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Livro, tecnologia revolucionária

março 30, 2012

Meu amigo Bertelli acaba de postar o famoso texto L.I.V.R.O. de Millor Fernandes. Achei que as considerações de um de nossos maiores intelectuais merece reprodução. Aqui vai:

 

L.I.V.R.O – Millôr Fernandes

 

Millôr Fernandes: Um novo e revolucionário conceito de tecnologia de informação

Na deixa da virada do milênio, anuncia-se um revolucionário conceito de tecnologia de informação, chamado de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.

L.I.V.R.O. representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. É tão fácil de usar que até uma criança pode operá-lo. Basta abri-lo!

Cada L.I.V.R.O. é formado por uma seqüência de páginas numeradas, feitas de papel reciclável e capazes de conter milhares de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantêm automaticamente em sua seqüência correta.

Através do uso intensivo do recurso TPA – Tecnologia do Papel Opaco – permite-se que os fabricantes usem as duas faces da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os seus custos pela metade!

Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. É que, para se fazer L.I.V.R.O.s com mais informações, basta se usar mais páginas. Isso, porém, os torna mais grossos e mais difíceis de serem transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema.

Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente, e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, em seu cérebro. Lembramos que quanto maior e mais complexa a informação a ser transmitida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.

Outra vantagem do sistema é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite o acesso instantâneo à próxima página. O L.I.V.R.O. pode ser rapidamente retomado a qualquer momento, bastando abri-lo. Ele nunca apresenta “ERRO GERAL DE PROTEÇÃO”, nem precisa ser reinicializado, embora se torne inutilizável caso caia no mar, por exemplo.

O comando “browse” permite fazer o acesso a qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com o equipamento “índice” instalado, o qual indica a localização exata de grupos de dados selecionados.

Um acessório opcional, o marca-páginas, permite que você faça um acesso ao L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na última utilização mesmo que ele esteja fechado. A compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou marca de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração.

Além disso, qualquer L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de página, caso seu usuário deseje manter selecionados vários trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com o número de páginas.

Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O. através de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada – L.A.P.I.S. Portátil, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro. Milhares de programadores desse sistema já disponibilizaram vários títulos e upgrades utilizando a plataforma L.I.V.R.O.

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Tolerância e religião

março 25, 2012

Reproduzo aqui vídeo que foi retirado das principais redes de TV dos Estados Unidos. O assunto nada tem a ver com blogs ou com tecnologia. Mas, tem tudo a ver com educação e liberdade. Merece divulgação.

Quando não nos importamos

março 24, 2012

Publiquei ontem no meu Facebook o famoso poema de Martin Neimoller, uma declaração com muitas versões mostrando como a “neutralidade” política aliou-se ao nazismo. O próprio Neimoller, nos primeiros anos do nazismo, praticou a neutralidade, conflitando com Bonhoeffer, militante anti-hitlerista desde o início.

Reproduzo aqui o que publiquei no FB.

Primeiro, eles vieram…
Este poema, sem título, é de autoria do pastor evangélico alemão Martin Niemoller (1892-1984), preso por Hitler em 1938, durante a ascensão nazista.

Primeiro eles vieram atrás dos comunistas,
E eu não protestei, porque não era comunista;

Depois, eles vieram pelos socialistas,
e eu não disse nada, porque não era socialista;

Mais tarde, eles vieram atrás dos líderes sindicais,
E eu me calei, porque não era líder sindical;

Então foi a vez dos judeus,
E eu permaneci em silêncio porque não era judeu;

Finalmente, vieram me buscar,
E já não havia ninguém que pudesse falar por mim.

Minha amiga Lia Rosenberg, perguntou, no mesmo Face, o que tal poema tem a ver com a versão de Eduardo Alves da Costa. Pedi ao Carlos Seabra para comentar a indagação da Lia. Reproduzo, a seguir, comentário do Carlos.

Embora com o mesmo espírito, o poema do Eduardo Alves da Costa (que quando eu tinha um país imaginário, lá pelos meus 14 anos, ele era o “ministro da poesia” hehehe!) é:”Na primeira noite
eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite,
já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
E não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho
em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz
da garganta.

E já não podemos dizer nada.”

Este trecho é do poema “No caminho com Maiakóvski”, nos anos 1970.

O assunto rendeu mais uma contribuição interessante. Stan, um dos meus ex-alunos da Licenciatura me chamou atenção para um vídeo que atualiza o famoso poema de Neimoller. Aqui está o vídeo.

Ecologia e ética

março 24, 2012

Há nos meus guardados muita coisa que escrevi e ficou engavetada. Não sei qual era o destino original dos textos guardados. Ás vezes são notas para aulas que não dei. Ás vezes são inícios de artigos que não publiquei. Ás vezes são rascunhos para posts que não amadureceram.

Acabo de encontrar notas sobre ética e ecologia. Tem cara de ser versão de um artigo curto, provavelmente para publicação digital. Acho que é um texto que pode contribuir para conversas atuais em torno do código florestal. Por isso, trago o dito texto para este Boteco.

Crise ecológica. Ameaça à vida humana no planeta. Descuido com ecologia provoca doenças, desertifica o solo, muda o clima, requer uso sempre maior de defensivos agrícolas, mata rios, diminui número de peixes no mar, provoca desaparecimento acelerado de muitas espécies, etc. Descuido com nosso planeta e a com vida que há nele não é apenas um problema biológico. É um problema econômico. É um problema moral. Do ponto de vista econômico, exaure rapidamente riquezas cujo desaparecimento castigará as gerações futuras. Parte da fome na África está relacionada com isso. Do ponto de vista moral, desrespeito pelo planeta e pela vida é uma imoralidade de quem não sabe ver o outro.

Conto um caso para ilustrar a insensibilidade ecológica como uma questão moral. Há uns quarenta anos, propaganda governamental sobre uma estrada, mostrava, nos grandes jornais brasileiros, uma colina rasgada por bulldozers. Sob a foto lia-se: “a colina que estorvava o progresso”. A intervenção humana, removendo milhões de toneladas de terra em nome do progresso, apenas facilitou por algum tempo o tráfego de automóveis. Hoje, aquele trecho de estrada vive congestionado. Sempre me incomodou a frase sob a foto. Ela sintetiza a crença de que os seres humanos tudo podem. Ele sugere que sempre que tenhamos recursos técnicos disponíveis, podemos fazer o que quisermos.  Esse modo de pensar é a-ético. Desconsidera os efeitos das ações humanas e promove a idéia de que o uso da técnico-ciência não deve ter qualquer limite moral.

Acho que a crise ecológica é uma crise de moralidade.  Nossa falta de cuidado com toda a vida que nos cerca e com as condições essenciais para essa mesma vida é resultado de uma visão limitada de compromissos éticos. Ela é sinal de barbárie. Quando ofendemos a mãe terra, mostramos pouca aprendizagem com história. Mostramos, como já disse, insensibilidade. Parece que nossos avanços em termos de poder não foram acompanhados por avanços em termos compromissos morais.

Paro por aqui. Acho que não preciso escrever um ensaio para expressar minha opinião. Espero que possíveis leitores desta nota sobre o problema mais avancem a análise.

Causas e Consequências. Há muitas causas para a crise ecológica. Uma delas é a ignorância. Muitas vezes não entendemos os processos vitais sobre os quais agimos. E, às vezes, a descoberta dos males decorrentes de nossas intervenções chega quando já é tarde demais. Cito um exemplo nesse rumo. Na cidade de São Paulo, ocupamos de modo desorganizado as várzeas dos rios. Essa ocupação é a principal responsável por gigantescas enchentes que atingem milhões de pessoas quase todos os anos. E agora é tarde para recuperar para os rios o espaço das várzeas. Nem sempre é possível antecipar o que poderá acontecer com decisões que tomamos sobre espaço, manejo de vegetação, urbanização e muitas outras intervenções no território em que vivemos. Ignorantes, podemos causar males irreparáveis. Cabe aqui o famoso alerta de aprender com os próprios erros.

Talvez a maior causa de danos ecológicos à vida e ao planeta seja o interesse econômico imediato. Temos, por exemplo, um litoral cujos berços de vida marinha forma eliminados por imobiliárias. A ocupação do solo, no caso, foi feita de maneira desorganizada. Outros interesses econômicos podem ser mais graves. Esse é o caso de explorações de mineradoras. Há, em diversas partes do mundo, mudanças profundas que aconteceram por causa da exploração de minérios. As mineradoras, para ganharem mais em menos tempo, nada respeitam: florestas, rios, espécies raras, montanhas, lençol freático etc. Outra causa econômica provocadora de crise ecológica é a industrialização. Dejetos tóxicos, sólidos, líquidos e gasosos de muitas indústrias são fontes de poluição.

A ganância, a vontade de fazer dinheiro fácil, os interesses imediatistas do capital são talvez os fatores que mais contribuem para a poluição em larga escala. No mesmo sentido, parece que há uma aliança entre os interesses das grandes corporações e os interesses individualistas dos cidadãos. Esse é o caso, por exemplo, do uso indiscriminado de automóveis, uma das fontes poluidoras mais importantes das grandes cidades.

Consequências? São muitas. Doenças. Câncer por causa de contato com materiais tóxicos produzidos por indústrias ou por aplicações de substâncias venenosas pelo agro-negócio. Nascimento de crianças sem cérebro em regiões com ar envenenado (isso aconteceu muitos anos na cidade de Cubatão, no Brasil, por exemplo). Redução de fontes de água potável. No Brasil, até as profundidades do Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo,  já foram, em parte, envenenadas por materiais tóxicos.

Explorações agrícolas descontroladas e incêndios de florestas milenares mudam áreas imensas do planeta. Causam desertificação. Matam rios importantes. E por aí vai. Paro por aqui para não pintar um quadro muito assustador. Mas, não há dúvida de que a poluição é uma ameaça á vida. E o pior é que no dia-a-dia não temos consciência disso.

Comunicação e axiologia

março 24, 2012

Encontrei entre os meus guardados anotações que fiz para uma primeira aula sobre axiologia e comunicação. Tais anotações, de 2010, eram um primeiro ensaio para conversa com meus alunos de comunicações sobre o que é axiologia. Para não ficar em definições abstratas, resolvi relacionar axiologia com comunicação.

Não tive tempo de utilizar esse roteiro. A axiologia acabou não entrando em  minhas aulas de filosofia em 2010. E como não sou mais professor do povo de comunicações, minhas anotações ficaram sem uso. Acho, porém, que elas ainda podem  ser uma sugestão de conversas sobre valores e comunicação humana. Por isso, reproduzo-as aqui.

Tecnologia, Comunicação e Valores (notas)

 

Jarbas Novelino Barato

 

Caso 1: publicidade. Senhora negra entra em elevador social de prédio chic. Um dos moradores comenta casualmente: “empregados e outros trabalhadores deveriam conhecer o elevador de serviço”. Comentário da senhora negra: “é minha segunda vinda ao prédio, comprei a cobertura e ainda não tive tempo de conhecer o elevador de serviço”.

 

Caso 2: repórter resolve pesquisar como manobristas julgam clientes de uma boate dos Jardins. Chega num fusquinha velho. Desce. Tenta dar a chave para o manobrista. Este finge ignorar o gesto. É preciso insistir muito para que o manobrista aceite o serviço. Ele o faz com má vontade evidente.

 

Estamos falando de teoria dos valores, uma parte da Filosofia conhecida pelo elegante rótulo de Axiologia. Axiologia tem a ver com Ética, pois os julgamentos éticos que fazemos estão associados a valores.

As mídias promovem certos valores e, ao mesmo tempo, eliminam outros valores do cenário. Um exemplo: buscamos o imediato. Muita gente ontem a noite ficou aguardando a saída do primeiro mineiro que estava nas profundezas da mina San José. Queriam ver na hora em que o fato estava acontecendo. Muitos, incluso um professor aqui da casa, passaram a madrugada vendo a saída do 2º, 3º e 4º mineiro. Duas coisas explicam isso: curiosidade e vantagem de poder dizer “eu vi, ao vivo, o resgate dos mineiros”. Ver um vídeo, 24 horas depois, vale muito menos. Estamos convencidos de que o IMEDIATO é o tal.

 

Relacionem três outros valores da midia e da cultura de massas hoje.

  • Diversão
  • Emoção
  • Realismo
  • Atualidade (aqui/agora)
  • Juventude
  • Beleza
  • Fama
  • Movimento
  • Aventura
  • Sonho
  • Lazer
  • Prazer
  • Descompromisso
  • Mudança Contínua
  • Rapidez
  • Velocidade

Mudam mídias, mudam os valores. Regresso a valores de velhas mídias é penoso. Uma das aspirações é a de superação do velho.

Modos e meios de comunicação:

  • Gestos
  • Expressão Facial
  • Expressão Corporal
  • Riso/Choro
  • Sons emocionais (não palavras)
  • Música, ritmo e dança
  • Fala
  • Escrita
  • Pintura
  • Imprensa
  • Foto
  • Telégrafo
  • Cinema
  • Televisão
  • Rede de computadores
  • Multimídia

Cinco primeiros são compartilhados com outros animais. Revelam demasiado. Tentamos controlá-los para que os outros não saibam de fato o que sentimos. O controle nem sempre funciona. Quase nunca influenciam diretamente valores conscientemente proclamados.

A música é um caso à parte. Ela é uma linguagem dos sentimentos. Passa valores de acordo com intenções do artista; mas, quem a recebe pronta quase nunca percebe conscientemente o que o artista quer.

Fala. Quando é a única maneira consciente de passar informações ganha importância e se funda em valores tais como:

  • Autenticidade
  • Confiança
  • Diálogo
  • Troca (conversa/prosa)
  • Presencialidade
  • Olho no olho
  • Confiança confirmada pelas demais expressões comunicativas.
  • Sabedoria pessoal
  • “Palavra dada”
  • Gregarismo

Escrita. Destrona a fala. Dispensa presencialidade. Não é dialógica. Não é acompanhada por pistas de expressão corporal. Nada de olho no olho. Promove valores tais como:

  • Análise
  • Racionalismo
  • Profundidade
  • Dedicação
  • Trabalho duro
  • História (texto sempre reflete referências espaciais e temporais)
  • Concentração
  • Individualismo
  • Autoria
  • Originalidade
  • Esforço

E a TV, que valores promove? Exercício.

  • Emoção
  • Imediatismo
  • Diversão
  • Aventura
  • Dispersão
  • Pouco ou nenhum trabalho
  • Mais recepção, menos produção
  • Baixa necessidade de concentração (lei do menor esforço)

 

Leitura de imagens

março 23, 2012

Daniel Boorstin é autor de análise fascinante sobre comunicação e sociedade dos anos 1850 até 1960: The Image . O avanço das tecnologias digitais não muda substancialmente as características identificadas pelo grande historiador americano. Entre tais características, merecem destaque:

  • Transformação da notícia em mercadoria.
  • Conversão das comunicações em espetáculo.
  • Duração efêmera das notícias.
  • Imperialismo da imagem em todos os meios de comunicação.
  • Industrialização da produção de bens culturais.
  • Aumento do culto às celebridades criadas pela mídia.
  • Substituição do real por imagens que o falsificam.
  • Ânsia por novidades.
  • Valorização das aparências.

Imagens, na análise de Boorstin,  não se reduzem às reproduções cada vez mais fáceis de tudo que os olhos vêem. Para ele, os novos meios de comunicação introduziram uma preocupação cada vez maior com as imagens no plano simbólico. Ele é um dos primeiros analistas da importância conferida à “imagem” pelos políticos. O que vemos hoje em campanhas eleitorais nos faz compreender com muita clareza o simbolismo imagético que Boorstin identifica em diversas dimensões do mundo moderno.

O autor de The Image mostra que o predomínio da imagem pode ser visto num campo ignorado por nós em análises sobre comunicação, o turismo. Um dos casos para os quais ele nos chama a atenção é o de espaços naturais espetaculares como o Grand Canyon. Muita gente se decepciona ao visitar essa maravilha da natureza. Antes de lá chegar, deve ter visto belíssimas imagens de foto e vídeo sobre o lugar. E a realidade não tem todo aquele apelo de fotos e vídeos.

Outro caso é o da classificação de locais que merecem visita. No Guia Michelin e em outras publicações, o turista aprende o que merece  visto. O viajante já não explora o espaço. Ele comparece aos locais destacados pelo guia e fotografa-os, sempre procurando ticar o maior número possível de atrações, geralmente classificadas por estrelinhas. O grande triunfo é o de ver (rapidamente) e fotografar os locais mais estrelados.

Em 1979 estive na Bretanha, acompanhado por meu amigo Daniel Kader Hammoud, gente fina, fluente em francês, e sempre disposto a manter longas conversas com os nativos. Estivemos muitas horas num campo de dolmens e menires. Exploramos cada canto.  Conversamos longamente com um nativo sobre a história do lugar e particularidades da Bretanha. De repente, para um ônibus na estrada que margeava o sítio arqueológico. Dele desceram quarenta japoneses, cada qual com potentes câmeras fotográficas. Não entraram no campo. Enfileiraram-se ao lado do ônibus e tiraram muitas fotos. Tudo não durou mais que cinco minutos. Reembarcaram e foram buscar outra atração, um mosteiro medieval. Não vi a cena, mas tenho certeza que ela foi  idêntica à acontecida no campo de dolmens e menires. Os turistas viajam para conferir imagem que já conhecem. E reproduzem novas imagens, sem admirar e curtir os originais.

Queria fazer apenas uma pequena nota sobre a imagem em nosso tempo. Acabei me estendendo em demasia. O alvo deste post é mais específico, os estúdios fotográficos de meus tempos de criança. Eles se encaixam perfeitamente no modelo proposto por Boorstin para conversas sobre imagem e seus significados no mundo pós 1850.

Na minha infância, havia por toda parte estúdios de fotografia. Na parte da frente, eles tinham vitrines que expunham fotos de gente bonita ou famosa que freqüentava o local. Na parte interna do estabelecimento havia um ou mais ambientes para tirar fotos. O equipamento era grande e pesado. No estúdio, além de máquinas fotográficas e equipamentos de iluminação, havia diversos painéis e acessórios para compor cenários: de casamento, de primeira comunhão, de carnaval, de vida no campo, de vida no mar, etc.

Eu já havia me esquecido dos estúdios fotográficos dos meus tempos de criança. Minha memória dos mesmos foi reavivada pela leitura de 1920-1930 Italianos do Brás: Imagens e Memórias, de Suzana Barreto Ribeiro. A autora mostra diversas fotos tiradas em estúdios e as comenta. Há uma foto linda de criança fantasiada de Tom Mix (herói de um gibi de aventuras de bang-bang), com um fundo que sugere paisagem do velho Oeste. Há diversas fotos de primeira comunhão, cada uma delas com cenários e objetos religiosos. Há fotos de noivos em cenários pomposos. Há fotos de famílias em roupas domingueiras, em cenários que sugerem alto nível de vida dos fotografados (uma ilusão, é claro!).

As fotos publicadas por Suzana revelam as contradições entre o cotidiano e os sonhos dos italianos do Brás. Revelam um jogo com imagens no estúdio dos fotógrafos na primeira metade do século passado. Os estúdios fotográficos desapareceram. Não desapareceram, porém, as ilusões que se escondem por trás das imagens. Com freqüência, vejo no Facebook fotos que projetam sonhos de gente que leva uma vidinha sem muita emoção, charme ou aventura. Mas, as fotos são gloriosas, retratando ilusões e sonhos.

Deixo um recado final: precisamos aprender a ler imagens. Elas ficam a cada dia muito mais importantes que as letras.

Jovens que nem estudam, nem trabalham

março 22, 2012

Faz uns três anos que andei estudando a situação escolar e de trabalho dos jovens brasileiros para elaborar relatório sobre educação profissional e tecnológica no Brasil. Durante o estudo emergiu uma situação preocupante: há um percentual expressivo de jovens (cerca de 10%), na faixa dos 18 aos 34 anos, que nem estudam, nem trabalham. O fenômeno não pode ser explicado exclusivamente pelo desemprego, número significativo desses jovens parece ter feito uma escolha pessoal para abandonar estudos e não buscar trabalho.

No nível de minhas relações pessoais, conheço vários exemplos da categoria “nem estuda, nem trabalha”. E, minhas observações indicam que o fenômeno não se restringe a filhos das camadas mais altas da classe média. Na faixa atualmente caracterizada como classe C há muitos casos dessa vida sem compromisso dos nossos jovens.

A questão é preocupante do ponto de vista educacional. Sempre fica a pergunta: onde a escola falhou? Ou: onde a família falhou? Ou: onde a sociedade está falhando? Outras indagações se seguem: que destino ocupacional terá essa gente? Esses jovens voltarão ao sistema escolar? Se sim, para que?

Aparentemente os educadores desconhecem os jovens que nem estudam, nem trabalham. E, e mesmo que conheçam o problema, não sabem o que fazer.

A situação precisa ser vista de modo amplo. O fenômeno é um produto de nosso tempo. Envolve expectativas, valores, sonhos, promessas, decepções. E, talvez, gere comportamentos doentios.

Acabo de ler artigo publicado no New York Review of Books – Who is Peter Pan?, de Alison Lurie, edição de April 5 -25, 2012. No artigo, a autora comenta um desvio psíquico que recebeu o nome de síndrome de Peter Pan. Fiz uma tradução ligeira da parte do artigo que aborda a citada síndrome. Acho que as observações sobre essa doença contemporânea pode nos ajudar a pensar sobre jovens que nem estudam, nem trabalham.

Uma desordem psíquica, a síndrome de Peter Pan, também recebeu o nome do herói de Barrie. Essa condição desafortunada, segundo o antigo best-seller do mesmo nome, escrito pelo Dr. Dan Kiley e publicado em 1983, aflige um grande número de americanos. Diferentemente do Peter Pan original, as vítimas da síndrome de Peter Pan não querem permanecer crianças; preferem permanecer adolescentes. Saídos da puberdade, eles estão interessados em sexo, mas tem dificuldades no amor. Além de irresponsabilidade, narcisismo, e memória curta, condições muito comuns entre crianças pequenas, eles também sofrem de ansiedade, solidão, conflitos quanto a papéis sexuais, coisas que os levam inevitavelmente a impotência social e desalento. Sob a mascara de auto-segurança, esses homens, geralmente, tem auto-estima muito baixa e uma batelada de culpa. De acordo com o Dr. Kiley, isso tudo é culpa de seus pais: pais frios e distantes; mães fracas, carentes e neuroticamente emocionais.  

Desvios ocupacionais da profissão médica e o resultado natural de uma vida longa dedicada a pessoas cujas almas ou corpos estão doloridos tendem a levar a exageros sobre prevalência da doença. Dr. Kiley tende a encontrar exemplos da síndrome de Peter Pan em toda parte, e seu livro encoraja as pessoas que reconheçam sintomas nelas mesmas ou em membros de sua família a procurar um terapeuta imediatamente.

Apesar de A Síndrome de Peter Pan ter sido publicado quase trinta anos atrás, ele ainda parece relevante, pelo menos para a cultura popular. Filmes contemporâneos e TV estão repletos de homens nos seus vinte ou trinta anos que não querem amadurecer. Essencialmente, eles querem se divertir. E diversão para eles é beber, dirigir em alta velocidade, drogas e, eventualmente, sexo fácil embora deselegante. Eles são modernos “meninos perdidos”, amáveis desajeitados que evitam o quanto podem o trabalho. Muitas vezes eles tem um líder carismático, um tipo de super Peter Pan que inicia suas cômicas aventuras e ultrapassa os demais em excessos alcoólicos e brincadeiras vulgares. Eles são, muitas vezes, maleducados simpáticos. Gostam de piadas fáceis e de ver espetáculos esportivos.

Apesar de falarem muito sobre sexo, quase sempre de modo tosco, suas ligações mais confortáveis são seus camaradas. Ocasionalmente chegam a fisgar uma mulher atraente que na vida real nada quer com eles. Algumas vezes se casam e até fazem algum esforço para serem pais responsáveis. Porém, como regra geral, as demandas do mundo real por comportamentos maduros são ignoradas com sucesso, e os protagonistas sentem apenas ocasionais pontadas de desalento, que podem ser sanadas, pelo menos temporariamente, por uma excursão local à Terra do Nunca (Neverland), onde podem encontrar álcool e drogas, assim como oportunidade para participarem de brigas com os piratas locais, índios, e animais selvagens.    

Informação e Conhecimento: a falácia da fartura

março 20, 2012

Volta e meia alguém me diz que somos uma sociedade do conhecimento. Essa afirmação tem como fundamento principal o número incrível de informações disponíveis imediatamente para quem sabe clicar. Exagero na carictura, mas parece que em nossos dias a única coisa que precisamos saber é clicar. A cada clique, nossas telas mostram uma fartura imensa de conhecimentos. [Na verdade, o que chamam de conhecimento neste caso não é o artigo que se pretende vender; o que temos é imensa fartura de informação]. E a gente não precisa aprender. Precisa apenas usar. Usar o que? O suposto conhecimento armazenado no ciberespaço.

A visão que pintam da sociedade do conhecimento tem sérias implicações epistemológicas. O saber foi convertido em mercadoria. Sabe mais quem mais acessa fontes de informação. Conteúdo como saber pessoalmente elaborado e armazenado no cérebro foi para o brejo.

Já escrevi e falei sobre a falsa visão de que sabemos mais porque dispomos agora de um oceano de informações. Por isso vou poupar os leitores de mais uma catilinária sobre o assunto. Usei de caso pensado o termo catilinária, derivado de Catilina, senador que mereceu sérias acusações de Cícero e sempre é lembrado por causa da célebre pergunta do grande orador romano: qousque tanden, Catilina, abutere patientia nostra? Tive um acesso de romanite. O que me animou a voltar ao tema foi uma observação de outro grande romano, Sêneca.

Estou lendo The Monk and the Book: Jerome and the Making of Christian Scholarship *, de Megan Hale Willians, obra que apresenta um panorama muito bonito da produção de livros nos séculos IV e V de nossa era. A autora, em capítulo que examina a edição de códices muito luxuosos, circunstância criticada acidamente por São Jerônimo, recorre à uma citação de Sêneca. No trecho citado, o filosofo estóico aponta o engano de que reunir muita informação gera per se conhecimento. Como prometi que evitaria catilinária sobre o tema, vou parando por aqui. Mas, antes, tenho de trazer para cá as palavras de Sêneca:

… O que adianta ter um número imenso de livros e bibliotecas, cujos meros títulos seus donos mal poderão ler no inteiro espaço de suas vidas? A gigantesca quantidade de livros não traz conhecimento, mas apenas incomoda o estudante. É melhor se cercar de alguns autores do que perambular por entre muitos. (p. 183)

Não preciso comentar Sêneca. Apenas peço que os amáveis leitores substituam livros e bibliotecas por internet. Feita a substituição, pensem na observação que Sêneca fez dois mil anos atrás, quando a riqueza dos romanos e tecnologias de reprodução de livros permitiram que nobres tivessem bibliotecas imensas.

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* Indico este link porque ele dá crédito ao primeiro estudo sobre a técnica do livro numa nova perspectiva histórica, escrito por Dom Paulo Evaristo Arns e publicado recentemente pela Cosacnaify com o título A Técnica do Livro Segundo São Jerônimo.

Educação pela Natureza

março 15, 2012

Acabo de ler Edible Schoolyard; A Universal Idea, livro que conta a história de uma maravilhosa experiência que converteu área asfaltada de uma escola num sítio. Sítio à moda antiga, com uma grande diversidade de plantas e um time de belas galinhas. Contarei essa história e comentarei o livro em vários posts.

Neste primeiro post, apresento a tradução de Principles of Edible Education. Esses princípios sintetizam um sonho e uma longa aprendizagem de alunos, professores, pais e voluntários que criaram o sítio em 14 anos de muito trabalho. A escola chama-se Martin Luther King, Jr. Midle School e atende a alunos da 6ª a 9ª série. A inspiradora do projeto é a chef de cozinha Alice Waters, dona do famoso restaurante Chez Panisse.

Vou traduzir Principles of Edible Education por Princípios de Educação pelo Alimento, uma vez que  a versão literal – educação comestível – não soa bem em nosso idioma. Se alguém conseguir melhor tradução, por favor, proponha-na aqui em comentários.

Princípios de Educação pelo Alimento

Alimento é Matéria de Estudo

O sítio, a cozinha e a cantina estão integrados ao objetivo acadêmico da escola, de tal maneira que ecologia e gastronomia dão vida a todas as matérias, da escrita e leitura à ciência e arte.

 
A Escola Fornece Merenda Para Todas as Crianças

 

Da pré-escola ao ensino médio, os alunos recebem um alimento completo e delicioso, todos os dias. Boa alimentação é um direito, não um privilégio. Fornecê-la todos os dias estabelece uma relação positiva dos alunos com sua saúde, com sua comunidade, com o meio ambiente.

A Escola Apóia a Agricultura Local

As cantinas escolares compram alimento fresco da estação, produzidos de maneira auto-sustentável, de agricultores e sitiantes locais, não só por razões de saúde e educação, mas também para fortalecer a economia de produção agrícola de alimentos na região.

Os Alunos Aprendem Fazendo

A educação manual, na qual os próprios alunos fazem o trabalho nos canteiros e na cozinha, desperta seus sentidos e abre suas mentes, tanto para as matérias que estudam como para o mundo que os cerca.

 

A Beleza é uma Linguagem

Um ambiente preparado com beleza, onde se pensou deliberadamente em tudo, dos caminhos do sítio aos pratos nas mesas, diz aos alunos que nós nos importamos (we care) com deles.

Empreendedorismo

março 13, 2012

Alguns anos atrás, quando a onda do empreendedorismo me deixava incomodado, encontrei um imagem que falava mais que as mil palavras de um discurso crítico que eu queria elaborar. Copiei a imagem e fiz um slide para usar em conversas sobre o assunto.

O tempo passou. Mas, a onda do empreendedorismo, desqualificando contratos de trabalho, bem-estar social, proteção dos trabalhadores mais humildes, conquistas sociais dos sindicatos etc. continua. Muita gente quer que empreendedorismo seja uma matéria, disciplina ou atividade na escola fundamental. Muita gente acha lindo que as crianças aprendam o discurso neoliberal do empreededorismo. Fica no ar que insucesso e desemprego são consequências de incompetência para empreender.

No slide que guardei, um jovem desempregado reúne algumas ferramentas simples e faz um cartaz para promover seus serviços. No cartaz, entre outras coisas, ele informa:

  • não sou mendigo
  • não tenho lar
  • trabalharei para limpar a janela de seu carro
  • sou empreendedor

Amplie a figura para ver melhor todas as informações desse jovem disposto a empreender. E, se lhe apetecer, utilize a imagem para pensar um pouco sobre esse tal de empreendedorisno que invadiu todos os espaços de comunicação em nosso tempo.