055. Educação, Pesquisa e Internet

Educação, Pesquisa e Internet

 

Jarbas Novelino Barato

 

A utilização de princípios de pesquisa em educação pode ser uma ótima decisão em termos metodológicos. Pesquisa e aprendizagem são processos muito parecidos. Ambos resultam em novos conhecimentos para o pesquisador e para o aprendiz. Por essa razão já há uma tradição de pesquisa no ambiente escolar.

Nos anos de 1970, quando era secretário de educação de Roma, o educador Francesco Tonucci, costumava fazer sérias críticas ao uso do termo pesquisa para designar certas práticas escolares. O educador italiano dizia que muitas vezes as pesquisas escolares eram simples operações de reprodução de informações encontradas em algum livro. Dessa forma, dizia ele, o sentido original da pesquisa como processo de busca de respostas para questões fundamentais para o investigador era deixado de lado. Pior: o aluno saia da experiência pensando que pesquisa era uma atividade livresca e burocrática.

As observações de Tonucci continuam válidas nos dias de hoje. Elas são um alerta importante para pensarmos pesquisas escolares com usos da Internet. A banalização do significado de pesquisa pode continuar ocorrendo na direção denunciada pelo antigo secretário de educação de Roma se não trabalharmos as pesquisas escolares como empreendimentos que precisam surgir do engajamento de investigadores a partir de questões que estes acham que precisam ser respondidas.

As novas tecnologias da informação e comunicação podem nos ajudar a fazer melhores pesquisas escolares. Mas, um uso equivocado das mesmas tecnologias pode produzir resultados não desejados.

Este documento tem inspiração tonucciana. Prentende-se aqui apresentar um roteiro que ajude educadores a formular políticas de uso educacional da Internet em direções que fortaleçam a pesquisa no âmbito educação.

O documento está organizado em quatro seções:

  1. Observações sobre o ambiente Internet
  2. A idéia de pesquisa
  3. Internet e práticas de pesquisa na escola
  4. Pesquisas com a Internet

A primeira seção tem por finalidade apresentar um panorama geral do ambiente Internet. A intenção é a de ressaltar que a rede mundial de computadores não é apenas um grande armazém de informações, ou uma biblioteca gigantesca. Ela é um espaço para compartilhar experiência, informação, saberes. Fiel a sua filosofia original, a Internet é um espaço de co-laboração.

A segunda seção apresenta um quadro geral de conceitos do que é pesquisar e articula tais conceitos com metodologia de ensino-aprendizagem.

A terceira seção procura situar práticas de pesquisa no âmbito escolar. Para tanto, além de mostrar enganos comuns, tem como meta sugerir entendimentos do que é pesquisa e de como conceitos mais exigentes da investigação científica podem inspirar práticas de pesquisa nos meios educacionais.

A quarta seção tem como finalidade indicar alguns rumos para a realização de pesquisas escolares com utilização do ambiente Internet.

Para enfatizar algumas idéias, optou-se pela inserção de destaques no interior do texto. Do ponto de vista gráfico, os destaques aparecem em textos de tamanho 14 e com uma entrada no formato de rubrica (expansão da primeira letra do texto). A finalidade dos destaques é a de marcar algumas idéias que poderão ser objeto de mais análises e debates por parte dos educadores. Os destaques procuram enfatizar certos pontos que os precedem ou sucedem, mas não seguem ordem rígida para a sua introdução no corpo do documento. Espera-se que esta opção gráfica torne a leitura do documento mais interessante e proveitosa.

 

Observações sobre o Ambiente Internet

Uma das dimensões das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação é a rede internacional de computadores, a Internet. Ela vem provocando mudanças importantes no acesso a informações de todos os tipos. Os novos serviços informativos incluem facilidades para nos comunicarmos, ambientes para entretenimento, fontes informativas sobre quase todos os assuntos imagináveis, ambientes para realização de serviços bancários, ambientes para compras etc. Graças à flexibilidade dos computadores, a Internet pode incorporar num único espaço todos os meios de comunicação que a precederam. Ela pode emular a TV, a revista, o rádio, o livro. Ela pode combinar os meios mais antigos em uma única plataforma informativa (multimeios). Mais que isso, arranjos que incorporam todas as mídias anteriores parecem indicar que um meio original de informação está surgindo, e não apenas um ambiente que resulta da somatória de todos os outros ambientes informacionais de eras passadas.

Em educação é preciso estar atento para a afirmação de que o fenômeno em foco não é apenas quantitativo. Ele é qualitativo. Ou seja, está havendo mudança substancial das informações no uso de novas tecnologias. Tal mudança não é evidente. Há sempre tendência de entender novas situações de acordo com modelos já conhecidos (Holyoak e Thagard,1996). Essa tendência faz com que os inícios de uma nova tecnologia sejam marcados por usos similares aos já dominados para as velhas tecnologias. Assim, boa parte das propostas de livros eletrônicos fica reduzida a transferência pura e simples, do papel para a tela, de texto e figura. Embora os computadores possam realizar essa operação de cópia, a natureza do veículo sugere que publicação para leitura em tela, considerados recursos de som, imagem e movimento, além de interação entre informação e leitor, assumirá cada vez mais formatos inteiramente diferente de informações veiculadas por meio de texto, foto e cinema (incluída aqui a TV).

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lém da enorme quantidade de informação disponível na Internet, é preciso considerar também mudanças que ocorrem e ocorrerão em modos de apresentar conteúdos de saber. A Internet está abrindo espaço para novas formas de expressão.

Na preparação de material para um curso via Web (http://www.vanzolini-ead.org.br/wwwescola/html/escola_credito.html), o coordenador de tecnologia do projeto solicitou aos professores a produção de material. Para orientar os docentes, informou que a produção esperada correspondia a um paper de cerca de trinta páginas. Oitenta por cento dos docentes entregaram trinta páginas de texto, escritas de acordo com as convenções que se espera para um bom texto acadêmico. As dificuldades para converter o conteúdo em informação adequada para páginas Web foram muito grandes. A maioria dos docentes envolvidos não sabia planejar e produzir informações para a Internet. Tal episódio ilustra as dificuldades ainda existentes em termos de produção de materiais educacionais para veiculação na rede. O que se vê muitas vezes é simples transferência de conteúdos, organizados de acordo com as convenções criadas para registro em papel, para o armazém eletrônico criado pelos computadores.

Em 1995, The American Academy of Science publicou uma página Web que buscava distanciar-se da simples transferência de conteúdo do papel para a tela. A obra, Reinventing Schools, apresentava um texto em pequenas unidades, sempre dialogando com leitor e dando a este oportunidade para interagir com o material. Além disso, o conteúdo mesclava texto com ilustrações e registros sonoros. O acesso às informações não era linear; o leitor podia escolher percursos e organizar sua “leitura” de modo bastante pessoal. Os autores de Reinventing Schools fizeram um dos primeiros ensaios na direção de um “texto” inteiramente diferente dos textos escritos para impressão em papel. Infelizmente a página original não está mais disponível, mas cópia dos originais, sem os recursos de interação característicos daquela obra, pode ser encontrada em um arquivo em pdf:

A produção pioneira da The American Academy of Science ainda é um trabalho inovador, pois boa parte do que se publica na Web está muito distante de um aproveitamento criativo das características dos meios digitais. A menção ao referido trabalho, antecipando observações mais específicas a serem feitas neste documento, foi feita para chamar atenção para aspecto que costuma ser ignorado em usos da Internet. Fala-se muito em necessidade de uso de tal mídia. Há, porém, pouca reflexão sobre os ambientes de registro de saber que a Internet já introduziu na cultura e sobre as futuras formas de produzir, apresentar, armazenar e recuperar informação. Reconhecer as configurações já existentes e estabelecer prováveis contornos da informação digital para o futuro são tarefas necessárias no âmbito da educação.

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 Internet facilita a autoria; por essa razão, em atividades investigativas de uso de tal ambiente é preciso sempre desenhar propostas que enfatizem produção de professores e alunos. 

Além de ser fonte de informação, a Internet, em princípio, oferece oportunidade para que qualquer pessoa possa divulgar suas obras por meio de textos, imagens, vídeos, gravações sonoras. Assim, além de garantir acesso rápido a um número imenso de dados, a Internet é um ambiente para publicação e intercâmbio entre todos os seus usuários. Essa característica tem importância fundamental em educação. Professores e alunos não devem ser (e não serão) meros usuários dos recursos tecnológicos. Para utilizar as novas mídias para aprendizagem, necessariamente alunos e professores precisarão converter-se em autores, pois algumas fontes da Internet só ganham vida quando os usuários são membros de uma rede de produção de informações. Ou seja, a “leitura” do texto da Web, para produzir efeitos significativos de aprendizagem, precisa ser atividade de compartilhamento (Fiedler, 2002). Esse aspecto merecerá também outras considerações mais à frente.

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ão considerar a Internet como um recurso auxiliar de ensino; fora da escola ela é ambiente de informação que tende a ser hegemônico em nosso mundo; usá-la complementarmente na escola é um engano.

As imensas possibilidades de produção, divulgação e intercâmbio de informações da Internet sugerem que seu uso precisa ser incorporado à educação sistemática. Aliás, mesmo que as escolas não a integrem a seus fazeres cotidianos, a Internet já influencia profundamente a educação. Em outras situações que não a escolar, as pessoas vêm usando cada vez mais a rede internacional de computadores. Interesses econômicos, serviços governamentais, oportunidades de diversão e necessidades de comunicação fazem com que o cidadão comum utilize a Internet. Exemplo corriqueiro de uso da Internet é o de envio de declarações do imposto de renda. A partir do próximo ano (2011), essa será a única maneira do cidadão comum cumprir o dever de declarar anualmente seus rendimentos à Receita Federal. Medidas semelhantes estão acontecendo com sistemas de comunicação em áreas de serviço público e privado.

Outro exemplo de uso corriqueiro da Internet acontece no âmbito do comércio. É cada vez maior o número de empresas que oferecem oportunidades de compras com a utilização de recursos virtuais.

Cabe aqui comentário sobre uma das mais antigas empresas no ramo, a Amazon Books (http://www.amazon.com/). No ambiente criado pela Amazon, o cliente não conta apenas com um “balcão” que lhe permite fazer transações comerciais online. Ao acessar o site da empresa, o cliente entra numa gigantesca “livraria”, onde é possível folhear livros, escutar trechos de álbuns de música, passar por “vitrines” das obras mais vendidas, contar com opiniões de outros leitores sobre obras de seu interesse. Além disso, os “livreiros” da Amazon conhecem gosto literário dos clientes e prováveis necessidades de informação dos mesmos. Por isso, sempre estão a lhes oferecer dicas e sugestões sobre o que comprar. A livraria da Amazon na Internet tem quase tudo o que uma boa livraria pode oferecer. O site dessa grande empresa de vendas aproveita muito bem a imensa capacidade que os computadores têm de emular ambientes, modelos e sistemas. Essa representação de qualidades do mundo real na tela de um computador é uma possibilidade que pode ser concretizada em muitas outras áreas das atividades humanas.

É preciso reparar que a Internet ou o ciberespaço é um conjunto de ambientes e não apenas um armazém de informações. Hoje precisamos entender como é a vida neste espaço e dela participar. Ou seja, há uma dimensão de cibercidadania que demanda participação. Não ingressar ativamente no ciberespaço tem como conseqüência uma cidadania diminuída (Nardi e O’Day, 1999; Coyne, 1997).

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 Internet não é apenas um local onde se armazena informação; ela é cada vez mais um ambiente dentro do qual vão se construindo diversos espaços de convivência; é preciso, portanto não perder de vista em educação a possibilidade de construir espaços de colaboração e convivência no ciberespaço; práticas de pesquisa recentes incorporam este sentido ambiental da rede internacional de computadores (Efimova, 2009)

No mundo da comunicação e da cultura a presença da Internet é cada vez maior. Quase todos os jornais possuem versões online. Museus e centros culturais criam páginas que não só anunciam atividades como também permitem acesso a imagens de seus acervos. Grandes projetos culturais como o portal Europeana (http://www.europeana.eu/portal/), vem sendo organizados para permitir que interessados possam ter acesso imediato a acervos de documentos, livros, reproduções de obras de arte de diversos centros culturais do continente. Cientistas como Stephen Downes (http://www.downes.ca/news/OLDaily.htm) colocam seus trabalhos em sites que permitem acesso também imediato a estudos e comunicações que realizam.

O site Europena permite acesso a acervos de museus e centros culturais da Europa. Convém utilizar um exemplo pode ilustrar seu funcionamento. Caso um professor de Língua e Literatura Portuguesa o queira, seus alunos poderão examinar edição dos Lusíadas de 1572, publicação impressa por Antonio Gonsalez. Nesse caso, cópia digitalizada de volume pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional de Portugal pode ser examinada, copiada, trabalhada pelos alunos de formas muito parecidas com as ações de pesquisadores que utilizam as coleções de livros raros numa biblioteca convencional. A Internet, no caso, facilita acesso e permite que qualquer interessado tenha contato com produtos culturais que até então eram, quase sempre, objetos de privilégio de uns poucos eruditos. O que se exige no caso é apenas uma proposta adequada de pesquisa sugerida pelo professor.

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sar a Internet não é apenas uma decisão de caráter instrumental, as novas mídias mudam modos de ver o mundo; por essa razão, educadores precisam estar atentos para os valores emergentes, nascidos dos ambientes digitais; por outro lado, educadores precisam sempre confrontar velhos e novos valores para determinar o que precisa ser enfatizado nos projetos pedagógicos; sem um cuidado com as dimensões axiológicas favorecidas por cada tecnologia corre-se o risco de adotar valores sem o necessário juízo que se requer de cidadãos conscientes.

Os usos da Internet fora da escola influenciam a educação em dois sentidos:

  • Utilização das tecnologias digitais no dia-a-dia introduz novos valores e, quase sempre, elimina antigos valores;
  • Informações que dependiam de aprendizagem na escola estão disponíveis agora em portais e sites muito atraentes.

Presença de qualquer artefato cultural na sociedade muda valores e formas de ver o mundo. Neil Postman (1994) aborda essa questão da seguinte forma:

… a mudança tecnológica não é nem aditiva nem subtrativa. É ecológica. Refiro-me à “ecológica” no mesmo sentido em que a palavra é usada pelos cientistas do meio ambiente. Uma mudança significativa gera uma mudança total. Se você retira as lagartas de um dado habitat, você não fica com o mesmo meio ambiente menos as lagartas, mas com um novo meio ambiente e terá reconstituído as condições de sobrevivência; o mesmo se dá se você acrescenta lagartas a um ambiente que não tinha nenhuma. É assim que a ecologia do meio ambiente funciona. Uma tecnologia nova não acrescenta nem subtrai coisa alguma. Ela muda tudo. No ano de 1500, cinqüenta anos depois da invenção da prensa tipográfica, nós não tínhamos a velha Europa mais a imprensa. Tínhamos uma Europa diferente. Depois da televisão, os Estados Unidos não eram a América mais a televisão; esta deu um novo colorido a cada campanha política, a cada lar, a cada escola, a cada igreja, a cada indústria. (p. 27)

A Internet causa impactos ambientais na cultura provavelmente mais profundos que aqueles causados pela televisão e pelo cinema. E tais impactos ainda não cessaram. Universalização de uso dos computadores aprofundará as mudanças que já podem ser observadas em nosso mundo. Consideremos algo bastante simples: o imediatismo da informação. Nas épocas em que a informação dependia de transporte físico dos meios, uma notícia podia demorar meses até chegar a todas as partes do planeta. Telégrafo, rádio e TV eliminaram barreiras geográficas, mas ainda enfrentavam certos limites próprios de sua base analógica que provocava ruídos na comunicação ou dificuldades de transmissão. A Internet, dada sua base tecnológica de natureza digital, vem eliminando as poucas barreiras comunicativas que ainda sobraram. Acostumamo-nos com um “aqui e agora” que, cada vez mais, caracteriza nossas expectativas com relação ao fluxo da informação. Essa circunstância já está tão naturalizada que tratamentos da informação que exigem alguma demora são objetos de impaciência de uma população que passou a considerar o imediato como uma virtude.

Assistimos a uma fúria de imediatismo aparentemente irracional. Tudo tem de ser feito rapidamente. Tudo tem de ser consumido assim que produzido. Essa aceleração de ritmo acontece principalmente nos meios de comunicação. As notícias se sucedem num fluxo rápido e contínuo, envelhecendo-se rapidamente e sem dar tempo às pessoas de refletirem sobre os acontecimentos.

Reflexos da aceleração de ritmo na vida podem ser percebidos na preocupação de pais de classe média com a educação de seus filhos. Eles querem que seus herdeiros ingressem na universidade bem cedo, e que se formem no menor espaço de tempo possível (Honoré, 2005). Há uma ânsia para que as crianças queimem etapas, antecipando fases de escolarização.

O imediatismo assinalado nos parágrafos anteriores é um traço de nossa cultura. Mesmo que as escolas não o adotem como valor, os alunos já estão convencidos de que o imediato é uma virtude. Jornais, revistas e TV proclamam isso continuamente. A Internet facilita a concretização de tal possibilidade. Aliás, mesmo antes do advento da rede mundial de computadores, “aqui agora” já era uma marca dos novos tempos (Barato, 1994):

Aqui Agora, sem vírgula, sem ponto. Uma câmara nervosa e um repórter insistente invadem a privacidade de políticos, jogadores de futebol, bandidos e outras celebridades. Na edição, cortes evidentes e imagens tremidas caracterizam a “autenticidade” e o “realismo” dos fatos noticiados… Em casa, a audiência, vencendo qualquer barreira de hora e lugar, persegue bandidos, conversa com herói do dia, exerce sua justa indignação diante dos desmandos dos poderosos. O telejornal do SBT desvela uma das características mais perturbadoras da Sociedade da Imagem ou da Informação: a eliminação das barreiras de tempo e espaço. Aqui Agora, na favela, no Rio, no Recife, na delegacia da periferia, no Palácio do Planalto, nas ruas de Los Angeles, em Ruanda, é a “realidade” em milhares de lares brasileiros. O cotidiano do telespectador é apenas um pano de fundo para as verdades da vida que aparecem na telinha. (p. 46)

O imediatismo que caracteriza a Internet não é, portanto, algo completamente novo. Ele veio se incorporando ao quadro de valores de nosso mundo desde a segunda metade do século XIX, época em que avanços tecnológicos começaram a romper os limites geográficos da circulação de informações. A saga das mudanças que vêm se acumulando desde então no campo da comunicação e da cultura ganhou uma narrativa clássica em The Image (Boorstin, 1961). Em sua obra, Boorstin mostra que uma cultura que valorizava a análise e o fato vai sendo substituída por outra que valoriza o espetáculo, a imagem, o imediato.

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onvém considerar concretamente os valores destacados em cada escola; dada a tendência conservadora das instituições de ensino, é provável que certas escolas, mesmo utilizando computadores e Internet, entendam que os antigos valores da civilização tipográfica continuam intactos ou que sejam os únicos a merecer cuidado no planejamento do ensino.

A escola, na formulação de seus currículos e na determinação de suas finalidades, aparentemente ainda adota os valores promovidos pelos meios de comunicação de épocas anteriores à segunda metade do século XIX. A ressalva de um aparentemente sinaliza que na prática as relações de ensino-aprendizagem já estão marcadas pelo imediatismo, pois mesmo que não declare explicitamente sua adesão aos novos valores promovidos pelos meios de comunicação, a escola, assim como todas as outras instâncias de nossa sociedade, acaba refletindo as relações que vão se construindo por causa dos modos de ver o mundo que decorrem do ingresso de novas tecnologias em nosso cotidiano.

Observações em laboratórios de informática nas escolas mostram que os alunos, ao utilizarem a Web, já não lêem mais como antigamente. Páginas e sites são percorridos rapidamente em gestos análogos ao de uma pessoa folheando revistas fartamente ilustradas. O comportamento dos alunos é muito mais o de pessoas que estão apreciando imagens. Isso ocorre mesmo quando há predominância de texto na página Web. Esse comportamento não é exclusivo das gerações mais jovens. Pessoas educadas em épocas nas quais predominava a veiculação de informações por meio de livros agem de forma parecida. Na Web já não lêem como faziam diante de material impresso em papel. Há uma confissão de Nicholas Carr merecedora de registro (Carr, 2008):

Posso sentir isto também [mudança de comportamento quanto á leitura] Faz alguns anos que comecei a experimentar um sentimento desconfortável de que alguém, ou algo, andou mudando meu cérebro, andou desenhando um novo mapa para meu circuito neural, andou reprogramando minha memória.   Minha mente não desapareceu – pelo menos até onde consigo observar. Mas, ela está mudando. Posso sentir bem isso quando estou lendo. Mergulhar num livro ou num artigo costumava ser fácil. Minha mente era tomada pela narrativa ou pelo intercâmbio dos argumentos, e eu passava horas passeando através de longas avenidas de prosa.  Isso acontece raramente hoje em dia. Agora minha concentração começa a perder embalo depois de duas ou três páginas. Fico inquieto. Perco o fio da meada. Começo a procurar por algo que possa fazer. Sinto que sempre arrastando meu cérebro desobediente para o texto. A leitura profunda que antes vinha naturalmente converteu-se numa luta. (s.n..)

Cabe aqui uma observação preliminar. Os impactos das novas tecnologias de comunicação nem sempre são evidentes. Ás vezes eles não são vistos como novidades na medida em foram naturalizados. Vê-los a partir da perspectiva histórica é uma necessidade para que as instituições de ensino possam avaliar o que precisa ser feito. De um lado, velhos valores promovidos por meio do livro (texto) e a comunicação oral (a conversa face a face), precisam ser considerados e avaliados. Eles trouxeram contribuições expressivas para a civilização e desempenham um papel que talvez não possa ser substituído pelos novos meios. Por outro lado, os novos meios também têm virtudes. Estas não devem ser confundidas com mera aceitação da novidade. Precisam ser vistas como modos de facilitar a aprendizagens e promover valores civilizatórios.

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sos de novas tecnologias demandam um fazer para descobrir rumos, não direções nitidamente claras; muitos dos rumos no uso de novas tecnologias dependem de experimentações que precisam ser feitas no âmbito das escolas; vale no caso a orientação clássica do “aprender fazendo”.

Neil Postman (1994) observa que os inventores das novas tecnologias quase nunca sabem que efeitos estas poderão causar. Muitas vezes chegam a se enganar, achando que suas invenções podem promover velhas crenças. O autor de Tecnopólio mostra que Gutemberg pensou que sua invenção, a imprensa, seria um instrumento para promover a fé católica. Mas, os livros impressos, muito mais baratos e numerosos que os antigos livros copiados à mão, foram ferramentas poderosas para promover o luteranismo que contestava o velho catolicismo. Ao colocar na mão de cada crente um exemplar da bíblia, a imprensa permitiu que leitores das sagradas escrituras dispensassem a intermediação de intérpretes das palavras divinas, realizada até então pelos eclesiásticos. Essa facilidade de acesso ao livro certamente mudou também relações entre cidadão e estado, abrindo novos caminhos para a prática política. Divulgação mais democrática da ciência por meio dos livros impressos também provocou mudanças significativas no campo do desenvolvimento tecnológico e científico. Essa última conseqüência resultou numa obra revolucionária em termos de divulgação do saber tecnológico, a Enciclopédia (Sennet, 2009).

O projeto enciclopedista pretendia colocar a ciência ao alcance de todos. Para tanto, utilizou um formato de publicação que permitia leituras não seqüenciadas, técnica, aliás, que já fora utilizada pelos livreiros cristãos do século V de nossa era (Duffy, 2007). O códice, formato de livro predominante até hoje, ganhou espaço com publicações dos livros sagrados. Diferentemente do antigo livro (editado em rolos com textos contínuos), o livro com páginas seqüenciais trouxe novas possibilidades de tratamento da informação. Aqui não é lugar para mais detalhar tal revolução tecnológica. É preciso, porém, fazer um registro a fim de que possamos melhor apreciar as mudanças que já aconteceram e que acontecerão por causa da Internet.

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ssim como aconteceu com o livro impresso, a democratização do acesso a informação exigirá que todos os cidadãos se alfabetizem nas modalidades de bom uso da Internet.

Outra observação de Postman (1994) merece destaque. O livro impresso está na raiz de uma mudança substancial no mundo da cultura. Para formar mais leitores foi preciso estender a escolarização a muitos cidadãos para os quais até então não existia qualquer chance de educação sistemática com inclusão de habilidades de leitura. A escola que surgiu logo após a invenção da imprensa é uma escola do livro. Tal modelo de educação escolar acabou sendo resultado de um acordo entre oralidade e escrita. Este ainda é o modelo de escola que temos, embora as mídias de nossos dias sugiram novos arranjos no campo da educação sistemática.

Dificuldades enfrentadas pelos sistemas escolares no momento podem, em parte, ser explicadas pelo confronto entre velhas e novas tecnologias de informação e comunicação. Autores como Kay (1991), Meyrowitz (1985) Postman (1994), descrevem alguns dos problemas enfrentados. Quando chegam à escola, os alunos já passaram por muitos anos de exposição às novas mídias. Postman, por exemplo, mostra que alunos que ingressam no ensino fundamental já assistiram a milhares de horas de televisão. Entram na escola, portanto, já alfabetizados em tecnologias da imagem. Mais que isso, eles chegam à escola aculturados a modos de informação que valorizam o imediato, o sintético, o emocional. Por isso, resistem a modos de informação que valorizam a análise, a história, o racional. Uma das conseqüências disso segundo Healy (1990), analista das dificuldades enfrentadas pelas crianças nas escolas, é um atraso sensível na aprendizagem de habilidades de escrita e leitura.

Cabe aqui uma nota para futuras reflexões. A escola do livro ainda é uma referência para nós. Isso transparece em observações como a de Healy, lamentado a perda sensível de capacidade de leitura entre os estudantes. Tal observação tem como referências de comparação padrões culturais definidos por domínio literário. Mostra uma queda acentuada do domínio dos códigos necessários á leitura e interpretação de livros cujos formatos sofreram pouca mudança desde a invenção da imprensa. O que não se leva em conta no caso é que há novas formas de divulgar informações. E mais: essas novas formas são predominantes em nossos dias, alunos de seis anos de idade já são “leitores” competentes das novas mídias. E estas últimas competem com as mídias mais antigas por mais recursos e por espaço na mente e coração das pessoas (Postman, 1994)

As observações até aqui registradas mostram que novas tecnologias mudam profundamente cultura e valores. Assim, mesmo que as escolas não reconheçam os sinais dos tempos, o conteúdo da educação já não será mesmo. Uma das conseqüências de todo esse quadro é a de que os alunos reagem de acordo com os novos valores, enfrentando sérias dificuldades para acompanhar propostas de aprendizagem ainda marcadas pelos valores promovidos pelo texto e pela oralidade. Esse confronto é comum no cotidiano dos professores. Uma geração de crianças, cada vez mais influenciada pela Sociedade da Imagem, enfrenta sérias dificuldades para mergulhar em estudos que exigem articulação do discurso de acordo com normas da comunicação escrita.

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m algumas situações constata-se que usuários da Internet aprendem sem intervenção de sistemas e profissionais de educação; acontecem no caso aprendizagens não reguladas; há no caso um desafio: como integrar essa nova modalidade, se possível, a práticas educacionais nas escolas?

A segunda conseqüência dos usos comuns das novas tecnologias da informação e comunicação é a possibilidade de ampliar aprendizagens fora dos sistemas escolares. Ivan Illich (1971), ao analisar tal tendência anuncia a morte da escola. Esse diagnóstico é acompanhado por outros analistas.  As novas mídias, sobretudo a Internet, possibilitam acesso imediato a um número cada vez maior de informações.

As possibilidades informativas da Internet não são apenas quantitativas. Diversas ferramentas que surgem continuamente para facilitar comunicação na rede mundial de computadores (Facebook, Orkut, Twitter, Blogs etc.) conquistam milhões de adeptos e geram novos padrões de disseminação e troca de informações. Participação em comunidades de usuários de tais ferramentas geram o que Fiedler (2002) chama de aprendizagens não reguladas. Tais aprendizagens não são planejadas, nem são resultados necessariamente esperados pelos participantes. Elas acontecem naturalmente como um subproduto da participação em comunidades que compartilham informações, valores, gostos pessoais.

James Gee, lingüista que estuda como jovens (e também adultos) criam compromissos de aprendizagens não reguladas para terem sucesso em jogos eletrônicos, lança uma luz sobre o que vem ocorrendo. Nas escolas os jogadores não se entusiasmo pelo que é proposto. Pouco se dedicam ao estudo. Manifestam grande tédio e desinteresse. Por outro lado, para avançarem nos jogos eletrônicos que os envolvem naquilo que Gee chama de comunidades de paixão, são capazes de dedicar muitas horas para aprender novas estratégias, vocabulários, características de personagens, particularidades dos mundos virtuais onde as partidas acontecem (ver meu artigo sobre Gee e conseqüências).

As investigações efetuadas por James (2006) Gee mostram que os membros de comunidades de paixão realizam estudos demorados, complexos e trabalhosos. Dificuldades não são barreiras para eles. Aliás, dificuldades são condição necessária para jogos que valem a pena.

Jogadores em comunidades de paixão estudam fontes de informação que não foram estruturadas para apresentar didaticamente o assunto. O interesse dos jogadores faz com que estes mergulhem no estudo do conteúdo a fim de encontrar soluções para questões relativas aos jogos. Ou seja, nem sempre o uso da Internet como fonte de informação é determinado por características intrínsecas do ambiente. O mergulho dos jogadores no assunto é decorrência da atração exercida pelo jogo. Este, aclimatado ao ambiente Web e aproveitando a potencialidade de representação de mundos reais ou imaginários própria dos computadores, é muito atraente. Tem uma das virtudes que Hugo Assmann (2001) considerava essencial em educação, encantamento.

Os estudos de Gee desafiam os educadores a encontrar novos caminhos utilizando computadores para oferecer desafios que valham a pena. Mas, é preciso observar que o citado autor estuda situação característica de entretenimento. O estudo de conteúdos escolares nem sempre pode se converter em representações análogas a jogos. Por outro lado, conteúdos importantes da cultura são promovidos por obras literárias que envolvem os leitores. Um exemplo nesta direção é o livro de Francis Parkman, Oregon Trail, escrito na metade do século XIX  (Boorstin, 1993). A saga dos pioneiros acabou se convertendo num sucesso literário e promoveu interesse dos leitores pela história americana. Cabe observar que o citado livro acabou inspirando um software educacional homônimo de grande sucesso (The Oregon Trail, 1996) simulação na qual os alunos planejavam uma viagem de pioneiros do Leste para o Oeste americano. No caminho, ocorrências similares às vividas pelos pioneiros eram vivenciadas pelos alunos desafiados a resolver problemas e chegar ao destino desejado. Os estudos de Gee e softwares como como The Oregon Trail mostram que em educação é preciso reinventar modos de apresentar conteúdos.

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irtudes e belezas dos ambientes Web não explicam necessariamente interesse na aprendizagem dos membros de comunidades de paixão; jogos que valem a pena são essenciais em aprendizagens não reguladas.

Essa segunda conseqüência de usos da Internet mostra que as capacidades de armazenamento, reprodução e compartilhamento de informações não explicam per se aprendizagens que podem ocorrer de modo não estruturado. Tais aprendizagens dependem de comunidades de paixão ou de comunidades de interesse. Neste último caso, ambientes de comunicação que resultam em redes sociais criam oportunidades para um aprender cooperativo e não regulado parecido com os modelos de wild learning descritos por Edwin Hutchins (1996) O mencionado autor repara que ambientes que requerem cooperação para fazer funcionar um sistema ou para alcançar certos resultados desejados por um grupo geram aprendizagens não  reguladas que deveriam merecer atenção dos educadores. O pesquisador uruguaio Gabriel Kaplun(2005) faz a seguinte observação sobre o tema:

[educadores] se preguntan, por ejemplo, por qué hay tantas enseñanzas sin aprendizaje y tantos aprendizajes sin “enseñanza”. Es decir: por qué en tantas aulas se enseña mucho pero se aprende poco. Y, al mismo tiempo, por qué –y cómo– tanta gente aprende cosas sin la ayuda de una institución educativa o de una persona con título de educador.

Esto último ha llevado también a que muchos nos planteemos cuánto podrían las instituciones educativas aprender de esas maneras de aprender “silvestres”, no domesticadas por la escolarización ni formalizadas en planificaciones, objetivos, competencias, etc. (p.2)

 

Situações de wild learning não dependem necessariamente de acesso á Internet. Elas ocorrem sempre que certos interesses emergem em comunidades de prática. Para os fins deste estudo, tais situações ganham importância na medida em que a Internet facilita um aprender não regulado. Alunos que assim aprendem fora dos muros escolares certamente olharão para a escola com olhos pouco favoráveis.

 

O desafio de aprendizagens não reguladas, sempre presente no ensino técnico e tecnológico, ganha novas dimensões com a Internet. Por um lado, a rede mundial de computadores facilita busca de informações necessárias na participação em comunidades de prática. Por outro lado, a existência da Internet vem permitindo a criação de mundos virtuais que resultam no surgimento de comunidades de interesse (ou de prática, ou de paixão).

 

Aprendizagens não reguladas colocam sério desafio para a educação, pois são efetivas e alcançam resultados que, muitas vezes, não acontecem nas escolas. Sugestões de autores como Kaplun sinalizam que os educadores precisam estudar e integrar o aprender “silvestre” (ou selvagem) a seu repertório profissional.

 

Para os fins deste estudo importa ressaltar a importância da Internet como fonte de aprendizagens não reguladas. De um lado, a ocorrência de tais aprendizagens mostra que os sistemas educacionais enfrentam dificuldades no campo da motivação. Por outro lado, a aprendizagem não regulada tem ritmo, tempo e demandas que não podem ser atendidas pela atual conformação da escola (ano escolar, hora-aula, divisão do saber em disciplinas etc.).

 

O

modelo de escola que temos – muito calcado no paradigma fabril de gestão – conflita com os tempos e ritmos de aprendizagem em ambientes digitais; necessariamente será preciso superar barreiras determinadas por práticas administrativas que resultam em horários rígidos, seriações estanques, arquitetura que privilegia leitura, audição e escrita etc. 

 

A última observação aqui registrada (os comentários sobre comunidades de paixão) sinaliza que uma das condições para usos mais efetivos da Internet irá depender de um entendimento sobre os rumos que essa mídia vem imprimindo à comunicação humana. Um dos prováveis problemas de usos inadequados da Internet para fins de pesquisas escolares é o de entender que os meios eletrônicos apenas armazenam antigas formas de informação (texto, imagem, som) para usos mais confortáveis. Na verdade, o que está ocorrendo é a estruturação de um ambiente informacional completamente diferente dos que o precederam. Por falta de outras referências, continuamos a entender o novo utilizando velhas categorias. Convém, por isso, realizar algum esforço para alterar enfoques se quisermos utilizar o computador e, mais particularmente a Internet, de modo mais efetivo. O desafio não é inteiramente novo. Alan Kay (1991) já o formulou de modo exemplar em seu artigo para um número especial da revista Scientific American.

 

No citado artigo, Kay menciona que os autores da Constituição Americana publicaram em jornais do século XVIII extensos comentários sobre as bases e fundamentos da Carta Magna do país. Esses escritos passaram para a história com o nome de Documentos Federalistas. Publicá-los nos jornais da época era resposta a um interesse de leitores capazes de apreciar longas exposições em prosa. Vivia-se então num período que Postman apelida de tipográfico. Como seriam hoje publicados os Documentos Federalistas? Aqui vai a resposta delineada por Kay (1991):

 

Onde os autores da Constituição publicariam hoje seus Documentos Federalistas? Não em um livro; pouca gente lê livros hoje em dia.  Não em um jornal; ensaios são muito longos. Não na televisão; ela não pode propagar conteúdos profundos. Em redes de computadores? Bem, as telas de computadores, apesar de estarem melhores a cada ano que passa, não são suficientemente boas para a leitura de prosa mais extensa; a tendência é a de mostrar figuras, diagramas e sentenças curtas, pois isso aparece muito bem nas telas.

Mas o final do século XX oferece uma resposta interessante para a questão: transmitir, por meio de uma rede de computadores, uma simulação das estruturas e processos propostos pela Nova Constituição. Os receptores poderiam não apenas “rodar” o programa, mas também mudar os pressupostos e até mesmo o próprio modelo para testar as idéias. O modelo poderia estar hiperligado (hyperlinked) a fontes de inspiração – a constituição da Virgínia, por exemplo – de maneira que os “leitores” pudessem comparar as novas idéias com as antigas. (A hiperligação (hyperlink) expande qualquer documento, permitindo a inclusão de informações correlatas de diversas fontes). Agora, portanto, os receptores teriam algo mais forte que ensaios estáticos. E os “feedbacks” a respeito das propostas – outra vez por meio de uma rede eletrônica – poderiam ser relevantes e ocorrer no tempo certo.(Nota; p.8, em tradução para uso pessoal.)

A sugestão de Alan Kay mostra diversas mudanças na organização da informação, considerada a natureza dos computadores e das redes eletrônicas de comunicação. Para o autor, formas de organizar a informação e interação das pessoas com os conteúdos devem adequar-se às características e potencial dos novos meios. Essas novas formas, porém, não são óbvias. Nossas referências de organização das informações ainda pagam tributo aos formatos do texto impresso.

A análise dos impactos das novas mídias sobre modos de organizar a informação precisa integrar o dia-a-dia dos educadores, pois nossos alunos, direta ou indiretamente, já estão “convertidos” a modos de comunicação dominados pela rede mundial de computadores. E embora não tenhamos ainda uma caracterização inteiramente clara das mudanças em cursos, convém observar que escola e educadores precisam estar conscientes dos rumos que a informação vem assumindo em nosso tempo.

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os trechos anteriores volta-se a destacar mudança radical nos modos de organizar informações; essa mudança guarda relação estreita com a registrada quanto à necessidade de mudança nos modelos de gestão da escola; fica evidenciado que não basta colocar novas tecnologias no espaço escolar; é preciso realizar mudanças radicais, caso contrário o uso de tecnologias poderá ter resultado inócuo em nossas organizações de ensino.

As considerações até aqui desenvolvidas sugerem que o uso de fontes de informação publicadas na Internet exige novas concepções sobre estudo, pesquisa e percursos de aprendizagem. E embora haja um risco de repetição, é bom encerrar esta seção com um elenco de pontos que merecem destaque.

USO. O uso da Internet em educação é uma necessidade uma vez que essa nova mídia é ou será a principal fonte de informação para o cidadão. Há alguns cuidados que precisam ser considerados no caso:

  1. Não se deve pedagogizar a nova mídia. Fora da escola ela é utilizada em percursos de “wild learning”. Atividades que a domesticam podem também fazer com que se perca o interesse típico de utilizações geradoras de aprendizagens não reguladas em contextos de comunidades de paixão. Educadores devem aprender a trabalhar com as novas mídias sem modificar sua natureza. Há aqui lugar para estudo sobre a especificidade do trato de informação na Internet. Esta, apesar de certo caos informativo criado por uma infinidade de autores, é uma fonte “autêntica”. Ou seja, ela reflete os interesses de geração, armazenagem e divulgação de informações em nosso mundo. Domesticá-la significará a produção de matérias escolares desvinculados do fluxo de informação que vem ocorrendo nos dias de hoje.

 

  1. O uso estruturado e crítico da Internet, uma possibilidade que pode ser desenvolvida principalmente em instituições escolares, é atividade que poderá fazer com que as pessoas educadas tenham consciência de limites e possibilidades da Internet. Este é um grande desafio, uma vez que o deslumbramento pela tecnologia ou a recusa em utilizá-la amplamente produzem resultados ou de dependência irracional ou desatualização.

PRODUÇÃO. Como já se observou, a utilização da Internet como fonte informativa exige produção. Aprender na Internet é uma atividade dialogal.  Usar, no caso da Internet, não é atividade de mão única. Na Internet uso alia-se à produção. Alunos e professores deverão ser, portanto, usuários-produtores, caso contrário estarão negando um dos traços da natureza da Internet, o compartilhamento de saberes.

IMEDIATISMO. A natureza das novas mídias é imediatista. Possivelmente não há como alterar tal característica. Para reconhecer o imediatismo e elaborar reflexões mais amplas quando o assunto o exigir espera-se que a educação sistemática ofereça aos estudantes oportunidades de verificar que há valores diferentes daqueles promovidos pelos novos meios de informação. Como observa Alan Kay (1991), projetos que utilizam novas tecnologias podem em sua própria estrutura articular atividades que resultem em compreensão crítica da própria mídia e dos conteúdos estudados.

NOVOS E VELHOS VALORES. No destaque anterior sobre imediatismo ficou evidenciado que as novas mídias promovem valores que as favorecem. Além de promover um consumo contínuo de informação, sempre atualizadas e pouco analisadas, as novas mídias privilegiam o emocional, as visões sintéticas, a utilização ampla de imagens. Todos esses valores não são necessariamente negativos. Negativa é a atitude que os vê como únicos, dispensando os valores promovidos pela oralidade e pela escrita: análise, racionalidade, utilização ampla da palavra, ênfase em habilidades argumentativas. A grande questão para os educadores, no caso, é a de articular atividades que promovam novos e velhos valores.

FORMA DE APRESENTAÇÃO. Em várias passagens deste documento, ficou indicado que as novas mídias estão mudando e vão mudar radicalmente formas de apresentar informações. Isso pode parecer banal. Mas, é preciso reparar que formas de apresentação ajudam a organizar o pensar em determinadas direções. Debatem-se prováveis alterações de caráter cognitivo por causa das novas tecnologias.

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO. Até agora neste documento não se estabeleceu com clareza que informação e conhecimento são diferentes instâncias de saber. Informação é resultado de codificação de conhecimento. Este último é necessariamente elaboração de sujeitos que devem organizar representações resultantes de suas experiências ou de interpretações das informações disponíveis. Em usos da Internet é preciso ter tal distinção sempre presente. Acumulação de informação e sua simples reprodução não é conhecimento. Este último se concretiza em atividades do sujeito. Implicações da diferença entre informação e conhecimento devem ser bem estudadas por educadores. O resultado de tal estudo será de importância crucial em pesquisas com a Internet ( Kay, 1991; Larsen 1988)

Até aqui, procurou-se estabelecer um panorama de significados da Internet para informação, educação e conhecimento. Esse pano de fundo é necessário para reflexões e ações em atividades de pesquisa nos processos educacionais. Certamente o quadro não ficou completo, mas espera-se que as direções apontadas ajudem educadores a avançar análises e familiarizar-se com o ambientes que se estruturam ou podem ser estruturados em usos das novas tecnologias de informação e comunicação.

 

 

 

A idéia de pesquisa

É necessário, antes de examinar possíveis associações entre pesquisa e Internet, relembrar alguns aspectos da prática de associação entre pesquisa e educação. Há muitas situações nas quais a utilização da palavra pesquisa nada tem a ver com o significado de investigações sistemáticas no campo do saber. Certa falta de cuidado com o significado de pesquisa pode resultar em usos equivocados dessa prática científica em educação.

Muitos usos da palavra pesquisa nos meios educacionais banalizaram um conceito que precisa ser recuperado. Certas práticas escolares bastante comuns passaram a idéia de que pesquisa é busca de informação em fontes que apresentam o conhecimento de forma sistemática por meio de registros escritos. Nessa perspectiva, a pesquisa termina quando o pesquisador consegue reelaborar o material encontrado numa comunicação escrita. Esse modo de ver matou todo o sentido de admiração que engaja pesquisadores na busca de solução para problemas interessantes. O processo investigativo de caráter livresco provavelmente levou gerações de estudantes a entenderem que pesquisa é uma atividade de reprodução de informação, não uma aventura humana que nasce de um sentimento de admiração e leva as pessoas a buscarem resposta para um problema que as fascina.

Para refletir sobre a questão convém partir de uma observação de Richard Coyne (1997):

Toda investigação começa com engajamento. Tensões e ausência de solução requerem uma resposta. A reflexão pode ser definida como um processo de afastar-se da situação imediata e envolve busca por ferramenta apropriada. A ferramenta é parte da habilidade ativa e produtiva articulada para fazer frente à situação. As ferramentas que entram na reorganização da experiência incluem teorias, propostas, métodos recomendados, e curso de ação. A aplicabilidade da ferramenta é determinada pela situação. (p. 39)

A observação de Coyne apresenta diversos aspectos que merecem destaque. O primeiro deles é a necessidade do engajamento. O início de uma pesquisa sempre é uma atividade que nasce de compromisso do pesquisador. Este descobre e quer resolver um problema. Está interessado. Não se faz pesquisa autêntica por encomenda. Estudo conduzido por Bonnie Nardi (Kaptelinin e Nardi, 2006) no centro de pesquisa de uma indústria farmacêutica mostra que a escolha de genes nas investigações era um objeto de paixão. Mesmo com as pressões dos executivos para as pesquisas se voltassem para genes e proteínas com melhores possibilidades comerciais, as escolhas dos cientistas não acompanhavam sempre as conveniências da empresa. As escolhas dos pesquisadores tendiam a recair sobre genes “mais interessantes”. No estudo conduzido por Nardi ficou evidente a necessidade de se negociar objetos de desejo (as situações que apaixonavam os cientistas) com as demandas empresariais. Assim, mesmo num centro de pesquisas de uma organização interessada em registros de patentes e comercialização de seus produtos, a natureza da atividade investigativa (a escolha apaixonada de um objeto de estudo) precisava ser respeitada. Caso contrário não haveria pesquisa autêntica na empresa.

N

ão há pesquisa sem engajamento dos pesquisadores na busca de respostas para um problema que eles julgam ser interessante; o significado de pesquisa sempre deve ser considerado em associações entre pesquisa e educação; quando a “pesquisa escolar” ocorre sem tal cuidado, perde-se a noção de que investigações científicas – mesmo quando se limitem a ensaios no âmbito educacional – partem de decisões que podem oferecer respostas para questões que correspondam a “objetos de paixão”.

No destaque, ficou enfatizada a necessidade de “objetos de paixão” para que as pesquisas sejam significativas. A expressão pode parecer pouco objetiva. Mas, é preciso insistir nela. Opção metodológica por práticas de pesquisa em educação devem sempre estar atenta para a necessidade de lidar com propostas capazes de engajar os alunos no processo investigativo.

Muitas vezes a atividade de pesquisa é apresentada a estudantes apenas como um processo que deve seguir determinadas regras (os princípios científicos). Quando isso ocorre, a ciência ganha contornos de uma atividade burocrática, regida por normas cujas finalidades quase nunca ficam claras. No âmbito escolar, fazer pesquisa para aprender tais normas é empreendimento fadado ao fracasso. Os alunos costumam sair de tais experiências com sentimentos desfavoráveis a respeito dos empreendimentos científicos.

Voltemos à caracterização que apresenta a pesquisa como atividade iluminada pela paixão. A conseqüência disso para educação é clara. Propostas de pesquisa no âmbito escolar precisam ser precedidas de atividades capazes de engajar os alunos numa busca nascida de interesse. Caso contrário, o trabalho será um compromisso do qual os alunos procuram se livrar com o mínimo de esforço possível.

O segundo aspecto destacado por Coyne é o entendimento de que há um problema para o qual vale a pena buscar uma resposta. E problema aqui não é uma pergunta pronta feita por terceiros (professores). Problema aqui é uma questão que mereceu atenção dos pesquisadores (alunos).

Em comunicação pessoal (1998), educadores do GAIA , projeto conduzido por geólogos vinculados à Unicamp, apresentaram um caso que mostra a importância de problema colocado inicialmente pelos “pesquisadores”.

Alunos de uma escola pública de Americana, SP, estavam verificando diferentes estratos de terra no terreno aberto para acomodar leito de uma rodovia. O objetivo era o de estudar evidências de diferentes eras geológicas a partir da verificação de aspectos específicos de cada estrato. Para tanto, orientados pelos geólogos, os alunos mediam os estratos, faziam anotações de acordo com padrões científicos e discutiam resultados. Mas, um dos geólogos reparou que os estudantes estavam desviando sua atenção para observar formigas. No começo, o educador do GAIA tentou chamar atenção dos alunos para a observação planejada. Mas, logo depois, deu-se conta de que havia um interesse genuíno para observar os diferentes tipos de formiga que estavam circulando pelo terreno rasgado por tratores. Resolveu então aproveitar a oportunidade e começou a orientar observações sistemáticas dos insetos na busca de características que os pudessem classificar em diferentes grupos. Cabe notar que de volta à escola em Americana, um professor de ciências constatou que as classificações elaboradas pelos alunos em campo tinham muitas coincidências com as classificações realizadas por cientistas. O caso mostra uma descoberta autêntica realizada por crianças de 13/14 anos. Mostra também situação idêntica às situações de pesquisa em ciência.

M

esmo em situações nas quais os alunos aprendem e aplicam princípios de ciência, só existirá evento equivalente à idéia de pesquisa se existir um problema que mobilize o interesse dos investigadores.

Esse entendimento de pesquisa, no plano pedagógico, lembra a proposta de Hugo Assmann (1998) quanto ao clima necessário para que a educação aconteça de modo significativo para os alunos. Assmann sugere que boa educação exige encantamento com o saber. Sem isso, estudar se converte numa obrigação desagradável. Assim, o sonho de que os alunos farão pesquisas depende muito de professores e escolas capazes de provocar encantamento. Em termos ideais, pesquisas escolares só deveriam ocorrer após encantamento dos alunos. Isso exige atuação de professores “encantados”. Ou seja, se os professores são incapazes de se encantarem com problemas em suas áreas de saber, dificilmente os alunos farão pesquisas autênticas. Há aqui necessidade de uma boa discussão sobre atuação dos docentes. Numa obra importante sobre papel das escolas, Diane Ravitch (2000) faz uma observação que merece destaque:

As escolas não vão se tornar obsoletas por causa das novas tecnologias uma vez que seu papel como instituições de aprendizagem tornou-se mais importante hoje do que o foi no passado. A tecnologia pode suplementar as escolas, não substituí-las. Mesmo as tecnologias eletrônicas mais avançadas são incapazes de converter seus mundos de informação em conhecimento maduro, uma forma de mágica intelectual que requer professores competentes e bem preparados. (p. 467)

C

onvém enfatizar o papel que Diane Ravitch entende que deva ser o dos professores com relação ao saber: professores competentes e bem preparados é condição indispensável para que seja possível converter mundos de informação em conhecimento maduro; a referência não se restringe a atividades de pesquisa, mas, indica como estas podem ocorrer nas escolas.

O terceiro aspecto apontado por Coyne é a questão da escolha de ferramentas de pesquisa. É bom enfatizar que os exemplos utilizados por ele mencionam:

  • Teorias
  • Propostas
  • Métodos
  • Curso de ação

A lista pode ser complementada com Fontes e Ambientes. Cabe reparar que a busca por ferramentas é precedida por identificação de problemas que merecem uma resposta. Muitas escolas promovem pesquisas em bibliotecas para valorizar esse ambiente de estudos. Quando isso ocorre, fica a impressão de que a utilização de fontes bibliográficas no caso é atividade mais importante que motivos que podem levar alguém a se engajar em aventuras de pesquisa.  Algo semelhante parece estar ocorrendo com a Internet.

É preciso observar que no plano de realização de pesquisas não existe um ordenamento rígido. Manipulação e conhecimento de certas ferramentas pode ser ponto de partida para uma investigação. Nesse sentido, começar pela biblioteca ou pela Internet não é necessariamente um mau caminho. Há maneiras de explorar ferramentas que podem criar interesse e até mesmo ter um perfil de pesquisa. Para clarear este ponto convém examinar um exemplo.

Contatos com a ferramenta internet podem acontecer por meio de explorações que resultem em:

  1. Entendimento de como utilizar a ferramenta,
  2.  Despertar de interesse por investigações no âmbito de determinado assunto.

Vejamos um caso específico. O site IBGE países (http://www.ibge.gov.br/paisesat/) apresenta dados sobre todos os países do planeta e um mapa planetário que pode mostrar em destaque o país estudado. Indicar tal site para estudo ou relacioná-lo como fonte de pesquisa é solução que não sugere um bom uso da ferramenta. Para melhorar aproveitar essa fonte de informação, pode-se propor algum desafio para que os alunos realizem comparações e estabeleçam relações. Entre as muitas comparações possíveis, a elaboração de um quadro que mostre diferenças entre os indicadores sociais da Dinamarca e do Timor Leste, por exemplo, pode ser um começo. Além de elaborar tal quadro (cuja confecção é facilitada porque o site transfere os dados que mostra para uma planilha no Excel), os alunos podem ser convidados oferecer explicações sobre as diferenças encontradas. No caso, o uso orientado (desafiador) da ferramenta introduz um dos aspectos importantes em procedimentos de pesquisa, a comparação entre dois ou mais objetos de investigação. Esse modo de utilizar a ferramenta nada tem a ver com a sugestão genérica “pesquisem na internet indicadores sociais da Dinamarca e Timor Leste”. Tal sugestão pouco específica provavelmente será entendida como uma ordem para reproduzir informações. Comparar, mostrar diferenças e explicar achados são atividades que dão sentido à busca de informações.

No exemplo aqui examinado os alunos não precisarão utilizar buscadores. O desafio que lhe é proposto já vem com a indicação da fonte a ser utilizada. O importante no caso é o trabalho de tratamento de dados para realizar as comparações solicitadas. O site Países, do IBGE, pode foi concebido para consultas capazes de ajudar as pessoas a realizarem tarefas como a aqui sugerida. Nele, as possibilidades de relacionar dados são dinâmicas. Ele é, em suma, uma boa referência de publicação na Web, reunindo características que podem ajudar trabalhos de pesquisadores.

U

tilizar princípios de pesquisa dá alma à investigação; essa providência precede usos da Internet e, além disso pode resultar em aproveitamentos mais ricos das informações disponíveis; esta última observação é válida sobretudo para páginas Web que permitem interação do pesquisador com o conteúdo.

Coyne lista elementos que muitas vezes não são entendidos como ferramentas. O entendimento de que teorias, métodos, propostas e cursos de ação são instrumentos de pesquisa pode parecer estranho. Mas, quando entendemos pesquisa como uma questão para a qual queremos buscar uma resposta, esses elementos começam a fazer sentido na direção cuja virtude principal é apontada pelo autor. Uma teoria é explicação que nos permite prever provável curso de certos eventos. Geralmente precisamos de teoria para orientar uma investigação. Aliás, cumpre notar que o ensino de teorias deveria exercitar essas características preditivas, caso contrário os aprendizes desenvolverão convicções de que os aparatos teóricos em ciência são apenas prescrições ou princípios a serem assimilados. Esse entendimento dá mais sentido ao uso de fontes, pois uma finalidade de consultas a fontes é a de verificar qual o estado atual de teorias necessárias para o apoio de uma investigação.

O exame das sugestões de Coyne situa com muita clareza o lugar de ferramentas relacionadas com organização e armazenagem de informação. Convém repetir palavras do autor:

A

ferramenta é parte da habilidade ativa e produtiva articulada para fazer frente à situação.

Fica claro, portanto, que a utilização de ferramentas se subordina a propósitos definidos a partir de interesses de um querer saber. Esse modo de ver meios de informação é fundamental para que o uso de métodos em pesquisa nas escolas ganhe a relevância desejada por educadores.

Algumas tendências de uso da Internet em educação parecem repetir equívocos que já se observava antes do advento das TIC’s. A próxima seção deste documento procura examinar tais práticas.

 

Internet e práticas de pesquisa na escola

Pesquisa na Internet é uma expressão cada vez mais popular. Leigos e até mesmo profissionais de comunicação (educação inclusa) parecem aceitar tal expressão sem qualquer análise do ponto de vista de seus significados. Essa circunstância pode gerar usos inadequados da Internet nos meios educacionais. Por isso, é preciso considerar alguns conceitos que estão relacionados com a expressão em foco.

A concepção original da Internet foi a de criar um ambiente de intercâmbio de informações, sem censura, democrático, sem hierarquias (Castells, 2002). Essas características têm uma base técnica, pois a rede mundial de computadores carece de um centro de controle.  Essas características têm também uma base axiológica, pois os valores de seus criadores e usuários eram (e ainda são) libertários. Com a popularização da Internet, as características originais da rede são esquecidas e passam a predominar entendimentos que a definem como uma imensa fonte de informação que está mudando substancialmente atividades de comunicação social, educação, diversão.

A redução da Internet apenas a uma imensa biblioteca deixa de lado a idéia de que a rede internacional de computadores é um ambiente colaborativo. Ou seja, a Internet em sua concepção original é um espaço para trabalhos participativos. Essa característica é pouco considerada em educação. O sentimento comum não é o de co-laboração, mas o de aproveitar a riqueza de informações disponíveis.

A

 ideia original da Internet foi a de criação de um espaço cuja construção é sempre uma obra co-laborativa; esse aspecto não costuma ser lembrado em trabalhos escolares de pesquisa; embora esta seção não seja local adequado para apontar possíveis desdobramentos de colaboração e pesquisa no uso da Internet, fica aqui registro de assunto que será retomado mais à frente.

A expressão “pesquisa na internet” aparece como uma herdeira das pesquisas feitas num tempo em que os computadores ainda não eram uma ferramenta acessível de comunicação. Tal prática consistia em solicitar aos alunos elaboração de um trabalho – a “pesquisa” – que demandava busca de informação em livros. Já que a prática era muito disseminada, as editoras acabaram publicando enciclopédias escolares com a promessa de que nelas os alunos poderiam encontrar tudo o que precisassem para seus trabalhos escolares.

As pesquisas escolares em épocas passadas convertiam-se em volumosos trabalhos escritos à mão ou datilografados. Quase sempre, o texto apresentado pelos alunos era cópia daquilo que haviam encontrado em livros ou nas enciclopédias (em anos recentes estas últimas passaram a ser fonte quase que exclusiva para as pesquisas dos estudantes). De modo geral, esses compromissos dos alunos eram desenvolvidos sem qualquer entusiasmo. Por essa razão, a idéia de pesquisa presente em tais práticas não promovia interesse por investigação científica. A situação toda passava a mensagem de que pesquisa é um processo burocrático e livresco.

O

conceito original de pesquisa escolar acabou se cristalizando como um trabalho de recortes de informações encontradas em referências escritas; investigação, no caso, se limitava à idéia de encontrar conteúdos correspondentes a um tema de estudo determinado pelo professor. Corre-se o perigo de que tal interpretação acabe predominando em pesquisas escolares que façam uso da Internet. 

As enciclopédias impressas ganharam a preferência de alunos e escolas por causa de sua organização. Nelas os assuntos eram introduzidos por verbetes apresentados em ordem alfabética. Assim, os estudantes teriam pouca dificuldade para encontrar informações necessárias para suas “pesquisas”. Outra característica das enciclopédias eram as referências cruzadas, ou seja, um tratamento gráfico que destacava no texto – geralmente em negrito – outros assuntos nela publicados que poderiam ter alguma relação com o verbete em destaque. Assim, por exemplo, o verbete reunificação alemã, em parte apropriada fazia menção à unificação alemã. Dessa forma, o leitor dispunha de certo mapa de navegação que lhe permitia tecer relações entre assuntos. Porém, em raros casos os estudantes percorriam as referências cruzadas. O que queriam era encontrar informação suficiente para produzir um trabalho temático. Assim, é quase certo que as características de informação não seqüencial das referências cruzadas eram desconsideradas pelos alunos.

A descrição de enciclopédias aqui desenvolvida lembra o mecanismo de abridgment de livros que surgiu no começo do século passado. Tal mecanismo buscava abreviar (abridge) obras importantes para que os leitores tivessem uma idéia geral do assunto. A prática do abridgement é abordada numa obra essencial sobre a Sociedade da Informação que vem se constituindo desde a segunda metade do século XIX, The Image: A guide to pseudo-events in America, de Daniel Boorstin (1961). Segundo Boorstin, a necessidade de aumento do consumo de informação foi acompanhada por mecanismos de simplificação de conteúdos. Nessa direção, obras importantes foram convertidas em livretos, sem qualidade literária, que buscavam apresentar informações superficiais sobre enredo e principais personagens. As enciclopédias escolares são herdeiras do abridgement. Elas, em poucas páginas, fornecem informações genéricas sobre fatos, situações, descobertas científicas e conceitos. Nada aprofundam. No seu horizonte está o desejo de facilitar a vida dos estudantes. Nelas os estudantes passaram a encontrar versões resumidas de assuntos que antes precisariam buscar em obras mais extensas.

Com o advento da internet as enciclopédias caíram em desuso ou foram transferidas para arquivos eletrônicos que podem ser consultados on ou off line. Mas, mesmo digitalizadas, as velhas enciclopédias abriram espaço para obras selecionadas pelos buscadores da Internet. Essas ferramentas de busca identificam e listam fontes de informação a partir de solicitação dos usuários. Com isso, os alunos não precisam mais de manipular umas poucas fontes impressas. O buscador relaciona boa parte do que está publicado na Internet numa ordem que segue algum algoritmo que prioriza determinadas fontes de modo pouco transparente.

Ao contrário de livros e de enciclopédias, as publicações que aparecem na Internet não dependem de julgamento prévio para serem divulgadas. A publicação de informações na rede mundial de computadores é completamente livre. Qualquer pessoa, em tese, pode publicar em tal espaço. Por esse motivo, o acervo informativo da internet tem muitas matérias desprovidas de qualquer credibilidade. Mas, nem sempre é fácil determinar se uma informação naquele ambiente tem qualidade comprovada. Isso pode ter sérios reflexos nas buscas dos alunos.

A

lém de herdar tendências de simplificação de conteúdos já existente em publicações impressas, a Internet tem inúmeras páginas cuja qualidade informativa deixa a desejar; uma questão importante que resulta dessa situação é o desafio que escolas enfrentam para que os estudantes façam usos críticos de seus achados na rede mundial de computadores.

Há cerca de seis anos, levantamentos sobre teoria da evolução, feitos por meio dos buscadores mais utilizados, mostravam entre os dez primeiros sites relacionados matérias divulgadas por igrejas fundamentalistas que afirmavam, com base em textos bíblicos ou argumentos de sua teologia, que a evolução das espécies era uma teoria sem base científica sólida. Uma vez que tais textos apareciam logo no início de uma relação de alguns milhões de sites, alunos menos avisados poderiam entender que as informações ali contidas tinham consistência científica. Atualmente, é raro encontrar textos fundamentalistas entre as primeiras indicações das ferramentas de busca. Mas, a situação ocorrida alguns anos atrás mostra que a seleção operada pelos buscadores não oferece garantia de que a informação relacionada seja de qualidade.

Há sinais de que muitas pesquisas na internet deixam os alunos desorientados. Um dos exemplos que ilustra esse fenômeno aconteceu com o Aquiles Von Zuben, professor de filosofia de Unicamp (as observações que seguem decorrem de informação pessoal feita pelo professor Von Zuben a seus alunos de doutorado em 1998, na Unicamp). Certo dia ele recebeu a seguinte mensagem de um aluno do ensino médio:

Prezado Professor Aquiles,

Sou aluno de curso médio. Procurei o sentido da vida na Internet. Nada encontrei. Mande-me, por favor, uma reposta. Nada muito longo. Bastam duas páginas. E mande logo, tenho de entregar a pesquisa na próxima terça. Abraço,

Fulano de tal

 

O pedido feito ao professor da Unicamp é resultado de uma prática cujo desenrolar pode ser assim descrito:

  1. Professor de filosofia (ou qualquer outra matéria) decide utilizar internet como fonte de pesquisa com seus alunos,
  2. Para concretizar sua decisão, o docente escolhe um assunto que julga ser de interesse para os jovens;
  3. Uma vez escolhido o assunto, o mestre anuncia: “pesquisem na internet”;
  4. Com a medida, o docente fica convicto de que está utilizando novas tecnologias da informação em suas aulas;
  5. Os alunos recorrem a um buscador e examinam a imensa lista de sites e páginas selecionados pela ferramenta (dependendo do assunto, o número chega à casa dos milhões);
  6. Dificilmente o aluno irá utilizar algum recurso para filtrar a busca, quase sempre irá dar uma olhada rápida na primeira dezena de sites listados pelo buscador;
  7. O passo seguinte pode percorrer caminhos distintos; há alunos que simplesmente copiarão trechos de um dos sites que apresenta maior quantidade de informações; há alunos que tentarão estudar alguns dos primeiros materiais relacionados pelo buscador
  8. Os últimos alunos provavelmente terão dificuldade para entender o assunto;
  9. Alguns alunos, ao perceberem que algum site selecionado oferece possibilidade de contato com professor ou especialista, solicitam envio de informação pronta e redigida conforme suas conveniências.

O caso acontecido com o professor Aquiles Von Zuben não é incomum. Muitos outros professores que possuem páginas na Internet são eventualmente abordados por alunos que estão realizando alguma “pesquisa”. O caso também não deve ser objeto apenas do anedotário da Internet. Ele é um retrato de conseqüências acontecidas por causa de equívocos quanto à utilização da Internet em pesquisas escolares.

O caso citado revela alguns aspectos que é preciso considerar. Entre tais aspectos merecem destaque:

  1. Dificuldade dos alunos para entender algumas das fontes apontadas pelos buscadores da Internet.
  2. Predomínio de imediatismo no uso da Internet.
  3. Ausência de estrutura e referenciais teóricos para orientar a busca.

Uma das questões levantadas quanto a usos de informações no mundo digital é a de que os usuários enfrentarão dificuldades se não souberem elaborar significados a partir das informações encontradas. Alan Kay (1997) registra o fenômeno da seguinte forma:

O físico Murray Gell-Mann observou que a educação no século vinte assemelha-se a ida ao maior restaurante do mundo para alimentar-se (literalmente) com o livreto do cardápio. O autor, com esta metáfora, pretendia mostrar que as representações de nossas idéias substituíram as próprias idéias; os estudantes são ensinados superficialmente sobre grandes descobertas em vez de serem ajudados a aprender profundamente por si mesmos.

No futuro próximo, todas as representações já inventadas pelos seres humanos serão imediatamente disponíveis em qualquer parte do mundo por meio de computadores pessoais “de bolso”. Mas seremos capazes de passar do cardápio para o alimento? Ou não seremos capazes de distinguí-los? Ou, pior ainda, perderemos a habilidade de ler o cardápio e ficaremos satisfeitos apenas em reconhecê-lo?

Nos termos do receio de Kay, muitos alunos serão incapazes de elaborar saber a partir das informações encontradas em suas navegações pela Internet. O fenômeno pode resultar de uma confusão freqüente na Sociedade da Informação: equiparar informação a conhecimento. O educador dinamarquês Steen Larsen chama atenção para isso, mostrando que o saber é resultado de elaboração pessoal em processos de conversão da informação disponível em conhecimento (Larsen, 1988).

F

artura ou escassez de informação não significa per se possibilidade ou impossibilidade do conhecimento, este é uma função dos agentes conhecedores cuja re-elaboração das informações é condição necessária para que o saber; um Aristóteles ou um Agostinho de Hipona viveram em épocas nas quais as informações disponíveis eram poucas e demoravam a circular, apesar disso um e outro construiu um saber de importância fundamental para a civilização; os conhecimentos desenvolvidos por esses dois gênios indicam que é preciso agir sobre a informação e não apenas consumi-la passivamente.

Outro registro do engano de alunos em leituras de textos publicados na rede mundial de computadores é a observação de que o novo meio (a tela de um computador mostrando dinamicamente materiais publicados na internet) é entendido como fonte de imagens, não de textos. Estes últimos são apenas reconhecidos superficialmente e não lidos com atenção. Um caso anedótico disso aconteceu em aplicações da WebGincana O Velho Chico (um site já desativado),desafio para que alunos encontrassem em sites selecionados pelo professor informações capazes de oferecer respostas para um conjunto de questões curiosas sobre o rio São Francisco.

Observava-se constantemente que respostas para o desafio “Cite três cidades cujos municípios estão situados em torno das nascentes do rio” incluíam municípios do médio e alto São Francisco, além de Salvador, capital da Bahia. Aparentemente, os alunos realizavam uma leitura superficial do material existente, atentos apenas para relações entre o rio e cidades mencionadas em textos sobre o Velho Chico. O aparente engano dos alunos, observado em várias aplicações da citada WebGincana, sugere duas interpretações: 1. dificuldade para obter informação a partir de textos, 2. adoção de um comportamento peculiar em usos da internet como fonte de informação; neste caso, os usuários do meio percorrem os textos com se estes fossem imagens e não um discurso articulado que exige leitura atenciosa.

Embora resultados de pesquisas na Internet sejam muito parecidos com os antigos trabalhos copiados ou inspirados por verbetes de enciclopédias preparadas especialmente para facilitar pesquisas escolares, há diferenças notáveis que precisam ser observadas. A fonte de informação chamada Internet mudou substancialmente o jogo. A entrega de volumosos trabalhos agora editados em Word e quase sempre construídos por meio da operação descrita como corte e cole guarda apenas semelhanças de aparência com as pesquisas de outras eras. Para entender as mudanças ocorridas é preciso olhar para dois aspectos: 1. a natureza do processo de armazenagem de informação na rede mundial de computadores, 2. os modos de relacionamento do usuário com este novo ambiente informacional.

A armazenagem de informação na Internet é bem diferente da armazenagem da informação em livros ou de outros suportes para gravação estática de texto e imagem. Na rede mundial de computadores a informação se converte num objeto de fácil manipulação. Textos e imagens podem ser cortados e recombinados rapidamente. Isso facilita a reprodução de informação sem que as pessoas que a manipulem entendam significado e importância da mesma. Esse é o temos de muitos analistas conforme comprova observação de Alan Kay registrada na última citação.

Os modos de relacionamento do usuário, como já se observou, mudam radicalmente. Apesar da existência de textos na Internet estes não são lidos da mesma forma que o eram no papel. As telas parecem sugerir outro modo de ler. Possivelmente os textos terão que mudar substancialmente para poderem ser aproveitados de modo mais consequente.

Nesta seção foram examinadas algumas das situações que caracterizam usos das informações existentes na Internet. Outra vez é preciso observar que a matéria poderia ser abordada mais extensamente. O que se pretendeu, porém, não foi a realização de uma análise extensa, mas a indicação de tendências bem conhecidas.

Até esse ponto, temos um quadro geral de análises que podem nos ajudar a fazer indicações de caminhos para utilizar a Internet com ambiente de informação e intercâmbio em pesquisas escolares.

 

Pesquisa com a Internet

Pesquisar na internet é uma expressão que enfatiza a informação. E esta é uma circunstância que demanda análise e reflexão. O local de pesquisa não é a fonte de informação. Nesse sentido não é inteiramente correto dizer que há pesquisa em bibliotecas ou na Internet. Essa crítica contraria expressões de uso corrente que privilegiam informações já codificadas e armazenadas por artefatos tecnológicos como o livro e o computador. É mais correto dizer que buscas em fontes de informação é atividade de estudo, não de pesquisa.

Mudar a linguagem na direção aqui proposta não é fácil. O uso da expressão pesquisa para designar atividades de estudo quando se privilegia certa fonte de informação parece ser algo sedimentado nos meios educacionais. Mesmo assim, vale a pena o esforço para caracterizar pesquisa como atividade mais exigente que simples consulta a fontes de informação.

H

á uma mudança necessária no meio educacional; tal mudança precisa acontecer nos hábitos de uso da palavra pesquisa; muitas vezes chama-se de pesquisa simples atividade de estudo ou de busca de informação em determinadas fontes; é preciso recuperar o sentido original de pesquisa como atividade que exige engajamento de pesquisadores que se encantaram com perguntas que merecem ser respondidas.

Convém utilizar outra expressão para indicar relação entre Internet e pesquisa, em vez de pesquisa na internet, é preciso estabelecer uma prática de pesquisa com a internet. Não se trata apenas de uma maneira diferente de expressar a relação entre educação e a rede mundial de computadores. A proposta de mudança altera duas coisas: o entendimento do que é Internet, o entendimento do que é pesquisa. A nova expressão faz com que deixemos de considerar a Internet um grande repositório de informações capaz de dar respostas para quase todas as perguntas que podemos fazer sobre o conhecimento humano. Em outras palavras, com a nova expressão deixar-se-á de entender busca na Internet como um desafio para encontrar determinado conjunto de informações e entender a Internet como um ciberespaço no qual nossa missão de aprendizagem/pesquisa é a de elaborar saberes originais.  A proposta exige definição mais compreensiva do que é pesquisa: um projeto de elaboração de resposta para perguntas relativas a situações que nos encantam. Ou seja, pesquisa nesse sentido não se esgota com o encontro de informações já elaboradas por outros. O que importa na pesquisa é a elaboração de novos conhecimentos (novos pelo menos para os pesquisadores que nela se engajam) a partir de perguntas decorrentes de um desejo apaixonante de saber.

A proposta é muito diferente de práticas cujo encantamento é provocado pela aventura de navegar por um imenso acervo informacional. Não que essas navegações não sejam interessantes. Mas porque a idéia de pesquisa não pode se resumir mecanismos que nos ajudem a encontrar respostas alheias para um problema que queremos entender de modo original.

Navegar e fazer descobertas fortuitas no imenso mar informacional de Internet pode ser uma bela aventura, mas isso não é propriamente pesquisa; pesquisas são atividades com propósitos, são navegações orientadas por mapas do território que se quer investigar.

P

esquisar com a Internet supõe interesses prévios que justifiquem busca de informação. Ou seja, supões projetos de aprendizagem no quais professores e alunos levantem questões para as quais julguem que vale a pena iniciar um processo de investigação.

As observações até aqui registradas são muito genéricas para orientar trabalhos investigativos com utilização da Internet. É hora, portanto, de apontar alguns rumos que possam servir de referência na construção de uma política educacional que contemple práticas de pesquisa com a Internet. Convém considerar os seguintes rumos:

  1. 1.     Buscas Estruturadas.
  2. 2.     Transformação de Informações.
  3. 3.     Aprendizagem Cooperativa
  4. 4.     Articulação de Interesses.
  5. 5.     Utilização de Recursos Comunicativos.
  6. 6.     Desenvolvimento de Autoria Docente e Discente.

Cada um desses rumos é considerado a seguir.

  1. 1.     Buscas Estruturadas

Um dos problemas encontrados em usos da Internet em educação é o de navegações sem rumo, sem orientação, sem objetivos claramente estabelecidos. A criticada ordem “pesquisem X na Internet” tem como um de seus defeitos a carência de qualquer estrutura que possa orientar direcionamento da busca, seleção de conteúdos encontrados, julgamento da relevância dos conteúdos e avaliação das informações estudadas.

Direcionamento é uma das necessidades para que se evite o problema da falta de critério para lidar com os milhares e até milhões de páginas que os buscadores da Internet podem fornecer. Do ponto de vista técnico, isso significa contar com um número significativo de palavras e expressões que possam ser utilizadas para refinar buscas. Num levantamento de informações sobre “teoria da evolução, por exemplo, há que se contar previamente com termos tais como “Darwin”, “Galápagos”, “Beagle”, “tartarugas”, etc. Do ponto de vista do conteúdo é preciso realizar algum estudo prévio do assunto, mesmo que a partir de um texto sucinto ou da listagem de alguns conceitos relacionados com o tema geral da busca.

A seleção de conteúdos é atividade que pode ser guiada pelos conceitos-chave encontrados no estudo prévio. Ela pode se desenrolar por meio de identificação de tais conceitos nas páginas indicadas pelo buscador utilizado.

O julgamento de relevância pode ocorrer simultaneamente com a seleção de conteúdos. Para tanto é preciso que as pessoas que lêem as informações tenham estabelecido previamente algumas questões de interesse para o estudo em andamento.

Finalmente, a avaliação das informações estudadas é uma operação para decidir quais os conteúdos que irão merecer atenção na continuidade da pesquisa.

Os itens aqui apontados caracterizam busca com estrutura. Esse modo de operar buscas na Internet é bem diferente de desafios que não estabelecem previamente qualquer limite e condições para que o aluno “pesquise na Internet”.

Ás vezes há certo temor dos educadores com relação a buscas estruturadas. Alguns temem que os alunos não experimentem descobertas genuínas se houver alguma orientação prévia no processo de utilização da Internet para pesquisas escolares. É preciso notar aqui que construção do conhecimento depende de bons andaimes que possam dar aos alunos segurança em processos investigativos (Fisher, 2002). Nesse sentido, o professor tem um papel importante de indicar elementos que possam estabelecer estrutura prévia para a investigação.

A preparação de buscas estruturadas pode comportar diversas variações na interação professor/alunos:

  • Elaboração de quadros de orientação por parte do professor. Tal alternativa pode ocorrer em situações nas quais os alunos não tenham ainda maturidade cognitiva suficiente para estruturar buscas ou quando o nível de dificuldade da investigação for muito alto. Supõe-se no caso que o docente tenha ou identificado interesse dos alunos ou criado situações capazes de despertar interesse dos investigadores.
  • Apoio docente a iniciativas de investigação dos alunos. Tal alternativa pode ocorrer quando os alunos manifestam interesse por determinado assunto, mas, não tem referências suficientes para encontrar palavras-chave e estabelecer um quadro prévio de possíveis caminhos de busca. Nesse caso, o docente pode elaborar um quadro de apoio com base no que os alunos solicitarem.
  • Seleção de referências da Internet para estudos com fins específicos. Essa é mais uma alternativa que depende de elaboração por parte do docente. Ela pode ocorrer em situações nas quais se pretende realizar um levantamento bastante preciso de informações que poderão servir de base para futuros estudos e investigações. No caso, uma busca mais livre por parte dos alunos não se justifica, pois o que mais importa não é a seleção de conteúdos a partir de materiais existentes em páginas listadas por buscadores, mas o uso de referências cuja qualidade precisa de avaliação prévia por parte de um especialista.
  • Indicações de fontes capazes de criar oportunidade para que os alunos aprofundem determinados conteúdos ou encontrem rapidamente determinadas informações. Esta é alternativa na qual compete ao docente selecionar as fontes de informação mais relevantes. Tal prática é comum em soluções metodológicas em modelos como WebQuest, WebGincana, Caça ao Tesouro.

As indicações aqui feitas não esgotam as possibilidades de organização de planejamento pedagógico para assegurar que o uso da Internet em pesquisas escolares aconteça com base em buscas estruturadas. O que deve ficar bem estabelecido é o princípio de que buscas sem estrutura não produzem resultados consistentes de aprendizagem.

E

struturas são com andaimes, elas não são a obra, mas são indispensáveis para a construção de obra; essa metáfora do andaime é um modo muito claro de enunciar propósitos construtivistas que dão um lugar de destaque para a atuação do professor.

Cabe reparar que busca na Internet com finalidades de pesquisa não se confunde com buscas realizadas para fins de aprendizagem de uso de ferramentas. No primeiro caso, o que importa é selecionar e estudar conteúdos que podem ajudar o investigador a construir bases sólidas em processos de investigação. No segundo caso o que se visa é o domínio de processos de navegação pela Internet. No geral, o domínio dos processos de navegação tem como finalidade descobrir rapidamente itens de informação precisos. Essa é uma habilidade necessária para que se possam descobrir itens de uso imediato tais como endereço de um local público, espaço digital para realização de operações de compras, identificação de site que oferece determinado serviço público, etc. Tal tipo de atividade nem mesmo remotamente deve ser identificado como pesquisa. Trata-se de busca cujo objetivo é determinado por necessidade de circulação pelo ciberespaço para resolver questões do dia-a-dia.

  1. 2.     Transformação de Informações

Nas pesquisas escolares tradicionais, tanto as que utilizam como fonte materiais impressos como as que utilizam o vasto acervo da Internet, ocorre, com muita freqüência, simples reprodução – ou até mesmo cópia – de informações. Há uma reclamação generalizada de que muitas pesquisas acabam sendo apenas um exercício de “corte e cole”, com reproduções literais de textos publicados na rede mundial de computadores. Em parte isso ocorre quando a solicitação de pesquisa no âmbito escolar acontece sem que os alunos contem com qualquer estrutura que possa apoiá-los em seu trabalho. Mas a ausência de estrutura não é a única explicação para o caso.

Em atividades de pesquisa é preciso que os pesquisadores, ao final do processo, apresentem informações originais. A originalidade é assegurada quando há exigência de transformação de informações (Dodge, 1995). Cabe reparar que a transformação de informação é processo necessário na estruturação de novos conhecimentos (Holyoak e Thagar, 1995). Os autores citados mostram que novos conhecimentos se estruturam com base em conhecimentos prévios por meio de processos que incorporam novos saberes com a utilização de mecanismos cognitivos como os de analogia. O resultado final é sempre o de um salto cognitivo. Quando se incorpora um novo conhecimento o resultado será o de emergência de um esquema cognitivo capaz de incluir como instâncias o antigo e o novo conhecimento.

T

ransformar informação é atividade que mostra efetiva elaboração de novos saberes; ela é um crivo que deve ser utilizado continuamente para evitar meras reproduções de informações já existentes.

No caso específico de pesquisa com a Internet, a transformação de informações será assegurada se as tarefas de estudo exigirem que diversas fontes sejam recombinadas em novos arranjos informativos. Um dos modelos de uso da Internet em educação que propõe solução interessante para que haja transformação de informações é a WebQuest. No modelo criado pelo educador Bernie Dodge (Barato, 2010), os alunos sempre precisam estudar e reorganizar o conteúdo estudado em formas completamente originais para eles.

Transformar informação não é apenas providência para evitar o corte e cole. Transformar informação é providência necessária para que ocorra elaboração autêntica de saberes. Para isso não há uma fórmula pronta. O que é preciso no caso é a atividade de professores capazes de criar desafios ou de apoiar os alunos em processos de pesquisa nos quais as informações estudadas precisam ser combinadas ou recombinadas em arranjos completamente novos para os alunos.

  1. 3.     Aprendizagem Cooperativa

Projetos de pesquisa podem ocorrer como empreendimento individual, mas a regra cada vez mais freqüente é a de um trabalho colaborativo. Estudos realizados sobre o trabalho e outras atividades humanas mostram que a aprendizagem é um fenômeno social, não um ato isolado de indivíduos. (Lave e Wenger, 1991). Nesse sentido, aprender com é mais importante do que aprender o que.

Para que haja aprendizagem cooperativa são necessários alguns cuidados. Em situações de trabalho muitas tarefas demandam experiências e conhecimentos de diferentes especialistas. Estes cooperam entre si para que os resultados desejados sejam atingidos. O que acontece no caso é uma cooperação cognitiva, não um ato de simples boa vontade. Porém, nem sempre trabalhos realizados por um grupo demandam cooperação cognitiva.

No universo escolar, certos usos da Internet em supostas pesquisas resultam num aglomerado de textos copiados por diferentes atores. Não há no caso evidência de articulação de diferentes saberes na produção de algo novo para os participantes. No geral, esse criticado uso da rede mundial de computadores é feito sem qualquer planejamento e sem desafio que exija divisão de trabalho entre especialistas.

A existência de aprendizagem cooperativa nas escolas demanda método. Dificilmente as pesquisas escolares criarão um ambiente de cooperação cognitiva espontaneamente. Por isso, é necessário apoio do professor. Este, dado um interesse de pesquisa, poderá estabelecer quais são os diferentes olhares a serem considerados numa investigação.

A

prendemos com os outros; o aprender é sempre um encontro de saberes ou a busca colaborativa de solução de um problema cuja solução é de interesse de um coletivo; esse modo de encarar o saber é cada vez mais utilizado no mundo da pesquisa científica.

Convém ilustrar o princípio de aprendizagem cooperativa com um exemplo. Suponhamos que o tema de uma investigação seja o de preservação das abelhas nativas numa região. Suponhamos ainda que os alunos, com apoio do professor, queiram sugerir com base em pesquisa providências que a sociedade deve tomar para que as abelhas nativas não desapareçam. O assunto precisa ser estudado a partir de diferentes olhares: econômico, para determinar quais são os benefícios que os insetos estudados – assim como as abelhas de outros continentes introduzidas em nosso país – podem trazer em termos de produção, trabalho, geração de renda etc.; biológico, compreendendo o estudo de como vivem e se reproduzem as abelhas nativas, assim como o estudo de suas relações com a flora e meio ambiente; educacional e cultural, compreendendo temas relacionados com hábitos e costumes da população em sua relação com os insetos estudados; produtivo, compreendendo métodos e procedimentos para fazer com que colméias de diferentes espécies de abelhas nativas possam ser manejadas para produzir mel e derivados que tenham valor econômico relevante.

A determinação clara de quais são os possíveis diferentes olhares numa investigação exige apoio de alguém experiente em empreendimentos relacionados com o saber. Esse alguém experiente no âmbito escolar deve ser o professor. Nem sempre este saberá com segurança como apontar as diversas áreas de especialização que devam ser consideradas em determinado estudo. Mas, quando necessário, ele certamente poderá mediar contato dos alunos com especialistas, uma vez que domina metodologia necessária para estruturar investigações.

Uma vez identificadas áreas de especialização, será preciso que os alunos escolham o que irão estudar ou individualmente ou em subgrupos. Essa escolha será facilitada se eles dispuserem de referências sobre o que faz cada especialista identificado no processo de determinar quais são os olhares que devem ser considerados numa boa pesquisa sobre o assunto. Mais uma vez o apoio do docente será importante para que a organização da investigação favoreça aprendizagem cooperativa.

A

identificação dos diferentes olhares que podem estruturar uma investigação de grupos que cooperem cognitivamente é tarefa importante dos professores; estes, agindo como especialistas em conhecimento poderão criar ambientes que facilitem o entendimento de que papéis investigativos os alunos deverão desempenhar numa pesquisa.

A dinâmica de aprendizagem cooperativa não cessa na escolha de áreas de especialização para o estudo. Ela demanda também processos de articulação de saberes. Ou seja, ela exige que os alunos, no papel dos especialistas que escolheram e após estudo do respectivo assunto, articulem os diferentes saberes em soluções para o problema em foco. Em linguagem simples: é preciso que os alunos aprendam uns com os outros ao confrontarem diferentes saberes.

Essas indicações sobre aprendizagem cooperativa destacam dois aspectos: reprodução na escola de condições assemelhadas às observadas em atividades produtivas na sociedade, e importante mediação do docente para que tais condições sejam efetivadas.

  1. 4.     Articulação de Interesses

A articulação de interesses é uma variação específica na criação de condições para a ocorrência de aprendizagens cooperativas. Se desafiados a pesquisar, os alunos podem sugerir diversos temas e problemas que merecem investigação. Mas, essas sugestões não devem ser encaminhadas como atividades individuais. A alternativa de partir de assuntos sugeridos pelos alunos precisa integrar mecanismos que favoreçam negociações coletivas para selecionar temas que serão responsabilidade de um grupo de pesquisadores.

A partir das decisões coletivas dos alunos, os cuidados para a realização de trabalho de pesquisa que contemple aprendizagem cooperativa deverão ser os mesmos indicados no item anterior.

  1. 5.     Utilização de Recursos Comunicativos

A Internet, como já se disse, não é apenas um imenso armazém de informações. Ela é também um ambiente de comunicação. Nesse sentido, projetos de pesquisa com a Internet podem ser muito enriquecidos com o uso de uma ou mais ferramenta de comunicação presente na rede mundial de computadores.

A palavra comunicação significa colocar em comum. Mais que isso: ela significa compartilhar informações, conhecimentos saberes. Mas a comunicação não se dá apenas em trocas de saberes já sedimentados. Ela pode ser um processo de trocas para conversar sobre dúvidas, para compartilhar modos de ver um problema, para reunir grupos de interesse.

Muitas são as ferramentas de comunicação; blogs, Twitter, Skype, Slideshare, e-mail, etc. Muitas são também as possibilidades de usá-las em empreendimentos de pesquisa. Em pesquisa recente, por exemplo, Lilia Efimova (2009) utilizou um blog com meio para discutir seus achados e para registrar respostas de sujeitos de sua investigação. Assim, essa pesquisadora russa radicada na Holanda, pode compartilhar seus estudos de doutorado não apenas com colegas da academia, mas também com uma ampla comunidade de pessoas que poderiam aprender com ela ou colaborar com sua aprendizagem. Esse uso criativo de um diário eletrônico certamente enriqueceu as descobertas da Dra. Efimova.

Muitos outros pesquisadores estão utilizando ferramentas de comunicação em direções parecidas com a exemplificada pelo caso de Lilia Efimova. Para tanto é preciso apenas conhecimento e escolha de um ou mais recursos comunicativos existentes na rede mundial de computadores. A dinâmica da comunicação dependerá de imaginação, clareza na apresentação de propostas de conversa.

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esquisa é uma atividade que se enriquece na medida em que os pesquisadores conseguem dialogar com mais interessados que um grupo local; nesse sentido a Internet é o ambiente ideal para compartilhar interesses, receber colaborações, refinar idéias a partir de comentários de muitos freqüentadores do ciberespaço; além de facilitar pesquisas e torná-las mais ricas, a troca de idéias e experiências no ciberespaço tem implicações muito importantes no plano educacional.

O uso de recursos comunicativos em pesquisas escolares pode seguir caminhos semelhantes aos que os pesquisadores profissionais já vêm utilizando. Entre outras possibilidades, os alunos-pesquisadores podem:

  • Realizar chat contando com um ou mais especialistas, para conversas sobre o tema investigado. Como nas demais alternativas de uso das ferramentas comunicativas da Internet, tais conversas podem ocorrer em qualquer fase do processo de pesquisa.
  • Construir um blog que registre os avanços da investigação realizada pelo grupo. Num blog como esse, os autores precisarão conquistar espaço na blogosfera para formar comunidade de interesse capaz de contribuir com o estudo em realização.
  • Propor, por prazo determinado, blogagem coletiva sobre um dos aspectos sob investigação. Mais uma vez é preciso observar que a medida requer número significativo de blogueiros amigos para caracterizar uma comunidade de interesse.
  • Inaugurar e manter uma lista para discussões sobre temas estudados; e recolher contribuições de pessoas que queiram encaminhar idéias, materiais ou sugerir caminhos para a investigação.
  • Elaborar página colaborativa (ou uso de página já existentes) na qual correspondentes de diversas partes do país ou do mundo possam registrar observações feitas in loco ou recolher informações locais que possam contribuir para a formação de um acervo de dados útil para a pesquisa em andamento. (Nos anos de 1990, alunos de uma escola pública americana fizeram uma investigação sobre clima que contava com correspondentes em diversas partes do país, esses correspondentes realizavam observações locais num mesmo horário que os demais correspondentes para alimentar um conjunto de dados em página criada pelos alunos-pesquisadores (Kay, 1996).
  • Encaminhar pedidos de informação via e-mail para especialistas ou cientistas que se dispuserem previamente a participar de pesquisas realizadas por alunos da escola.

Essa pequena lista não tem por objetivo sugerir um quadro de prescrições metodológicas para uso de alunos e professores envolvidos com pesquisas escolares. Ela foi apresentada apenas para ilustrar o que pode ser feito. Professores e alunos poderão avançar muito mais. Para criar tais oportunidades de comunicação basta buscar a concretização de eventos capazes de efetivar o compartilhamento de informações, idéias, problemas, perguntas, dados etc. Nesse caminho, as possibilidades, entre outras, envolvem:

  • Contatos com pesquisadores e especialistas que se disponham a colaborar com pesquisas realizadas na escola.
  •  Projetos de observação que envolvam duas ou mais escolas de uma rede de ensino ou grupos de escolas que queiram participar de projetos de intercâmbio.
  • Formação de comunidades de interesse por meio de propostas em redes sociais da Internet. Neste caso, as comunidades serão constituídas por pessoas que aceitem espontaneamente a proposta da mesma forma que o fazem em eventos comuns e usuais no ciberespaço. Essa possibilidade está muito sintonizada com o espírito original da Internet.
  • Adesão a projetos de intercâmbio já existentes. Para tanto será preciso que o grupo de alunos-pesquisadores e o professor realizem levantamentos para verificar que projetos de intercâmbio já estão instalados no ciberespaço por meio de twitters, blogs, listas de discussão, fóruns, etc.
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m redes de ensino a idéia de cooperação pode ser expandida e facilitada em projetos investigativos que incluam grupos de escolas; possíveis projetos de pesquisa que exijam observações locais para entender ocorrências numa região são uma escolha óbvia; o que se exige no caso é organização e engajamento de um grupo de professores que possa apoiar o trabalho dos alunos; estudos sobre clima, estudos sobre tendências econômicas, estudos sobre uma bacia fluvial, entre outros, são candidatos naturais para pesquisas que exigirão articulação de saberes; a Internet no caso pode facilitar a realização de todas as tarefas cooperativas e a troca de informação entre os diversos grupos investigadores.

As indicações aqui reunidas estão longe de esgotar possibilidades. Elas apenas sinalizam caminhos. O que mais importa no caso é uma decisão inicial do grupo de alunos-pesquisadores e do professor quanto à utilização de recursos comunicativos da Internet. Desde o começo deve ficar claro que os pesquisadores não se contentarão com simples busca de informações publicadas na rede mundial de computadores. Desde o início deverá ficar patente que os envolvidos na pesquisa pretendem utilizar a Internet como um território onde é possível construir ambientes que favorecem o compartilhamento de saberes.

  1. 6.     Desenvolvimento de Autoria Docente e Discente

Um requisito indispensável de pesquisas autênticas é o de que os pesquisadores busquem elaborar saberes originais. A originalidade não precisa ser absoluta. Mas os saberes resultantes devem ser originais para os participantes. Ou seja, os alunos-pesquisadores e o professor precisam sentir que o conhecimento construído é completamente novo para eles. Essa orientação é sempre necessária se quisermos dar o nome de pesquisa a qualquer atividade de estudo e investigação. Se observada, ela elimina do horizonte a tão criticada solução do corte e cole.

A autoria não surgirá automaticamente. É preciso estabelecer condições para que o trabalho final não seja uma colagem de diversos textos e recursos existentes na Internet. Essas condições nada têm a ver com o meio utilizado. Elas têm a ver com a capacidade de formular questões e de propor investigação de problemas interessantes. Se isso for atendido haverá descobertas originais para os participantes. E autoria decorre de originalidade.

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esquisa é atividade que pode engajar pessoas na busca de obras bem feitas; a idéia de obras bem feitas, um valor sempre presente em comunidades de artesãos em corporações de trabalhadores manuais, é uma diretriz que pode enriquecer a educação do ponto de vista axiológico (Rose, 2009).

Para este princípio importa muito a decisão de evitar qualquer trabalho cujo resultado seja mera reprodução de informações já existentes. Não há aqui possibilidade de elaborar um quadro prescritivo, nem o de relacionar uma lista de exemplos que possam funcionar como indicadores de rumos a seguir. O desenvolvimento de autoria docente e discente é muito mais um princípio cuja realização deverá ser pensada caso a caso.

Os rumos até aqui comentados constituem um quadro geral de orientação para que as pesquisas escolares não se convertam em procedimentos meramente formais (burocráticos e livrescos), mas sejam investigações autênticas. Dificilmente será possível atender a todas as seis orientações numa pesquisa escolar concreta. Por outro lado, os rumos assinalados deverão atuar sempre como crivos para que não se perca o espírito de pesquisa.

Há um aspecto que ainda não mereceu a devida ênfase em termos de orientação para a realização de pesquisas com a Internet. Dado o entendimento tradicional de que as fontes de informação são quase sempre textuais, é preciso lembrar que na Internet o texto tradicional embora ainda predomine perderá terreno. Diversos arranjos de sons e imagens crescem continuamente na rede mundial de computadores. Assim, em momentos de decidir que fontes utilizar na pesquisa, será sempre necessário incluir fontes não textuais no plano de investigação. Além disso, em alguns casos, vídeos e gravações sonoras podem ser registros autênticos de descobertas ou de eventos históricos.

Produção de informação na forma de som, imagem e movimento pode também orientar a questão do como apresentar o relato de uma investigação. Como os recursos de computação facilitam cada vez mais a possibilidade de produção de vídeos, gravações sonoras e tratamento de imagens, resultados de pesquisas poderão ser muitas vezes pensados como produções não textuais, ou como produções que combinem texto, imagem, movimento e som.

Há mais uma nota de caráter genérico a ser feita: para a realização de pesquisas com a Internet é preciso contar com professores preparados. Além de preparo no campo do saber específico de sua especialidade e da preparação pedagógica, é preciso que os docentes tenham conhecimentos básicos de manejo da Internet e das possibilidades investigativas presentes na rede mundial de computadores.

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ara atuarem com mediadores de atividades de pesquisas escolares com a Internet será preciso que os professores adquiram cibercidadania; nesse sentido eles precisarão atuar ativamente no ambiente Internet; atuação na Internet é condição necessária para que docentes possam sugerir rumos, avaliar fontes de informação e realizar outras atividades que os qualifiquem como pesquisadores na Sociedade da Informação.

Quando se fala em professores competentes no caso, sempre se pensa em eventos de capacitação. Esse é um caminho tradicional, às vezes necessário, mas não suficiente. Para orientar usos da Internet em processos de investigação no âmbito escolar, os docentes precisam também ser pesquisadores que utilizam ferramentas de tal ambiente em seu trabalho. Ou seja, precisam pesquisar com a Internet. Do ponto de vista ideal, docentes que dão apoio a pesquisas dos alunos com a Internet deveriam ser autores de conteúdos veiculados pela rede mundial de computadores. Essa condição lhes dá mais segurança para poder apoiar seus alunos.

A autoria docente na Internet não precisa necessariamente algo sofisticado. O importante é participação do professor no ambiente de intercâmbio de saberes que é a rede internacional de computadores. Coisas simples com a edição de um blog, a criação de página em algum espaço das redes sociais de comunicação, a manutenção de uma página Web, a criação de uma página Wiki, ou qualquer outra forma de presença efetiva na Internet basta para que o docente seja um autor. Dificilmente professores que não utilizam a Internet ativamente poderão dar apoio adequado a seus alunos.

Não é necessário que o docente domine tecnologias sofisticadas. O que ele precisa é experimentar usos da Internet para obter informações, realizar estudos, intercambiar informações com seus pares, acompanhar fontes de informação em sua área de especialização, criar peças de informação para ingressar em certas comunidades de interesse, etc. Uma ou mais de tais atividades é condição para que ele possa experimentar o ambiente e avaliar possibilidades de uso em pesquisas.

Alguns modelos de estrutura para organizar buscas na Internet são referências muito uteis para que professores se tornem autores no ambiente Internet. Dois desses modelos estão bem desenvolvidos: WebQuest e WebGincana. Sem prejuízo de outros modos de apoio à autoria, ambos os modelos podem ser opções interessantes em redes escolares. WebGincanas WebQuests bem estruturadas podem constituir um acervo com o qual professores de uma rede possam contar para propor para seus alunos investigações que atendem a princípios de estrutura, aprendizagem cooperativa, transformação de informação, intercâmbio de saberes etc.

Não é objeto deste documento a descrição detalhada dos modelos citados. Estudo e desenvolvimento de tais modelos poderão ocorrer caso a rede opte pelos dois ou por um deles com facilitador de autoria docente no desenvolvimento de roteiros para pesquisas com a Internet.

As sugestões aqui reunidas são um ponto de partida, não de chegada. Pesquisas com Internet nas escolas acontecerão na medida em que houver engajamento de educadores e de alunos em processos investigativos que os encantem e que resultem em ganhos significativos em termos do desenvolvimento de novos saberes.

 

 

 

 

 

 

 

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7 Respostas to “055. Educação, Pesquisa e Internet”

  1. Victor Says:

    Interessante esse texto que discorre sobre a pesquisa acadêmica, a qual deve ser compreendida como uma paixão que desperta interesse de alunos para construir conhecimentos.

  2. Elaine Hillesheim Bisewski Says:

    Obrigada por compartilhar esse texto maravilhoso!

  3. Maria Antônia Eloy dos Santos Says:

    É um texto bem objetivo e claro sobre o que é fazer uma pesquisa acadêmica. Gostei muito da leitura.

  4. luciana vettorazzo cappelli Says:

    Leitura essencial para entender finalmente o que é pesquisa escolar.Parabéns!

  5. Alfredo Eduardo Berndt Says:

    Dou discente em pós-graduação em docência superior e lendo este trabalho, na página 4/34 o Senhor escreveu:( Não considerar a internet como um recurso auxiliar de ensino; fora da escola ela é ambiente de informação que tende a ser hegemônico; usá-la complementarmente na escola é um engano). Com esta frase ao meu ver, cai por terra tudo que escreveu sobre informática, ou a frase foi escrita ou transcrita erroneamente, ou o Senhor não deveria publicar este tipo de trabalho ou descartá-lo na época atual 21/11/2016, pois alem disso, a sua publicação esta muito defasada, principalmente olhando o aumento considerável das EAD, alem de conter parágrafos similares em seu sentido com os demais, tornando-se repetitivo e cansativo. Alfredo Eduardo Berndt – site: http://www.livros-noticiasberndt.com.br (lá consta meu endereço residencia, telefone para contato, e-mail etc).

    • jarbas Says:

      Caro Alfredo, a escritora Susan Sontag disse certo dia que sempre se surpreendia com as interpretações sobre os livros que escrevia. Estou muito longe do brilho e competência dela, mas fiquei surpreso com sua interpretação. Mas este é o risco que corremos ao publicar. Preocupa-me um pouco seu conselho de que eu não deveria publicar o que publiquei. Isso tem cara de patrulhamento de ideias. Não concordo com o que você diz, nem com seu entendimento de que uso internet em educação se confunde com EAD. Asseguro, porém, que lhe assiste todo o direito de externar sua opinião, mesmo que equivocada. Como você contribuiu com uma avaliação sobre meu texto (muito repetitivo…), vou revê-lo com cuidado. E ouso fazer uma avaliação do seu escrito: ele é confuso e nem sempre gramaticalmente correto.

  6. Alfredo Eduardo Berndt Says:

    Caro Sr. Jarbas, sinceramente não escrevi com o intuito de trocar farpas, o problema é que sou muito duro nas minhas criticas. Quanto ao meu português, na maioria do que escrevi, transcrevi do seu próprio texto. Quanto a usar computador na escola, como você proporcionaria material didático para ensinar aos alunos matriculados em bacharelado de informática, um lápis? Meu filho estudou e se formou nessa área e na faculdade tinha um laboratório de informática, cuja decisão foi tomada pela maioria dos professores e dos diretores e o próprio governo esta insistindo nisso. Parabéns ao Senhor, esta muito atualizado para o século XXI, pois todos estão errados e somente o Senhor é correto baseado em informações ultrapassadas conforme seu texto embasado em autores de 1991 a 2010..

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