Hoje vi no Face que há gente pedindo para que o CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária) faça o Itaú tirar do ar uma propaganda que brinca com a fonética e a ortografia, convertendo digital em digitau. Uma brincadeira inteligente, mas reclamantes, que se acham vestais da norma culta, entraram em cena com argumento que tem como base desprezo pela inteligência alheia e uma falta de humor de pseudointelectuais.
Notícia na internet informa que:
De acordo com o órgão [CONAR], as denúncias eram de que a propaganda, veiculada na TV e online, poderia induzir crianças e pessoas em processo de alfabetização ao erro, ao mostrar a palavra “digital” somada com Itaú em trocadilho, trocando o L pelo U.
Os denunciantes devem achar que crianças e adultos em processo de alfabetização são idiotas incapazes de entender uma brincadeira. Essa gente acha que regrinhas bobas e rigor gramatical são o melhor caminho para que as pessoas aprendam a redigir corretamente. Ignoram que quem aprende precisa manipular a linguagem para dela se assenhorar, em vez de se converterem em fieis servidores de normas rígidas da suposta correção gramatical.
Por volta de 1978 tive o privilégio de participar de uma oficina com um grande educador francês (infelizmente não me lembro mais o nome dele). Ele era um dos líderes da escola popular (movimento inspirado por Celestin Freinet). Entre os exercícios que ele nos propôs havia um que era o de manipular as letras das palavras, mudando-as de lugar para criar outras palavras. De certa forma, ele nos propôs brincar com as letras como se essas fossem argila que poderia receber várias formas. Resistimos muito. Tivemos dificuldades para imaginar novos arranjos para as letras. E o francês nos chamou de “reaças”. Ele tinha razão. Não conseguíamos brincar livremente com os instrumentos que nos permitem elaborar a escrita. Aceitamos a crítica e depois de algum esforço começamos a lidar com as letras com muita liberdade e criatividade.
Essa gente que quer que o CONAR obrigue o Itaú a tirar do ar propaganda tão inventiva é extremamente reaça. Vê educação como imposição de normas a pessoas dependentes de mentes brilhantes como as deles (os tais reclamantes…). Esses reaças são perigosos para a educação, pois não entendem que o saber se constrói em jogos pelos quais os aprendentes se tornam senhores do saber.