
O jornal de livros The New York Review of Books acaba de publicar uma resenha sobre Koestler: The Literary and Political Odyssey of a Twentieth-Century Skeptic, uma biografia de Arthur Koestler. O herói da história é um dos intelectuais do século XX com uma das vidas mais agitadas. Ele bebeu com quase todos os grandes escritores de sua época. Teve vida amorosa com mais aventuras que a de Picasso. Participou de movimentos sociais e políticos expressivos do século, muitas vezes mudando radicalmente de lado. Em resumo, foi um figura tão interessante quanto personagem de ficção aventurosa.
Além de romances e reportagens, Koestler escreveu obras sobre psicologia, sociologia, cultura, filosofia da ciência. Li, faz tempo, seu The Act of Creation, um livro indispensável para discussões sobre criatividade nas ciências, nas artes, na vida. Lembro-me bem do primeiro capítulo da obra, The Jerster, no qual Koestler procura explicar como se dá e “explosão” de um ato criativo. Ele mostra que a estrutura do humor pode iluminar nossa compreensão. Pense numa piada, por exemplo. A história, no seu desenrolar parece algo banal, o desfecho, porém, surpreende, muda radicalmente para outro campo de significado, provoca um entendimento que dá sentido à graça da piada. Tal estrutura é muito parecida com as metáforas que estiveram presentes em grandes descobertas científicas. Metáforas, ao transitarem de um para outro campo semântico, criam o novo assim que as entendemos [assim que a explosão de entendimento que elas provocam dão sentido a uma nova descoberta ou a uma nova maneira de ver o mundo]
Ao escrever este post, dei uma olhada nas avaliações do The Act of Creation na Amazon Books. Descobri que um dos avaliadores manifesta opinião parecida com a minha. Afirma que a obra é um clássico sobre criatividade e estranha que livros atuais sobre o assunto ignoram Koestler:
Recently, I have read a lot of books on Creativity and Innovation. My big surprise is that virtually none of them mention Koestler’s The Act of Creation. This is unfortunate because this book is probably the most authoritative examination of creativity. Attention to this classic is worth reviving.
Mas, não devo continuar com consideraçoes sobre a obra do autor. Preciso falar do que o título deste post promete: botecos chiques.
Koestler era um grande bebedor (pelos nossos padrões seria visto hoje até como um alcoólatra). Bebeu com muita gente famosa em botecos badalados da velha Europa. Na biografia citada, há uma história que resumo a seguir.
Numa noite de 1946, em Paris, Koestler e sua namortada Mamaine Paget sairam para uma noitada com Jean Paul Sartre , Simone de Beauvoir, Albert Camus e Carmine (esposa de Camus). Jantaram num bistrô argelino. Do restaurante sairam para uma casa de danças, com lluminação de luzes de neon rosa e azul. Dali, por sugestão de Koestler, o grupo foi para um boteco russo. A última escala da noitada, por volta das quatro da matina, foi o Chez Victor no Les Halles,onde Koestler e amigos ilustres tomaram sopa de cebola e vinho branco.
A bebida correu o tempo todo. A turma inteira estava bêbada e conversava sobre política, cultura e assuntos corriqueiros. No final, já ao amanhecer, percorriam as margens do Sena. Sartre era o único com compromisso imediato: iria dar uma palestra de manhã sobre a Responsabilidade do Escritor, na Sorbonne. Ao saber do compromisso, Camus disse: faça isso “sem mim” – sans moi. Sartre comentou: “eu também gostaria que a minha palestra fosse sans moi“. O autor de Le Mur tomou umas “bombas” para se manter acordado e amenizar a bebedeira. Foi para a Sorbonne e palestrou. Ao finalizar a narrativa do episópodio, o biógrafo de Koestler comenta: “não é possível, mesmo para um existencialista, palestrar para os estudantes sans moi“.
Os intelectuais citados eram botequeiros. Bebiam pra valer. Bêbados trocavam figurinhas muito diferentes das sérias obras que escreveram. Ao ler a resenha, fiquei imaginando que botecos frequentavam. Não eram pelo jeito casas
sofisticadas. Mas deviam ser lugares que ficavam chiques por causa da gente que por eles passavam. Naquela época a produção intelectual não ficava só nas academias, os botecos desempenhavam papel importante na vida de Sartre, Beauvoir, Camus, Koestler e muitos outros gênios da cultura em meados do século XX. Evoé, Baco!
A expressão final deste post foi uma lembrança de versos de Bandeira. Reproduzo-os para o prazer do leitor:
Quero beber! cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
que tudo emborca e faz caco...
Evoe' Baco!