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Brinquedo e desenvolvimento infantil

novembro 28, 2009

Pais de classe média querem dar de tudo para os filhos. Quartos de pimpolhos e pimpolhas são depósitos de montes de brinquedos que não foram manusaedos sequer uma vez. A expressão mais comum utilizada por tais crianças no Twitter é : “que tédio!”  Falta-lhes aventura e invenção. Falta-lhes chances de mudar o mundo para ver no que dá. Papais e mamães querem que brinquem com todas as novidades do mercado de produtos infantis. Algumas dessas novidades prometem milagres de aprendizagem, vantagens competitivas. E o que rola, conforme o dito das próprias crianças, é tédio.

Numa resenha que fiz do livro Com o Olhar da Criança, de Frato (Francesco Tonucci), está a seguinte observação:

Talvez o capítulo mais expressivo da obra seja A brincadeira.
Em várias charges, o autor mostra situações em que pais
presenteiam filhos com quantidades enormes de brinquedos
sofisticados. Os filhos ou vêem tudo aquilo com indiferença
ou sonham com coisas mais simples, produtos de sua própria
invenção. A denúncia de Tonucci desvela o equívoco de acreditar
que a posse de muitos brinquedos aumentará a felicidade das
crianças. Em todas as situações, a imaginação e o gosto infantil
são ignorados. Há muitos desenhos abordando o tema. Convém
citar um deles para exemplificar as reflexões de Frato. Um casal
pergunta à filha: “Neste Natal queremos realizar um desejo seu: que
brinquedo você quer? A criança, com cara alegre, responde: “Poças de
água e barro?” A ideia de brinquedo como produto que pode ser
comprado, em vez da exploração do mundo a partir da imaginação
infantil, predomina, segundo Frato, entre os adultos. Além
disso, quase sempre os pais parecem ignorar que a brincadeira
é uma oportunidade de criação de fortes laços afetivos com as
crianças. Brincar converteu-se em obrigação. Exemplo disso é
uma charge em que uma criança roda tristemente seu carrinho
entreouvindo a conversa dos pais. No quadro a mãe fulmina
o pai: ” Nada disso, você não vai sair. Hoje é seu dia de brincar, afinal
ontem e anteontem fui eu que brinquei!”

Interessados em ler a resenha inteira, podem clicar no link que segue.

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A obediência não é mais uma virtude

novembro 28, 2009

Há educadores importantes que ficaram esquecidos. Tal esquecimento, quase sempre, é fruto de falta de compromisso com abordagens pedagógicas com forte acento político. Entre os educadores esquecidos está Don Milani, genial fundador de uma escola revolucionária, a Escola de Barbiana. Planejo re-estudar Don Milani. E mais,  pretendo desafiar meus alunos, ano que vem, a investigarem vida e obra desse grande educador italiano.

Para aqueles que nunca ouviram falar em Don Milani, vai aqui um aperitivo, um VT cujo título é “a obediência não é mais uma virtude”.

Tecnologia: impactos no trabalho

novembro 22, 2009

No final de 2005 tive, via e-mails, uma conversa com o educador Mike Rose. Toda a nossa prosa tinha por objetivo a publicação de uma entrevista cujo assunto principal era educação e trabalho. Rose é autor de um livro indispensável sobre o assunto, The Mind at Work, traduzido para o português pela Editora Senac.sp com o título O Saber no Trabalho (com prefácio do propietário deste estabelecimento).

Depois de alguns preliminares, chegamos a um roteiro de questões. Elaborei as ditas cujas no meu inglês enferrujado e mandei para o Mike. Ele respondeu e comentou minhas indagações com muita paciência e cooperação. O resultado final foi traduzido e editado para caber no espaço reservado pela revista Senac.sp. Muito do que o Mike disse teve de ser reduzido. No processo, acho que perdemos alguma coisa. Mas é assim que funciona a publicação em espaços com centimetragem comprometida.

O primeiro item de nossa conversa girou em torno dos impactos negativos e positivos das novas tecnologias sobre o trabalho. Essa é uma questão importante para educadores, pois como diz Neil Postman “a tecnologia dá; a tecnologia tira…”. Nem tudo são flores no processo. Ao mesmo tempo, algumas mudanças são promissoras. Mas , vamos logo ao que interessa: o primeiro item da minha prosa com o Mike. Ele segue aqui em inglês. Ando sem tempo para aventuras de tradução.

_ [Jarbas] In many areas, working activities are becoming less complex than they used to be in the past because new technologies transfer work intelligence to machines and systems.With this tendency being the rule on work organization, you think jobs will loose content, intelligence?

_ [Mike] Yes, it’s true. As you say, “new technologies transfer work intelligence to machines and systems.” But, of course, this is not a recent phenomenon. Mass production brought with it the “deskilling” of many manufacturing jobs. In some instances, this trend gave rise to other skilled work — repairing assembly line machinery, for example — but overall the tendency you describe has led to a significant change in the nature of many kinds of blue-collar and service work.

What is interesting to me about our time is that along with this deskilling of work there is also the call in some industries for more skilled front-line workers who can solve problems, troubleshoot, be literate and mathematically competent, etc. There is debate among economists and sociologists as to how accurate and widespread this demand is for a, so-called, new kind of worker, but let’s assume that some demand exists in some businesses and industries. If that’s the case, then we have two contradictory forces at play in the way work is organized today: a deskilling on the one hand and a return to skill on the other.

One big question for educators, I think, is how can they not only respond to the second trend but figure out how to advance it—advance it through advocacy, involvement in policy debates, the mobilizing of their professional organizations, and so on. Do we have a role to play in these broader societal discussions about the way work is organized and the training for it? How might we add our voices in advocating the economic and social benefits of treating workers as intelligent beings and work as the occasion for human development as well as for earning a salary.

Direitos Humanos em Imagens

novembro 22, 2009

Trabalhei alguns meses com alunos do 3º ano de comunicação social, substituindo a professora de Ética no Jornalismo. Uma das coisas que propus aos alunos foi ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A gente poderia fazer algo tradicional como discutir a Declaração em classe. Resolvi fazer as coisas de modo diferente. Pedi aos alunos para converterem os artigos da Declaração em imagens. Cada coleção de imagens foi mostrada em classe. As imagens mais expressivas foram motivo de conversa.

Minhas justificativas:

  • Vivemos numa sociedade da imagem. Nela as pessoas tem mais facilidade de expressão se puderem usar fotos, figuras, desenhos.
  • Passar da palavra para a imagem exige um belo esforço reflexivo.
  • Voltar da imagem para a palavra é um modo de conversar reflexivamente sobre um tema.
  • A moçada de hoje fica muito à vontade para se expressar imageticamente.

Meu pedido foi o de que o trabalho, desenvolvido em ppt, fosse publicado no Slideshare. Alguns grupos foram mais longe e publicaram o trabalho no Youtube. Eis aqui um exemplo.

Taxonomia de Bloom

novembro 21, 2009

Ando recuperando textos que escrevi para minhas aulas ou para fins de publicação. Muitos desses textos foram usados logo depois de escritos e esquecidos. Aqui vai um exemplo, um subsídio que elaborei para alunos que não estavam conseguindo entender bem a famosa taxonomia de Bloom. Acho que o material pode ter ainda alguma serventia.

Taxonomia de Bloom


Quando falamos de uma área de conhecimento, estamos nos referindo de um conjunto de saberes que inclui coisas muito diferentes. Vejamos um exemplo. Se o assunto for História do Brasil espera-se que os alunos sejam capazes de guardar os nomes de personagens, memorizar determinadas datas, analisar determinados fatos, estabelecer relações entre eventos passados e nossa situação presente etc. Cada uma dessas capacidades exige diferentes habilidades cognitivas e são mais ou menos complexas. Em Geografia, Contabilidade ou Língua Portuguesa teremos o mesmo desafio: será preciso estabelecer que habilidades cognitivas são importantes no trato com os conteúdos da área de estudo.

Embora seja claro que o estudo de qualquer assunto exige diversos modos de lidar com o saber, não há necessariamente clareza de quais são as competências intelectuais que podem bem definir expectativas quanto a domínio de conhecimentos. Por essa razão, muitos pesquisadores tentam criar sistemas de classificação (taxonomias) para ajudar os educadores a bem definirem o que esperam de seus alunos. O mais importante estudo sobre essa questão foi realizado por um grupo de cientistas nos anos de 1950 . Esse grupo foi constituído por especialistas (http://fcis.oise.utoronto.ca/~daniel_schugurensky/assignment1/1965bloom.html) que, de comum acordo, foram criando e definindo as categorias de saber que poderiam ser aplicadas em qualquer campo de estudos no mundo da educação. O trabalho, coordenado por Benjamin Bloom (http://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Bloom) , professor da Universidade de Chicago, durou vários anos e foi divulgado em obras publicadas a partir de 1956. A taxonomia de Bloom foi traduzida para diversos idiomas, inclusive o português (cf.: Bloom et alii. Taxionomia de Objetivos Educacionais. Porto Alegre: Editora Globo,  1972). Provavelmente, esse trabalho coletivo é a abordagem mais completa e clara das competências intelectuais que podem ser desenvolvidas por meio da educação. Outras classificações mais recentes como as de Gagné (http://classweb.gmu.edu/ndabbagh/Resources/Resources2/gagnetax.htm)  e de Merrill (http://coe.sdsu.edu/edtec544/Modules/8-CDT_ClassifyingOutcomes/c/connect.htm)  não têm a garantia de uma pesquisa  mais demorada e completa como a realizada pelo grupo coordenado pelo professor da Universidade de Chicago.

Se quisermos atualizar nossa conversa sobre a taxonomia de Bloom, podemos dizer que ela é uma excelente ferramenta para podermos entender as atuais propostas de aprendizagem voltada para competências. As categorias criadas pelo grupo que ele coordenou ainda são definições muito úteis para que possamos ter um entendimento comum em discussões sobre competências.

Se você fizer um levantamento sobre a taxonomia de Bloom na internet, verá que o assunto aparece em mais de cento e setenta mil sites. Em português esse número é bem mais limitado, andando pela casa das cinco centenas. Parece que a menção mais completa sobre a classificação em tela é a que aparece no site http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=16&texto=967).

Há muitos quadros resumos da classificação de Bloom. Reproduzimos aqui um deles, originariamente encontrado em  http://www.coun.uvic.ca/learn/program/hndouts/bloom.html .

Benjamin Bloom criou uma taxonomia [classificação de saberes] para categorizar níveis de abstração de questões que geralmente são feitas em educação. A taxonomia oferece uma estrutura útil para classificar questões de provas dentro de determinados níveis [assim como para determinar competências desejáveis em educação]. Se conseguirmos determinar os níveis das questões que queremos que os alunos sejam capazes de responder, ficará mais fácil escolher as estratégias apropriadas de ensino-aprendizagem.Nos quadros abaixo, apresentam-se as categorias criadas pelo grupo de estudos presidido por Bloom e especificam-se maneiras de descrever os saberes que se deseja que os alunos desenvolvam. Esse material é uma tradução e adaptação de resumo criado pela Universidade de Victoria.

Competência

Habilidade a ser demonstrada

Conhecimento
  • observação  e recordação de informação
  • conhecimento de datas, eventos,  lugares
  • conhecimento das idéias principais
  • domínio da matéria

  • Dicas sobre questões:


liste, defina, diga, descreva, identifique, mostre, rotule, colecione, examine, tabule, cite, nomeie, quem, quando, onde, etc.

Compreensão
  • entendimento de informação
  • apreensão de significado
  • tradução de conhecimento para novo contexto
  • interpretação de fatos, comparação, contraste
  • ordenação, agrupamento, inferência de causas
  • previsão de conseqüências

  • Dicas:


resuma, descreva, interprete, contraste, preveja, associe, distinga, faça uma estimativa, mostre diferenças, discuta, amplie

Aplicação
  • uso de informação
  • uso de métodos, conceitos, teorias em novas situações
  • solução de problemas usando conhecimentos ou habilidades requeridos

  • Dicas:


aplique, demonstre, calcule, complete, ilustre, mostre, resolva, examine, modifique, relacione, mude, classifique, experimente, descubra

Análise
  • visão de padrões
  • organização de  partes
  • descoberta de significados ocultos
  • identificação de componentes
  • Dicas:


analise, separe, ordene, explique, faça conexões , classifique, organize, divida, compare, selecione, infira

Síntese
  • uso de velhas idéias para criar novas idéias
  • generalização a partir fatos dados
  • articulação de conhecimentos de diversas áreas
  • previsão, elaboração de conclusões

  • Dicas:


combine, integre, modifique, re-arrume, substitua, planeje, crie, planeje, invente, componha, formule, prepare, generalize, reescreva

Avaliação
  • comparação e distinção entre  idéias
  • julgamento do valor de teorias, apresentações
  • escolhas baseadas em argumentos racionalmente fundamentados
  • verificação de valor da evidência
  • reconhecimento de subjetividade

  • Dicas


avalie, decida, organize de acordo com algum critério, dê nota, teste, meça, recomende, convença, selecione, julgue, explique, apóie,, conclua, compare, resuma

* Adaptado de: Bloom, B.S. (Ed.) (1956) Taxonomy of educational objectives: The classification of educational goals: Handbook I, cognitive domain. New York ; Toronto: Longmans, Green.

Informação e Conhecimento

novembro 21, 2009

Para o devido registro, segue declaração de Arthur Clark:

“Before you became too entranced with gorgeous gadgets and mesmerizing video displays, let me remind you that information is not knowledge, knowledge is not wisdom, and wisdom is not foresight. Each grows out of the others, and we need them all.”

Beleza é fundamental

novembro 21, 2009

Na mesma entrevista citada no post anterior, falei um pouco sobre beleza. Recorto aqui um trecho que mostra o rumo da conversa que propus:

Educadores, como disse certa vez Vitor Teodoro, especialista português em usos educacionais de computadores, devem voltar a ser intelectuais. Entre outras coisas, a provocação do Vitor, desafia os profissionais do ensino a se pensarem como alguém que tem o dever de produzir comunicações bem feitas, bem acabas, bem escritas.

Beleza, eis uma palavra que deveria preocupar sempre os educadores. Nossas comunicações precisam ser elegantes, bem feitas, atraentes. Para chegar a isso não bastam uns treinamentos rápidos em criatividade. Educadores precisam mergulhar com gosto na arte, particularmente na literatura.

Por outro lado, educadores precisam estar antenados para propostas que artistas possam estar fazendo quanto a usos criativos das novas ferramentas de informação e comunicação. Seguir esse caminho pode ser uma vacina poderosa contra deslumbramentos com máquinas e equipamentos. O que importa mais na comunicação é a invenção humana de novas formas narrativas. E no momento ainda não temos boas histórias contadas no ambiente integrado de mídias ao qual damos o nome de internet ou rede.

Blogs na educação

novembro 20, 2009

Faz algum tempo que dei uma entrevista para a jornalista que cuidava da divulgação de um evento sobre tecnologia educacional. Infelizmente nada do que escrevi em resposta às perguntas que a moça me fez por escrito foi aproveitado. Eu não disse nada que pudesse dar manchete ou alimentar chamadas na direção das expectativas populares quanto a novas tecnologias. Essa é uma das dificuldades de conversa com quem só pensa em notícia, em vez de valorizar informação.

Numa das respostas, exemplifiquei meu modo de pensar com um longo comentário sobre uso de blogs em educação. Minha fala repete algumas coisas que já disse aqui no Boteco. Mas, há nela alguns aspectos novos. Para que minha proposta de conversa não se perca, e para obter feeback de alguns leitores que queiram prosear, aqui vai o que disse na ocasião:

[…]Pelo que escrevi até agora, a primeira pergunta não deveria ser uma indagação sobre imaginação pedagógica. Essa não é a questão central em usos das novas tecnologias da informação e comunicação em educação. O que está em jogo é uma compreensão do que é tecnologia educacional. Em conversas com meus alunos, tenho insistido numa definição enganosamente simples, a fórmula TC=F+I. Ou seja, Tecnologia Educacional (TC) é o resultado de uma fusão das ferramentas (F) com a imaginação (I). Simples uso de ferramentas não é tecnologia educacional. Em outras palavras, tecnologia educacional é conhecimento, não máquinas e equipamentos.

Temo que essa crítica ao deslumbramento satisfeito, que acha que materiais bem arrumados na Web, atividades de educação à distância, softwares de multimídia etc. são avanço tecnológico significativo, seja ignorada.  Ela não é óbvia, evidente. A convicção generalizada é a de que simples usos dos equipamentos é tecnologia. A imaginação é uma insigne ausente no caso.

Deixe-me apresentar um pequeno exemplo. Num trabalho de uso de blogs em educação, percebi que muitas pessoas simplesmente transcrevem textos didáticos para os posts. O resultado é uma obra sem agilidade, sem atração, sem a marca de conversação que caracteriza os weblogs.

Blogs são sobretudo espaços de encontro para a negociação de significados. Para que tal característica exista, é preciso que os textos possuam certas virtudes literárias. Mas não é só isso. Blogs são instrumentos numa rede de informação e comunicação. Por isso os textos precisam ser escritos com hiperlinks que bem aproveitem as informações disponíveis na Web. Mas isso não pode ser feito apenas “tecnicamente”. Usar hiperlinks é atividade que supõe construção de textos com possibilidades de leituras em camadas. Por isso é preciso produzir textos que dêem ao leitor possibilidades de explorar o ambiente informativo da Web (tal circunstância muda muito como escrever; produzir textos para serem colocados numa tela e, além disso, ligados a muitos outros textos ao alcance de uma clicada muda muito (ou deveria) o ato de escrever).

Exige-se aqui um discurso diferente daquele produzido em papel. E mais, o autor precisa construir um texto integrado com possíveis imagens. Outra coisa, comunicações em blogs são convites para uma conversa; o autor, portanto, precisa pensar em iniciar algo que terá desdobramentos nos comentários feitos por outros. Os comentários, no geral difíceis de prever quanto a conteúdo, ênfases, estilos etc, farão parte de uma obra que sempre poderá ser revista, alterada, enriquecida pelo autor e pelos leitores. As ferramentas disponíveis possibilitam todas as coisas que mencionei aqui, mas concretizá-las depende de talento do autor ou autores.

Acrescento mais algumas considerações sobre os blogs. Aparentemente essa ferramenta é um local onde autores podem publicar textos na forma de diários. Por isso, muitos educadores vêem os blogs como um bom instrumento para desenvolver capacidades de redação. Mas a idéia é muito limitada.

Blogs são sobretudo um ponto de encontro, um espaço público de conversação. Assim, a melhor metáfora para os blogs não são os diários. É mais adequado pensar os blogs como locais onde as pessoas podem dizer a própria palavra. Eles, assim, podem ser comparados com a praça pública (“a praça é do povo”) ou com a velha ágora grega, o local público onde os cidadãos se encontravam para exercer a democracia direta por meio da palavra e do voto. Outra possibilidade: os blogs se assemelham aos velhos cafés parisienses do século XIX, espaços públicos importantes onde a conversa era livre. Indo mais longe: blogs são como botecos, onde a conversa corre solta e onde qualquer assunto é bem vindo. A escrita, posts e comentários, os links, as imagens são apenas aparências que encobrem a realidade mais profunda dos blogs, um espaço virtual de encontros humanos.

Todas essas idéias sobre os blogs são frutos de criações que foram se desenvolvendo no tempo. Hoje, educadores que queiram utilizar blogs em seu ofício precisam saber que a ferramenta gerou um modo de comunicação inicialmente inesperado. As aparências enganam…

Blogar pra que?

novembro 20, 2009

Quando proponho trabalho com blogs para meus alunos, uma pergunta sempre aparece: blogar pra que? A resposta não é simples. A resposta, no caso, precisa fornecer argumentos que mostrem vantagens e usos muito mais consistentes que entusiasmos com a ferramenta.

A questão foi abordada num dos blogs que este Boteco relaciona como referência, o ambiente da Lilia Efimova. Num de seus posts, a autora faz um apanhado que vou traduzir livremente e adaptar para conhecimento dos fregueses desta casa. Aqui está minha versão de escrito no qual Lilia mostra vantagens do blogar para gente que anda investigando um assunto qualquer e pretende compartilhar suas descobertas com uma comunidade de interesse.

O texto tem mais outros molhos interessantes. Mas, não vou comentá-los. Convido o amável leitor a dar uma olhada nas opiniões da Lilia, um tanto quando modificadas por minha tradução e adaptação.

Uma das coisas que assusta pessoas que não blogam é o tempo. Num mundo com tantos compromissos, blogar parece ser mais um deles. E é certo, é preciso tempo para:

  • Familiarizar-se com as ferramentas.
  • Construir uma rede.
  • Estabelecer relações com outros conversantes.
  • Ganhar credibilidade.
  • Encontrar e acompanhar fontes confiáveis.

Essa lista aplica-se a muitas outras dimensões da vida profissional. Entrar numa rede de conversação, com ou sem Internet, é atividade exigente. O mundo não nos procurará se não formos ativos. E blogar é uma versão de atividades necessárias se quisermos ter voz em comunidades de interesse que nos interessam. Não é uma atividade adicional, mas uma solução de integração profissional num ambiente de informação sem barreiras geográficas. Ainda não relacionei razões do pra que blogar. É hora de fazer isso, seguindo os caminhos sugeridos por Lilia;

Uso de blogs tem a ver com;

  • Consciência profissional
  • A leitura de blogs, em vez de leitura de listas e emprego de ferramentas de busca, pode proporcionar atualização em áreas de interesse.
  • Isso pode economizar tempo sempre que encontramos algo que já está pronto ou em processo.
  • Isso nos coloca num grupo de pesquisa – muitas vezes saberemos a quem recorrer para informação específica ou conselho.
  • A leitura de blogs é um modo barato de estabelecer contato com outros (desde que sejam blogueiros).
  • A publicação de blog expõe nosso trabalho e conhecimento, circunstância que facilitará o estabelecimento de contatos.
  • Os papos que rolam em blogs nos permitem obter respostas rápidas sem sermos demasiadamente entrões.
  • A prosa que acontece no pedaço gera desenvolvimento de idéias numa comunidade (na verdade em muitas comunidades).
  • Com alguma imaginação, publicações em blogs nos permitem recolher, interpretar e apresentar dados pois:
    • Ler outros blogs e ser um blogueiro nos ajudam a instrumentar a busca de dados.
    • Blogar é um bom meio para obter feedback sobre modos de apresentação de dados de pesquisa.
  • O blog pode funcionar como um caderno de pesquisa, onde:
    • Se registram notas de leitura, de pesquisa, de progresso da pesquisa, idéias, publicações.
    • São organizadas notas sobre temas para recuperação posterior e que podem apoiar o pensamento.
  • A ferramenta pode ajudar na escrita:
    • Permitindo notas preliminares [ space to start writing ] que auxiliam a começar pequeno tendo em vista textos parrudos (papers ou teses de doutorado)
    • Fornecendo espaço para começar mais cedo (or urgent )  e obter feedback sobre o texto.
  • O blog pode fornecer apoio emocional [emotional support] em aventuras investigativas
  • Trabalhos de pesquisa relacionados com o que fazemos.
  • Enredamento (um termo para sintetizar o “estar numa rede mundial de informações e interesses comuns”).
  • Conversações

  • Pesquisa
  • Pensar e Escrever. Escrever e Pensar.

    novembro 18, 2009

    Um amigo, o escritor Márcio Jabur, um dia me disse que pensa bem quem escreve bem. Conheço o Márcio e o acho muito rigoroso. Essa sua boutade era uma crítica aberta a diversos conhecidos nossos incapazes de ecrever de carreirinha com alguma beleza e correção. Por isso, não concordo inteiramente com ele. Ainda acho que certas pessoas que não escrevem direito conseguem pensar bem Por outro lado, tenho certeza que bons textos dependem de bem pensar.

    Fiz a pequena introdução acima para justificar o que segue. Quando comecei a blogar fiz um levantamento para verificar se alguns educadores do meu círculo de relações estavam usando blogs. Entre os usuários de primeira hora da nova ferramenta estava David Carraher, pesquisador com quem tive o prazer de trabalhar na confecção de dois softwares famosos: Investigando Textos com Sherlock! e Divide and Conquer.

    O blog original do David não está mais no ar. Mas traduzi e guardei alguns dos posts lá publicados. Um deles faz comentários sobre os aspectos metacognitivos do escrever. Vamos ao texto do David:

    Escrever e pensar

    Reflexões de David Carraher

    Eu penso que escrever minhas idéias  não é apenas um registro dos meus pensamentos. Esse ato faz com que minhas idéias fiquem mais á mão e mais fáceis de serem entendidas (por mim mesmo). Com o tempo, meu próprio pensar se beneficia por causa da existência de representações externas. Tudo isso me ajuda a: ter uma visão geral, ponderar, refinar o pensamento, reconsiderar, reorganizar. Me ajuda a compartilhar e a receber feedbacks.

    Escrever sumários é um modo de melhorar as idéias. Você recebe os benefícios da palavra escrita. Mas não é só isso. Ganha-se algo novo.

    Eu sempre escrevo sumários para entender as idéias e estrutura de um documento.Pode ser algo que escrevi. Pode ser algo escrito por outros. Ao fazer isso, eu me vejo pensando:

    Essa idéia cabe aqui? É essa uma evidência para algo que vai ser dito à frente? Isso precisa ser mostrado mais à frente, no capítulo sobre dados, em vez de ser algo subentendido na introdução? O que pode acontecer se alguém não aceitar a análise exaustiva? Há outras interpretações possíveis? Se sim, onde elas deveriam aparecer?