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Trabalho é dignidade

abril 30, 2021

Michael Gates Gill, ex-executivo da maior agência de publicidade do mundo, depois de vários anos desempregado, consegue, milagrosamente, trabalho como barista numa loja de café. Filho da elite, até a velhice nunca soube o que é procurar emprego, nem o que faziam os pobres em trabalhos manuais como o que acabou conseguindo. A hstória dele ilumina conversas sobre sentido do trabalho. Já falei dele aqui algumas vezes. Volto à carga. Agora com um vídeo curto em que ele fala de sua experiência e do livro que sobre ela escreveu.

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Exemplo de WebGincana

abril 30, 2021

Uma das atividades que preparei para um curso de formação de educadores em EPT, para o IEEP/UNESCO Buenos Aires, foi uma WebGincana. Não tenho a versão final da tal, mas publico aqui o material que organizei para produção da WG na web.

WebGincana: Formação Profissional em Foco

Introdução

Mesmo que você não saiba inglês, dê uma olhada no vídeo com uma reportagem do Public Broadcasting System (PBS) sobre a formação profissional de alunos que terminam o ensino médio e não querem ir para a universidade.

A reportagem apresenta algumas possibilidades de formação que não passam pela academia. São uma educação bastante diferente do tradicional ensino escolar.

Há muitas formas de organização e estrutura da educação profissional e tecnológica. Tais formas podem ser encontradas em antigas histórias da capacitação de trabalhadores em guildas por volta do século XII, ou bem antes dele, se considerarmos as dinâmicas de formação em corporações na Grécia, Roma e Índia. Mas, as instituições que vemos hoje na área começaram a se estruturar por volta da metade do século XIX. Para estudar as instituições de educação profissional e tecnológica é bom conhecer um número significativo de fatos. Nesta atividade, proponho alguns desafios para que você comece a estudar tais fatos.

O que estamos fazendo aqui é uma webgincana, um jogo que desafia você a encontrar na internet informações para as questões propostas.

No que segue, você passará pelas seguintes seções:

  • Desafio: um conjunto de questões que podem ser respondidas a partir de pesquisa na internet. Para cada questão proposta aparece a indicação de pontos correspondentes à resposta correta. Eventualmente, como acontece em gincanas, você será desafiado a encontrar alguma informação fora da internet. Dei o nome de missão a esse tipo atividade.
  • Recursos: você pode usar o Google ou outro buscador para encontrar as informações de que precisa. Mas, se quiser, pode também usar algumas indicações de sites que relacionamos nessa seção.
  • Avaliação: indico nessa seção os níveis de desempenho de acordo com a pontuação obtida. Depois de responder a todas as questões propostas e cumprir as missões sugeridas, vá até o gabarito da WG e verifique a pontuação que você obteve.
  • Conclusão: apresento nessa seção como podemos entender a relação entre essa webgincana e o texto de estudo sobre características das instituições formadoras.
  • Gabarito da WG: apresento nessa seção as respostas para as perguntas do Desafio. Compare-a com suas respostas e veja quantos pontos conseguiu.

Desafio

Nesta seção você deve buscar resposta para várias perguntas sobre fatos relacionados com educação profissional e tecnológica. Além das perguntas, há duas missões de gincana que exigirão identificação de alunos de programas de EPT para obter informações, pessoalmente ou por meio de contatos virtuais. Registre suas respostas num arquivo de word para, posteriormente, verificar seu desempenho. Repare que no final de cada questão ou missão há indicação, entre parênteses, da pontuação do item.

Tudo entendido? Vamos então ao trabalho.

  1. Encontre: ano de criação da Escuela de Artes y Oficios de Uruguay; ano de criação do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. (5 pontos).
  2. Qual o limite de idade para ingresso em programas de aprendizagem na Austrália? Quantos anos dura um programa de aprendizagem naquele país? (15 pontos)
  3. Duração de programas de aprendizagem oferecidos pelo City College de San Diego. (15 pontos) Dica: informação pode ser encontrada no catálogo 2019-2020 do City College a partir da página 322.
  4. Relacione três cursos superiores oferecidos pelo SENAI  (5 pontos)
  5. Em que cidades há cursos técnicos binacionais Brasil/Uruguay ? (5 pontos)
  6. Nome da organização brasileira criada em 1931 para promover orientação profissional baseada em ideias de Frederick Taylor. (5 pontos)
  7. Nome do curso feito pelo ex-presidente Lula no SENAI. (5 pontos)
  8. Nomeie três cursos com coop-education no Seneca College. (5 pontos)
  9. Anos de criação do SENAI, SENAC e SENAR. (5 pontos)
  10. Veja em  http://bit.do/fhzA6 fotos da Pinacoteca de São Paulo. Para que instituição de educação profissional este lindo edifício foi projetado por Ramos de Azevedo? ( 15 pontos)
  11. Veja algumas fotos históricas das escolas técnicas de São Paulo em http://bit.do/fhzE7 . Essas escolas fazem parte hoje de uma grande rede de ensino técnico e tecnológico. Que rede é essa? (10 pontos)
  12. Dê uma olhada no vídeo indicado e encontre resposta para as seguintes questões: que curso o aprendiz do vídeo fazia na universidade? Quantos aprendizes há na Alemanha? (30 pontos). Este é endereço do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=fzNM2BqKsxs .
  13. Missão 1: encontre alguém que esteja num programa de aprendizagem. Entre em contato com ele ou ela e anote: idade do aprendiz, duração do programa, empresa que oferece a aprendizagem, instituição educacional responsável pelo programa, escolaridade do aprendiz, ocupação em que está acontecendo a aprendizagem. (30 pontos)
  14. Missão 2: encontre um docente que ensina em oficina numa instituição profissional – a oficina pode ser um barracão de soldagem, uma cozinha, uma clínica de podologia, um laboratório de prótese dentária, uma salão de beleza, uma padaria etc. Entre em contato com ele ou ela e anote as seguintes informações: formação escolar do docente, anos de experiência no mercado de trabalho fora da escola, anos de docência, capacitação pedagógica formal (sim ou não). Instituição em que trabalha. (30 pontos)
  15. Que profissionais se pretendia formar, de acordo com o Decreto 7.566 de 1909, nas Escolas de Aprendizes e Artífices brasileiras? (20 pontos)

Recursos

Como já foi dito, para responder as questões você pode pesquisar informações pelo Google ou outro buscador. Pode também utilizar os recursos que foram selecionados para esta atividade. Seguem url’s dos recursos selecionados:

Avaliação

Numa webgincana não há notas ou conceitos. Há, sim, um total de número de pontos que você pode alcançar como resultado de sua pesquisa. Nesta webgincana o número total de pontos que você poderia alcançar é 200. Assim, numa escala de zero a 200, seu desempenho pode ser classificado da seguinte maneira>

  • Fantástico: 200 pontos.
  • Ótimo: 175 ou mais pontos.
  • Bom: de 100 a 170 pontos.
  • Insatisfatório: menos de 100 pontos.

Conclusão

Você viu um número pequeno de fatos sobre educação profissional, pois nosso tempo é bastante curto e nos permite apenas uma visita a alguns fatos de interesse. Elborei perguntas sobre uma das modalidades de formação profissional, os programas de aprendizagem, que, infelizmente, não vêm merecendo destaque na América Latina, mas são muito importantes na Alemanha, Austrália, Reino Unido e outros países do primeiro mundo. Nossa educação profissional, diferentemente da Alemanha, está muito escolarizada. E essa tendência de escolarização afasta as instituições de suas raízes de uma educação fundada no trabalho.

Os programas de aprendizagem, que passaram por um revival na Austrália e no Canadá, são apenas um aspecto que pode caracterizar as instituições formadoras. A articulação da formação profissional com a educação geral acabou dando origem aos cursos que conhecemos hoje como técnicos e tecnológicos. E alguns desses cursos são cada vez mais escolares e se distanciam do trabalho de cada dia. Um sinal de afastamento do saber do trabalho é o lugar de pouco destaque que as oficinas recebem em alguns cursos e mesmo em algumas instituições de formação profissional. A migração das intuições de formação profissional para o continente da academia acontece com muita frequência. No Brasil, por exemplo, antigas escolas de formação profissional, são hoje, centros de excelência acadêmica, mas não formam trabalhadores e técnicos como no tempo em foram criadas. Um exemplo nessa direção é a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, criada para formar técnicos para a agricultura e que hoje é um importante centro de pesquisa. Desde 2008, com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, busca-se evitar que as instituições de formação profissional deixem de lado a formação mais básica de trabalhadores e técnicos. E isso vem sendo feito por meio de propostas de verticalização do ensino em educação profissional e tecnológica. Veremos isso em nosso material de estudo.

Parabéns por sua dedicação em busca das informações necessárias para realizar esta webgincana.

Gabarito da webgincana

Para que você possa verificar como foi seu desempenho nesta webgincana, seguem respostas para as perguntas feitas. Não há indicação de respostas para as missões. No caso delas, você saberá se as cumpriu ou não a tarefa proposta.

As respostas para as questões são as seguintes:

  1. Escuela de Artes y Oficios: 1878. Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro: 1856.
  2. Não há limite de idade. O programa, no geral, dura de três a quatro anos.
  3. De dois a cinco anos.
  4. Há uma grande variedade de cursos superiores oferecidos pelo SENAI. Você deve ter encontrado mais de três. Seguem aqui alguns deles: Tecnologia em Alimentos, Tecnologia em Produção Gráfica, Tecnologia em Processos Metalúrgicos, Tecnologia em Produção de Vestuários e Design de Moda.
  5. Santana do Livramento (Brasil), Rivera (Uruguay).
  6. IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho).
  7. Mecânico torneiro.
  • O catálogo do Seneca aponta que coop-ducation é obrigatória em Aviation Technology, Behavioural Psychology,  Child Development, Commerce Marketing, Community Mental Health, Crime and Intelligence Analysis, Healthcare Management, Interdisciplinary Studies, Therapeutic Recreation.
  • SENAI: 1943. SENAC: 1946. SENAR: 1991.
  • Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
  • Centro Paula Souza.
  • Arqueologia e História. 1.400.000 (um milhão e quatrocentos mil).
  • O item é uma missão. Você sabe se a cumpriu ou não.
  • Outro item que é uma missão.
  • De acordo com o Art. 2º , operários e contra-metres.

Trabalho manual X trabalho intelectual

abril 27, 2021

Observações que fiz em estudo sobre valores em formação profissional poderiam ser aproveitadas para análises sobre a natureza do trabalho, considerando a velha questão da oposição entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. De certa maneira fiz isso num dos relatórios parciais de investigação que encaminhei à UNESCO. Em tal relatório, fiz poucas observações sobre valores e dei mais atenção ao que emergiu em termos de trabalho manual e trabalho intelectual. Acho que vale trazer para cá o mencionado relatório, pois ele sugere direções interessantes de pesuisas sobre o saber do trabalho.

No texto que segue, destaco observações em várias áreas de formação.

Hotel Escola – curso de capacitação de cozinheiro

No Hotel Escola foram efetivadas, durante quatro dias, observações do trabalho dos alunos na cozinha , além de entrevistas sistemáticas com cinco estudantes do curso.

 Alunos do curso de capacitação em cozinha desenvolvem técnicas em situações reais de trabalho. O curso básico de cozinha do hotel foi criado em 1968 e sofreu poucas mudanças em termos de estrutura e carga horária desde então. Mas, houve mudanças fundamentais no perfil dos alunos.

Nos primeiros anos de funcionamento do curso, não se registrava interesse pela profissão de cozinheiro. A organização acabou procurando alunos para o curso entre os egressos da FEBEM, menores infratores que tinham enorme dificuldade de se incorporar ao mercado de trabalho, ou entre jovens das periferias urbanas em situação de risco. As vinte vagas oferecidas a cada período de três meses eram preenchidas com muita dificuldade, apesar da exigência de uma escolaridade mínima de apenas três anos de ensino fundamental para os candidatos. Essa situação permaneceu até a metade dos anos de 1980.

Nos anos de 1980 o trabalho de cozinheiro começou a atrair interesse das camadas médias da população. Os motivos disso ainda não foram estudados sistematicamente, mas sabe-se que na época as grandes cadeias internacionais de hotéis começaram a fazer investimentos expressivos no país. Com isso, o padrão de capacitação esperado para profissões hoteleiras foi elevado. Sugiram então cursos médios e superiores com o objetivo de formar trabalhadores para o setor.

Hoje, o perfil dos alunos do curso de cozinha é muito diferente, e não existe mais qualquer problema no recrutamento de alunos. Exige-se escolaridade completa de ensino fundamental para os candidatos, mas atualmente nenhum dos alunos tem escolaridade inferior ao ensino médio completo. A relação candidatos/ vagas, sem qualquer campanha para arregimentar alunos, é de 8/1.

A história do curso oferece uma primeira indicação sobre a questão da valorização ou desvalorização do trabalho manual. O profissional de cozinha, segundo informe de um antigo trabalhador da área, era conhecido como “pé de gordura”, expressão pejorativa para designar um trabalho feito em condições muito exigentes do ponto de vista físico. O calor no ambiente de trabalho é elevado, o manejo de instrumentos e ferramentas pode se tornar cansativo, a umidade ambiental é grande. Essas e outras condições desfavoráveis talvez expliquem a falta de interesse pelo curso nos vinte primeiros anos de existência do Hotel Escola. Agora, porém, apesar das condições do trabalho na cozinha ter mudado pouco, a profissão de cozinheiro é um destino ocupacional muito desejado.

A tensão entre trabalho manual e trabalho intelectual na cozinha ganhou novos contornos. Com o surgimento de cursos técnicos e superiores. Há uma hierarquização ocupacional que tem como justificativa certificados e diplomas.

O curso de capacitação de cozinheiros é eminentemente operacional. Noventa por cento da carga horária acontecem na ambiente de produção. Essa situação é muito diferente do que se verifica no curso superior de gastronomia, no qual os alunos entram em contato com as técnicas de trabalho em laboratórios, sem qualquer exigência de produção típica de uma cozinha de hotel ou restaurante.  Alunos de gastronomia não costumam trabalhar na cozinha do hotel. Eles só frequentam o ambiente se o quiserem, como voluntários dispostos a realizar o mesmo trabalho que é feito pelos alunos do curso de capacitação.

Numa das observações efetivadas no hotel – no açougue da cozinha – os alunos presentes eram do curso superior de gastronomia, em estágio voluntário. No acompanhamento do trabalho, ficou evidente que os alunos do curso superior não dominam técnicas de corte de carnes. Eles desempenham a tarefa com dificuldade, com dúvidas no processo de execução e sem o ritmo requerido pela produção.  As indicações de desempenho de tais alunos mostraram que há duas concepções diferentes quanto à manualidade num e noutro curso.

No curso de capacitação, os alunos aprendem as técnicas do trabalho de cozinha até ganharem fluência de desempenho. No curso superior de gastronomia, os alunos apenas tem uma visão genérica do processo técnico. Diz-se que o primeiro curso é prático. Diz-se que o segundo curso é teórico. Diz-se que o primeiro curso prepara mão de obra para o trabalho de cozinha. Diz-se que o segundo curso prepara profissionais que irão gerenciar serviços de alimentação e criar cardápios de acordo com bases científico-tecnológicas.

Os dados de observação, entrevistas e exame da documentação dos cursos mostram, no caso da cozinha, um percurso bastante contraditório na valorização do ofício básico da área. Ele foi, até pouco tempo (década de 1980), considerado um destino para pessoas de pouca instrução e sem condições de buscar melhores chances ocupacionais no mercado de trabalho. Isso mudou bastante com o boom hoteleiro iniciado nos anos 80. [Cabe notar que a ideia de que a cozinha é um destino ocupacional para deserdados da sorte ainda reaparece em cursos rápidos para desempregados das camadas populares; esse é um aspecto que pode merecer atenção neste estudo; convém, por isso, verificar como ocupações da área de cozinha integram programas de formação acelerada como os FIC’s do PRONATEC e do Via Rápida da Secretaria de Emprego e Trabalho do Estado de São Paulo]. O reflexo disso aconteceu na busca pelo curso de capacitação de cozinheiro. Por outro lado, as novas estruturas de formação de profissionais no setor apontam para uma hierarquia ocupacional que concede maior importância à teoria, ao trabalho intelectual.

Antes existia nítido preconceito contra a profissão de cozinheiro. Hoje, parece que a profissão goza de prestígio social. Mas, na organização da educação, marcadas diferenças permanecem nas distinções entre cozinheiro, técnico em cozinha e gastrônomo. Persiste a divisão entre teoria e prática. Essa concepção acaba rotulando o curso de capacitação profissional de cozinheiros como operacional, uma palavra que denota entendimento de que os fazeres da profissão exigem pouca inteligência e criatividade. A situação precisa ainda ser mais aprofundada e observada neste estudo.

Restaurante Escola – curso de capacitação de cozinheiro

Foi realizada também observação do trabalho de alunos num restaurante escola.

O curso é bem parecido com o oferecido pelo hotel escola. O ambiente de trabalho. porém, é mais acanhado e tem menos recursos e equipamentos.

Há muitas coincidências entre as duas situações observadas. Assim como o ocorrido no hotel, no início houve dificuldades para recrutar alunos para o curso de cozinha no restaurante escola. No início, o curso, além de qualificar os alunos para o trabalho de cozinheiro, funcionava como um mecanismo de urbanização de uma população que migrara muito recentemente do campo para a cidade nas décadas de 1960 e 1970. [Há uma pesquisa sobre tal fenômeno nos cursos de hotelaria oferecidos em Belo Horizonte, mas infelizmente será difícil encontrar o relatório daquela investigação; li-o no início dos anos de 1980 e considerei relevante o achado de que a educação profissional oferecida pelo SENAC na época tinha um papel mediador importante para acomodar os jovens vindos da área rural numa cultura urbana – cabe observar que o o atual chefe executivo das cozinha do restaurante escola saiu da área rural para fazer o curso de cozinheiro no Hotel Escola de Grogotó, em Barbacena].  Os candidatos geralmente vinham da periferia urbana e tinham baixa escolaridade. Hoje os alunos do restaurante escola tem o mesmo perfil que os do hotel escola, quase todos são de classe média e tem, pelo menos, escolaridade básica completa.

Observa-se aqui a mesmo contraste entre o cozinheiro e o gastrônomo. No programa de formação deste último, o desenvolvimento de técnicas acontece em laboratórios que nada tem a ver com a cozinha do restaurante escola.

A formação de profissionais de cozinha nos casos até agora observados faz distinções nítidas entre operação e concepção. Esta última é considerada objeto central do curso superior. Esse modo de ver as profissões ignora o fazer-saber como uma dimensão epistemológica específica, com desdobramentos na educação. A divisão operação/concepção não é apenas um engano epistemológico. Ela rotula a operação como um trabalho mais simples e menos exigente. Um trabalho de menor valor que o trabalho intelectual.

Escola na área de metalurgia – Soldador TIG (Tungsten Inert Gas)

A escola é referência nacional na capacitação de trabalhadores para a área de metalurgia. Oferece diversos cursos de soldagem em aprendizagem industrial, iniciação profissional e capacitação em diversas tecnologias. Observou-se na escola um curso de capacitação – soldagem TIG.

Os alunos do curso de TIG são jovens e adultos com experiências profissionais em metalurgia e mecânica. Ingressam no curso porque a soldagem TIG é uma especialização bastante procurada no mercado. O trabalho articula duas habilidades básicas: leitura de desenhos e soldagem baseada na técnica TIG – Tungsten Inert Gas. A manualidade da técnica é exigente e requer um domínio muito fluente de ferramentas e materiais.

Nas observações feitas no curso de soldagem TIG, possíveis contradições entre trabalho manual e trabalho intelectual apareceram em narrativas de que o resultado da soldagem é avaliado por um supervisor, para verificar padrão de qualidade e conformidade com desenho técnico. O supervisor pode ou não ser um especialista em TIG. Em algumas situações, a supervisão é resultado de promoção do soldador TIG. Mas em outras situações, a supervisão é atribuição de tecnólogos ou engenheiros. Não há, no caso, uma divisão tão acentuada entre os níveis ocupacionais como a que está se estruturando na área de cozinha, mas há tendência de divisão entre o que se convencionou chamar de teoria e prática.

Vale registrar que o soldador TIG é um exemplo de operário especializado nos termos descritos por  Rousselet (1974). A especialização não é necessariamente aprofundamento de saber, ma resultado de uma divisão de trabalho cujo objetivo é o de obter resultados mais rapidamente com menores custos da mão de obra. Há, de fato, especialização no caso dos soldadores TIG, mas eles dominam apenas uma parcela do trabalho. Nas palavras de Rousselet  (1974) o resultado  é o de que:

Só alguns poucos engenheiros-chefes mantêm uma visão de conjunto, engenheiros-chefes que só conseguem preencher bem as suas funções com a condição de se distanciarem cada vez mais do produto realizado. (p. 153)

Não se pode adiantar ainda uma conclusão sobre uma visão que reduza o trabalho do soldador a “mera habilidade”, expressão muito utilizada para marcar a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual no discurso dos educadores. Fica aqui o registro, aguardando-se maior aprofundamento da questão em observações noutros cursos de formação de soldadores.

Curso de aprendizagem industrial: marcenaria.

As observações aconteceram num curso de aprendizagem industrial. Os alunos eram adolescentes com idades dentro do intervalo de 14 a 18 anos. O curso dura quatro semestres e os estudantes, além de frequentar a instituição de formação profissional diariamente, precisam estar cursando educação geral em outra escola.

Na oficina de marcenaria da escola há dois ambientes: área com bancadas individuais e área com máquinas que incorporam diversos processos antes realizados manualmente. A escola adota um caminho de aprendizagem que privilegia a manualidade. Boa parte do trabalho dos alunos é feita manualmente em bancadas individuais e o uso das máquinas só acontece para procedimentos que exigem muito esforço físico e maior precisão. Coordenação do curso e direção da escola justificam ênfase na manualidade como forma de garantir que os alunos compreendam todos os processos de produção, lidando manualmente com a madeira. Essa justificativa originariamente está baseada em motivos de ordem cognitiva. Mas, certamente, o manuseio de ferramentas e das matérias primas para produzir os móveis que integram o plano de curso tem consequências no campo axiológico. A decisão pela ênfase na manualidade privilegia uma visão artesanal na formação dos marceneiros, embora a escola conte com máquinas e equipamentos atualizados que podem ser encontrados nas indústrias moveleiras.

No trabalho artesanal, os alunos experimentam uma relação mais estreita com os instrumentos e a matéria prima de seu ofício. Experimentam o sentimento de que são agentes de transformação. As ferramentas de marcenaria exigem usos muito mais inteligentes das mãos que as máquinas. Essa opção de caráter artesanal na formação profissional é congruente com estudos recentes sobre manualidade, construção da identidade do trabalhador (KELLER & KELLER, 1996). Além disso, o desenvolvimento de uma identidade de artesão pode resultar em maior compromisso do trabalhador com aquilo que ele faz (BRAVERMAN, 1977; CRAWFORD, 2009).

Na primeira fase do curso, cada aluno produz uma mesa de canto. Por ocasião da observação, eles estavam produzindo um rack. Em diversas oportunidades, foi possível fazer perguntas aos alunos sobre sua primeira produção, a mesinha de canto. Todos os entrevistados revelaram uma ligação afetiva muito grande com o que produziram. Não venderam suas mesinhas. Conservam-nas em suas casas num lugar de destaque. A obra é motivo de orgulho. É evidência da capacidade profissional daqueles jovens. Provavelmente tal sentimento não seria assegurado se a mesinha tivesse sido fabricada com uso predominante de máquinas.

A escola oferece um curso técnico de design de móveis. Alunos desse curso não vão para a oficina de marcenaria. A parte de aplicação da profissão acontece em laboratório de informática com uso de CAD/CAM para a produção de projetos de móveis. Na execução de projetos, os móveis são produzidos preferencialmente  por máquinas, com grande apoio dos instrutores da oficina. Entende-se que o profissional de design de móveis precisa conhecer apenas fundamentos de produção, mas todo o seu trabalho é feito em pranchetas e no computador.

Curso de Prótese Dentária

O curso observado começou como curso livre em 1948 para formar práticos em prótese. Na sua origem era uma proposta de formação muito vinculada às tradições das corporações de ofício. [Há, na literatura de ficção, um registro sobre o trabalho do protético como uma profissão artesanal. José de Arimatéia, o protagonista de Chapadão do Bugre, de Mario Palmério, aprendeu o ofício acompanhando e ajudando um dentista-protético que percorria os sertões de Minas. O registro não é apenas um recurso literário utilizado pelo autor. Na caracterização dos personagens, Palmério utilizou documentação e memórias sobre a vida nos sertões do Triângulo Mineiro na segunda metade do século XIX. Faço esta digressão aqui porque faltam estudos históricos sobre corporações de ofício no Brasil e às vezes é interessante recorrer à ficção para ver como algumas profissões eram exercidas e aprendidas tempos atrás…]

Com a introdução de novos materiais para a confecção de próteses e com os avanços em máquinas e equipamentos, a formação do protético hoje tem muitas características de trabalho laboratorial com muitas aplicações de saberes físicos e químicos. Essa caracterização do trabalho como laboratorial, como se verá mais nitidamente no caso do Técnico em Açúcar e Álcool, exige revisão da oposição entre o manual e o intelectual. A execução do trabalho em prótese ainda é muito exigente em termos de habilidades manuais. Mas, o uso de certos materiais na escultura dental exige compreensão de processos físicos químicos. Num dos dias de observação no laboratório da escola, aconteceram diversos erros de confecção de peças porque os alunos não conseguiam identificar com correção certas reações químicas no material utilizado. No caso observado ficou evidenciado que a manualidade se alia muitas vezes a saberes químicos que exigem espera de reação antes de prosseguir com a escultura.

Na interpretação dos dados de observação disponíveis, aparece o desafio de entender e perceber como a associação entre sentimento ainda vinculado às tradições de orgulho por um trabalho que resulta em domínio de habilidades manuais muito exigentes e um conhecimento para aplicar conceitos em momentos precisos de intervenção em processos físico-químicos está mudando a profissão.

Na escola já existem, para experimentação dos docentes e levantamentos sobre novos rumos do ensino da prótese, equipamentos digitais que incorporam muitas das técnicas antes dominadas exclusivamente pelos protéticos. Uma morsa controlada por computador esculpe dentes de acordo com as especificações de uma imagem em 3D a peça dentária desejada. O trabalho no caso consiste na captação de imagem da peça em 3D, substituindo todo o longo processo de moldagem realizado por dentistas e protéticos, e na posterior acomodação de matéria prima na morsa para que o software de escultura dental realize todo o processo. Eventualmente, uma vez que a peça esteja pronta, o protético poderá fazer pequenos ajustes manualmente. Ainda não se sabe quando e se as próteses dentárias serão todas feitas industrialmente. Mas, já se vislumbra o desaparecimento do protético artesão.  Há indicações de que a manualidade do trabalho está entrando em lento processo de extinção [o fenômeno guarda relações de analogia com o desaparecimento do relojoeiro que consertava relógios mecânicos].

Considerando a introdução da tecnologia digital no trabalho do protético, a escola começa a se preparar para os novos tempos. Professores e direção da escola manifestam entusiasmo pelas possibilidades de um trabalho protético inteiramente dominado por tecnologias digitais. O caso sugere análise que extrapola a área de prótese. Ironicamente, Neil Postman (19…) observa que os ferreiros foram entusiastas apreciadores da nascente indústria automobilística no final do século XIX e começo do século XX, sem se aperceberem que a novidade tecnológica colocaria sua profissão em rota de extinção. O que se nota na escola é que os educadores não estão considerando os impactos ocupacionais que poderão advir com o uso intensivo de tecnologias digitais.

Outra informação de interesse é a de que os laboratórios de prótese estão se convertendo em empreendimentos industriais. Há laboratórios onde trabalham oitenta profissionais. Nos laboratórios industriais começa a predominar a divisão do trabalho ou a especialização nos sentido definido por Rousselet (1974): concentração  do profissional num aspecto parcelar da produção, fazendo sempre as mesmas coisas e sem domínio integral do processo produtivo que passa a ser atributo da gerência.

Valores e educação escolar

abril 27, 2021

Há hoje preocupação muito grande com objetivos econômicos da educação. Talvez a finalidade da educação mais discutida atualmente seja a relação entre escola e trabalho. Tal ênfase em aspectos econômicos faz com que outras finalidades da educação deixem de merecer a necessária atenção. Este parece ser o caso do desenvolvimento de valores.

A principal expectativa quanto a resultados da educação é a de que as pessoas se tornem melhores.   A melhoria esperada não se reduz ao econômico. Ela abrange diversos planos. Espera-se que os alunos saiam da escola com um repertório de saberes que lhes dê autonomia para entender o mundo em que vivem. Espera-se que os alunos saiam da escola equipados para viver harmoniosamente numa sociedade onde é preciso respeitar diferenças e conviver com pessoas que não compartilham necessariamente as mesmas crenças. Espera-se que os alunos saiam da escola com um repertório de saberes que os tornem capazes de apreciar a arte que a humanidade produziu historicamente e continua a produzir nos dias de hoje. Espera-se que os alunos saiam da escola com capacidade para conviver democraticamente com os demais cidadãos. Espera-se que os alunos saiam da escola. Espera-se que os alunos saiam da escola com capacidade para fazer escolhas que lhes assegurem uma vida feliz. Espera-se que os alunos saiam da escola com disposição para apoiar pessoas que precisam de ajuda para viver melhor. Espera-se que os alunos saiam da escola com capacidades para criar novos caminhos e soluções para problemas enfrentados pela sociedade.

No parágrafo anterior listei uma pequena mostra de expectativas de resultados da educação que não são econômicos. Tais expectativas são sociais, políticas, psicológicas, culturais. Para que tais expectativas sejam satisfeitas, supõe-se que a educação possa operar mudanças significativas para as pessoas e para a sociedade. Acredita-se que tais mudanças dependem do domínio de saberes no campo das ciências, das artes, das tecnologias,  das comunicações. Mas os saberes não bastam. É preciso que as pessoas sejam capazes de usá-los de modo significativo para as suas vidas e para as vidas de outras pessoas.

O quadro de expectativas de mudanças delineado até aqui não incluiu ainda de maneira clara um resultado esperado, o de que os alunos saiam da escola com um repertório de valores que ajudem a sociedade a avançar cada vez mais em termos civilizatórios. O que se quer é uma sociedade cada vez melhor e, para tanto, é preciso que ela conte com cidadãos capazes de contribuir para o bem comum. Essa expectativa sugere a necessidade de é preciso ter bem claros objetivos relacionados com desenvolvimento de valores em educação.

Valores, Trabalho e Formação Profissional

abril 27, 2021

Valores, Trabalho e Educação Profissional

Jarbas Novelino Barato

As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender. (Paulinho da Viola)

A verdadeira fidalguia é a ação. O que fazeis, isso sois, nada mais. (Antonio  Vieira)

Começo com uma cena que vi muitas vezes na construção civil.

O pedreiro está assentando azulejos. Usa técnicas hoje desaparecidas, que exigem confecção de massa especial e umedecimento de azulejos em nível que assegura boa fixação na parede. O profissional está no meio do serviço. Ele já assentou umas seis fileiras de peças. Nesta altura, para, pega um pano úmido e retira restos de massa que se acumularam sobre os azulejos. Afasta-se a alguns passos da parede.

À distância, o pedreiro contempla o que fez. Tem um olhar atencioso. Vê o alinhamento dos azulejos. Considera o conjunto do que já está pronto. Percorre com os olhos, vagarosamente, sua obra. Para companheiros que estão próximos, comenta: “está ficando bonito”. Aproxima-se da parede e passa com delicadeza a mão grossa e cheia de calos sobre a superfície azulejada. Manifesta contentamento. Volta ao serviço e continua a assentar azulejos. Mais à frente poderá repetir o ato de contemplação da obra que acabo de descrever.

A cena descrita nos parágrafos anteriores não é uma atividade técnica para verificar acertos, prumo e alinhamento dos azulejos. Ela é um momento contemplativo, envolvendo ética, axiologia e estética. O ator dessa cena é um celebrante da obra, que não separa competência profissional de responsabilidade pelo que faz e de compromisso pessoal com um serviço bem feito. Ele aprendeu valores na ação. Aprendeu fazendo.

Coloquei este início de minha comunicação na Web. Minha amiga IvetePalange leu o texto e fez um comentário que complementa as observações sobre a cena do pedreiro assentando azulejos.

Ivete lembra que, muitos anos atrás, ela e equipe estavam produzindo, no SENAI de São Paulo, um vídeo sobre colocação de pisos cerâmicos e azulejos. Os profissionais da construção civil, envolvidos com a produção, destacaram que o serviço precisava ser feito com muito capricho. Por essa razão, os produtores resolveram dar ao vídeo o titulo “No maior capricho…”.

Há muitas traduções para capricho, no caso. A melhor delas tem a ver com a ética do cuidado. Bons profissionais importam-se com a obra que produzem. Identificam-se com ela. Em sua mensagem, Ivete acrescenta mais uma dimensão do capricho, a beleza da obra. E repara que, muitas vezes, essa beleza é invisível para leigos. Os profissionais conseguem vê-la, buscam atingi-la, sentem-se frustrados quando ela fica ausente da obra.

Na mensagem da Ivete há um detalhe que quero reiterar. O capricho é valor de uma comunidade de prática, de uma corporação profissional. Ele independe do usuário ou do cliente. Os profissionais garantem-no, mesmo que prováveis beneficiários sejam incapazes de apreciá-lo.

Ensaio interpretativo

Contados os casos, tento interpretar alguns de seus significados.

A cena da minha memória de menino, que vivia em canteiros obra acompanhando o trabalho de meu pai e outros profissionais do ramo, e a história da produção de vídeo, narrada pela Ivete Palange deixam muito claro que o trabalho é prenhe de significados estéticos, axiológicos, éticos. E mais: os trabalhadores têm consciência disso, embora nem sempre a expressem verbalmente. Muitas vezes tal consciência emerge em atos de apreciação da obra. Em outras palavras, para melhor conhecer valores do trabalho é preciso observar o que fazem os trabalhadores.

As duas histórias são um convite para pensarmos ou repensarmos a questão da aprendizagem de valores em educação profissional. Mostram que a ética, a axiologia e a estética são dimensões intrínsecas do trabalho. Não são desenvolvidas a partir de reflexões sobre um quadro de valores – geralmente distante do fazer concreto de cada dia – apresentado verbalmente em ambientes de sala de aula, ou estudado a partir de um código de valores, escrito em papel no formato de uma lista de deveres. Valores são parte integrante da dinâmica de produzir obras.

Onde estão os valores do trabalho? Há duas respostas para esta pergunta. A primeira delas é a de que os valores do trabalho estão no interior de uma comunidade de prática. Para evitar interpretações que opõem teoria e prática, acho conveniente explicar o sentido de prática quando esta palavra é associada a comunidade. Prática no caso não é o oposto de teoria. Prática no caso é práxis, ou seja, é prática social que pode ser percebida nas dinâmicas de um grupo que compartilha interesses comuns de vida. No caso do trabalho, há comunidades de prática em atividades produtivas cujos atores percebem em seus fazeres cotidianos os sentidos sociais das obras – tangíveis e intangíveis – de seu ofício. Mesmo quando o que produzem é feito isoladamente, esses atores sentem-se partícipes de uma comunidade que se sabe senhora de uma arte.

A segunda resposta é a de que os valores estão presentes na percepção que cada um dos atores tem de suas obras. Essa percepção é fundamental em termos de definição da identidade do trabalhador. Ele é o que ele faz. Ele se projeta em seus feitos. Ele se vê naquilo que produz. Nesse caso, o resultado do trabalho, mudando certa dimensão de mundo, muda o ser humano que o produz. A identidade se molda a partir do aprender que resulta do desvelamento de ser das coisas em fazeres próprios de uma profissão. Vemos isso claramente no ato de contemplação do pedreiro que descrevi no começo dessa comunicação. Aquele pedreiro se vê no que faz. Se vê em sua compreensão das matérias primas que utilizou para construir uma parede bem azulejada.

Faço aqui uma primeira ponte entre educação e valores no e do trabalho. Quem ensina valores do trabalho é um mestre de ofício. Não é um filósofo bem formado que reúne os alunos em sala de aula para conversas sobre ética, valores e estética. O mestre do ofício ensina integralmente sua arte, comunicando a arte de fazer bem feito. Ele não separa execução de apreciação.

No ato de demonstrar a técnica TIG (Tungsten Inert Gas) de soldagem, por exemplo, o mestre do ofício destaca os movimentos apropriados, a natureza dos materiais que entram em cena, a beleza do trabalho, a perfeição do resultado, a garantia de que a soldagem é de boa qualidade, a capacidade de avaliar continuamente o resultado, etc. Para um observador de uma demonstração assim desenvolvida não há como separar valores de tecnologia. O fazer do soldador não é um ato ao qual se atribui valores antes ou depois da ação. Os valores estão ali. Nos metais. Nas ferramentas de soldagem. Nas atividades do soldador. As aparências são as de uma ação sobre materiais para obtenção de um resultado. Mas, se o trabalho é visto com simpatia, salta à vista o engajamento do trabalhador com aquilo que produz. E esse engajamento não é uma operação mecânica para criar hábitos e automatismos favoráveis à produção. Para quem observa o fazer do soldador com simpatia, fica evidente o engajamento com materiais, ferramentas e práticas sociais de uma comunidade que compartilha significados. Fica evidente a definição que uma soldadora utilizou para seu ofício numa conversa com Mike Rose: “soldagem é a arte da fusão de metais”.

Os valores de uma profissão, os valores do trabalho, certamente serão aprendidos nos laboratórios, não nos auditórios. Sirvo-me aqui de uma analogia proposta por meu amigo Steen Larsen, educador dinamarquês. Ele caracteriza o modelo escolar que conhecemos como auditório, não importando os recentes usos de TIC ou as metodologias que incentivam participação dos alunos. O modelo escolar, construído pelas elites para instruir seus filhos na linguagem estruturante do poder, é o alvo da crítica do Steen. Tal modelo entra em confronto com o modelo construído pelos trabalhadores para que seus filhos aprendessem a trabalhar[1] Há, nesse sentido, um engano que precisa ser considerado. Com a avalanche de modelos escolares soterrando a educação profissional, os valores do trabalho foram ocultados por discursos e atividades que pretendem enriquecer a formação técnica e tecnológica com a agregação de valores humanistas. Fica parecendo que a mais autêntica manifestação de humanidade, o trabalho, é apenas um evento fisiológico ao qual é preciso acrescentar sentido ou significado humano.

Há algum tempo, examinei roteiro de orientações pedagógicas[2], anexo ao plano de curso técnico voltado para uma profissão com sólidas bases na tradição das profissões como artes e ofícios. No curso, os alunos produzem diversas obras típicas da profissão. As peças produzidas exigem muita arte, concentração, avaliação contínua do processo, e podem ser objeto de admiração. Mas, as orientações pedagógicas ignoram completamente o fazer profissional ao abordar valores. Elas examinam os valores a partir da tradição escolar e sugerem aos professores atividades de leitura de textos curtos sobre ética, acompanhada por discussões em grupo. Nenhuma das temáticas sugeridas sequer tangencia valores intrínsecos do trabalho. Além disso, os valores são discutidos antes que os alunos entrem na oficina e comecem a construir obras próprias do ofício que estão aprendendo. Na concepção do plano de curso predomina visão decorrente da tradição escolar, da tradição literária, como observa Liv Mjelde.

Já posso enunciar agora algumas teses sobre o que anda acontecendo com a abordagem de valores no campo da educação profissional. Aqui vão elas:

  • O modelo escolar define, cada vez mais, as decisões pedagógicas no campo da capacitação do profissional.
  • Os valores intrínsecos ao trabalho continuam vivos, mas vão ficando cada vez mais invisíveis para os profissionais de educação.
  • Valores do trabalho que integram o fazer vão perdendo força na medida em que mestres de ofício são substituídos por professores em laboratórios, oficinas e espaços de produção.
  • Há, nas escolas, tendência de criar obstáculos para a celebração do trabalho.
  • No discurso, o fazer é reduzido à execução, fazendo com que não se percebam os múltiplos significados da ação.
  • A obra deixa de ser o centro do aprender a trabalhar, sendo substituída por uma orientação que privilegia a aquisição de competências pessoais.

Estes enunciados são apenas uma parte dos problemas que vejo nas tendências atuais de planejamento e concepção da educação profissional quando se examina os valores do e no trabalho em suas relações com a capacitação de trabalhadores. Entendo que é preciso recuperar modelo da formação profissional com raízes na tradição da aprendizagem de artes e ofícios.

Acho que leitores atentos já devem ter percebido que estou propondo completa revisão metodológica no ensino de valores em educação profissional. Sugiro que o núcleo dos valores a serem desenvolvidos pelos alunos está no fazer, está na obra. Sugiro que o melhor espaço para perceber valores, de modo vivo e expressivo, é a oficina. Sugiro também que o melhor professor para comunicar (colocar em comum) valores é o mestre de ofício. No fazer o aluno se sente membro de uma comunidade de prática que é também uma comunidade de significados. Sentir-se integrante de tal comunidade exige atividade, ação, produção de obras, e não apenas uma reflexão redutível a discurso.

Por razões de tempo e espaço, não entro em detalhes sobre metodologias. Mas, tenho certeza de que os leitores, aceitos meus argumentos, poderão vislumbrar os novos caminhos que julgo necessários no campo do desenvolvimento de valores pelos alunos que buscam capacitação profissional.

Deixo em aberto o temas dos valores presentes nos fazeres dos trabalhadores e sugiro exploração de outra área que precisa ser considerada quando se quer abordar ética, estética e axiologia na educação profissional: a arquitetura escolar.

Espaço e construção de identidade

Catherine Burke e Ian Grosvenor escreveram recentemente (2008) um belo livro sobre arquitetura e educação. Os autores escolheram a seguinte citação para mostrar a direção do estudo que fizeram sobre edifícios escolares e educação:

O aluno típico que acaba de concluir estudos de ensino médio passou cerca de 13.000 horas entre as paredes de uma escola pública. Essas 13.000 horas são potencialmente as mais impressionantes e valiosas de sua vida… Por meio do ambiente […], o inteiro e custoso processo de educação encorajou-o ou anulou-o. O edifício escolar é a evidência visível e tangível da atitude do público para com a educação. (William G. Carr, National Education Asociation, 1935).

A arquitetura ensina valores muito mais que a exortação de professores. Num inquérito sobre o significado do espaço escolar para os alunos, um jovem que estudou num prédio sujo, mal conservado, com espaços reduzidos para circulação, com móveis em péssimo estado declarou: “na escola aprendi que sou um lixo”. O livro de Burke e Grosvenor, assim como outras obras recentes sobre o espaço escolar, enfatiza a profunda influência da arquitetura das instituições escolares no plano simbólico.

Não se costuma ler a arquitetura escolar na direção aqui apontada. Geralmente se pensa em conforto, em segurança e em conveniências de caráter didático para definir espaços escolares. Pouco se pensa nas profundas influências que tais espaços acabam desempenhando no desenvolvimento de valores, na construção da autoestima, na construção da identidade.

Escolas de lata, por exemplo, não são apenas uma evidência de falta de cuidado com a educação; elas são uma confissão de como as crianças da periferia são vistas pelas políticas educacionais que julgam que ficar trancado em containers de metal, com temperaturas em torno dos 50 graus, é apenas uma situação passageira de desconforto.

Observações feitas em the Message of the Schoolroom, artigo de Alison Lurie no New York Review of Books, edição de 04 de dezembro de 2008, iluminam alguns dos aspectos do tema arquitetura e educação. Reproduzo seletivamente algumas dessas observações a seguir:

De acordo com o clichê popular, toda instituição escolar, da creche ao programa de pós-graduação, é um tipo de fábrica. O prédio pode ser parecido com uma bela mansão ou com um armazém caindo aos pedaços, mas a função é a mesma. A matéria prima (aluno) entra e quase sempre é transformada num tipo de pessoa convencionalmente associada com a instituição.

Em qualquer fábrica, empregados e tipo de planta física são necessários ao processo. Muito se escreveu a respeito da influência exercida por diferentes tipos de professores e de abordagens didáticas sobre os alunos, mas pouco se escreveu a respeito da influência dos edifícios escolares. […] O prédio pode ajudar a fabricar obediência automática ou atividade independente, ele pode criar elevada autoestima ou baixa autoestima.

[…]

Para os alunos, os efeitos da arquitetura escolar podem ser muito grandes e permanentes. Para as crianças do pré, a creche ou escola infantil transmite-lhes uma mensagem silenciosa, mas dramática. Equipamento de qualidade e bonito, salas confortáveis, e grande número de brinquedos interessantes não só deixam as crianças felizes, mas também lhes dizem que elas merecem o melhor. O pátio sem árvores e grama de uma creche popular, com suas gangorras avariadas e piscina de plástico furado, passa a mensagem contrária; mensagem que nem mesmo a professora mais carinhosa e capaz pode contradizer totalmente.

Por meio da arquitetura, as escolas podem também ensinar aos alunos como pensar sobre raça e classe social. No Sul [dos EUA], antes do movimento dos direitos civis, o contraste entre escolas públicas amplas e bem conservadas para os brancos, e escolas pequenas, dilapidadas e com classes muito cheias para os negros passava silenciosamente para os afro-americanos a mensagem de que eles valiam menos que os brancos.  

As lições ensinadas pela arquitetura escolar ainda precisam de grande aprofundamento se quisermos compreender as mensagens do espaço na educação em todos os níveis de ensino. Há três anos, promovi uma conversa sobre o tema no webespaço. Quis aprofundá-lo, mas outros interesses surgiram pelo caminho. Agora volto ao mesmo por causa de uma observação que colhi durante período de estudos sobre valores e trabalho numa escola de metalurgia do SENAI.

O diretor da escola me passou diversas informações sobre a organização da escola e sobre os cursos que oferece. Na conversa, ele me disse casualmente que o edifício tinha passado por uma reforma recente. Falou sobre alguns detalhes interessantes. Ressalto um deles. Nas oficinas, o piso reformado agora é claro. Claras também são as máquinas em todos os laboratórios e oficinas. Essa decisão rompeu com uma tradição de chão e máquinas de cor escura capaz de esconder a sujeira que vai acumulando em ambientes de oficina. As cores claras das oficinas exigem limpeza cuidadosa para que o ambiente se mantenha sempre agradável e higiênico. A medida tem várias consequências. Ela mostra para os alunos que eles:

  • são importantes e respeitados,
  • devem desenvolver hábitos de limpeza como os que lhes asseguram aquele ambiente agradável,
  • fazem um serviço em que a poeira e aparas de metais não devem caracterizar seu ofício como uma atividade “suja”.

Os novos ambientes de oficinas da escola que visitei passam mensagens convincentes sobre valores e trabalho, sem necessidade de qualquer discurso. O espaço fala em alto e bom som  que os alunos são importantes, são respeitados, que sua profissão é uma arte respeitável, que seu trabalho é bonito.

Pode existir situação contrária à que acabo de examinar: ambientes precários de laboratórios ou oficinas em programas de educação profissional.  Vi algo em tal direção, anos atrás, quando programas de governo buscaram oferecer oportunidades de capacitação básica para trabalhadores desempregados. Os ambientes para desenvolvimento de técnicas eram acanhados. Faltavam ferramentas de trabalho, faltavam insumos, não havia espaço suficiente para todos os alunos, os equipamentos quase sempre eram sucatas recuperadas. Havia boa intenção, mas a mensagem implícita no ambiente era a de que aqueles trabalhadores em busca de trabalho decente não eram candidatos ao paraíso ocupacional. Deviam se contentar com ocupações marginais, mal remuneradas.  A capacitação que recebiam tinha, socialmente, pouco valor.

Não há aqui espaço suficiente para avançar mais no campo da arquitetura e educação em programas de capacitação para o trabalho. Mas, acho que indiquei um rumo que vale a pena explorar.

Observações finais

Este texto não contempla todos os aspectos que pretendo abordar em minha comunicação no XI Congresso de Tecnologia Educacional, no Recife, dia 29 de setembro de 2013. Em vez de apresentar uma síntese da minha fala, resolvi destacar dois aspectos pouco estudados quando se abordam valores, trabalho e educação profissional: desenvolvimento de valores na ação e significados simbólicos dos espaços de educação.

Minha escolha se deve à percepção de que a educação profissional está cada vez mais escolarizada, perdendo contato com suas raízes históricas. Com isso, no campo de valores, os programas de capacitação profissional deixam de lado riquezas de significados que se constroem no fazer e nos espaços do trabalho. Elaborei minhas observações neste paper com a intenção de fazer um convite aos educadores: olhem para o trabalho e nele descubram ética, axiologia e estética. Essas dimensões valorativas estão lá, aguardando olhares atentos e simpáticos. Esses olhares são essenciais caso queiramos delinear metodologias adequadas para que nossos estudantes tenham consciência dos valores significativos que podem desenvolver trabalhando.

Valores não são saberes. Valores não são redutíveis a competências. Valores são modos de ser. Como diz Antonio Vieira “o que fazeis, isso sois, nada mais”.

Referências

Este não é um texto acadêmico. Por essa razão, não julguei necessário referenciar explicitamente todas as obras que inspiraram meu escrito. Mas, achei que convinha listar aqui a bibliografia básica que utilizei para esta conversa sobre valores, trabalho e educação.

BARATO, J.N. A Moral do Trabalhador na Educação Profissional. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 39, n. 1, jan/abr 2013.

BURKE, C. & GROSVENOR, I. School. London: Reaktion Books, 2008.

CRAWFORD, M.B. Shop Class as Soucraft: An inquiry into the value of work. New York: Penguin Books, 2009.

LAVE, J. e WENGER, E. Situated Learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

LURIE, A. The Message of Schoolroom. The New York Review of Books, December 4, 2008.

MJELDE, L. Las Propiedades Mágicas de la Formación em el Taller. Toronto: The Centre for the Study of Education and Work: University of Toronto, 2011.

MJELDE, L. From Hand to Mind. In Livingstone, D.W. (org.), Critical Pedagogy and Culture Power. New York: Bergin & Garvey Publishers, 1987.

ROSE, M. O Saber no Trabalho: Valorização da inteligência do Trabalhador. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2007.

ROUSSELET, J. A Alergia ao Trabalho. Lisboa: Edições 70, 1974.

VÁZQUEZ, A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

WENGER, E. Communities of Practice: Learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.


[1] O laboratório de que fala meu amigo dinamarquês é um ambiente de trabalho e tem raiz etimológica em labor, trabalho em latim. 

[2] Por razões de sigilo profissional, não posso revelar aqui nome do curso e da escola que integrou amostra de uma de minhas investigações.


[1] O laboratório de que fala meu amigo dinamarquês é um ambiente de trabalho e tem raiz etimológica em labor, trabalho em latim. 

[2] Por razões de sigilo profissional, não posso revelar aqui nome do curso e da escola que integrou amostra de uma de minhas investigações.

Uso de rubricas em avaliação na EPT

abril 25, 2021

Trago para cá vídeo de uma atividade de formação que fizemos no Instituto Federal de Santa Catarina. Na conversa utilizei logo no começo um aplicativo no qual professores podem elaborar rubricas com bastante facilidade. Escolhi um tema, avaliação de palestra de um colega. No processo, eu fui, junto com os participantes, construindo uma rubrica para ver como funciona o aplicativo e, ao mesmo tempo, começar o assunto por uma atividade feita junto com os participantes. O site do aplicativo é:

https://www.teach-nology.com/web_tools/rubrics/general/

Há mais referências da web que utilizei, mas a primeira é a mais importante para quem quiser acompanhar a primeira parte do vídeo.

Bruner e educação

abril 25, 2021

Jonathan Zimmerman, professor da história da educação na University of Pennsylvania, escreve artigos interessantes sobre educação na revista The Atlantic. São textos de qualidade e sem ranço acadêmico. Vez ou outra, traduzo algum deles. Eis aqui um exemplo:

Jerome Bruner: Uma busca inacabada em educação

Jerome Bruner promoveu a psicologia cognitiva, uma ideia que as escolas ainda lutam para adotar.

Jonathan Zimmerman

The Atlantic, June 7, 2016

Alguns anos atrás, Jerome Bruner visitou um curso de pós que eu coordeno na New York University sobre pesquisa educacional e política. Eu disse a Jerry que concordava com quase tudo que ele escreveu sobre educação, mas temia que muitos americanos não concordassem com tais ideias. O que aconteceria se o país não aceitasse o que ele estava propondo?

“Bem”, disse Jerry com um largo sorriso: “então você teria em mãos uma boa história”.

A própria história admirável de Bruner chegou ao fim na segunda feira passada, quando ele faleceu aos 100 anos. Filho de imigrantes poloneses, ele foi uma criança sem visão até que uma cirurgia o livrou da cegueira aos dois anos de idade. Bruner dedicou toda sua vida estudando a percepção humana, e os modos pelos quais as histórias que contamos sobre o mundo influenciam como pensamos e aprendemos sobre ele.

Ao longo do caminho, ele ajudou a revolucionar a psicologia americana. Quando Bruner foi para sua pós-graduação na Harvard University, nos anos de 1930, predominava uma pesquisa psicológica que examinava o comportamento que as pessoas exibiam frente a pressões externas e estímulos. Mas tal modelo não levava em conta nossa mente individual, que filtra e interpreta tudo que experimentamos.

Bruner decidiu estudar o que ele chamou de “psicologia cognitiva” – como as pessoas pensam e raciocinam, não apenas como reagem e respondem. Para a educação, particularmente, as implicações eram enormes. Bruner descobriu que mesmo as crianças muito novas construíam seu próprio conhecimento – ou seja, davam sentido a novas informações com base em experiências e entendimentos prévios. O trabalho dos professores era o de ajudar os estudantes construir conhecimento sobre o que já sabiam.

Não fazia sentido então empanturrar as crianças com fatos, que elas esqueceriam assim que a prova terminasse. A meta era ajuda-las  a reconhecer relações entre fatos. Você não precisa ser um físico ou um historiador para entender a gravidade ou a Guerra Civil. Mas você precisaria de um professor que pudesse ajuda-lo a pensar como um físico ou como um historiador, ordenando e analisando as informações como eles fariam.

Meio século depois que Bruner propôs essas ideias em sua obra mais importante, The Process of Education, elas acabaram sendo aceitas como “melhores práticas” nas escolas americanas. Mas poucos professores e alunos as praticam. Há um enorme fosso entre a história que os Estados Unidos conta sobre educação e o caminho em que ela realmente percorre.

A primeira razão tem a ver com a preparação de professores no país. Para instruir os alunos da maneira imaginada por Bruner, você precisa ter um profundo conhecimento da matéria que ensina. Sou professor de educação numa grande universidade, mas eu não poderia ensinar biologia no curso secundáio. Eu poderia fazer com que os alunos memorizassem partes de um átomo ou de uma célula, mas não poderia ajuda-los a entender como a biologia funciona: como ela levanta questões, delineia teorias, reúne evidências.

E aqui há um fato deprimente: boa parte dos professores do país não tem esse tipo de conhecimento. Embora em muitos estados se exija que os professores sejam formados na matéria que lecionam, a legislação não demanda que os mestres dominem de fato os saberes próprios de sua disciplina. Provenientes dos grupos de baixo e médio desempenho de distribuição de desempenho acadêmico, muitos professores americanos simplesmente carecem de um forte background de saber específico para ajudar os alunos a mergulharem na disciplina que estudam.

Enquanto isso, professores que possuem a necessária expertise são prejudicados pela besta da “accountability”. Desde que o Congresso aprovou a lei conhecida como No Child Left Behind em 2001, normas federais e estaduais atrelaram o financiamento das escolas – e, em alguns lugares, o salário dos professores – ao desempenho dos alunos em testes padronizados [algo parecido com o nosso ENEM]. Particularmente nas comunidades mais pobres, o resultado tem sido a antítese do que Bruner imaginava: uma pedagogia triste de memorização apenas prepara os alunos para o próximo teste padronizado.

Finalmente, não é claro que os cidadãos americanos – essa gente que paga impostos e elege os membros de conselhos escolares – desejam o tipo de instrução que Bruner desejava. Ele aprendeu isso de maneira bastante dura quando desenvolveu um currículo financiado pelo governo federal nos anos de 1960, chamado Man: A Course of Study (MACOS), que usava exemplos de diferentes lugares e eras para gerar questões básicas sobre o comportamento humano e a moralidade – especialmente sua descrição dos Netslik Eskimos, que praticavam infanticídio e eutanásia – chamou atenção dos conservadores, que queriam que a seus filhos fosse ensinado um único código moral. O Congresso acabou cancelando o financiamento do MACOS, o que nos faz lembrar dos perigos de encorajar as crianças a pensarem por elas mesmas. Elas podem terminar discordando de seus pais, e muitos americanos – talvez a maioria – não querem isso.

O final de sua carreira, Bruner se voltou para a questão da cultura e educação, examinando como diferentes sociedades influenciam o crescimento e desenvolvimento humanos. Meu temor é o de que a cultura americana não aceite verdadeiramente a estória que Bruner nos contou sobre o ensinar. Mas, sempre serei agradecido a ele pelo que disse, insistentemente, na esperança de que a nação um dia aprendesse a lição.

Mão e cérebro

abril 23, 2021

Há um belíssimo texto de Saramago sobre mão e cérebro. Vale por um ensaio de grandes psicólogos do conhecimento. Comentários são desnecessários. O que vale mesmo é ler o texto do grande escritor português. Então vai:

Na verdade, são poucos os que sabem da existência de um pequeno cérebro em cada uma dos dedos das mãos, algures entre falange, falanginha e falangeta. Aquele outro órgão que chamamos cérebro, esse com que viemos ao mundo, esse que transportamos dentro do crânio e que nos transporta a nós mesmos para que o transportemos a ele, nunca conseguiu produzir senão intenções vagas, difusas, sobretudo pouco variadas, acerca de que as mãos e os dedos deverão fazer. Por exemplo, se ao cérebro da cabeça lhe ocorreu a ideia de um pintura, ou música, ou escultura, ou literatura, ou boneco de barro, o que ele faz é manifestar o desejo e ficar depois à espera, a ver o que acontece. Não porque despachou uma ordem ás mãos e aos dedos, crê, ou finge crer, que isso era tudo quanto se necessitava para que o trabalho, após umas quantas operações executadas pelas extremidade dos braços, aparecesse feito. Nunca teve a curiosidade de se perguntar por que razão o resultado final dessa manipulação, sempre complexa até nas suas mais simples expressões, se assemelha tão pouco ao que havia imaginado antes de dar instrução às mãos. Note-se que, ao nascermos, os dedos ainda não têm cérebros, vão nos formando pouco a pouco com o passar do tempo e o auxílio daquilo que por eles é visto. Por isso que os dedos sempre souberam fazer de melhor foi precisamente revelar o oculto. O que no cérebro possa ser percebido como conhecimento infuso, mágico ou sobrenatural, seja o que for que signifiquem sobrenatural, mágico e infuso, foram os dedos e seus pequenos cérebros que lho ensinaram. Para que o cérebro da cabeça soubesse o que era a pedra, foi preciso primeiro que os dedos a tocassem, lhes sentissem a aspereza, o peso e a densidade, foi preciso que se ferissem nela. Só muito tempo depois o cérebro compreendeu que daquele pedaço de rocha se poderia fazer uma coisa a que se chamaria faca e uma coisa a que se chamaria ídolo. O cérebro da cabeça andou toda vida atrasado em relação às mãos, e mesmo nestes tempos, quando nos parece que passou à frente delas, ainda são os dedos que têm de lhe explicar as investigações do tato, o estremecimento da epiderme ao tocar o barro… (SARAMGO, José. A Caverna. Companhia das Letras: São Paulo, 2.000, p. 85-86)

Novas tecnologias e ser no mundo

abril 22, 2021

Novas tecnologias facilitam controle e são, por isso, muito utilizadas pelo poder corporativo, político, institucional. Esse é um tema que já estava presente na obra fundamental sobre usos sociais dos computadores, Computer Power and Human Reason: From Judgment to Calculation , de Joseph Weizenbaum. E sob outras referências, ele foi retomado recentemente por Matthew Crawford em Why We Drive. No que segue, vou citar trechos de recente entrevista de Crawford sobre seu livro.

>>> cada vez mais a tecnologia resulta em erosão do espaço para habilidades de ação humana inteligente.

>>> muitos domínios de ação humana foram colonizados pelos sistemas que agem por nós, sejam eles burocráticos, sejam eles tecnológicos.

>>> carros sem motoristas são um exemplo deste padrão muito amplo de mudanças em nossa relação com o mundo físico no qual as demandas de de habilidades e competência dão lugar a promessas de segurança e conveniência, como um tipo de situação que tira os seres humanos do loop de controle das ações.

>>> acho que já fomos muito longe […], o mundo inteiro começa a se parecer com um local de vida delegada [um local em que a tecnologia “vive” por nós].

O ponto de partida do novo livro de Matthew Crawford são as notícias otimistas de que os carros do futuro próximo não precisarão de motoristas, terão programas poderosos que garantirão circulação dos veículos por toda parte, sem necessidade de um ser humano por trás da direção. No anúncios desses carros do futuro destaca-se melhoria da segurança, tráfego melhor organizado, liberação do ex-motorista para que este possa fazer o que queira durante a viagem [quase sempre liberação para usar o celular…]. O autor mostra que essas supostas vantagens afastarão os seres humanos de suas relações com o mundo físico, além de eliminar habilidades e responsabilidades das pessoas nos espaços de circulação com veículos. Carros sem motoristas são apenas um dos casos em que a tecnologia é utilizada para mais afastar os seres humanos de experiências imediatas com o meio que os cerca. Isso significa uma mudança radical de ser no mundo, pouco percebida por todos nós, embarcados em viagens tecnológicas aparentemente promissoras, mas marcadas por dependência cada vez maior de sistemas burocráticos e tecnológicos de controle social.

Escola sem partido

abril 21, 2021

Tempos atrás traduzi artigo que pode ser uma boa fonte para conversas sobre escola sem partido. Sem mais, reproduzo a seguir a tradução que fiz.

Argumentos a favor da educação crítica

Jonathan Zimmerman e Emily Robertson

The Atlantic April 26, 2017    

No dia 9 de agosto de 2014, o policial Darren Wilson atirou e matou Michael Brown nas ruas de Ferguson, Missouri. Wilson é branco; Brown era negro e estava desarmado. Em poucos dias Fergurson foi tomada por violentos protestos. E em muitas outras cidades americanas, milhares de manifestantes foram às ruas para condenar o racismo e a brutalidade da polícia.

Algumas escolas em Fergurson prorrogaram a volta às aulas para permitir que o pessoal da limpeza retirasse os detritos deixados pelos protestos e para se assegurarem de que os alunos poderiam ser transportados em segurança. Quando finalmente abriram suas portas, as escolas tiveram que decidir como – e se – abordar o assassinato de Brown e o que veio depois. Por todo o país, os participantes dos protestos cantavam “A Vida dos Negros Importa”. Como iriam os professores da área de Fergurson fazer com que a controvérsia tivesse sentido, e com que finalidade?

Sem nenhuma surpresa, as abordagens docentes variaram. Em University City, um subúrbio [vale lembrar que em cidades americana subúrbios são áreas afluentes] que se limita com St Louis, um professor levou os alunos a uma “discussão livre” sobre raça, justiça criminal, e desigualdade. “Eles são capazes de desconstruir os assuntos olhando para coisas como pobreza, educação, militarização das forças policiais, e percepção de que o país e o mundo tinham de que St. Louis passou por uma turbulência” declarou orgulhosamente o professor. Mas, às margens do Mississippi, em Edwardsville, Illinois, as autoridades escolares orientaram os professores a “mudar de assunto” sempre que o caso de Fergurson emergisse na classe. E em Riverview Gardens, o distrito em que Brown foi morto, os dirigentes disseram aos professores para falar do assunto apenas quando os alunos o levantassem. Se os alunos ”se mostrassem emocionalmente envolvidos com a situação”, os professores eram orientados a encaminha-los á orientação educacional e serviço social da escola.

Edwardsville é um distrito de maioria branca; Riverview Gardens é um distrito de maioria negra. Mas, em ambos os lugares, as razões para restringir o debate eram as mesmas: o medo de que os professores estariam inserindo seus próprios vieses – e botando fogo numa situação já muito volátil. O foco central da preocupação era o bem estar psicológico dos estudantes, não o seu crescimento intelectual e político. De fato, para muitos educadores na região, “política” era justamente o que as escolas deviam evitar. Ressaltavam-se visões de alunos emocionalmente frágeis, com elevada raiva e, possivelmente, violência decorrentes da situação de Ferguson. Mas talvez esse seja o caminho errado; as escolas públicas talvez devam abordar temas controversos que elas frequentemente evitam. O episódio de Ferguson merecia atenção das escolas. O assunto era objeto de divergência entre especialistas e de interesse e preocupação públicos.

Na mídia e nos grupos sociais da internet, acadêmicos discutiram as origens das abordagens policiais em Ferguson e sua ligação mais ampla para as relações americanas de raça e de justiça criminal. E através do país, pessoalmente ou em redes sociais, milhões de cidadãos se engajaram amplamente, e muitas vezes de modo apaixonado, em conversações sobre o assunto. E é claro que foi precisamente o volume e a veemência da discussão pública que levou muitos educadores a evita-la nas escolas. E isso tem sido um tema recorrente na história da educação americana. Como mostram os exemplos de Ferguson, as pessoas simplesmente não confiam nos professores como profissionais capazes de engajar os alunos em conversas sobre assuntos controversos de maneira bem informada e sensível. E não se dá aos professores espaço para conduzirem essas discussões no tempo escolar, crescentemente dominado pela preparação para testes padronizados [os ENEM da vida!]. Como confirma um relato de Riverside Gardens, “há pouco tempo disponível no espaço escolar” para abordar casos como o de Ferguson e, ao mesmo tempo, preparar os alunos para testes em matemática e leitura, especialmente em escolas da periferia onde muitos alunos não são proficientes em tais áreas de saber. Na verdade, como as pesquisas repetidamente confirmam, os alunos mais pobres têm menos oportunidades que outros estudantes de examinar assuntos controversos no espaço escolar.

As escolas ensinam muitas coisas. Na maior parte das vezes, porém, elas não têm ensinado os alunos com se engajar em debates bem informados e racionais sobre as inúmeras diferenças que perpassam a sociedade. Em síntese, o compromisso retórico de “ensinar temas controversos” nas escolas americanas não teve reflexos notáveis no dia a dia das salas de aula. Por causa de uma formação insuficiente, alguns professores não têm background de conhecimento ou habilidades pedagógicas – ou ambos – para liderar discussões em profundidade sobre questões quentes da política. Acima de tudo, porém, os professores não têm autonomia profissional para fazê-lo. Isso acontece particularmente durante períodos de guerra, quando as escolas são impedidas de abordar a conduta militar americana. Mas, através da história americana – e no presente – os professores enfrentaram, formal e informalmente, restrições na discussão de assuntos políticos de todos os tipos. A elevação dos níveis de educação provavelmente aumentou essa pressão, envolvendo desafios que os cidadãos antes julgavam que deveriam ser responsabilidade dos professores, com credenciais e saberes superiores para tanto. “O professor de ensino médio perdeu de fato o relativo status nos anos recentes na medida em que os pais têm agora formação secundária” observou, em 1958, o eminente sociólogo David Reisman. “Enquanto o professora da pré-escola ganha admiração porque ela pode controlar várias dúzias de pré-alfabetizados cujas mães sequer conseguem controlar uma única criança, o professor de ciências sociais no ensino médio tem dificuldades para se colocar como mais preparado que os pais que declaram que sabem tanto quanto ele”.

Isso é mais verdadeiro ainda nos dias de hoje, na medida em que mais e mais pais têm ensino superior. Mas o professor de ensino médio – particularmente o que ensina estudos sociais –  ainda enfrenta restrições mais agudas, por razões que Riesman apontou na metade do século passado. “Os professores de ensino médio podem ser rotulados de ‘controvertidos’ assim que qualquer discussão se torna acalorada ou se aproxime do lar”, escreveu Riesman. E o perigo é maior em estudos sociais que “tanto pode refletir o que está nos jornais como pode se converter em notícia”. Em muitas comunidades isso é um grande risco para os professores de estudos sociais. Por isso, muitos deles ensinam o que Riesman chamou de ‘irrelevâncias sociais’ – uma ladainha de clichês e pieguices – e evitam qualquer tema controverso que possa lhes trazer aborrecimentos com alguma parte da população [pais, opinião pública, formadores de opinião etc.]. “Eles temem que a abordagem de ‘temas controversos’ em educação os exponha a críticas”, escreveu o futuro vice-presidente Hubert Humphrey, alguns anos antes. “Isso produziu insegurança incômoda que, por sua vez, forçou muitos professores a abandonar técnicas educacionais válidas”.

Seguramente, muitos outros conteúdos escolares – não apenas estudos sociais – envolvem potencialmente assuntos controversos. No desenvolvimento curricular, os professores lutam para confrontar suas obrigações de abordar tais assuntos com as inevitáveis pressões para evita-los. Nos anos vinte e trinta do século passado, por exemplo, os professores de ciências no ensino médio enfatizavam o ensino da física e da química; não davam, porém, grande importância à biologia. A razão era óbvia: ao contrário de outras ciências importantes, escreveu um observador, a biologia era uma ameaça que “poderia familiarizar rapazes e moças com a teoria da evolução”.

Reclamações dos cidadãos também restringiram incursões dos professores de inglês em assuntos controversos. Algumas vezes os professores foram impedidos de indicar The Catcher in the Rye, The adventures of Huckberry Finn, e outros livros ´banidos’ que provocam arrepios [e condenação] em reuniões de conselhos de educação [nos EUA há conselhos de educação em vários níveis, na própria escola, no distrito, no estado] por todo o país. Mesmo quando tais obras são permitidas, professores experimentam grandes limitações para discutir questões delicadas presentes no texto – especialmente aquelas que se referem a sexo. Finalmente, a educação sexual obrigatória também é alvo de constantes objeções da comunidade. Isso é um problema principalmente para professores no campo da saúde e da educação física, que muitas vezes eliminam de suas aulas qualquer coisa muito explícita – ou controversa – por medo de reações negativas das famílias.

Leis, dirigentes escolares e opinião da comunidade têm, todos eles, conspirado para evitar ou para desencorajar os professores americanos a discutir assuntos controversos em sala de aula. Isso não quer dizer que os professores sempre evitaram tais assuntos. Em 1953, no auge da Guerra Fria, uma pesquisa junto a professores de estudos sociais em Ohio revelou que os docentes estavam conduzindo discussões para determinar se o presidente Harry Truman deveria intervir na indústria de produção de aço, se Truman deveria ter demitido o general Douglas MacArthur, e se – como queria MacArthur – os Estados Unidos deveriam utilizar armas atômicas na Guerra da Coréia. No mesmo ano, em outra pesquisa, professores da cidade de Nova Iorque informavam que estavam conduzindo debates cujo foco era o direito da ‘China Vermelha’ ter assento nas Nações Unidas, ou se os comunistas tinham direito de lecionar em escolas públicas, ou se Julius e Ethel Rosenberg deveriam ser condenados à pena de morte por terem fornecido segredos atômicos  para a União Soviética, ou se o senador Joseph McCarthy era “uma ameaça ou uma salvador da democracia americana”.

Depois que vários professores foram demitidos por serem considerados comunistas, muitos docentes admitiram que estavam com medo de discutir qualquer assunto controverso em suas aulas. Mas, a pesquisa indicou que seus temores eram infundados, ou pelo menos exagerados. “É preciso que os professores que têm esses medos ganhem coragem”, escreveu o autor da pesquisa. “O assunto que eles dizem ter medo de ensinar está sendo abordado por muitos de seus colegas em salas de aulas próximas, e em escolas da vizinhança. Tais professores estão impondo desnecessária censura a eles mesmos”.

No presente, algumas evidências sugerem que na verdade os professores superestimam as limitações para abordar assuntos controversos em suas aulas. Novos professores, particularmente, demonstram surpresa quando ouvem que velhos docentes discutem questões politicamente espinhosas com seus alunos. “Você os deixa falar sobre isso?!”, perguntaram os [novos] professores a uma colega quando ouviram falar sobre suas aulas. “Que opiniões você os deixa expressar?”. Em diversos sentidos, essas observações revelam a fraca preparação dos professores para um de seus deveres cívicos fundamentais: explorar assuntos controversos com futuros cidadãos. Elas também lembram que esse tipo de ensino continua a acontecer, apesar da pobreza de preparação profissional para a tarefa e – particularmente nos anos recentes – do encolhimento da proteção legal para ele.

Quando os Estados Unidos atacaram o Iraque em 1991, estudantes de uma escola de Pittsburgh foram para as ruas protestar contra a instituição que se recusou a abordar o assunto. Mas, doze anos depois, quando os EUA invadiram o Iraque de novo, uma escola suburbana de Nova Iorque patrocinou um dia inteiro de discussão sobre o fato. Em assembleia geral na quadra da escola, cinco estudantes e dois professores de estudos sociais apresentaram argumentos a favor e contra a guerra; a seguir os estudantes se dispersaram e voltaram às respectivas classes para continuar o debate. As salas de aula dos Estados Unidos oferecem muitas oportunidades para crescimento por meio de assuntos controversos. A questão é se os professores serão empoderados para abordar tais assuntos.

Este artigo foi adaptado da obra de Jonathan Zimmerman e Emily Robertson, The Case for Contention: Teaching Controversial Issues in American Schools.