hillsdale, NJ: Erlbaum. Chi, M. T. H., Feltovich, P. J., & Glaser, R. (1981). Categorisation and representation of physics problems by experts and novices. Cognitive Science, 5, 121-152. Chi, M. T. H., Glaser, R., & Farr, M. J (1982). The Nature of Expertise. Hillsdale, NJ: Erlbaum. Cobb, P. (1998). Learning from distributed theories of intelligence. Mind, Culture and Activity, 5 (3), 187-204. Cole, M. (1998). Can cultural psychology help us think about diversity? Mind, Culture and Activity, 5 (4), 291-304. Engestrom, Y. (1993). Development studies of work as a testbench of activity theory: The case of primary care medical practice. In S. Chaiklin & J. Lave (Eds.), Understanding Practice: Perspectives on Activity and Context. (pp. 64-103). Cambridge: Cambridge University Press. Engestrom, Y. & Middleton, D. (1996) Introduction: Studying work as mindful practice. In Y Engestrom & D. Middleton (Eds.), Cognition and Communication at Work. (pp.1-15). Cambridge: Cambridge University Press. Ericsson, K. A., & Lehmann A. C. (1996). Expert and exceptional performance: Evidence of maximal adaptation to task constraints. Annual Review of Psychology , 47, 273-305. Ericsson, K. A., & Simon, H. A. (1984). Protocol Analysis – Verbal Reports as Data . Cambridge, MA: MIT Press. Ericsson, K. A., & Smith, J. (1991). (Eds.), Towards a General Theory of Expertise: Prospects and Limits. Cambridge: Cambridge University Press. Fuhrer, U. (1993). Behaviour settings analysis of situated learning: the case of newcomers. In S. Chaiklin & J. Lave (Eds.), Understanding Practice: Perspectives on Activity and Context (pp. 179-211). Cambridge: Cambridge University Press. Gelman, R., & Greeno, J. G. (1989). On the nature of competence: Principles for understanding in a domain. In L. B. Resnick (Ed.), Knowing, Learning and Instruction: Essays in Honor of Robert Glaser (pp. 125-186). Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. Glaser, R. (1984). Education and thinking – the role of knowledge. American Psychologist, 39 (2), 93-104. Page 20 Glaser, R. (1990). Re-emergence of learning theory within instructional research. American Psychologist, 45 (1), 29-39. Goodnow, J. J. (1990). The socialisation of cognition: what’s involved? In J. W. Stigler., R.A. Shweder., & G. Herdt (Eds.), Cultural Psychology . (pp. 259-86). Cambridge: Cambridge University Press. Gott, S. (1989). Apprenticeship Instruction for Real-World Tasks: The coordination of procedures, mental models and strategies. In E. Z. Rothhopf, (Ed.), Review of Research in Education 15 , 97-169 Greeno, J. (1997). On claims that answer the wrong questions. Educational Researcher, 26 (1), 5-17. Groen, G. J., & Patel, P. (1988). The relationship between comprehension and reasoning in medical expertise. In M. T. H. Chi, R. Glaser & R. Farr (Eds.), The Nature of Expertise (pp. 287-310) Hillsdale, NJ: Erlbaum. Hodges, D. C. (1998). Participation as dis-identification with/in a Community of practice. Mind, Culture and Activity, 5 (4), 272-290. Hutchins, E. (1991). The social organization of distributed cognition. In L. B. Resnick, J. M. Levine & S. D. Teasley (Eds.), Perspectives on Socially Shared Cognition. (pp.283-307) Washington DC: American Psychological Association. Hutchins, E., & Palen, L. (1997). Constructing meaning from spaces, gesture, and speech. In L. B. Resnick, C. Pontecorvo & R. Saljo (Eds.), Discourse, Tools and Reasoning: Essays on Situated Cognitio n. (p.23-40). Berlin: Springer. Laufer, E. A., & Glick, J. (1996). Expert and novice differences in cognitive activity: A practical work activity. In Y Engestrom & D. Middleton (Eds.), Cognition and communication at work. (pp. 177-198). Cambridge: Cambridge University Press. Lave, J. (1990). The culture of acquisition and the practice of understanding. In J. W. Stigler, R.A. Shweder., & G. Herdt (Eds.), Cultural Psychology (pp. 259-86). Cambridge: Cambridge University Press. Lave, J. (1991). Situated learning in communities of practice. In L. B. Resnick, J. M. Levine, & S. D. Teasley (Eds.), Perspectives on Socially Shared Cognition. (pp.63–82). Washington DC: American Psychological Association. Lave, J. (1993). The practice of learning. In S. Chaiklin & J. Lave (Eds.), Understanding Practice: Perspectives on Activity and Context (pp. 3-32). Cambridge: Cambridge University Press. Lave, J. & Wenger, E. (1991). Situated Learning – Legitimate Peripheral Participation. Cambridge: Cambridge: University Press. Lesgold, A. (1989). Towards intelligent systems for testing. In L. B. Resnick (Ed.) Knowing, Learning and Instruction: Essays in Honor of Robert Glaser ( pp. 337- 360) Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. Miller, P. J., & Goodnow J. J. (1995). Cultural practices: Towards an integration of culture and development. In J. J. Goodnow, P. J. Miller & F. Kessel (Eds.), Cultural Practices as Contexts for Development, New Directions in Child Development, 67 . (pp. 5-16) San Francisco: Jossey Bass. Newman, D., Griffin, P., & Cole, M. (1989). The Construction Zone: Working for Cognitive Change in Schools . Cambridge: Cambridge University Press. Pea, R. D. (1993). Learning scientific concepts through material and social activities: Conversational analysis meets conceptual change. Educational Psychologist 28 (3), 265-277. Pelissier, C. (1991). The anthropology of teaching and learning. Annual Review of Anthropology, 20 , 75-95. Piaget, J. (1966). Psychology of Intelligence . Totowa, NJ: Littlefield, Adam & Co. Prawat, R. S (1989). Promoting access to knowledge, strategy, and dispositions in students: A research synthesis. Review of Educational Research, 59 (1), 1-41. Prawat, R. S., & Floden, R. E. (1994). Philosophic perspectives on constructivist views of learning. Educational Psychologist, 29 (1), 37-48. Resnick, L. B, Levine, J. M., & Teasley, S. D. (1991). (Eds.), Perspectives on Socially Shared Cognition . (pp.63 –82). Washington DC: American Psychological Association. Page 21 Resnick, L. B., Pontecorvo, C., & Saljo, R. (1997). Introduction. In L. B. Resnick, C. Pontecorvo & R. Saljo (Eds.), Discourse, Tools and Reasoning: Essays on Situated Cognition . (pp1-20). Berlin: Springer. Rogoff, B. (1990). Apprenticeship in Thinking – Cognitive Development in Social Context. New York: Oxford University Press. Rogoff, B. (1995). Observing sociocultural activities on three planes: participatory appropriation, guided appropriation and apprenticeship. In J. V. Wertsch, P. Del Rio & A. Alverez (Eds.), Sociocultural Studies of the Mind (pp. 139-164). Cambridge: Cambridge University Press. Ryle, G. (1949). The Concept of Mind . London: Hutchinson University Library. Säljö, R. (1999). Concepts, cognition and discourse: From mental structures to discursive tools. In W. Schnotz, S. Vosniadou & M. Carretero (Eds.) New Perspectives on Conceptual Change . Amersterdam: Pergamon. Salomon, G. (1994). Whole individuals in complex settings: Educational research reexamined. Invited address – Newcastle, NSW, November. Annual Meeting of the Australian Association for Research in Education. Scandura, J. M. (1980). Theoretical foundations of instruction: A systems alternative to cognitive psychology. Journal of Structural Learning, 6 , 347-394. Schraagen, J. M. (1993). How expert solve a novel problem in experimental design. Cognitive Science, 17, 285-309. Schon, D. A. (1983). The Reflective Practitioner: HowProfessionals Think in Action. New York: Basic Books. Scribner, S. (1985). Vygotsky’s use of history. In J. V. Wertsch (Ed.), Culture, Communication and Cognition: Vygotskian Perspectives (pp. 119-145). Cambridge: Cambridge University Press. Scribner, S. (1997/1988). Mental and manual work: An activity theory orientation. In E. Tobah, R. J. Falmagne, M. B. Parlee, L. M. Martin & A. S. Kapelman (Eds.), Mind and Social Practice: Selected Writings of Sylvia Scribner. (pp 367-374).Cambridge. UK: Cambridge University Press Scribner, S., & Beach, K. (1993). An activity theory approach to memory. Applied Cognitive Psychology, 7 , 185-190. Simon, H. A., & Gilmartin, K. A. (1973). A simulation of memory for chess positions. Cognitive Psychology, 5 , 29-46. Stevenson, J. (Ed.). (1996). Learning in the workplace: Tourism and Hospitality. Brisbane, Australia: Centre for Skill Formation Research and Development, Griffith University. Stigler, J. W., Barclay, C., & Aiello, P. (1982). Motor and mental abacus skills: A preliminary look at an expert. Quarterly Newsletter of the Laboratory of Comparative Human Cognition, 4, 12-14. Suchman, L. (1996). Constituting shared workspaces. In Y. Engestrom & D. Middleton (Eds.), (1996) Cognition and Communication at Work. (pp.35-60). Cambridge, UK: Cambridge University Press. Suchman, L. (1997). Centers of coordination: A case and some themes. In L. B. Resnick, C. Pontecorvo & R. Saljo (Eds.), Discourse, Tools and Reasoning: Essays on Situated Cognition . (pp.41–62). Berlin: Springer. Sweller, J. (1989). Should problem solving be used as a learning device in mathematics? Journal of Research into Mathematics Education, 20 (3), 321-28. Trogon, A., & Grusenmeyer, C. (1997). To resolve a technical problem through conversation. In L. B. Resnick, C. Pontecorvo & R. Saljo (Eds.), Discourse, Tools and Reasoning: Essays on Situated Cognition. (pp.87-110). Berlin: Springer. Valsiner, J. (1994). Bi-directional cultural transmission and constructive sociogenesis. In W.de Graaf & R. Maier (Eds.), Sociogenesis Re-examined (pp. 101-134). New York: Springer. Voss, J. F., Tyler, S. & Yengo, L. (1983). Individual differences in the solving of solving of social science problems. In R. Dillion & R. Schmeck (Eds.), Individual Differences in Problem-Solving . San Diego, CA: Academic Press. Vygotsky, L. S. (1978). Mind in Society – the Development of Higher Psychological Processes . Cambridge: Harvard University Press. Page 22 Wagner, R. K., & Sternberg, R. J. (1986). Tacit knowledge and intelligence in the everyday world. In R. J. Sternberg, & R. K. Wagner (Eds.), Practical Intelligence – Nature and Origins of Competence in the Everyday World (pp. 51-83), Cambridge: Cambridge University Press. Wenger, E. (1998). Communities of Practice: Learning, Meaning, and Identity . Cambridge: Cambridge University Press. Wertsch, J. W. (1991). A sociocultural approach to socially shared cognition. In L. B. Resnick, J. M. Levine & S. D. Teasley (Eds.), Perspectives on Socially Shared Cognition. (pp 85-100). Washington, DC: American Psychological Association. Wertsch, J. W. (1998). Mind as Action. New York: Oxford University Press. Page 23

Memória e Miller

setembro 15, 2023

Qual o limite de nossa memória? Esta é uma questão interessante. Podemos lidar de memória com um número bem pequeno de itens. Em meus tempos de trabalho com enfermeiras, as profissionais me informavam que certos procedimentos poderiam ter mais de quarenta passos. Faziam isso, examinando minuciosamente a tarefa. Mas, quando descreviam informalmente o mesmo procedimento, reduziam as descrições a uns cinco passos. De certa forma, mostravam que sintetizamos o fazer numas poucas pistas memorizáveis. Essas pistas nos mostram o que fazer, integrando numa indicação geral diversos passos que podem ser observados por um analista do trabalho. Há mais o que dizer, mas paro por aqui. O que escrevi neste parágrafo é apenas uma lembrança para situar o artigo mais famoso da psicologia sobre nossa memória. É um texto curto, apresentado numa linguagem muito compreensível por George Miller.

Segue link para o texto de The Magical Number Seven,, Plus or Minus Two – Some Limits in Our Capacity for Processing Infomation.

Rabeira

setembro 13, 2023

Era a primeira metade dos anos de 1950. Caminhões não tinham motor potente e penavam em qualquer subidinha. A velocidade caía para dez, vinte quilômetros. Isso dava oportunidade para que os moleques pegassem rabeira. Explico isso contando um pouco do que acontecia em meus tempos de Cubatão na Franca do Imperador.

Eu morava na Rua Floriano Peixoto, quase esquina com a Saldanha Marinho, via pavimentada com paralelepípedos e que era continuação de uma das estradas que chegavam à cidade. Ela era (e ainda é) uma subida de cinco quadras que vai até o topo da colina central da Franca. Nós, moleques do Cubatão, esperávamos um caminhão passar e saíamos correndo atrás dele, agarrávamos a traseira da carroceria, levantávamos os pés. Pegávamos assim a rabeira. O caminhão seguia bufando ladeira acima. Um pouco antes da subida acabar, a gente botava os pés no chão. Ainda agarrados à carroceria, corríamos na mesma velocidade que o veículo por alguns instantes. Depois, íamos mais devagar, largávamos as mãos e deixávamos que o caminhão seguisse em frente.

Hoje, não se vê alguém pegando rabeira na Saldanha Marinho. Por lá não passam mais caminhões, de poucos ou muitos cavalos. Além disso não há mais moleques atrevidos no Cubatão.

Educação para a autonomia

setembro 6, 2023

O bordão é belo. Queremos seres humanos autônomos. Por isso, educação para a autonomia é expressão fática, apoiada unanimemente. E aí os educadores discutem o assunto para saber se autonomia é um conteúdo transversal ou se pode ser objeto de uma disciplina ou atividade. Encerrada a discussão, decide-se formar para a autonomia por qualquer das três vias.

Penso que formação para a autonomia no âmbito de concepção curricular que considera o tema interna corporis, pouco importando se a solução se dá por meio da transversalidade, disciplina ou atividade, está condenada ao fracasso. Há dois motivos para isso. Vamos a eles no próximo parágrafo.

Aprende-se autonomia por meio da ação. O aluno vem para escola pela mão de um adulto, protegido contra tudo de ruim que pode acontecer nas ruas. E quando sai da escola em alguma atividade educativa, a coisa se repete. Francesco Tonucci, o Frato, retratar isso de modo muito claro no desenho que segue.

Outro motivo é aquele vinculado ao que alguns autores chamam de escola fortaleza. Muros altos e seguranças, quase sempre vestindo ternos, separam a escola do mundo. Este é considerado muito perigoso e os alunos não devem enfrentá-lo. Na escola vive-se a ilusão de segurança que afasta os alunos da vida como ela é. De que adiantam discursos sobre autonomia para crianças e jovens que estão nas escolas? 

Sobre o assunto escrevi um post no Face book que reproduzo a seguir.

>>> Eu tinha sete anos. Fui matriculado no Grupo Escolar Coronel Francisco Martins. Morava a cerca de um km da escola. Minha mãe quis me levar. Não aceitei de modo algum. Fui sozinho. Encontrei minha sala com facilidade. Nos anos que seguiram, mudei muitas vezes. Certa época minha casa ficava uns 4 km distantes do Coronel. E eu fazia o caminho sem acompanhamento de qualquer adulto. Essa liberdade de ir sozinho à escola é algo que, segundo o educador Francesco Tonucci, precisamos recuperar.<<<

Eu não tinha aulas autonomia na escola. Vivenciava a autonomia no caminho para ela.