Tenho a impressão de que muitas pessoas acham que a conversa é um intercâmbio de opiniões, bem organizado, no qual os interlocutores se alternam em falas claramente definidas. No caso de blogs. essa visão resulta num entendimento de que a conversação é constituída por mensagens (posts) e seus respectivos comentários. Vez ou outra, procuro mostrar que essa visão do conversar é limitada. A conversa, em blogs e fora deles, rola de muitas maneiras.
Um caso recente aqui no Boteco, o meme da página 161, mostra mais uma possibilidade conversacional na blogosfera. Todo o jogo para pegar o livro mais próximo, encontrar e publicar a 5ª frase completa, passar a mensagem para mais cinco blogueiros gera uma prosa muito interessante que não fica apenas na relação mensagem/comentários. E isso me lembra alguns jogos muito comuns nas noitadas boêmias dos botecos de Ribeirão Preto em meus tempos de estudante.
O grande animador de jogos em botecos na Ribeirão dos anos setenta era Isaías Pessotti, cientista famoso, ótimo professor, boêmio de carteirinha. Se alguém quiser experimentar, resumo aqui a dinâmica de um dos jogos do Isaías:
- Numa roda de botequeiros, proponha uma desafio vocabular para que os participantes encontrem palavras que começam pelas três letras escolhidas pelo primeiro jogador (por exemplo: “as três primeiras letras são SER”).
- No sentido horário, cada participante deverá dizer uma palavra quer comece com as três primeiras letras escolhidas (no caso de SER, teríamos coisa como: sermão, serrote, servidão, sertão, seresta, serótino, etc.
- Cabe observar que a dinâmica deverá obedecer algumas regras simples. Essas regras são: valem apenas substantivos (exceto nomes próprios) e adjetivos; vale apenas uma palavra com a mesma raiz (assim, por exemplo, se alguém já disse serra, não valerá a palavra serrote), cada participante terá alguns segundos para dizer sua palavra (o grupo determinará um tempo razoável que mantenha a boa dinâmica do jogo), a roda do jogo para determinado conjunto de três letras continuará até que um participante não consiga dizer mais uma palavra, cada participante perde um ponto sempre que for incapaz de encontrar uma palavra quando chega a sua vez, o participante que não encontrou sua palavra tem direito de iniciar outra rodada propondo novo conjunto de três palavras iniciais (FAR, por exemplo), o jogo termina assim que o grupo julgar que é hora de é hora de parar, o perdedor do dia será o participante que acumulou mais pontos negativos; se combinado com antecedência, o perdedor paga uma rodada final de cerveja ou chope para todo o grupo.
A brincadeira que acabei de descrever é um grande exercício de vocabulário, além de exigir invenção de certas estratégias de uso da memória. Bons leitores dificilmente pagarão a rodada final de chope ou cerveja… Nos anos oitenta reproduzi o jogo de mestre Isaías para frequentadores do Bar do Zé. Foi um sucesso.
Jogos de botecos ou jogos de blogs são uma modalidade de conversação que, além do que fica dito ou escrito, coloca na roda modos de ser e pensar não revelados em diálogos convencionais.
Se você quiser conhecer mais o Isaías, sugiro leitura de alguns romances que ele escreveu depois de uma longa carreira acadêmica. É uma delícia ler Aqueles Malditos Cães de Arquelau, Manuscrito de Mediavilla, e Lua da Verdade.