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Professor desempregado

abril 30, 2012

Mike Rose escreveu recentemente crônica sobre a vida de um professor que não consegue encontrar trabalho. A história reflete situações criadas pela crise econômica nos EUA. É  bem diferente do que experimentamos aqui durante e depois da crise. Mas, a crônica do Mike narra uma história de professor que pode iluminar certos caminhos em nossa terra. Por isso, traduzi e adpatei o texto do professor da UCLA, autor de O Saber No Trabalho, livro que tive o privilégio de prefaciar em sua versão brasileira.

Aqui vai a crônica do Mike:

Neste post, conto uma história sobre ocorrência do cotidiano – rotina, lugar comum – que resulta em surpresa, sai do script e revela complexas camadas da vida de outra pessoa.   

Entrei em contato com um call-center para enviar a uma amiga uma cesta de presentes, e estava dando ao atendente meu email, quando ele fez uma pausa e repetiu: “UCLA?”. Posso lhe fazer uma pergunta? Você é professor lá? Eu disse que sim. Ele então me perguntou de que departamento eu era. Quando lhe falei que atuava no departamento de educação, o atendente me disse que era professor, e começou a contar sua história.

Converso pouco quando faço pedidos via telefone. Além da encomenda, falo um pouco sobre o tempo, a economia ou os atrativos do que estou pedindo. Tudo muito rápido, uns trinta segundos de prosa. Nunca havia entrado num papo pessoal como o iniciado pelo atendente que falou por cerca de dez minutos. Eu murmurava algo de vez em quando, mas ele falou quase que o tempo todo. O homem era afirmativo, porém, sem exageros. Tinha uma história para contar e a contou numa mistura de frustração e convicção.

Ele chegou à docência tardiamente em sua vida de trabalho. Foi controlador de tráfego aéreo. “Mas”, ele me disse, “você sabe o que aconteceu com a gente” – numa referência à demissão de 11.000 controladores por Ronald Reagan quando a categoria se recusou a cessar uma greve, num dos primeiros ataques aos sindicatos durante a ascensão da direita nos Estados Unidos.

Depois de perder o emprego de controlador,  foi um homem de negócios por alguns anos – não me disse qual o tipo de negócio em que esteve envolvido – mas, me contou, sempre quis ensinar. Por isso, seus amigos e mulher incentivaram-no a buscar formação acadêmica no campo da educação. Ele voltou à universidade e fez um curso de formação de professores especializados em educação de crianças com talentos especiais. Conseguiu trabalho na área e gostava do que fazia. Isso durou dois anos.  Mas, com a chegada da crise, seu estado começou a cortar o orçamento da educação para equilibrar as contas. Ele concordava com orçamentos equilibrados. “Como homem de negócios, eu compreendo isso”, ele me disse. Mas, por causa da crise, meu interlocutor e muitos outros –  professores de arte e música, por exemplo – perderam o emprego. O professor desempregado me disse que o projeto para crianças talentosas não é como educação especial.  Pais de crianças em projetos de educação especial fizeram um grande barulho quando souberam da demissão de professores de seus filhos.

Durante um longo tempo, ele não conseguiu trabalho como professor. “Quando viam cabelos brancos e rugas, optavam por candidatos mais jovens”. Falou-me um pouco sobre seu desapontamento, e como ele tinha muita experiência, muito conhecimento para compartilhar, como a profissão de professor significava tanto para ele , e como seus familiares e amigos apoiaram sua mudança da área de negócios para a área de educação.  Sua mulher então sugeriu que ele fizesse uma especialização na area de gestão para aumentar suas chances de conseguir trabalho. Ele fez isso. Eventualmente foi entrevistado para um trabalho de supervisão, a coordenação de projetos de educação de crianças talentosas num pequeno distrito educacional. No final da conversa, o superintendente lhe disse que ele foi bem em tudo, mas o distrito não dispunha de verba para pagar seu salário.

Sua vida ficou difícil; com dois empregos – ele não me disse qual era o outro emprego – ainda continua esperançoso de que tem alguma chance de voltar ao magistério, embora saiba que a situação não joga a seu favor. ”É o que eu sonho fazer”.  

Não fiquei sabendo claramente quais os motivos que levaram aquele atendente a ter tantas dificuldades para conseguir novo emprego em educação, mas acho que ele merece o benefício da dúvida e sou levado a pensar que a narrativa sobre sua história de trabalho corresponde à verdade dos fatos. Há muitos americanos como ele, com educação superior e grande experiência de trabalho, atualmente desempregados ou subempregados. E sua história, como as histórias de muitos outros em situações parecidas, revelam como realidade econômica de agora é contraditória e complicada.  

Pra começo de conversa, ouvimos continuamente que a passagem para a prosperidade é a educação; “é preciso nos educar para uma economia melhor”. Tudo isso é proclamado aos quatro ventos, embora um grande número de pessoas com educação superior não esteja prosperando.  O problema não é a educação, mas a falta de ou o corte de empregos.  E uma enorme perda de postos de trabalho aconteceu em estados que fizeram grandes cortes orçamentários. Em alguns casos, houve certo incentivo para que as pessoas buscassem trabalho na área de educação, como aconteceu com meu interlocutor, apesar de existir nas políticas de reforma educacional uma valorização – não explícita – da juventude sobre a experiência.  

Há cortes na educação em todos os estados. Determinadas disciplinas são atingidas de maneira desproporcional – e isso aconteceu no caso do meu interlocutor, vítima de uma tensão entre educação de crianças talentosas e educação especial.     

Há uma ironia comum que estamos vendo em nossa cultura política quando as pessoas apoiam certas medidas sociais e econômicas – como no caso de cortes orçamentários – que as prejudica diretamente. Fiquei tão impressionado com a urgência do homem em contar sua história que não tive a presença de espírito de lhe perguntar sobre o modo como o presidente Reagan tratou a greve dos controladores de voos,  e como as medidas de austeridades lhe custaram a perda de seu trabalho de professor.  

Desejo tudo de bom para o professor desempregado que me contou sua história. Ele investiu muito tempo e dinheiro para redirecionar sua vida de trabalhador, seguindo não só seu desejo, mas também o chamado de não educadores do governo e dos grupos reformistas para mudar de carreira e se dedicar à educação. O país faz este chamado, mas a atual situação econômica e política não oferece muita ajuda para honrá-lo.  

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Livro e mediação do saber

abril 29, 2012

Minha resenha sobre livro de Do Paulo Evaristo Arns, A Técnica Do Livro Segundo São Jerônimo, já está na rede. Em considerações sobre a obra de Arns, procuro estabelecer pontes entre o objeto livro e modernos objetos de comunicação. Há muito que aprender sobre isso na leitura da tese do nosso cardeal.

O estudo de Dom Evaristo, concluído em 1952, é muito atual. Ele aborda o assunto de modo inovador,  e suas análises estão sendo retomadas agora pelos historidores. Eu já havia feito comentário sobre isso aqui no Boteco depois de divulgar uma resenha, aparecida no New York Review of Books, sobre duas obras importantes que analisam o trabalho dos livreiros cristãos de Cesarea e de Belém, reinventores do formato de livro que utilizamos até hoje. (cf. Livro: uma revolução tecnológica).

Segue link para quem quiser ler a resenha do livro de Dom Paulo: resenha.

Cotas em universidades públicas

abril 26, 2012

Há negros no Brasil? Argumentos de advogados do DEM no STF contra cotas nas universidades públicas parecem indicar que não. Negros são discriminados? Argumentos de advogados do DEM parecem indicar que não.

Sei que somos todos africanos, pois nossos avós de todos os outros continentes descendem de imigrantes que foram deixando a África em levas sucessivas desde uns 100 mil anos atrás. Mas, há  gentes que são mais africanas outras. Não vou entrar em detalhes históricos e genéticos da questão. Vou apenas oferecer uma observação do cotidiano para contribuir com conversas sobre o assunto.

Ontem fiquei vinte minutos aguardando ônibus em ponto da Avenida Francisco Matarazzo. Reparei nas pessoas que desciam de veículos que vinham de diversas regiões da Lapa e vizinhanças. Oitenta por cento dos passageiros eram marrons, como eu. Uns dez por cento tinham pele bem escura. Outros dez por cento tinham pele clara.

Hoje passei pelo Colégio Rio Branco da Avenida Higienópolis às 12:30 horas. Centenas de alunos estavam saindo da escola. Noventa e cinco por cento deles tinham pele clara [brancos,  sem sombra de dúvida]. Dos cinco por cento  restantes, a maioria era de asiáticos. Marrons comuns e negros eram raríssimos.

Essas duas observações colhidas ao acaso nas ruas de São Paulo não dizem nada? Por que será que gente de pele marrom e mais escura é maioria em quase todas as linhas (a exceção fica por conta do metro da Paulista) de transporte público? Por que negros e marrons não frequentam escolas da elite? Sem o mecanismo das cotas, os negros tem as mesmas chances imediatas de ingresso na USP que os meninos brancos educados em escolas como o Rio Branco?

Cursos técnicos X bobagens acadêmicas

abril 24, 2012

Dias atrás, dois amigos me contaram as bobagens que certos acadêmicos andam fazendo com o ensino técnico no Brasil. A bobagem maior é a de oferecer muita teoria, esvaziando o conteúdo técnico dos cursos. Eu precisaria de mais informações para analisar com cuidado o que está acontecendo. Mas, acho que texto sobre o assunto, escrito em Portugal, no blog De Rerum Natura, oferece um bom quadro daquilo que meus amigos me contaram. A matéria é escrita pelo educador Rui Baptista e achei por bem reproduzí-la aqui:

Numa altura em que Nuno Crato detém a pasta da Educação demonstrando não embarcar em facilidades e demagogias, ontem, em noite chuvosa de Abril (que cumpria o adágio “em Abril águas mil”), dei comigo a reler uma crónica de jornal intitulada “Sobre o que não fala a ministra nem ninguém” (Público, 17/08/2006).
 
Nessa crónica do então deputado do PSD Paulo Rangel (actual eurodeputado desse partido político) era feita uma crítica à extinção das escolas técnicas e liceus que viriam a dar lugar a escolas básicas e do ensino secundário. O respectivo conteúdo sintetiza-se em poucas linhas que se transcrevem:   “O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem”.


Porque o título dessa crónica dizia que o assunto não tinha merecido atenção pública, corri a consultar uma pasta com artigos de jornais da minha autoria. E nela encontrei, para descanso da minha consciência de cidadania, um artigo da minha autoria  publicado no Diário de Coimbra (26/07/2001) com o título “A extinção dos liceus e escolas técnicas”. Dele transcrevo alguns excertos:
“Meses atrás, foi reconhecido por uma figura socialista com ampla audição no sistema educativo francês: ‘O collège único é uma ficção, um igualitarismo funcional que nada tem a ver com a igualdade real” (Jean-Luc Melénchon, L’Express, 22 de Março de 2001). [Abro um parêntesis para referir o facto de Jean-Luc Méchenlon ser actualmente candidato às eleições de hoje à presidência da República de França, em representação dos comunistas e parte da extrema-esquerda].
 
(…) Com a extinção das escolas industriais e comerciais, que tão boas provas deram na formação de técnicos competentes (carpinteiros, electricistas, serralheiros, mecânicos de automóvel, contabilistas, etc.) ficou o país sem mão mão-de-obra qualificada de crédito reconhecido que representava a espinha dorsal do seu desenvolvimento tecnológico e económico. Actualmente, os alunos do ensino básico estão mal preparados quando entram nas escolas secundárias deparando-se com escolhos sem fim que os tornam, vezes sem conta, náufragos do mar proceloso de um  ensino superior exigente. Ou então, desistindo dos estudos superiores,  submetem-se a um  ensino técnico livresco que os não habilita a bem desempenhar uma profissão que os ventos da democracia portuguesa (elitista no mau sentido da palavra) tem como menos digna e valorizada socialmente.
 
(…) Em vez de se continuar a dar a toda essa juventude a possibilidade de um enxada para, dignamente e com proficiência, ganhar a vida, distribuem-se mãos cheias de graus académicos universitários ou politécnicos de duvidosa qualidade pelos mais favorecidos de meios de fortuna, de audácia, de persistência em chumbar anos seguidos, sem ter em conta a suas reais capacidades e as necessidades de Portugal no competitivo e altamente especializado mundo laboral da União Europeia, exigente para que a qualificação académica corresponda a um exercício profissional de qualidade”.
 
Em nossos dias, ao contrário de antigamente, o ensino profissional tornou-se, em vez de uma vocação, um recurso dos que não conseguem, por cabulice ou deficiência económica, terminar um ensino secundário destinado à entrada no ensino superior. Quantos pais – neste cantinho ibérico em recessão económica que os mais pessimistas temem transformar-se em antecâmara de futura bancarrota – poderão continuar a suportar dispendiosas explicações no ensino secundário (ou até mesmo no 1.º ciclo do básico) para que os filhos acedam a cursos universitários mais procurados, por exemplo, Medicina e Arquitectura? E a prover, por outro lado, a deslocação a instituições do ensino universitário distantes de casa, com as inerentes despesas de quarto e alimentação? E a pagar propinas, livros, sebentas, fotocópias e outro material escolar tendo como o horizonte o desemprego ou uma ocupação temporária, depois de formados, como caixas de supermercados? E o que dizer dos empréstimos bancários para fazer face a estas despesas a serem pagos com dinheiro usufruído em empregos que se transformarão em desempregos?
 
Canudos e desemprego trazem-me à memória o aviso de um autor estrangeiro que li algures: “A infantaria das novas revoluções será formada por licenciados que o Estado forma sem ter emprego para lhes dar”. Num sistema educativo enfermo (em que nas escolas secundárias funcionam simultaneamente cursos humanísticos e científicos destinados ao ingresso no ensino superior e cursos profissionalizantes livrescos, deixando deteriorar-se e sem lugar para o ensino prático oficinal das antigas escolas industriais, chega de aplicar mezinhas de curandeiro que dão “a ilusão de um país de doutores”, segundo ainda Paulo Rangel, e em que se chegou ao ponto de se desejar, à outrance, uma licenciatura de pechisbeque como adorno do mais elevado cargo da ex-governação socialista!
 
Esta verdadeira pandemia de etiologia secular em Portugal, mereceu, aliás, a crítica de Eça de Queiroz, ele próprio bacharel em Leis, quando exaltou as qualidades da Ramalhal figura, seu companheiro literário em As Farpas e dilecto amigo, dizendo que “tem saúde e não é bacharel”. O autor de Os Maias faz mais do que isso transportando a pandemia para o outro lado do Atlântico (talvez por considerar que “o Brasileiro é um Português dilatado pelo calor”), ao afirmar que o Brasil é um país de doutores. Mas o  mal no nosso torrão natal não está tanto no número de licenciados, mas no desemprego que grassa, qual erva daninha, e que os espera, defraudando esperanças de colher dividendos por  terem queimado as pestanas em noites insones de estudo. Como diz a sabedoria popular, “fama sem proveito faz dor de peito”.
Para ver a publicação original, clique aqui.

Tecnologia sofisticada e educação

abril 23, 2012

Tempos atrás li um artigo de meu amigo Steen Larsen sobre crianças com déficits de aprendizagem e uso de novas tecnologias. Por descuido, acabei perdendo endereço eletrônico do artigo do Steen. Restou apenas cópia de anotação que eu fizera para futuras referências. Em tal cópia há um trecho muito interessante sobre sofisticação tecnológica.

Em outra ocasião, vou rastrear minhas buscas na Web para ver se encontro o texto do educador dinamarquês. Mas, enquanto isso não rola, segue aqui a observação do Steen que merece destaque:

A importância de altos padrões no uso de tecnologias para crianças com déficits de aprendizagem é auto-evidente. Porém, não se percebe normalmente que o fator crucial na utilização de recursos tecnológicos reside nas considerações por trás do uso, não na tecnologia em si mesma.  Assim, uma ferramenta específica para crianças com déficits de aprendizagem nunca pode ser de qualidade superior aos princípios pedagógicos nos quais se baseia. Como afirmou Pogrow (1990): “A sofisticação da aprendizagem produzida pela tecnologia depende da sofisticação das conversações que envolvem seu uso, não da sofisticação da tecnologia.”

Sem Sistema

abril 20, 2012

Acabo de ser vítima da praga moderna do “estamos sem sistema”. Encomendei um livro via Livraria da Vila, loja do Shopping Center Higienópolis. No quinto dia útil depois do meu pedido, fui até a loja para saber se o livro tinha chegado no tempo prometido. Não tinha. Me deram novo prazo: dia 19 deste mês de abril. Cheguei hoje (20/04) de viagem. Minha mulher não havia recebido aviso da livraria, mas como eu almocei ao lado da loja, resolvi dar uma passada lá para ver se o livro já estava disponível.

Fui até o guichê de reservas. A moça me disse que o livro chegara, mas, como estavam sem sistema, ela havia mandado o produto para a loja. Sem condições de verificar o acontecido no sistema, anotou meu CPF num papelzinho e prometeu que me daria feedback assim que o sistema voltasse à vida. E, por achar que o livro estava em alguma prateleira da livraria, me sugeriu falar com um dos vendedores.

Fiz o que a moça sugeriu. Falei com um dos vendedores. Ele me pediu nome do autor, nome da obra e nome da editora. Forneci-lhe os dados pedidos. E lá foi ele em busca do livro. Demorou alguns minutos. Pensei que ele havia me esquecido. Quando minha irritação chegou à tampa, o moço voltou e me disse que estava difícil a procura porque sem o sistema ele não tinha condições de ver a “cara” do livro. Mostrou certa boa vontade para continuar a busca, mas dispensei a gentileza. Vi que não havia qualquer motivo para esperanças.

Além de minha irritação por causa de um atendimento de qualidade precária, fiquei preocupado com descontinuidades de serviços por causa da ausência de sistemas. O que rolou na livraria foram cenas de personagens perdidas porque o ator principal, o tal de sistema, estava ausente. Isso mostra que a história do cliente-rei, que sempre denuncio, é bobagem para inglês ver. O sistema é muito mais importante que o cliente*[i] .  A moça do guichê de reservas e os vendedores da loja não sabem o que fazer sem sistema. Não há plano B. Os profissionais são apenas periféricos do sistema. Sem este último não funcionam.

Parece que o sistema da Livraria da Vila voltou à vida. A moça do setor de reservas acaba de me telefonar, dizendo que o livro ainda não chegou, pois houve problemas operacionais na editora (acho que o sistema também morreu esses dias na Penso-Artmed!). Promessa: terei o livro certamente na próxima quarta feira. Sei não … E se o sistema cair de novo?

Antes de seguir em frente, quero deixar registrado meu agradecimento à moça que me ligou e cujo nome minha memória de velho não registrou. Possivelmente ela viu minha decepção e procurou entrar em contato assim que possível. Ponto para ela.

Não quero fazer deste post apenas um registro de descontentamento com os serviços da Livraria da Vila. A praga do “estamos sem sistema” é geral. Precisamos examiná-la com cuidado, pois em alguns casos, num atendimento de pronto socorro hospitalar, por exemplo, ela pode ter consequências fatais. Por isso vou continuar a conversa por mais algumas linhas.

Conto um caso antigo. Na metade dos anos 80, meu saudoso amigo Roberto Rocha, gerente da Área de Informática no SENAC de São Paulo, entrou numa loja de construção para comprar cinco preguinhos. O produto custava alguns centavos. O vendedor avisou que a venda seria impossível, pois o sistema estava fora do ar. Roberto insistiu. Ele precisava mesmo dos cinco preguinhos. Sugeriu ao vendedor que lhe doasse a preciosa mercadoria. Propôs-se a pagar cinco pilas pelos preguinhos. Disse ao moço para registrar a venda quando o sistema voltasse. Com isso teria bom lucro, embolsando o troco. Em vão. O vendedor permaneceu irredutível, sem sistema os preguinhos não saiam da loja.

Quando ouvimos a história dos preguinhos da boca do Roberto Rocha, eu e outros amigos dele fomos implacáveis, pois no Centro de Informática, gerenciado pelo Roberto, havia muitos cursos para formar profissionais de sistemas. Dissemos a ele que aquilo era castigo.

No meu caso recente e no caso antigo acontecido com o Roberto, fica evidente nossa  dependência dos sistemas. Estes se tornaram soberanos. Sem eles não sabemos viver. Não sabemos agir. Não sabemos vender. Não sabemos dar respostas satisfatórias para os fregueses.

Os casos que contei e muitos outros que poderiam ser lembrados mostram que precisamos fazer alguma coisa para que não nos tornemos escravos dos sistemas, essa suposta forma impessoal  de melhorar controles, tornar os serviços mais rápidos, buscar informações com mais precisão. Conversas sobre sistemas parecem ter como pressuposto que essa solução baseada em tecnologia digital independe de gente. O sistema parece um bezerro de ouro que veio de  outra galáxia para ser adorado por seres inferiores, nós. Mas, ele é uma criação humana. Pode ser mudado.  Precisamos pensar em sistemas que não sejam imperiais, em sistemas que, se falhos ou ausentes, não impeçam a simples venda de preguinhos, a informação correta para quem fez uma encomenda, o atendimento médico para um acidentado grave que não pode aguardar com paciência que o computador recupere sua saúde digital depois de um engasgo com um bug qualquer.

É bom a gente trazer a conversa sobre sistemas para a área da educação.  Professores e alunos já começam a depender do sistema. E, quando o sistema morre a educação para. Isso acontece com certa frequência com professores que planejaram atividades no laboratório de informática. Se o sistema da escola ou, em outros casos, o sistema externo (a internet, por exemplo) está fora do ar, tudo para, há certa confusão, falta plano B.

Faço uma última observação. Vamos dar nome de sistema ao Google. Ele está se convertendo num “sistema” que gera total dependência na busca de informação. Humanos estão se convertendo apenas em repetidores do Google. Isso pode se converter num pesadelo. Exagero só um pouquinho ao afirmar que a vida sem o Google está se tornando impraticável.


[i] Continuo a preferir a boa e velha palavra “freguês.

Ego Blogo

abril 19, 2012

Blogs, entre outras coisas, são manifestações de identidade. Como já disse aqui algumas vezes, seu blog é você. Daí o título deste post. Uma outra alternativa de conversa poderia ser blogueu. Não há aqui muita originalidade. No início os blogs eram conhecidos como web logs, ou seja, como diários de bordo na web. Alguém, cujo nome me foge, cunhou a expressão “I web log”, depois convertida em “I blog” (num jogo de palavras entre we – nós – b’ log e I – eu – b’log). Blogs são, portanto, sempre “eu b’ logo”, “eu blogo”.

O que escrevi  até aqui foi inspirado pelas páginas finais de Emotional Design, de Donald Norman. No último capítulo da obra, o autor  lista uma série de situações nas quais procuramos personalizar objetos que usamos na vida cotidiana. Nesse sentido, somos todos designers. Basta observar, por exemplo, como apartamentos padronizados de um conjunto residencial  vão  adquirindo cores individuais e ganhando a cara do dono ou dona.

Um campo onde o design pessoal  fica mais nítido, segundo Norman, é o dos sites pessoais. Não importa maior domínio de programação, os sites pessoais acabam tendo a cara de seus autores. Aparentemente, Norman não é um membro da comunidade blogueira. Ela sempre chama os blogs de web logs ou de sites pessoais. Traduzo a seguir alguns trechos das páginas finais de Emotional Design, convertendo todas as menções a web logs ou sites pessoais em blog ou blogs. Pratico uma tradução livre, mas, creio eu, bastante fiel à proposta normaniana.

Começo com palavras que o autor recolheu num levantamento preliminar sob re ligações pessoais entre pessoas e seus objetos. Um dos respondentes à indagação de Norman sobre dimensões emocionais de seus objetos ou ferramentas, diz:

Meu blog  – Às vezes quero desistir dele porque o mesmo me exige muito tempo, mas meu blog me representa online de uma maneira tão pessoal que é impossível imaginar a vida sem ele. Ele me traz amigos e aventuras, viagem e elogio, humor e surpresa. Ele se tornou uma de minhas interfaces com o mundo. Sem ele uma parte importante de mim não existiria.

Em continuação, seguem alguns comentários do autor a partir da resposta citada.

Esses blogs tornaram-se partes essenciais da vida de muita gente. São pessoais, mesmo quando compartilhados. São amados ou odiados. Provocam fortes emoções. São verdadeiras extensões da vida.

Blogs e outros sites pessoais da internet são exemplos claros de declarações de designs pessoais, não profissionais. Muitas pessoas gastam grandes quantidades de tempo e energia escrevendo seus pensamentos; publicando suas fotos, músicas e vídeo clips favoritos; e, além disso, apresentando sua cara para o mundo. Para muitas pessoas, assim como para meu respondente, essas exposições pessoais representam-nas

Exemplo de rubrica

abril 19, 2012

Em WebQuests, é aconselhável instrumentar a avaliação por meio de um rubrica que possa facilitar o registro  de observações sobre qualidade do protudo definido pela Tarefa. Recupero aqui exemplo que elaborei para minhas aulas sobre a matéria.No caso, a tarefa era a de “elaborar e apresentar um sarau musical com modinhas e outros gêneros musicais dos inícios do século XX”.

Sarau de música

Nome: ________________________ Avaliador:
Data : ___________________ Título do trabalho: ______________

Critérios

Pontos

1

2

3

4

Programa: linguagem e comunicação

Linguagem não é clara, provavelmente não passa a mensagem para o público.

Linguagem, apesar de algumas falhas, parece adequada para a finalidade do programa.

Linguagem adequada,passa bem a mensagem para o público.

Linguagem adequada e bonita, certamente passa a mensagem para o público.

____

Programa: estética da publicação.

Material muito poluído visualmente. Não há equlíbrio entre texto e ilustrações.

Material visualmente despojado, mas equilibrado.

Material visualmente interessante e que equilibra bem texto e ilustrações.

Material muito atraente, equilibra de modo criativo texto e ilustrações.

____

Programa: conteúdo.

Aparentemente informações foram copiadas e/ou organizadas de modo confuso.

Texto das informações é original (redigido pelos alunos) e/ou parte do material não organizado com clareza.

Texto original é criativo e bem organizado.

Texto original e de ótima qualidade. Muito bem organizado.

____

Espetáculo (apresentação do sarau).

Explicações apresentadas e dinâmica do espetáculo sem qualquer apelo para o público.

Explicações apresentadas e dinâmica do espetáculo com altos e baixos.

Explicações apresentadas, e dinâmica do espetáculo com bom apelo para o público.

Explicações apresentadas e dinâmica do espetáculo muito atraentes. Nível profissional.

____

Espetáculo: organização.

Evento com atrasos e/ou com nenhuma orientação para o público.

Evento com pequenos atrasos e/ou orientação incompleta para o público.

Evento sem atrasos e/ou orientação completa para o público.

Evento sem atrasos e com orientação completa e atraente para o público.

____

Total—->

____

Comentários do avaliador:

Escola Chata

abril 18, 2012

Alguns de meus ex-alunos publicaram recentemente chamadas no Face Book para dizer que “escola não é circo, professor não é palhaço”. Meus ex-alunos são professores jovens, mas já sentem o desgaste de uma profissão que leva bordoadas de todos os lados. Para homenagear esses valentes jovens que passaram por minhas aulas na última década, entro no tunel do tempo e copio texto que publiquei no Aprendente (um dos meus blogs antigos) em 2006.

 


Semana passada a Folha de São Paulo publicou um registro da sabatina que o jornalão promoveu com o dublê de educador e psicanalista Rubem Alves. Não gostei da chamada da matéria. A Folha destacou da fala do Rubão a afirmação de que “a escola é chata”. No meu modo de ver, constatações como essa reafirmam a prática de chutar cahorro morto. Ato desnecessário. Sinal de uma valentia fácil, pois o cadáver não irá reagir. Mas meu desagrado não para por aí. Preocupa-me sobretudo o outro lado da moeda. Educadores que aceitam sem crítica comentário como o de Rubem Alves costumam achar que a saída é uma escola divertida. Ou seja, na sociedade do espetáculo é hegemônica a idéia de que o bom aprender precisa ser uma atividade circense. Não tenho nada contra o circo, o espetáculo, a diversão. Acho, porém, que é preciso não perder de vista algumas características do aprender. Sirvo-me de um exemplo: cálculo. Vejo meu filho, um físico, trabalhando com cálculo em muitas ocasiões. Um trabalho que exige muita concentração. Um trabalho que apresenta grandes desafios. Conseguir resolver certos problemas certamente é muito prazeroso. Mas a atividade toda não é divertida. Coisa parecida pode ser verificada na aprendizagem musical de alguém que está estudando um peça a ser executada publicamente. Chegar a uma interpretação original e bem executada deve ser uma fonte de grande prazer. Não vejo porém no demorado e exigente processo de ensaiar exaustivamente a peça algo divertido. Resumo da ópera; prazer não é necessariamente diversão. E mais: muitas fontes de prazer exigem altos investimentos de concentração, ensaio, exercício, trabalho.

A aceitação passiva de uma crítica que parece indicar que a boa escola é a divertida sugere que nosso mundo é a concretização perfeita do pesadelo de uma sociedade cujo desejo único é uma diversão contínua, tema central do Brave New World de Huxley.

Manuel Bandeira e música

abril 14, 2012

Manuel Bandeira escrevia poemas musicais. Esta não é uma descoberta minha. Muitos críticos literários já repararam nessa virtude de um de nossos maiores poetas.

Músicos também perceberam a musicalidade dos escritos de Bandeira e acrescentaram belas melodias às palavras do poeta. É o caso de Azulão, musicado por Jaime Ovalle.

Hoje andei recreando por muito tempo. E, no meu recreio, resolvi ouvir várias versões da canção famosa de Bandeira e Ovalle. Esse interesse é antigo. Ouvi Azulão cantada pela primeira vez com os Cantores de Ébano, no começo dos anos 60. Muitos anos depois, quando escrevi uma mini webgincana para uma de minhas aulas, criei um desafio para que meus alunos encontrassem alguém que soubesse cantar Azulão.

Infelizmente, no recreio de hoje não encontrei Azulão cantada pelos Cantores de Ébano. Mas, encontrei muitas outras versões, cantadas por corais, por cantores líricos, pela Inesita Barroso. De todas as versões encontradas, quero destacar uma gravada no Japão.