
Hoje, um pio de meu amigo @berniedodge no Twitter informa que The Oregon Trail completa quarenta anos em 2011. A história dessa simulação clássica ilustra a associação entre tecnologia educacional e computadores desde uma época em que a máquina se comunicava conosco por meio de formulários cuja impressão acontecia em monstrengos barulhentos. Vale a pena conhecer um pouco da história de The Oregon Trail e de seus impactos nas escolas públicas do EUA e do Canadá.
The Oregon Trail é o nome de uma trilha percorrida por pioneiros que partiam do Leste americano para o velho Oeste em busca de terra e vida nova. A aventura de percorrer mais de 3.200 kilometros, atravessando terras inóspitas, desertos, montanhas e rios perigosos acabou gerando um clássico de literatura juvenil nos Estados Unidos. O historiador Francis Parkman Jr. escreveu, na metadade do século XIX, a descrição de sua aventura pessoal pela trilha dos pioneiros que saíam do Leste para o território do Oregon. O livro, The Oregon Trail, converteu estudos históricos numa aventura que conquistava os leitores. Até hoje a obra de Parkman Jr é lida com entusiasmo e admiração.
No começo da minha adolescência li um livro de história cujas características guardam semelhança com The Oregon Trail: Os Irmãos Leme, do escritor Paulo Setúbal. Assim como Parkman, Setúbal narra uma história verídica num ritmo de romance. Esse modo de escrever fascina os jovens e os leva a se interessar por História.
Faço aqui uma referência literária porque tenho certeza de que os criadores do programa da simulação que vai completar quarenta anos em 2011 conheciam a obra de Francis Parkman Jr. E, de lambuja, me lembrei de dar algum destaque para Os Irmãos Leme, livro que a garotada da sétima série deveria ler nos dias de hoje. Falar nisso, o livro de Paulo Setúbal está disponível para cópia livre na Internet.
Mas vamos ao assunto do título: simulações em educação. Por muitas razões que não convém listar agora, as simulaçoes perderam terreno em usos dos computadores para fins educacionais. Mas, continuam a ser a solução que melhor pode aproveitar as virtudes da máquina para criar ambientes formidáveis de aprendizagem. The Oregon Trail, o programa cuja criação completa quatro décadas é um exemplo clássico nessa direção.
A coisa toda começa com um jovem professor, Don Rawitsch, que queria encontrar formas de consquistar interesse de seus alunos para o estudo da História. Na república em que morava, numa tarde, Don desenhou numa longa tira de papel a trilha percorrida pelos pioneiros de Independence, no Missouri, a Willamette Valley, no Oregon. Depois disso, ele dividiu todo o território da trilha em pequenos quadrados. Em cada quadrado, anotou coisas tais como: picada de cobra, roda quebrada, etc. Aparentemente, Don estava desenhando um ambiente que poderia ser convertido num jogo de tabuleiro.
No final do dia, chegaram à república, os colegas de Don, Bill Heinemann e Paul Dillenberger, dois outros jovens professores. O trio começou a discutir o desenho e a imaginar que jogo poderia ser desenvolvido. Um deles perguntou: a gente pode fazer isso no computador? E resposta foi sim. E da resposta, o trio partiu para o desenho e codificação do programa.
O trabalho dos três jovens professores precisa ser bem entendido no tempo. Em 1971, o uso de computadores se dava por meio da rodagem de um programa e pela emissão de listagens impressas. Nada de telas, de som, de imagens. Por isso, a primeira versão de The Oregon Trail era um programa que ia produzindo folhas de texto com resultados do andamento do jogo.
Antes de continuar com a história do desenvolvimento da famosa simulação em foco, preciso registrar aqui algumas características de The Oregon Trail. Em linhas gerais, a simulação é um jogo de decisão. No ponto de partida, Independence, um grupo de pioneiros faz uma série de escolhas antes de iniciar a viagem: decide como aplicar certa quantidade de dinheiro para aquisição de meios de transporte, munição, remédio, alimentos. Decide também qual a profissão do líder do grupo. Essas decisões precisam ser bem pensadas. Um carroção muito pesado, por exemplo, tornará a viagem muito lenta. O grupo de pioneiros, já na partida, deverá fazer escolhas estratégicas. Além disso, será preciso observar clima e condições meteorológicas, tipos de territórios a serem percorridos, saúde dos membros do grupo.
Em The Oregon Trail, os participantes precisam estar atentos para as variáveis em jogo. Precisarão ainda ter consciência de que variáveis podem manipular e de que variáveis entrarão na história por obra do acaso.
No caminho, as coisas vão acontecendo de acordo com as decisões tomadas e de acordo com as probabilidades de ocorrênciados de fenômenos naturais (chuva, doenças, neve, seca, acidentes com os carroções e animais de tiro). E a cada ocorrência será preciso tomar novas decisões (sair para uma caçada, acampar, utilizar balsa para atravessar um rio, etc.).
Volto à história. Don utilizou o programa com seus alunos. O trabalho não foi fácil. Na sala de aula, um único terminal com impressora estava conectado ao computador central (um mainframe). Cada equipe de “pioneiros”, um grupo formado por três alunos, podia utilizar o computador, de meia em meia hora. Na falta de imagens, os alunos desenhavam num mapa toda a trilha e anotavam onde estavam no percurso de acordo com os relatórios que o computador ia emitindo. Apesar das condições precárias, o entusiasmo dos alunos foi imenso. Todos chegavam bem antes do horário escolar. Todos saiam muito depois do último sinal.
No final de 1971, Don apagou o programa no computador central e conservou apenas uma listagem com os códigos de primeira versão de The Oregon Trail. A experiência foi para a gaveta até 1974, ano em que a Secretaria de Educação de Minneapolis criou um projeto para incrementar o uso de computadores nas escolas públicas. Don Rawitsch acabou ingressando no citado programa, dadas as suas habilidades de programador. Um dia ele se lembrou da simulação que havia engavetado. Resolveu reavivar The Oregon Trail. O programa foi aperfeiçoado e colocado numa rede que facilitava acesso de todas as escolas públicas do estado do Missouri. O ambiente continuava muito parecido com o de 1971. Nas escolas havia apenas um terminal com impressora. Cada terminal estava conectado com o mainframe, e os alunos faziam um uso compartilhado do programa, com intervalos de tempo para cada grupo envolvido com a “viagem para o Oregon”. No final da década (1978) The Oregon Trail migrou para uma máquina revolucionária, o Apple IIe (conheci tal versão no meu mestrado de tecnologia educacional na SDSU em 1982). A partir de então, a simulação passou a rodar em computadores pessoais. Novas versões foram aperfeiçoando o original. Por razões empresariais, o software acabou perdendo impulso na metade dos anos de 1990. Mas, até hoje, ele ainda é usado em escolas americanas e, recentemente, apareceu uma versão do jogo para celulares (uma versão com menos méritos educacionais e com mais características de jogo para diversão).
Em seus quarenta anos de vida, The Oregon Trail chegou à incrível marca de 65 milhões de exemplares vendidos ou distribuídos mundo afora. Ele é, de longe, o software de simulação educacional mais utilizado no mundo. Recentemente dei uma olhada em meu exemplar de The Oregon Trail. É uma versão para DOS, criada no início dos anos de 1990, que, infelizmente, não roda em computadores de hoje.
Interessados poderão ver uma bela história da saga de criação e desenvolvimento de The Oregon Trail num artigo recente de Jessica Lussenhop. Para tanto, basta clicar no destaque que segue abaixo: