Mike Rose escreveu recentemente crônica sobre a vida de um professor que não consegue encontrar trabalho. A história reflete situações criadas pela crise econômica nos EUA. É bem diferente do que experimentamos aqui durante e depois da crise. Mas, a crônica do Mike narra uma história de professor que pode iluminar certos caminhos em nossa terra. Por isso, traduzi e adpatei o texto do professor da UCLA, autor de O Saber No Trabalho, livro que tive o privilégio de prefaciar em sua versão brasileira.
Aqui vai a crônica do Mike:
Neste post, conto uma história sobre ocorrência do cotidiano – rotina, lugar comum – que resulta em surpresa, sai do script e revela complexas camadas da vida de outra pessoa.
Entrei em contato com um call-center para enviar a uma amiga uma cesta de presentes, e estava dando ao atendente meu email, quando ele fez uma pausa e repetiu: “UCLA?”. Posso lhe fazer uma pergunta? Você é professor lá? Eu disse que sim. Ele então me perguntou de que departamento eu era. Quando lhe falei que atuava no departamento de educação, o atendente me disse que era professor, e começou a contar sua história.
Converso pouco quando faço pedidos via telefone. Além da encomenda, falo um pouco sobre o tempo, a economia ou os atrativos do que estou pedindo. Tudo muito rápido, uns trinta segundos de prosa. Nunca havia entrado num papo pessoal como o iniciado pelo atendente que falou por cerca de dez minutos. Eu murmurava algo de vez em quando, mas ele falou quase que o tempo todo. O homem era afirmativo, porém, sem exageros. Tinha uma história para contar e a contou numa mistura de frustração e convicção.
Ele chegou à docência tardiamente em sua vida de trabalho. Foi controlador de tráfego aéreo. “Mas”, ele me disse, “você sabe o que aconteceu com a gente” – numa referência à demissão de 11.000 controladores por Ronald Reagan quando a categoria se recusou a cessar uma greve, num dos primeiros ataques aos sindicatos durante a ascensão da direita nos Estados Unidos.
Depois de perder o emprego de controlador, foi um homem de negócios por alguns anos – não me disse qual o tipo de negócio em que esteve envolvido – mas, me contou, sempre quis ensinar. Por isso, seus amigos e mulher incentivaram-no a buscar formação acadêmica no campo da educação. Ele voltou à universidade e fez um curso de formação de professores especializados em educação de crianças com talentos especiais. Conseguiu trabalho na área e gostava do que fazia. Isso durou dois anos. Mas, com a chegada da crise, seu estado começou a cortar o orçamento da educação para equilibrar as contas. Ele concordava com orçamentos equilibrados. “Como homem de negócios, eu compreendo isso”, ele me disse. Mas, por causa da crise, meu interlocutor e muitos outros – professores de arte e música, por exemplo – perderam o emprego. O professor desempregado me disse que o projeto para crianças talentosas não é como educação especial. Pais de crianças em projetos de educação especial fizeram um grande barulho quando souberam da demissão de professores de seus filhos.
Durante um longo tempo, ele não conseguiu trabalho como professor. “Quando viam cabelos brancos e rugas, optavam por candidatos mais jovens”. Falou-me um pouco sobre seu desapontamento, e como ele tinha muita experiência, muito conhecimento para compartilhar, como a profissão de professor significava tanto para ele , e como seus familiares e amigos apoiaram sua mudança da área de negócios para a área de educação. Sua mulher então sugeriu que ele fizesse uma especialização na area de gestão para aumentar suas chances de conseguir trabalho. Ele fez isso. Eventualmente foi entrevistado para um trabalho de supervisão, a coordenação de projetos de educação de crianças talentosas num pequeno distrito educacional. No final da conversa, o superintendente lhe disse que ele foi bem em tudo, mas o distrito não dispunha de verba para pagar seu salário.
Sua vida ficou difícil; com dois empregos – ele não me disse qual era o outro emprego – ainda continua esperançoso de que tem alguma chance de voltar ao magistério, embora saiba que a situação não joga a seu favor. ”É o que eu sonho fazer”.
Não fiquei sabendo claramente quais os motivos que levaram aquele atendente a ter tantas dificuldades para conseguir novo emprego em educação, mas acho que ele merece o benefício da dúvida e sou levado a pensar que a narrativa sobre sua história de trabalho corresponde à verdade dos fatos. Há muitos americanos como ele, com educação superior e grande experiência de trabalho, atualmente desempregados ou subempregados. E sua história, como as histórias de muitos outros em situações parecidas, revelam como realidade econômica de agora é contraditória e complicada.
Pra começo de conversa, ouvimos continuamente que a passagem para a prosperidade é a educação; “é preciso nos educar para uma economia melhor”. Tudo isso é proclamado aos quatro ventos, embora um grande número de pessoas com educação superior não esteja prosperando. O problema não é a educação, mas a falta de ou o corte de empregos. E uma enorme perda de postos de trabalho aconteceu em estados que fizeram grandes cortes orçamentários. Em alguns casos, houve certo incentivo para que as pessoas buscassem trabalho na área de educação, como aconteceu com meu interlocutor, apesar de existir nas políticas de reforma educacional uma valorização – não explícita – da juventude sobre a experiência.
Há cortes na educação em todos os estados. Determinadas disciplinas são atingidas de maneira desproporcional – e isso aconteceu no caso do meu interlocutor, vítima de uma tensão entre educação de crianças talentosas e educação especial.
Há uma ironia comum que estamos vendo em nossa cultura política quando as pessoas apoiam certas medidas sociais e econômicas – como no caso de cortes orçamentários – que as prejudica diretamente. Fiquei tão impressionado com a urgência do homem em contar sua história que não tive a presença de espírito de lhe perguntar sobre o modo como o presidente Reagan tratou a greve dos controladores de voos, e como as medidas de austeridades lhe custaram a perda de seu trabalho de professor.
Desejo tudo de bom para o professor desempregado que me contou sua história. Ele investiu muito tempo e dinheiro para redirecionar sua vida de trabalhador, seguindo não só seu desejo, mas também o chamado de não educadores do governo e dos grupos reformistas para mudar de carreira e se dedicar à educação. O país faz este chamado, mas a atual situação econômica e política não oferece muita ajuda para honrá-lo.