057. Educação Moral

Querem ensinar educação moral nas escolas. No senado, está em andamento lei que, na prática, traz de volta a educação moral e cívica de triste memória. Não creio que os senhores senadores acreditem que uma “disciplina” curricular vá plantar ética no coração de nossas crianças e jovens. Tal disciplina é mais uma medida que resultará em ridicularização da educação moral, das virtudes, do respeito pelo outro. Sei que os senhores senadores nada estudaram sobre o assunto. Mesmo assim, ofereço uma colaboração. Trata-se de artigo que traduzi para alunos meus de cursos de formação de professores e de comunicação social. Sem mais, segue o subsídio que elaborei.

Ética e Educação Moral

 Jarbas Novelino Barato

 

A ética é a parte da filosofia que pode ter um efeito mais imediato no cotidiano. Ao estudar essa disciplina filosófica somos imediatamente levados a pensar sobre desenvolvimento moral. Afinal de contas, uma das finalidades do desenvolvimento pessoal é a de tornar as pessoas melhores, mais civilizadas, mais capazes de entender e aceitar os outros. Isso coloca desafios para cada um de nós. Reflexões sobre ética, com a preocupação de entender como as pessoas podem se desenvolver em termos de pensamento moral, são um desafio interessante para entendermos o que é uma sociedade civilizada.

 

No geral a ética é entendia como um conjunto de normas a serem obedecidas. Isso precisa mudar. E alguns pesquisadores estão trabalhando para mudar a situação. Provavelmente, o mais importante estudioso do desenvolvimento moral seja Lawrence Kohlberg, psicólogo americano que procurou articular filosofia e psicologia para construir uma teoria da evolução da moralidade. Apresento aqui a tradução de um artigo do mencionado autor, publicado em Ethics: Contemporary Readings, em 2004 pela Routledge. Espero que a matéria seja um bom ponto de partida para comunicadores que queiram iniciar estudos sobre a questão.

 

 

 

Educação Moral

 

Lawrence Kohlberg

 

 

 

Lawrence Kohlber, um psicólogo americano que viveu de 1927 a 1987, é uma figura importante no desenvolvimento da psicologia moral. Como não estava contente com o viés relativista de muitos cientistas sociais, ele procurou acumular dados e argumentos para uma abordagem mais objetiva da moralidade.

Com base em amplos estudos, Kohlberg afirmou que, não importando qual é nossa cultura, todos nós desenvolvemos nosso pensamento moral por meio de uma série de estágios. Quando crianças, nós começamos a pensar a moralidade em termos de punição e obediência, “mal” é aquilo pelo qual somos punidos. Um pouco mais tarde mudamos para o relativismo cultural, no qual “bom” é aquilo que é aprovado socialmente. Kohlberg vê este último caso como uma abordagem imatura, típica de adolescentes e jovens adultos. Se progredirmos suficientemente, começamos a criticar as normas existentes usando princípios racionais de justiça – como a regra de ouro, e a consideração de igual valor e dignidade para todos. Kohlberg sugeriu que a educação moral precisa ajudar as crianças a desenvolver seu pensamento moral na direção de estágios mais avançados.

 

 Filosofia Moral e Psicologia Moral

 

A filosofia moral e a psicologia moral representam duas áreas básicas de investigação sobre educação moral. A psicologia moral estuda o que é o desenvolvimento moral. A filosofia moral considera o que o desenvolvimento moral deve ser. Como esses dois modos de investigação – o é da psicologia e o deve ser da filosofia – precisam estar integrados antes que possamos articular uma fundamentação para a educação moral, procuro neste artigo apresentar meus argumentos considerando ambas as abordagens.

Um problema central na educação moral é a questão da relatividade dos valores. Há valores universais que as crianças precisam desenvolver? Nossa solução para esse problema baseia-se na pesquisa psicológica recente que mostra estágios culturalmente universais de desenvolvimento moral. Tais descobertas ajudam a gerar uma filosofia da educação moral como estimulação de desenvolvimento moral, em vez de ensino direto de normas morais fixas. Apresentamos aqui então uma teoria da educação moral que é tanto psicológica como filosófica.

 Visão Geral das Teorias

 A teoria de psicologia moral que precisamos usar é basicamente aquela de John Dewey, elaborada mais recentemente por Piaget e por mim. A filosofia moral da educação é também basicamente de Dewey numa versão que elaboramos em termos do pensamento filosófico contemporâneo.

Os psicólogos e filósofos da educação progressista [Escola Nova] dos anos de 1930 elaboraram as metas educacionais de Dewey, mas, deixaram de lado alguns pressupostos importantes do filósofo. Os seguidores do inspirador da Escola Nova esqueceram-se de que

 

  1. O pensamento inteligente sobre a educação de traços sociais e valores requer um conceito filosófico de moralidade e de desenvolvimento moral, coisa bastante diferente  do “ajustamento social” ou da “saúde mental” [estes dois aspectos entre aspas foram tendências muito fortes do movimento da Escola Nova, fundamentando um ensino centrado no aluno sem considerar objetivos e obrigações sociais na inspiração de decisões sobre currículos, projetos pedagógicos etc];
  2. O desenvolvimento moral  passa por estágios qualitativos invariantes;
  3. A estimulação de desenvolvimento moral, como outras formas de desenvolvimento, baseia-se na estimulação do pensamento e na solução de problemas pela criança.

 

Estes são os pressupostos da teoria “cognitivo-desenvolvimentista” da educação moral apresentada neste artigo. Antes de apresentar nossa teoria, convém apresentar brevemente e criticar as outras duas teorias de educação moral.  A primeira é a teoria “do bom senso” por trás da educação moral tradicional. De acordo com essa teoria, “todo mundo sabe o que é certo e o que é errado”, ou pelo menos certos adultos que cuidam das leis o sabem. Os adultos sabem um conjunto de fatos a respeito da moralidade, ignorado pelas crianças. Fatos como “roubar é sempre errado” o “ajudar os outros é bom”. Esses fatos podem ser ensinados com base na autoridade e conhecimento superior do professor, da mesma forma que os fatos da aritmética são ensinados. As crianças não apenas ignoram os fatos morais; elas são fracas e facilmente tentadas a mentir, enganar, brigar, desobedecer, e assim por diante. As crianças, então, precisam não apenas ser ensinadas sobre os fatos morais; elas precisam ser ensinadas a praticar comportamentos e hábitos morais; precisam ser recompensadas por comportamento moral e punidas para não caírem em tentação.

Em oposição à visão tradicional, outra teoria foi desenvolvida, a abordagem relativista-emocional, popularmente considerada como a visão da psicologia infantil. A criança é vista principalmente como uma criatura de emoções e necessidades. A moralidade, por sua vez, não é um absoluto contra o qual a criança deve ser julgada, mas representa normas e padrões relativistas da cultura da criança. A criança deve se ajustar a essas normas e padrões de uma maneira realista como parte de sua saúde mental, e fará isso se os ambientes domésticos e escolares satisfizerem suas necessidades internas. [o autor aponta aqui uma moralidade “centrada em sentimentos e necessidades da criança”, orientação bastante freqüente nos meios influenciados pelos ideais da Escola Nova].

A visão cognitivo-desenvolvimentista parte filosoficamente de uma visão diferente da moralidade. Ela afirma que, no fundo, a moralidade é constituída por um conjunto de princípios racionais de julgamento e decisão válidos para qualquer cultura, compreendendo os princípios de bem-estar humano e de justiça. As listas de normas propostas por culturas e escolas são mais ou menos arbitrárias, e em conseqüência o seu ensino tende a se basear na autoridade em lugar da razão. Os princípios morais, entretanto, representam uma organização racional da experiência moral da própria criança. Nós geralmente tentamos nos relacionar com outros adultos como se eles fossem criaturas racionais em termos de moral, e precisamos ver que a criança também pode ser racional nesse campo. Embora a criança raciocine, ela raciocina de um modo diferente do adulto. Sua maneira de pensar a respeito da satisfação do bem estar humano não é a do adulto; sua maneira de pensar representa um estágio diferente da razão moral.

Nossa pesquisa sobre os estágios do raciocínio moral fornece uma chave para a educação moral com estimulação do julgamento moral da criança para o próximo estágio de desenvolvimento, e a estimulação da habilidade da criança para agir consistentemente de acordo com seu próprio julgamento moral. Essa abordagem gera um novo caminho “socrático” para o professor conduzir discussões sobre valores. Ela também dá à escola democrática uma direção para promover o desenvolvimento moral por meio de uma crescente participação e responsabilidade da criança numa comunidade que ela percebe como justa.

 O Princípio de Justiça

 

Psicologia e filosofia fundamentam a posição de que há, de fato, valores humanos e princípios éticos universais. Uma palavra chave aqui é “princípios”, pois princípio moral não é a mesma coisa que norma (ou regra). “Não cometerás adultério” é uma norma para um comportamento específico numa sociedade que pratica a monogamia. Por outro lado, o imperativo categórico (aja como se estivesse querendo que todos devessem agir da mesma forma numa dada situação) é um princípio – não uma prescrição comportamental, mas um guia para escolha entre possíveis comportamentos. Por isso, princípios são livres de conteúdos definidos culturalmente; eles transcendem e, ao mesmo tempo, incluem normas sociais particulares e em conseqüência têm aplicação universal.

O princípio central para o desenvolvimento do julgamento moral é o de justiça.  Justiça, a determinação fundamental para o valor e igualdade de todos os seres humanos, assim como para a reciprocidade nas relações humanas, é um padrão básico e universal. Usar justiça como princípio organizativo para a educação moral atende a todos os critérios que qualquer plano na matéria deve satisfazer: ela garante liberdade de crença, ela emprega um conceito filosoficamente justificável, e ela está baseada em fatos psicológicos do desenvolvimento humano.

Em nosso ofício de psicólogos sociais, eu e meus colegas reunimos evidências consideráveis de que os conceitos de justiça são inerentes à experiência humana, em vez de ser produto de uma visão de mundo particular. Nisso seguimos Piaget que diz: “Ao contrário de uma dada regra imposta de fora à criança, a norma de justiça é uma condição imanente das relações sociais ou uma lei governando o equilíbrio de tais relações.” A vida social supõe assumir uma variedade de papéis, partir das perspectivas de outras pessoas, e participar de relações recíprocas, de maneira que chegar ao princípio de igualdade entre os homens é simplesmente o efeito da maturidade em inter-ralações pessoais. O princípio de justiça é um resultado normal (senão freqüente) da existência social, em vez de ser um traço de personalidade ou um ato de fé.

 Estágios de Julgamento Moral

 

Os indivíduos adquirem e refinam o senso de justiça por meio de uma seqüência de estágios invariantes de desenvolvimento. Em 1957, nós começamos a testar o julgamento moral de um grupo de meninos com idade entre 10 a 16 anos por meio de questões que envolviam dilemas éticos. Uma questão típica levanta o assunto de roubar um remédio para salvar uma mulher à beira da morte. O inventor do remédio está vendendo-o por 10 vezes mais que a quantia correspondente ao custo de produção. O marido da mulher não consegue levantar o dinheiro necessário, e os vendedores se recusam a baixar o preço ou a aguardar um pagamento posterior à venda. O que o marido deve fazer? A partir das respostas dadas pelo grupo, distinguimos seis tipos básicos de julgamento moral que correspondem aos estágios de desenvolvimento. Um teste subseqüente, três anos depois, mostrou processo de crescimento através dos mesmos estágios e na mesma ordem.

Os estágios são:

 

  1. Orientação para punição e recompensa, e para o poder físico e material.
  2. Orientação hedonista com uma visão instrumental das relações humanas. Inicio de relações de reciprocidade, mas com ênfase na troca de favores – “Você coça as minhas costas, em troca eu coço as suas.”
  3. Orientação do tipo “bom menino”; procurando manter expectativas e conseguir aprovação de seu grupo imediato.
  4. Orientação para autoridade, lei, e dever, para manter uma ordem fixa, seja social ou religiosa, tida como de valor fundamental.
  5. Orientação para o contrato social, com ênfase na igualdade e mútua obrigação dentro de uma ordem democraticamente estabelecida; exemplo: a moralidade da Constituição americana.
  6. Princípios de consciência que têm consistência lógica e universalidade. O mais alto valor é conferido à vida, igualdade e dignidade humanas.

 

Esses estágios são definidos por meio de modos de pensar a respeito de assuntos éticos. Os estágios 1 e 2, típicos de crianças pequenas e delinqüentes, são descritos como pré-moral, uma vez que são muito estruturados com base no interesse próprio. Os estágios orientados para o grupo – estágios 3 e 4 – são os “convencionais” dentro dos quais boa parte da população adulta opera. Os estágios finais, regidos por “princípios”, são encontráveis em 20 ou 25 por cento da população adulta, mas talvez apenas cinco ou dez por cento desta mesma população cheguem ao nível seis.

Cada estágio é propriamente definido por valores ou temas que entram nas decisões morais.  Um desses temas é o valor atribuído à vida. No estágio 1, a vida é valorada em termos de poder ou posses da pessoa envolvida; no estágio 2, pela sua utilidade em satisfazer as necessidades do indivíduo em questão ou de outros; no estágio 3 , em termos das relações do indivíduo com os outros e do modo com estes outros o valorizam; no estágio 4, em termos da lei social ou religiosa. Somente no estágio 6  é que cada vida é vista  com algo bom por si mesmo, não importando as considerações alheias. [NT: no original não há comentário para o estágio 5].

Outro fator que define o estágio é a motivação para a ação moral. Nos estágios mais baixos, o indivíduo age para evitar punições ou para trocar favores; nos níveis mais altos, para evitar auto-condenação. O modo de pensar no estágio 2 é aparente em Jimmy, um garoto de 13 anos, que perguntado o que um menino deveria dizer a seu pai sobre uma ação errada de seu irmão declarou: “Acho que ele deve ficar em silêncio. Se ele entregar Alex, Alex pode entregá-lo”. Uma resposta típica no estágio 3 seria a de que o menino deve contar porque seu pai confia nele.

Muitas pessoas são coerentes no uso de um único tipo de pensamento. Cerca de 50 por cento das declarações morais de um indivíduo correspondem ao estágio dominante, e as declarações restantes se distribuem pelos estágios imediatamente inferiores e superiores. Os estágios de pensamento geralmente permanecem constantes não importando o conteúdo do dilema – um delinqüente no estágio pré-moral irá considerar todas as normas da mesma forma, sejam elas normas da sociedade ou normas de sua gang, procurando apenas evitar punições.

Os mesmos estágios de desenvolvimento são encontrados também em outras culturas, embora a média do progresso seja mais rápida ou mais lenta numas que em outras.  Testamos jovens nos EUA, México, Reino Unido, Turquia, Taiwan e Malásia, observando os mesmos padrões de pensamento na mesma seqüência de desenvolvimento. Quando jovens camponeses de Taiwan, por exemplo, foram perguntados se deveriam roubar comida para sua esposa que estava morrendo de fome, a resposta típica de um pré-adolescente foi:

“Sim, caso contrário ele teria que pagar pelo funeral dela, uma despesa e tanto”. Um menino malaio da mesma idade disse: “Sim, porque ele precisa dela para cuidar dele”. Funerais são menos importantes na Malásia que em Taiwan, por isso o conteúdo cultural da resposta muda, mas a orientação de tipo estágio 2 mantém-se constante.

 Condições para o Desenvolvimento Moral

 

O que promove o progresso de um estágio para outro? O julgamento moral é antes de tudo uma função de operações racionais. Fatores afetivos, como a capacidade de manifestar empatia e a capacidade para a culpa, entram em jogo, mas as situações morais são definidas cognitivamente por julgamento individual. O desenvolvimento moral é, portanto, o resultado de uma crescente capacidade de perceber a realidade social ou de organizar e integrar a experiência social. Uma condição necessária – mas não suficiente – para a moral baseada em princípios é capacidade de raciocinar logicamente (representada por estágios de operações formais).

Os principais determinantes do desenvolvimento moral parecem ser a quantidade e variedade da experiência social, a oportunidade de assumir um número razoável de papéis e de encontrar outras perspectivas. Por isso crianças com bons índices de sociabilidade e de classe média vão mais longe e mais depressa que as crianças socialmente isoladas e de classes baixas. Da mesma forma, o desenvolvimento é mais lento em culturas camponesas com pouca ou nenhuma alfabetização. Ser capaz de assumir o ponto de vista do outro, de “se colocar no lugar do outro”, por meio de uma prática variada, é a fonte do principal sentido de igualdade e reciprocidade.  Talvez a melhor síntese da situação na linguagem cotidiana pode ser encontrada em E. M. Forster, que pensou que uma boa parte das confusões que há no mundo deve-se “á inabilidade de imaginar o interior de outras vidas”.

Um exemplo do poder de tais experiências pode ser encontrado num experimento de Dowell, que ajudou estudantes secundaristas a se aconselharem mutuamente de um modo “não diretivo”. A experiência resultou num salto significativo nos níveis de raciocínio moral, possivelmente estimulado pelo intenso esforço de assumir o ponto de vista alheio. Em contraposição, ser aconselhado [por um orientador educacional] ou ser membro de um grupo de auto-resposta não gera progresso moral porque isso não provoca novas experiências da perspectiva dos outros.

A oportunidade para assumir papéis morais parece ser o que é mais importante na contribuição da família para o desenvolvimento moral. Um estudo de Holstein indica que as crianças que são avançadas em julgamento moral têm pais que também são avançados em tais julgamentos. De outro lado, a tendência dos pais em estimular a reciprocidade em papéis também guarda correlação positiva com a maturidade das crianças. Os pais que buscam a visão das crianças, que sugerem comparações de diferentes visões no diálogo, têm crianças mais desenvolvidas.

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Uma resposta to “057. Educação Moral”

  1. ELAINE DA SILVA XAVIER Says:

    O que se precisa ensinar na escola não é o excesso de disciplinas e principalmente as antigas e sim conseguir incentivar o aluno a gostar de estudar e claro deveria ter o respeito para os sentimentos de ambas as partes. Deveria trabalhar em conjunto o ensino totalmente democrático e não as tristes coisas que assolou diabolicamente o país. O aluno precisa ter ética e noção de cidadania para com a sociedade e sempre respeitando democraticamente.

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