206. Informação Profissional

No distante 1978 escrevi um artigo sobre informação profissional. Não sei se o mesmo tem alguma atualidade. O tema, aliás, saiu do radar dos educadores. Trago o texto para cá sobretudo como registro, mas se alguém tiver tempo e paciência, fica o convite para uma leitura crítica, lembrando sempre que o escrito tem mais de 40 anos.

INFORMAÇÃO PROFISSIONAL COMO FATOR DE AJUSTE ENTRE DEMANDA E OFERTA DE RECURSOS HUMANOS (*)

JARBAS NOVELINO BARATO 

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Diretor da Divisão de Programação da Administração Regional do SENAC no Estado de São Paulo.

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(*) Palestra proferida, em 20/10/78, no Seminário sobre “Informação Profissional, Profissionalização e Emprego”.

NOTA PRELIMINAR 

A origem deste trabalho é a comunicação feita, em 20/10/78, no Seminário sobre “Informação Profissional, Profissionalização e Emprego”, promovido pelo Centro Difusor do Desenvolvimento Profissional. É necessário registrar que me servi de uma sinopse para realizar a referida comunicação. O texto integral foi transcrito de gravação eletrônica realizada na ocasião. O estafante trabalho de transcrição foi realizado por Helena Aparecida Scombati e Helena Mitico Sanada, às quais devo especial agradecimento. 

O texto transcrito refletia, obviamente, as condições da linguagem oral e não poderia ser publicado sem as necessárias revisões. Ao revisá-lo, procurei manter, sempre que possível, a forma mais aproximada da linguagem oral. Esta opção possui limites e vantagens.

É vantajosa porque possibilita um registro mais fiel daquilo que foi dito. É limitada porque não possui a consistência de um trabalho mais apurado do ponto de vista redacional. Acredito, porém, que a alternativa de reformulação completa do trabalho, para adequá-lo às exigências da linguagem escrita (possivelmente mais clara), não seria o procedimento mais adequado para registrar a proposta do mencionado Seminário. 

Ao optar por uma linguagem coloquial, deixei de lado também os demais aspectos característicos de um trabalho acadêmico, entre eles a referência bibliográfica.  Por este motivo, as afirmações deste trabalho assumem caráter de opinião pessoal.  E vejo nisto uma vantagem: a intenção explícita de provocar o debate e o aprofundamento de estudos foi mantida.  Não quero, porém, deixar a impressão de que julgo originais as idéias apresentadas. Acrescentei, ao final, uma relação bibliográfica de obras cujos autores analisam um ou mais dos aspectos tratados neste trabalho. Não posso, neste sentido, deixar de registrar meu débito para com os técnicos do SENAC de São Paulo e de algumas outras organizações da área de capacitação profissional (sobretudo SENAC/DN, MTbo, DSU/MEC e CENAFOR). 

INTRODUÇÃO 

O tema que me foi confiado – “Informação Profissional como Fator de Ajuste entre Demanda e Oferta de Recursos Humanos” – é assunto que, à primeira vista, dispensa debate, pois constitui quase que um truísmo. Porém, apesar de relativa clareza que o tema em pauta pode sugerir num primeiro instante, merecem discussão muitos aspectos que são esquecidos quando se toma esta relação  ¾ ajustamento entre demanda e oferta de recursos humanos ¾ como uma verdade inquestionável. 

A meu ver, tais aspectos são muitas vezes esquecidos, apesar de influírem decisivamente na escolha de uma profissão ¾se é que existede fato, decisão e escolha profissional. 

Esse comentário preliminar pretende mostrar a direção que será imprimida a esta comunicação: propor uma crítica das ações de informação profissional hoje desenvolvidas no país. Vale lembrar que o termo crítica não tem originariamente um sentido ético (afirmativo ou negativo). É apenas um esforço de análise que procura superar a atitude simplista, baseada no senso comum, com a qual costumamos lidar com a realidade num primeiro instante.   E é nesta direção que o termo crítica deve ser entendido aqui. 

EXPANSÃO DAS ATIVIDADES DE INFORMAÇÃO PROFISSIONAL

Para iniciar a reflexão sobre o caráter que a informação profissional vem assumindo entre nós, é conveniente fazer um registro de alguns fatos que mostram a grande expansão que a atividade vem conhecendo nos últimos cinco anos. Os fatos que serão aqui relacionados não obedecem a uma ordem cronológica, pois são muito conhecidos e sua citação tem por objetivo apenas relembrar situações de domínio público. Vale ressaltar que as organizações que serão mencionadas não possuíam, até então, nenhuma proposta sistemática de trabalho no campo da Informação Profissional. 

Passemos a relação dos fatos em questão: 

  1. Criação de um programa de informação profissional do MOBRAL ¾ Movimento Brasileiro de Alfabetização; 
  2. Criação, no Ministério do Trabalho de uma Coordenadoria de Orientação e Informação Profissional ¾ órgão da Secretaria de Mão-de-Obra ¾ acompanhada da criação de órgãos homólogos em diversas Delegacias Regionais do Trabalho; 
  3. Publicação no DIÁRIO DE SÃO PAULO, semanalmente, de uma página de Informação Profissional. O JORNAL DO BRASIL começou também a editar publicação similar;
  4. Inclusão pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, de conteúdos de Informação Profissional, sob forma de disciplinas obrigatórias, nos currículos dos cursos de 1º e 2º graus; 
  5. Lançamento do fascículos e álbuns sobre informação profissional por editoras especializadas em publicações de massa, sobretudo a Editora Abril. 

Os fatos aqui relembrados constituem pequena mostra da expansão das atividades de Informação Profissional.   E os prognósticos que se podem fazer com base em manifestações públicas ou reservadas de diversas organizações levam-nos a acreditar que tal expansão tende a continuar. 

No “I Seminário Nacional de Orientação e Informação Profissional”, realizado pelo Ministério do Trabalho, cerca de 40% da clientela eram pessoas ligadas à Área de Recursos Humanos de Empresas.

Na ocasião, os técnicos do Ministério aventaram a hipótese de classificar atividades de informação e orientação profissional de modo semelhante às de formação profissional para efeito de dedução fiscal (nos termos da lei 6297/75); se essa hipótese for efetivada, a expansão que estamos examinando ganhará um campo inteiramente novo, e isto não é de todo improvável, pois a Organização Internacional do Trabalho – OIT, em sua Recomendação 150, relaciona como atividade de capacitação para o trabalho programas de informação e orientação profissional. 

Num futuro próximo, os veículos de comunicação de massa poderão ingressar mais decisivamente nesse movimento de expansão das atividades de I.P. A Rede Globo de Televisão planeja lançar, em 1979, entre as atividades educacionais das emissoras de TV daquela organização, um programa de informação profissional.  A Editora Abril estuda a possibilidade de editar, sob a forma de revistas ilustradas ou de quadrinhos, matéria sobre profissões e oportunidades de capacitação profissional. 

Foram relacionadas até aqui possibilidades atuais e futuras da expansão das atividades de informação profissional em organizações que até pelo menos cinco anos atrás não possuíam qualquer programação sistemática no campo em pauta. Uma imagem mais aproximada deste crescimento poderá ser obtida, se no levantamento de novas atividades for acrescentada uma análise das realizações mais recentes das organizações que já faziam informação profissional. 

Esta medida não é necessária para os objetivos desta comunicação, pois as observações atrás registradas parece-me suficientes. 

O crescimento inusitado das atividades de informação profissional nos últimos anos é evidente. Não basta, porém, registrar esta constatação. É preciso buscar uma explicação para o fenômeno. E existe número  significativo de motivos que podem funcionar como explicação. Passarei a citar os mais conhecidos: 

  1. Um deles é a Lei 5692/71 que introduziu, pelo menos formalmente, a obrigatoriedade de profissionalização nos cursos de 2º grau; 
  2. O crescimento expressivo de oportunidades de estudo no 3º grau é outro fator que pode ter contribuído para acelerar a expansão das atividades de Informação Profissional;
  3. Outro aspecto a ser considerado: a política governamental quanto a emprego, da qual é reflexo, na própria estrutura do Ministério do Trabalho, a criação de um órgão especializado em Informação e Orientação Profissional. 
  4. O crescimento da capacidade de oferta de oportunidades de capacitação profissional no SENAI e SENAC é mais um motivo que pode ser considerado. 

Parece-me, porém, que os motivos listados e outros de natureza similar que poderiam ser acrescentados não constituem explicação suficiente para o fenômeno. Na verdade, muitos fatores comumente considerados como motivos daquela expansão são também resultados de um mesmo movimento gerador de diversas atividades no campo de capacitação para o trabalho. Acredito que uma explicação mais plausível deva ser busca-la em mudanças ocorridas nos últimos anos na estrutura de produção e, consequentemente, na sociedade brasileira. As reivindicações das classes médias por maiores oportunidades de escolarização e o crescimento da oferta de mão-de-obra nos centros urbanos são fenômenos que provocaram situações como as quatro que compõem a lista que já apresentei; e provocaram também a aceitação de atividades sistemáticas de informação profissional, quer entre a população de maneira geral, quer entre os técnicos da área de educação e formação profissional. 

Aponto aqui apenas a direção de estudos que deverão ser efetivados no sentido de se explicar a expansão em pauta. Dois motivos me impedem de detalhar mais a análise: a ausência de trabalhos científicos sobre a questão e os limites desta comunicação. Não posso, porém, deixar de insistir neste ponto, pois me preocupa o caráter de evidência que muitos técnicos conferem às atividades de informação profissional.

É conveniente registrar uma acusação que tenho ouvido com alguma freqüência. Muitos vêem na expansão que assinalei mais uma moda no campo da educação, como o foram dinâmica de grupo, instrução programada, ensino dirigido ou estudo do meio. Os comentários nesta direção lembram o caráter assumida por algumas técnicas em diferentes ocasiões, quando não se analisaram devidamente objetivos correspondentes às atividades que se assumiam apenas como culto à novidade. 

Não acredito que críticas desse teor sejam fundamentais.  Porém, desconsiderá-las sem análise prévia pode significar perda de oportunidade para uma crítica mais radical (que vá até as raízes do problema). 

Ao constatar e analisar a expansão das atividades de informação profissional, penso ter delineado o caráter desta comunicação. Talvez isto não corresponda à expectativa dos participantes; creio que muitos de vocês desejavam ouvir algo sobre técnicas de informação profissional, sobretudo técnicas adequadas à demanda de recursos humanos.   Não vou entrar neste campo. Julgo que, no momento, deve-se conferir maior importância a análises que ponham em jogo o sentido e direção que a atividade tem hoje.  É preciso, sobretudo ¾ volto a repetir ¾ questionar a evidencia da necessidade da informação profissional, em especial da informação profissional que fazemos atualmente. 

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL

Há diversas questões, discutidas tradicionalmente no âmbito da capacitação profissional, que devem constituir também preocupação para os especialistas em informação profissional. Vou listar e comentar algumas delas para, posteriormente, analisar a situação das atividades de informação profissional propriamente ditas: 

  1. Uma das questões, que preocupa técnicos e organizações voltadas para o desenvolvimento de recursos humanos produtivos ¾ e que preocupa também os egressos de escolas ou de cursos de formação profissional ¾ é o aviltamento das habilitações profissionais.

Na prática, esse anotamento consiste no oferecimento, pelo mercado de trabalho, de oportunidades de emprego inferiores às qualificações obtidas pelos egressos. Sobram exemplos sobre este fenômeno: a matemáticos são oferecidas oportunidades de trabalho como escriturários de banco, a professores são oferecidas tarefas de vendedor de livros, de seguros, de títulos de clube etc.; a sociólogos são oferecidos “trabalhos de pesquisas” que nada mais são que tarefas de preenchimento de instrumentos estandartizados (o profissional em questão converte-se em mero perguntador, não participando efetivamente do planejamento e análise da pesquisa); advogados recebem ofertas de emprego para fazer serviço de despachante. 

Interessante notar que o fenômeno em pauta não reflete apenas uma concessão dos profissionais para obter emprego. 

As empresas publicam anúncios dirigidos exclusivamente a determinadas categorias profissionais, consagrando o aviltamento das habilitações profissionais, consagrando o aviltamento das habilitações profissionais. Ao analisar essa questão, percebe-se claramente que o papel do aparelho educacional não é exclusivamente de adestramento. Ele funciona também como mecanismo produto de excesso de estoques de mão-de-obra qualificada disponível. Não é preciso dizer que esta circunstância deve compor o universo de preocupações dos técnicos em informação profissional.

Essa primeira questão é, como já afirmei, muito discutida como problema de formação profissional.   Nesse sentido, existe um debate muito amplo que fatalmente chega a uma formulação muito conhecida: “o problema da qualidade do ensino”. Eu entendo, porém, que “qualidade do ensino”, encarada sob este ângulo, é um falso problema. Além da qualidade ser, neste caso, um exercício de compatibilização de valores subjetivos, esta abordagem tem como pano de fundo uma crença na independência absoluta do aparelho escolar. Na verdade, a “má qualidade” do ensino pode ser a “boa qualidade” requerida por uma determinada sociedade; 

  • Um outro aspecto ¾ que de certa forma explica o primeiro ¾ é o desemprego diplomado. E este não é um privilégio brasileiro. 

A França, por exemplo, vive atualmente problema similar. 

Alguns jornais desta semana (20/10/78) trazem uma informação surpreendente: o Brasil formará este ano cerca de quarenta mil engenheiros; desses, apenas vinte mil encontrarão trabalho adequado à sua formação.     Os demais engrossarão as fileiras do desemprego diplomado ou do aviltamento da habilitação profissional. A surpresa é ocorrer tal situação numa área muito valorizada socialmente e detentora de elevado índice de excedentes nos exames vestibulares. A informação profissional descobre aqui uma tarefa no sentido proposto pelo título desta comunicação: garantir com o uso de recursos informacionais uma procura adequada à demanda por cursos de engenharia. É preciso ressaltar, porém, que informação (clara, objetiva, exata) não transformará a realidade. Voltarei a este ponto mais à frente. 

  • Um terceiro aspecto: a supervalorização de formação escolar. 

Todos nós ¾ educadores, estudantes, pais ¾ assumimos com muita tranqüilidade o mito da escola como instrumento de ascensão social. Acreditamos piamente que escola e sucesso profissional estão associados de maneira indissolúvel.     Esquecemos, com muita facilidade, da existência de algo chamado capital cultural. Este fator vem merecendo estudos de diversos especialistas, sobretudo do sociólogo Luiz Antônio Cunha, autor de diversos trabalhos sobre as relações entre capacitação profissional e escolarização. 

Capital cultural não se adquire na escola. A escola é acrescentada ao capital cultural. O próprio sucesso escolar depende do capital cultural. E mais, o sucesso profissional após a escolarização depende do capital cultural. 

As ações de informação profissional costumam ignorar esse aspecto. São, muitas vezes, programadas como se a clientela, uma vez informada, pudesse escolher um curso adequado para lhe abrir oportunidades de trabalho. Faz-se informação profissional, nesta perspectiva, acreditando-se que a única mediação entre o desejo do indivíduo e a oportunidade de trabalho é a escola. 

  • A valorização equivocada dos setores modernos da economia constitui aspecto que também merece análise. Isto ocorre principalmente nos países em desenvolvimento. Um trabalho de pesquisa sobre a educação na Nigéria, realizado por Harbison, dimensiona este problema. Vou citar uma das conclusões do trabalho em tela para que vocês tenham uma idéia dessa valorização equivocada dos setores modernos da economia:

Os valores, o conteúdo do ensino e os critérios de exames em todos os níveis da Educação na Nigéria, partem do pressuposto de que os egressos das escolas desejam tornar-se servidores civis do governo, professores e empregados de empresas industriais e comerciais relativamente modernas (in COOMBS, Philip. A Crise Mundial da Educação. São Paulo, Perspectiva, 1976, p120). 

Esta supervalorização dos setores modernos da Economia provoca desvios significativos na elaboração dos currículos escolares. 

Pode, inclusive, ser incorporada como conteúdos obrigatórios para todo um país, traduzindo uma proposta de educadores, planejadores e economistas que não consideram, talvez inconscientemente, necessidades sócio-econômicas globais do país, assim possibilidades culturais que história, tradição e costumes de um povo podem representar como matéria prima para a composição de currículos escolares. O insucesso das escolas agrícolas é, a meu ver, resultado desse tipo de enfoque; pois merecem o qualificativo agrícola apenas pela localização, conservando todas as características essenciais das escolas urbanas. 

Aparentemente este aspecto tem desdobramentos apenas no campo do planejamento educacional. Não se trata, porém, tão somente de um desvio de planejamento. Ele reflete a predominância de um enfoque cultural que influencia decisivamente informadores e orientadores. 

A conseqüência é óbvia: técnicos em informação vivem uma ilusão de objetividade que nada mais é que uma imposição de valores embutidos, numa linguagem pseudo-científica a esse ponto mais adiante; 

  • Decorre do aviltamento das habilitações e do desemprego diplomado (respectivamente, 1º e 2º aspectos aqui citados) a insatisfação profissional latente.   Este fenômeno está circunscrito atualmente a casos individuais. Cria problemas difíceis de serem contornados, por exemplo, na determinação da sistemática de promoção das empresas. Pessoas com diplomas de cursos técnicos ou superiores têm certas aspirações de encarreiramento. 

E os caminhos de promoção estão inteiramente bloqueados. Por este motivo, já existem empresas que resolveram promover ações, de qualificação profissional para uma clientela de baixa faixa de escolarização, apesar da elevação de pré-requisitos educacionais que são exigidos oficialmente para a freqüência em atividades deste tipo. 

O Professor João Edênio Vale sugere uma direção, para a análise do fenômeno em pauta, que me parece muito interessante: aplicação de teoria dos grupos de referência (MERTON) para perceber as implicações sociais e individuais da insatisfação profissional (de diplomados desempregados e profissionais com habilitações aviltadas) latente. 

Vou tentar exemplificar as possibilidades de análise do mencionado referencial: 

Suponhamos o caso de um advogado formado que desempenha de fato, funções de auxiliar de escritório. Este profissional não incorpora realmente o habitus de auxiliar de escritório. Ele continua vendo-se como advogado. Torna como referencial de comparação, para expressar suas aspirações, os advogados que exercem atividades compatíveis com a qualificação que obtiveram. Considera a situação atual ¾ trabalho como auxiliar de escritório ¾ como uma contingência. 

Apesar de tudo, ele é advogado. 

As situações de insatisfação profissional aqui comentadas podem provocar desajustes individuais. Mas, se elas romperem o estado de latência em que se encontram, poderão ocorrer problemas de dimensões muito mais amplas. 

Mais uma vez é preciso ressaltar que informação profissional não resolve o problema. E quando falo em informação profissional, estou me referindo às modalidades atualmente desenvolvidas. Não creio, porém, que um enfoque mais adequado da atividade possa ¾ considerada a informação profissional isoladamente ¾ modificar a situação descrita. 

  • Outro aspecto: desvalorização de algumas ocupações. Há ocupações que não atraem a clientela potencial; elas são exercidas como uma fatalidade, como resultado da “má sorte”. Há, por outro lado, ocupações muito valorizadas e que constituem aspiração de um contingente de pessoas muito superior à demanda de mercado. 

O exemplo mais flagrante deste processo de valorização/desvalorização das ocupações é o que ocorre com relação à Medicina e, por extensão, à Área de Saúde. Os valores em jogo nesta Área possuem um caráter de ambigüidade. Médico e enfermeira são pólos de um mecanismo de valorização/desvalorização muito interessante.  O emprego do feminino para designar a última ocupação é muito significativo. Por outro lado, a experiência do SENAC mostra uma situação interessante: a procura por cursos de Atendente de Enfermagem e de Auxiliar de Enfermagem é muita expressiva, mesmo que a clientela saiba que a Organização oferece outras oportunidades de qualificação profissional ¾ Curso de Zelador de Edifício, por exemplo ¾ que podem assegurar melhor remuneração salarial. Acredito que a extrema valorização social do médico, faz que as ocupações da Área de Saúde tenham tanto prestígio. Um prestígio que, analisado apenas no âmbito da Área, desaparece, pois a aspiração recôndita de todos é ser médico.

A desvalorização social das ocupações pode ser observada em outras Áreas. Lembro-me de ter proposto, em um seminário sobre Informação Profissional, uma análise do processo de qualificação profissional do garçom.  A reação dos participantes foi de espanto. O trabalho de análise foi muito difícil; os participantes não conseguiam entender o trabalho do garçom como profissão qualificada. Solicitaram que eu modificasse o caso proposto; queriam analisar o processo de qualificação do médico, do engenheiro, do professor. 

Tenho a impressão de que a maior parte dos informadores e orientadores profissionais ignoram, na prática, o aspecto aqui considerado.

  • Finalmente, gostaria de referir-me à valorização do trabalho na velocidade contemporânea. W Mills afirma que hoje o homem trabalha para o lazer, para ócio, trabalha para obter recursos para a diversão, para fazer o que aprecia de fato. Octavio Paz observa que a literatura contemporânea não registra heróis trabalhadores. Comentários deste tipo mostram o esvaziamento do valor extrínseco que a tradição ocidental veio conferindo ao trabalho desde o Renascimento, baseando-se sobretudo numa idealização do trabalho artesanal. A vertente protestante dessa tradição acrescentou ao ideal renascentista o conceito de retribuição material (riqueza) à virtude dos crentes (da qual era componente o trabalho como extensão humana da obra divina). 

A superação de éticas que valorizam o trabalho não é, obviamente, fruto exclusivo da substituição de valores do passado por novos valores. A atomização do trabalho e a diminuição das possibilidades de exercício liberal das profissões resultaram em reconsideração do significado extrínseco conferido à atividade produtiva. 

Ao caso brasileiro, além dos aspectos universais que contribuíram para provocar desvalorização social do trabalho, há que se acrescentar a contribuição de uma tradição escravista desaparecida recentemente. O dilema que muitos pais propõem aos filhos – “estudar ou trabalhar” – é uma expressão representativa da imagem do trabalho/castigo predominante entre nós. Esta oposição trabalho/estudo coloca em confronto castigo (trabalho)/liberação (estudo). É claro que as pessoas estudam para trabalhar, mas predomina a idéia de que o estudo libera as pessoas; e o trabalho não é visto como forma de liberação ou afirmação pessoal. 

O trabalho é um dado cultural de dupla face: técnica e valor. Parece-me que as ações de informação profissional praticadas atualmente vêem-no apenas como técnica. Esta impostação unilateral torna a atividade inócua. Mais à frente, quando falar do objetivismo, pretendo abordar mais especificamente esta questão. 

A SUPERVALORIZAÇÃO DAS AÇÕES ESCOLARES 

Gostaria de enfocar agora um assunto que provoca muitas polêmicas. Quando se fala em trabalho, em formação profissional, os educadores, equivocadamente, julgam que a escola tem uma missão indispensável na capacitação de recursos humanos produtivos. Berger afirma que a Sociologia ganhou foros de ciência muito recentemente e, apesar disto, pretende ditar regras e contestar outras ciências humanas mais antigas. Analogamente, podemos dizer que a escola foi a última organização a ingressar no mercado de formação profissional e, apesar disso, pretende ser detentora da única verdade sobre capacitação para o trabalho. Por isto não é fácil a compatibilização entre propostas educacionais ¾consubstanciada sobretudo em leis, Pareceres, Portarias, Instruções, Planos ¾ e o processo de qualificação profissional que se dá socialmente. O enfoque escolar costuma ignorar ou traduzir mal os modos de formação profissional ocorridos fora da escola. E mais, surgem dificuldades, insuperáveis para fazer ver aos educadores que a escola não mantém o monopólio de habilitação profissional. 

Embora muitas vezes sejamos levados a pensar que a escola faz formação profissional há muito tempo, o surgimento do ensino técnico deu-se apenas na segunda metade do século XIX. Dispensou-se até então a contribuição escolar no processo de formação profissional para a maior parte das ocupações. 

Não quero fazer uma defesa simplista de uma proposta de educação informal para o século XX. Não desconheço as possibilidades de economia que uma formação sistemática possa ter.  Mas não posso deixar de apontar o equívoco do monopólio escolar das oportunidades de qualificação para o trabalho. A aceitação desse monopólio cria problemas intrínsecos e extrínsecos à escola. A ilusão da ascensão social como conseqüência exclusiva da escolarização, a submissão do exercício profissional a ditames acadêmicos, a ignorância do papel desempenhado pelo capital cultural e a justificação de problemas sócio-econômicos pela ausência de escolarização adequada são aspectos extrínsecos à escola, reforçados pelo comportamento monopolista que destaquei. Dentro da escola ocorre uma amoldagem do aprendizado do trabalho obedecendo cerimônias escolares: o modelo de uma educação para uma pequena camada da população (a educação liberal) passa a determinar procedimentos para uma escola técnica (proposta que se pretende democrática e popular). Os reflexos dessa tendência podem ser percebidos nas próprias empresas, onde os setores de treinamento procuram estabelecer uma escola dentro da empresa. Conheço programas de treinamento que tinham como recurso instrucional textos de Piaget. Este fato ocorreu em uma rede bancária, num treinamento de gerentes de agências. Não conseguir perceber inicialmente o porquê de algo que me pareceu tão estranho. Após conversar com o responsável pela atividade, pude entender a origem do programa: um curso de extensão universitária feito pelos agentes de treinamento daquela organização estava sendo transferido integralmente para os gerentes! 

A questão das pretensões monopolistas da escola com relação às atividades de capacitação de recursos humanos tem, para a informação profissional, dupla importância. De um lado, a imposição monopolista, se aceitar pela clientela, reforça a crença de que só a escola qualifica. De outro lado, faz que a informação profissional converta-se numa atividade escolar submetida a ritos e cerimônias de educação formal. Não basta, portanto, eliminar o comportamento monopolista, conservando uma informação profissional escolarizada; como não basta também, desescolarizar uma informação profissional cujo conteúdo continue a reforçar a perspectiva de uma escola monopolizadora das oportunidades de capacitação de recursos humanos.

Apesar do moralismo conformista de seu significado atual, é preciso recuperar, neste caso, o sentido original do termo humildade. 

Pois é preciso humildade da escola e dos educadores com relação às reais possibilidades da educação formal na sociedade. Ou seja, o reconhecimento do papel relativo do aparelho educacional como qualificador de mão-de-obra. 

O OBJETIVISMO 

As considerações até aqui registradas tiveram por finalidade contextuar as atividades de informação profissional e servirão de suporte para os comentários que seguem. 

Vou procurar, a partir de agora, realizar uma análise das atividades de informação profissional propriamente ditas. Gostaria de considerar, inicialmente, a preocupação central da Informação Profissional que se faz hoje no Brasil: a busca de objetividade. Essa busca prende-se ao pressuposto da neutralidade da informação. Para assegurar objetividade (e neutralidade) surgiu o modelo de informação profissional hoje predominante, baseado em análise ocupacional (tanto na forma como no conteúdo). É preciso ressaltar, porém, que mesmo com a ausência de análises ocupacionais elaboradas “a priori”, permanece nos textos de informação profissional a forma característica decorrente daquela técnica de análise do trabalho. 

Parece-me que informação profissional e definição de objetivos em educação decorrem de uma vertente comum: o experimentalismo. 

Não interessa discutir aqui este último; interessa, porém, analisar as conseqüências da transposição de uma linguagem empregada em técnicas de pesquisa científica para o campo da informação profissional ou da elaboração de planos de ensino. Cabe perguntar se a objetividade buscada pode ser obtida com esse mecanismo de apropriação de uma linguagem oriunda de uma corrente de Psicologia. Cabe perguntar se essa é a “objetividade” da informação. 

Todos vocês conhecem diversos Manuais e Folhetos de Informação Profissional. O traço comum entre todos eles é essa busca de objetividade que estou apontando. A título de exemplo, vou descrever o folheto de uma organização nacional de educação de adultos: 

–  O  folheto em questão emprega cerca de 40 ou 50 palavras e tem a seguinte estrutura:

  • nome da ocupação (e sinônimos do nome da ocupação se for o caso) 
  • descrição sucinta da ocupação
  • condições de trabalho (assalariado ou autônomo) 
  • material utilizado (se for o caso) 

O modelo descrito, comportando pequenas variações, é o que vem sendo empregado por autores, técnicos e organizações. No item “descrição da ocupação” é onde mais se percebe a preocupação de objetividade que aponto. E, se o material escrito sobre a matéria traduz tendências, acredito não ser apressado concluir que a forma de objetivismo aqui registrada predomina nas atividades de informação profissional. 

Esse objetivismo pretende ilustrar pessoas a semelhança das propostas de informação de revistas e jornais. E essa ilustração pretende ser imparcial. A imparcialidade desejada pretende garantir decisão de responsabilidade exclusiva do indivíduo. Não importa saber quem é o destinatário da informação. O que importa é a forma de Informação: imparcial, neutra. 

A tendência predominante nas ações de informação profissional pode também ser caracterizada como cognitivista. Ou seja, baseia-se no pressuposto de que “basta conhecer para decidir”. A procura de Objetividade na descrição das ocupações pretende oferecer um conhecimento (claro e objetivo) que garanta decisões adequadas e racionais. Esse cognitivismo tem ainda como pano de fundo outros pressupostos: individualismo voluntarista ¾ qualquer pessoa pode escolher o seu caminho, independentemente das circunstâncias sociais, desde que tenha idéias claras sobre as ocupações; basta querer e saber para escolher ¾ crença desmesurada nas possibilidades de ascenção  social por meio das oportunidades escolares, crença desmesurada nas possibilidades informacionais objetivas e desconsideração das influências extra-escolares sobre as pessoa. 

A objetividade e o acento cognitiva que decorrem do objetivismo hoje predominante em ações de informação profissional devem ser revistos. Além da evidência da necessidade da informação profissional, preocupa-me a evidência de que o modelo atualmente em não é o mais adequado. Não ignoro a necessidade de se alcançar objetividade em qualquer tipo de informação; penso, porém, que não se alcança objetividade com o emprego de uma determinada linguagem, quando se ignoram as formas do conhecimento socialmente adquirido. 

Embora não se trate propriamente de uma conseqüência do tipo de objetividade até agora apontado, há um outro aspecto que merece ser comentado aqui. Tal aspecto decorre, a meu ver, da crença desmesurada nas possibilidades de capacitação profissional oferecidas pela escola. Trata-se da indicação das oportunidades de capacitação para o trabalho que integra folhetos e manuais de informação profissional.  Essa indicação resume-se em cursos, escolas e organismos de formação profissional que oferecem oportunidades de qualificação formal para as ocupações descritas. Não ouso afirmar que os informadores desconheçam o papel da qualificação informal que se dá socialmente. Acredito, porém, que o registro exclusivo das oportunidades formais reforça a crença de que o único caminho de qualificação é o escolar. 

Não quero deixar a impressão de que me coloco como um analista não comprometido com o equívoco objetivista em informação profissional. As publicações do SENAC não fogem à regra geral. Manuais e folhetos produzidos e editados pela Entidade seguem aquele modelo que descrevi. Vejo a necessidade de se discutir o estilo assumido nas ações de informação profissional; e vejo-a também para a organização onde trabalho: o SENAC. E embora o esteja incluindo no rol de um trabalho equivocado, devo aos técnicos do SENAC de São Paulo a maior parte das idéias que tentei descrever sobre o problema da objetividade. A proposta de desescolarização da Informação Profissional, por exemplo, surgiu no SENAC de São Paulo há mais de dois anos. 

A referência a uma  organização específica ¾ o SENAC, no caso ¾ pretende sugerir a direção que deve ser seguida, a meu ver, na superação do objetivismo hoje predominante. Essa superação não é tarefa fácil, pois a informação profissional nasceu na escola, é feita por educadores. E esta ligação com o meio escolar, que privilegia o conhecimento mesmo quando revela intenções de lidar com valores, mareou decisivamente a linha de trabalho hoje predominante. Pensar novas estratégias de informação profissional desvinculadas da escola é um desafio muito grande e exige o abandono de técnicas já dominadas ¾ portanto, de fácil manejo. Apesar disso, cabe aos educadores iniciar um movimento de transformação no estilo da informação profissional. 

Entendo que os caminhos para a superação proposta devam ser iniciados a partir de considerações sobre “o que é trabalho?”, “para que trabalhar?”, “qual o sentido social do trabalho?”. Não elimino a possibilidade de se continuar a descrever ocupações. Este, porém, é um passo posterior. Não me parece impraticável, apesar das dificuldades que fatalmente surgirão, adotar um novo estilo para a informação profissional. Muitos manuais editados nos EUA, por exemplo, já não se preocupam mais com descrição das ocupações; procuram sobretudo, colocar em discussão “o que é trabalho?”, “que relações se estabelecem entre as pessoas que trabalham?”, “que dificuldade pode ocorrer quando se busca trabalho?”, “que papel tem o trabalho na estrutura de produção?” etc. Em tais manuais, a parte dedicada à descrição de ocupações    e à indicação de oportunidades de qualificação escolar é mínima. 

Vale observar, finalmente, que a preocupação com informações sobre ocupações, seguindo o modelo descrito, esbarra num problema numérico: existem, apenas no Setor Terciário, cerca de 2.000 ocupações. Descrever todas as ocupações e, mais ainda, esperar que o cliente de informação conheça-as individualmente, é tarefa impraticávelReduzir a informação ao mercado de trabalho local é providência inócua, uma vez que mercado de trabalho local é conceito impreciso. 

A AMPLITUDE CONCEITUAL DE INFORMAÇÃO PROFISSIONAL 

Alguém poderia sugerir que as questões levantadas no item anterior perderiam o sentido se considerássemos a informação profissional como parte do processo de Orientação Educacional. Embora todos vocês conheçam o que se discute a este respeito, vou descrever as propostas de definição e de inter-relação que são veiculadas sobre o assunto: 

A Orientação Educacional é processo que procura garantir aos indivíduos oportunidades de análise de possibilidades pessoais, facilitando a proposição de um projeto de vida. Esse projeto inclui, obviamente, a perspectiva profissional. Portanto, é parte da Orientação Educacional a Orientação Vocacional. 

É preciso registrar que a maior parte dos autores não deixa de incluir, nas definições, a análise das possibilidades pessoais confrontadas com o meio. Duas outras áreas, incluídas como partes da Orientação Educacional, são ora consideradas como sinônimo, ora como atividades diferentes: informação Ocupacional e Informação Profissional.  Vou adotar aqui a primeira  hipótese. Assim, Informação Profissional  (ou Ocupacional) é procedimento empregado para facilitar o acesso ao conhecimento das profissões (ou ocupações) existentes numa determinada sociedade. 

Todo o esforço de conceituação é, a meu ver, meritório e necessário. O “afastamento” que ele exige pode trazer maior clareza e, porém, o risco de importar um referencial conceitual já pronto e construído a partir de uma realidade diferente da nossa. 

As atividades de informação profissional desenvolvidas no Brasil partem, a meu ver, de um enquadramento puro e simples como parte do processo de Orientação Educacional. Em algumas organizações ¾ particularmente no SENAC ¾, a Informação Profissional substituiu a Orientação Educacional. E neste sentido não pode a primeira ser definida apenas como procedimento ou técnica, mas como processo. O que se buscou com a mudança de enfoque foi substituir o atendimento individualizado por um atendimento de grupo. É claro que estas circunstâncias refletem imprecisões terminológicas. Se quisermos, porém, realizar um esforço de conceituação sobre a matéria, não poderemos deixar de considerar a direção assumida pela Informação Profissional no Brasil. 

AS OUTRAS AGÊNCIAS DE INFORMAÇÃO PROFISSIONAL 

Em diversos pontos desta comunicação reiterei a não exclusividade da escola (ou de organizações a ela assemelhadas) como agência de informação profissional. Afirmei, também, que a informação profissional escolar pode ser inócua, quando desconsidera ou não consegue modificar valores. É conveniente, portanto, analisar quais são as outras agências de informação profissional e que processos entram em jogo na destinação das pessoas. 

Vou partir de um exemplo para situar a questão. Ouvi de um professor de Programas de Iniciação Profissional que a informação profissional é adequada apenas para parte de seus alunos. Ele afirmava ser dispensável a informação para alunos de classe média, pois estes já haviam decidido que carreira seguir. Sobrava, neste caso, a possibilidade (e necessidade) de informar aqueles das classes menos favorecidas. 

O testemunho registrado mostra a percepção da não exclusividade da escola como agência de informação profissional. Mostra, também, um equívoco quanto à tarefa do técnico. Pois, apesar de perceber a situação, aquele profissional não chegou a analisar o modo de “informação” anterior a seu trabalho. Concluiu, ingenuamente, que os alunos de classes mais favorecidas são esclarecidos e “sabem o que querem”. 

Família e grupos de convívio são agências de informação. E a informação que se obtém nessas agências é uma informação interessada (valorada). A escolha que se faz a partir daí não é neutra, imparcial; não será modificada se as informações posteriores preocuparem-se apenas com o conhecimento. Se a escola quiser fazer informação profissional não pode desconhecer as agências concorrentes e os processos que estas empregam. 

Ao analisar essas outras agências, fica claro que o problema da informação profissional não é propriamente ocupações ou emprego. 

O objeto de informação profissional é o trabalho. Trabalho que tem um significado social diferente em cada um dos estratos sociais. 

Pensar o emprego como alvo principal de informação constitui uma tendência que vai na mesma direção de outras que já registrei, tais como: objetivismo, privilégio excessivo concedido à ocupação e cognitivismo. O lema “trabalhador informado não fica desempregado” é expressão clara dessa tendência. O próprio título desta comunicação evidencia uma preocupação maior com o emprego, não com o trabalho. O ajustamento da oferta à demanda de recursos humanos é, quase sempre, pensado em função de possibilidades de emprego. O uso do termo “emprego” descaracteriza a importação valorativa que o trabalho tem. Quem procura emprego não se contenta com qualquer trabalho; pode, evidentemente, aceitar um emprego que não julgue adequado. Quando isso ocorre, entram em funcionamento justificativas de aceitação tais como o fatalismo ou a afirmação de que se trata de situação passageira, circunstancial. 

O que as pessoas procuram de fato é trabalho (com toda a carga valorativa que este termo possui numa determinada sociedade). Há que se considerar que a garantia de subsistência não depende exclusivamente do emprego. O fenômeno do Setor Informal, que começa a ser estudado sobretudo pela Organização Internacional do Trabalho, mostra uma saída de subsistência que não depende do emprego organizado. E esse fenômeno é significativo nos países em desenvolvimento: nos grandes centros urbanos da América latina, por exemplo, cerca de 35% da população economicamente ativa exercem atividades Informais. Tais atividades ¾ guardador de carros, florista autônomo, engraxate, camelô etc. ¾ podem fornecer maiores ganho que empregos oferecidos pela economia formal. Quando pessoas em tal situação recusam os benefícios de uma ocupação organizada, não o fazem, como se pensa comumente, por falta de informação ou ausência de “cultura”. Elas sabem que muitas ocupações organizadas proporcionam rendimentos menores que os obtidos em atividades informais. O uso do termo desemprego, sem análise da situação do Setor Informal e das possibilidades econômicas que ele pode oferecer, pode levar-nos a conclusões apressadas quanto a geração de novos empregos, informação profissional e qualificação de mão-de-obra. 

Voltemos às outras agências de informação profissional. Além da família e dos grupos convívio, desempenham papel relevante os meios de comunicação de massa. Eles reforçam valores socialmente aceitos e, mais ainda, apontam profissões mais “dignas” e “atraentes”. Não acredito que acusações moralistas possam modificar esta situação, pois os meios de comunicação de massa refletem valores sociais (explícitos e implícitos e os veiculam para uma grande audiência. 

É possível detectar mais agências de informação profissional. É possível encontrar outros exemplos, além do fenômeno do Setor Informal, para comprovar que as pessoas procuram trabalho em vez de emprego. Acredito, porém, que os comentários que teci já são suficientes para encaminhar uma discussão sobre agências concorrentes e trabalho como atividade socialmente valorada. 

OS MECANISMOS DE SELEÇÃO 

As pessoas escolhem profissões, mas as profissões também escolhem pessoas, Esta afirmação não é um jogo de palavras. Os processos de seleção, formais ou mesmo informais, são mecanismos pelos quais profissões escolhem pessoas. E processos de seleção não são apenas formas de avaliação de competência. Muitos critérios de seleção dependem de valores, e ”cultura da empresa” traduz apenas uma face desta circunstância. O uso de referências de escolaridade, por exemplo, mostra bem como seleção cumpre finalidades que vão além de uma avaliação de competência. Todo nós conhecemos as modificações ocorridas nos concursos para Escriturário do Banco do Brasil. Nos primeiros concursos, a exigência de escolaridade era irrelevante. Posteriormente, passou-se a exigir uma escolaridade definida (limites estabelecidos até certas séries do antigo curso ginasial). Hoje, a exigência é de 1º grau completo. Alguém poderia argumentar que o crescimento das exigências de escolaridade corresponderam a avanços tecnológicos verificados no campo da ocupação mencionada. Mas, avanço tecnológico, neste caso, significa justamente simplificação de tarefas. O que aconteceu realmente foram providências no sentido de se eliminar o excesso de candidatos. O caso do concurso do Banco do Brasil não é único. O mesmo mecanismo foi e é empregado por empresas e órgãos de governo. E, mais ainda, o fenômeno é universal. 

A elevação dos requisitos de escolaridade para ingresso em determinados tipos de trabalho sofre, por parte dos próprios profissionais, uma reinterpretação. O que foi proposto apenas como mecanismo para eliminar o excesso de oferta, passa a ser considerado como indispensável para o exercício profissional. Quando isso ocorre, a própria informação profissional é envolvida, pois a descrição da ocupação passa a indicar a escolaridade “função-seleção” como escolaridade “função-competência”

O capital cultural age mais sutilmente como elemento de seleção. Recorro a mais um exemplo para situar a questão. Há cerca de cinco anos, numa das seleções para o cargo de Orientador Técnico do SENAC de São Paulo, surgiu um caso flagrante de influência do capital cultural. O “curriculum vitae” de uma candidata, apresentado sob forma de autobiografia, descrevia, numa linguagem quase infantil, a expectativa de alguém formalmente qualificado e que não teria nenhuma chance de exercício da ocupação pretendida. Uma definição simplista e equivocada de Educação, numerosos erros de ortografia e períodos sem nexo, eram alguns dos aspectos do “curriculum vitae” em questão. A candidata, porém, não percebia estas limitações, pois ela possuía um diploma de valor similar aos diplomas de outros concorrentes. Os dados do “curriculum vitae” mostravam a causa da Insuficiência: ausência de possibilidades de enriquecimento do capital cultural.

O exemplo citado pode dar margem a uma explicação corrente: má qualidade do ensino. Já afirmei em outras partes que “qualidade do ensino” é um falso problema. A mesma seleção de candidatos a que me referi aprovou candidatos de “boas” e “más” escolas, como também reprovou candidatos de “más” e “boas” escolas. 

A análise da influência do capital cultural mostra que os mecanismos de seleção precedem situações formais de avaliação de candidatos para uma ocupação. Se a informação profissional não levar isso em conta, torna-se atividade supérflua. Não se conclua, porém, que informação profissional pode modificar situações como o uso de critérios de escolaridade superior à requerida para uma determinada ocupação ou como a determinação de oportunidades de trabalho pelo capital cultural. O papel da informação profissional é menos amplo: ele deve criar condições para que esses aspectos sejam analisados pela clientela.

OS FLUXOS MIGRATÓRIOS

O fenômeno dos fluxos migratórios modela determinados tipos de ofertas de mão-de-obra. Todos nós sabemos que esses fluxos migratórios obedecem motivações diversas e nem sempre a oferta de oportunidades de emprego, numa determinada região, é a principal delas. A fuga de condições insustentáveis de vida, por exemplo, pode ser a motivação mais forte. Certos fluxos migratórios, motivados pela oferta de oportunidades de emprego, continuam mesmo que desapareçam as circunstâncias que os causaram originariamente. 

Os fluxos migratórios são muito mais numerosos que os tradicionalmente considerados (Nordeste – São Paulo, Nordeste – Rio de Janeiro, Minas – São Paulo, Interior – Capital). E eles não colocam em questão apenas o conceito de mercado de trabalho local. Implicam também em valores. A concentração de profissionais liberais nos grandes centros urbanos é uma das provas disto. A informação de que estão diminuindo proporcionalmente as oportunidades de trabalho na cidade de São Paulo, por exemplo, não está fazendo diminuir os índices de crescimento da população paulistana. 

POSSIBILIDADES DE AJUSTE ENTRE DEMANDA E OFERTA DE RECURSOS HUMANOS 

Levantei, até aqui, uma série de aspectos para discussão. A forma assumida por este levantamento deve ter provocado uma dúvida: que posição defendo quanto ao título desta comunicação ¾ “Informação Profissional pode ser fator de ajuste entre demanda e oferta de recursos humanos?”. 

Penso que é possível o papel da informação profissional como fator de ajuste entre demanda e oferta de recursos humanos. Mas vejo tal possibilidade caso haja uma mudança significativa de enfoque nas ações de informação profissional. A direção dessa mudança depende de diversas providências que foram mencionadas ao longo desta comunicação. Vou encerrar, reiterando algumas delas: 

1. Assumir o papel relativo que o aparelho educacional tem como fator de mudança social é uma delas. É preciso, sobretudo, assumir a relatividade do aparelho educacional com relação à qualificação para o trabalho. Como conseqüência desta relatividade, deixar de lado afirmações tais como: “Educação gera empregos”, e “escolaridade é condição indispensável para o exercício profissional”, “a baixa qualificação formal da mão-de-obra é responsável direta pelos baixos índices de produtividade” etc. 

É conveniente recordar, neste tópico, o artificialismo da criação de ocupações a partir da escola. Muitos cursos superiores já foram criados para formar um profissional do “futuro”. Isto gerou, na verdade, profissionais “biônicos” que hoje procuram regulamentar uma profissão que não tem o respaldo da realidade. Este é um exemplo extremo de superestimação das possibilidades habilitantes do aparelho escolar. 

2. Outra providência: superar o cognitivismo que predomina nas ações de informação profissional. Conhecimento, isoladamente, não provoca ou modifica adesões. Sobram exemplos a este respeito na escolha de partidos, de clubes, de tipos de diversões e de profissões. Conhecimento não faz superar preconceitos: uma informação objetiva sobre a ocupação de garçom não leva pessoas a procurarem cursos que visem qualificação de mão-de-obra para este tipo de trabalho. 

3. Deixar de lado o objetivismo que caracteriza hoje ações de informação profissional é providência urgente. É preciso procurar objetividade, porém, não é possível obtê-la a partir de uma linguagem emprestada de determinadas técnicas da    Psicologia. 

4.  Partir do trabalho como técnica e valor é também providência importante. E como o aspecto “técnica” vem sendo considerado com exclusividade, procurar realçar mais o aspecto “valor”.

  • Não desvincular informação profissional do processo de formação profissional: providência também fundamental. Cabe observar que processo de formação profissional, neste caso, deve ser entendido em toda a sua amplitude: escola e agências especializadas em capacitação de recursos humanos são apenas parcelas do mesmo. 

Para finalizar, destaco que o ajuste entre demanda e oferta de recursos humanos ocorre, em cada sociedade, consciente ou inconscientemente. Torná-lo consciente depende, em parte, de ações de informação profissional que deixem de privilegiar processos e técnicas e passem a analisar todas as circunstâncias que o envolvem. 

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