Semana passada postei no meu Face uma notícia sobre educação cooperativa na Universidade de Waterloo, Canadá. Minha postagem não entrava em detalhes. Resolvi, por isso, escrever um informe mais completo. Para tanto, reli meu relatório sobre uma atividade da qual participei no Canadá em 1998. Aproveitei parte do que escrevi na época. Fiz uma boa revisão e acrescentei algumas informações complementares. Creio que este post passa uma informação bastante clara sobre a educação cooperativa praticada pela Universidade de Waterloo, uma das cinco melhores instituições de ensino superior do Canadá.
Um dos tópicos do evento “Desenvolvimento de Recursos Humanos: O Modelo Canadense”, promovido pela OIT, de 14 a 22/09/98, foi Educação Cooperativa. Esta modalidade de organização do processo educacional foi exemplificada a partir da experiência da Universidade de Waterloo.
A ideia de educação cooperativa, surgida em 1906, é praticada principalmente nos EUA, Canadá e Reino Unido. Ela envolve um “currículo” que alterna fases acadêmicas com fases de trabalho, resultando numa formação mais sintonizada com as demandas profissionais. Na Universidade de Waterloo, o sistema de educação cooperativa funciona desde 1957. Hoje (1998), cerca de 9.000 estudantes daquela universidade são alunos de educação cooperativa. O sistema envolve um plano de estudos dividido em fases acadêmicas e períodos de trabalho. Em engenharia, por exemplo, Waterloo utiliza um quadro de estudos com seis períodos de trabalho e oito períodos acadêmicos. Convém reparar que os módulos sucessivos de períodos de trabalho e períodos acadêmicos criam um calendário inteiramente diferente do calendário escolar (Não há férias escolares ou recesso em educação cooperativa).
Cabe observar que o modelo de educação cooperativa não se confunde como modelos que incluem estágios curriculares. Os alunos de Waterloo, nos períodos de trabalho, são contratados como funcionários das empresas, com todos os direitos e deveres de um trabalhador comum. Eventualmente, se as empresas participantes precisarem contratar serviços em vez de pessoas, a própria universidade pode ser a agência empregadora. Espera-se que os alunos, nos sucessivos períodos de trabalho, assumam responsabilidades e tarefas cada vez mais complexas, articulando progresso nos estudos com exercício profissional.
A Universidade de Waterloo engloba dois tipos de cursos: exclusivamente cooperados (caso das engenharias, por exemplo) e mistos, onde há turmas tradicionais e cooperados (situação que ocorre principalmente em ciências humanas).
No regime de educação cooperativa, encontrar trabalho é, em primeiro lugar, responsabilidade do aluno. A Universidade atua com uma estrutura de apoio (uma diretoria no campus e escritórios nas principais cidades canadenses). Tal estrutura age como intermediária entre alunos e empresas. Eventualmente, como já se registrou atrás, a universidade pode funcionar como agência empregadora desde que existam empresas que precisam contratar serviços. Além disto, a diretoria de educação cooperativa promove continuamente o regime de Waterloo e firma convênios com empresas ou órgãos governamentais interessados em contratar alunos da Universidade.
Em cursos que procuram capacitar pessoas para o trabalho, as vantagens da educação cooperativa são evidentes. Entre outras coisas, o sistema:
· aproxima as empresas da instituição educacional;
· proporciona experiência profissional durante o curso;
· articula de modo concreto trabalho e aprendizagem
· garante uma atualização constante dos conteúdos curriculares;
· sugere diversos possibilidades inovadoras de organização das situações de ensino-aprendizagem;
· dinamiza o processo educacional a partir das experiências de trabalho dos alunos;
· cria, nas empresas participantes, um clima de inovação nos setores que contam com trabalhadores-estudantes;
· traz para as empresas participantes informações atualizadas e imediatas, elaboradas por pesquisadores e especialistas;
· facilita a seleção de talentos nas empresas;
· forma jovens com experiência diversificada;
· facilita avaliação constante dos cursos oferecidos pela instituição educacional;
· desperta nos docentes o interesse por uma atualização constante.
Todas essas vantagens, e muitas outras que poderiam ser listadas, decorrem de dinâmica que pode modificar substancialmente as estruturas escolares. Cursos organizados desde a ótica da educação cooperativa devem, necessariamente, abandonar boa parte daquelas práticas que caracterizam negativamente as escolas. Todo o conteúdo deverá ser atualizado. O aluno não será mais alguém interessado em preparar-se para um trabalho que faz parte da sua formação. Além disto, não será necessário inventar situações de aplicação do conhecimento; as idas constantes dos alunos ao mercado de trabalho trarão para as escolas diversas alternativas de aplicação do saber. E tudo isto não precisa ser planejado em detalhes, basta existir uma boa estrutura que garanta articulações da instituição educacional com as empresas.
Vale comentar um pouco mais a última observação do parágrafo anterior. Há, nos dias de hoje, um movimento significativo na busca de métodos capazes de garantir maior congruência entre capacitação profissional e demandas do mercado de trabalho. No Canadá, assim como em boa parte dos países do primeiro mundo, estudos sobre competências por áreas ou grupos ocupacionais são a principal resposta ao problema da congruência. Supõe-se que competências, amplamente pesquisadas e objetivamente descritas, sejam matéria prima indispensável para a realização de exames nacionais de certificação e para o desenho de currículos de formação.
No caso do Canadá, cada grupo ocupacional pesquisado é descrito por um repertório de 300/400 competências. Cada pesquisa dura de um a dois anos. Assim, mesmo com ênfase em setores ou áreas em vez de ocupações, com a consequente redução do número de perfis ocupacionais (de cerca de 5000 para uma cifra em torno de 500), estudos sobre competências exigem grande investimento de tempo e dinheiro. Além disso, as pesquisas no geral descrevem um momento do passado. Não são, portanto, muito confiáveis como descritores do trabalho no futuro. O regime de educação cooperativa, por sua vez, exige apenas a organização de cursos que articulem educação e trabalho de modo sistemático em blocos sucessivos de atividades acadêmicas e de engajamento produtivo no mercado de trabalho. Esta providência, aparentemente simples, garante a atualização constante de conteúdos e acesso, por parte do estudante, às demandas ocupacionais das empresas.