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Memória e aprendizagem

dezembro 30, 2008

brain-memoryNo distante 1966, João Edênio Valle, um dos melhores professores que tive, fez uma pergunta aparentemente casual em classe : “que percentual de acertos teria o relato de uma testemunha ocular de um acidente?” As respostas variaram bastante. Mas, todos nós, influenciados por impressões de senso comum, chutamos valores maiores que cinquenta por cento. Aprendemos que valor real andava pela casa dos dez por cento. E mais, Edênio nos informou que mesmo um policial bem treinado não ultrapassaria os vinte por cento de de descrições acuradas dos fatos.

A lembrança do episódio que acabo de narrar me veio ao ler a resenha Can’t Remember What I Forgot: The Good News from the Front Lines of Memory Research, comentando obra de Sue Halpern, e publicada no The New York Review of Books de 17 de dezembro de 2008. O livro de Halpern é um trabalho investigativo sobre avanços científicos recentes sobre o mal de Alzheimer. Michael Greenberg, na introdução da resenha procura situar a importância da memória para todos nós. Memória, diz ele, “é toda uma rede de experiências e associações das quais construímos quem somos, quem são os outros, e o que esperamos deles e de nós mesmos”. Tal definição sugere que memória é consciência, porque o que o cérebro faz o tempo todo e em todas as suas operações é lembrar. Cito uma passagem mais longa do texto de Green:

… no interior de nossas memórias há vestígios de nossas vidas sensoriais e emocionais, uma rede íntima de recordações, única para cada um de nós. O neurossistema no qual essa cascata de memória acorre com seus ramos, transmissores, e gaps engenhosamente encobertos têm uma qualidade de improviso que parece espelhar a imprevisibilidade do próprio pensamento. Ela (a memória) é um lugar efêmero que que muda na medida em que mudam nossas experiências, de tal modo que somos incapazes de relembrar duas vezes o mesmo evento exatamente da mesma maneira.

No livro de Halpern há relato de uma experiência feita pela Cambridge Psychological Society. Membros da organização foram desafiados a lembrarem detalhes de uma reunião havida duas semanas antes. Em média, as pessoas se lembraram de cerca de oito por cento do que havia acontecido. E das coisas lembradas muitas estavam incorretas, “temperadas por eventos que nunca aconteceram ou que aconteceram em outras circusntâncias”. Esse experimento informal confirma o que aprendi com João Edênio na metade dos anos sessenta.

A memória real, a memória com a qual funcionamos é bastante diferente da memória definida de acordo com o senso comum. Esta última é vista como atividade de reprodução fiel ou quase fiel de experiências e informações. Em 1975, no clássico Explorations on Cognition, Rumelhart e Norman, já nos alertavam que nossa memória não funciona com gravadores ou fitas de vídeo. Para mostrar isso, os autores promoveram um pequeno experimento entre alunos residentes nos alojamentos da Universidade da Califórnia em San Diego (UCDS). Os estudantes foram convidados a desenhar esquematicamente a planta dos apartamentos onde viviam. Quase todas as produções dos alunos mostravam apartamentos com varandas que se projetavam para fora das paredes externas do edifício. Mas as varandas dos alojamentos da UCSD não se projetam para fora, estão no corpo interno do edifício. Como explicar o “erro” gente que morava a mais de seis meses nos alojamentos? Rumelhart e Norman recorrem a um modelo de como construímos esquemas mentais para guardar informações. Tais esquemas se servem de padrões que tentam captar certas características comuns de objetos eventos. No caso, uma característica comum das varandas é a projeção para fora das paredes do edifício. Dito de uma outra forma: os alunos impuseram sua visão de mundo aos modelos de plantas que construíram sobre seus alojamentos. Suas memórias mudaram a realidade para adequá-la aos padrões comuns de varandas.

O que guardamos na memória é resultado de operações que filtram experiências e informações com as quais entramos em contato. Uma das características dos filtros utilizados é a tentativa de economizar espaço de armazenamento, classificando fatos e eventos de acordo com categorias já conhecidas, ou com padrões. Nossas memórias são, portanto, sempre resultado de interpretações ou, para usar um termo da moda, de construções pessoais da realidade.

O conceito de memória que estou tentando descrever aqui não é novo. Um dos psicológos mais importantes do século XX, Frederic C. Bartlett, realizou estudos importantes sobre o tema nos anos de 1930 em Cambridge. Sua obra fundamental em psicologia social chama-se Remembering e ainda é atualíssima.bartlett

A definição de memória nos termos propostos pela pesquisa científica é de suma importância para a educação. Ela certamente tem desdobramentos em termos metodológicos. Professores e materiais didáticos precisam considerar os modos de funcionamento da memória humana. E uma das coisas perturbadoras que vejo no caso referem-se à necessidade de contrariar a “natureza” em algumas circunstâncias de ensino. Deixada à sua própria sorte, a memória humana pode interpretar certas coisas na direção do senso comum. E isso é um baita problema no ensino da ciência, por exemplo. Os padrões normais de interpretação dos fenômenos (físicos, históricos, sociais) tendem a confirmar visões de mundo que nada têm de científicas. Isso coloca um alerta importante para a tão propalada necessidade de considerar o “conhecimento prévio” do aluno. Muitas vezes,o conhecimento prévio é noção de senso comum que precisa ser superada para a elaboração de um saber científico. E mais, algumas interpretações do construtivismo, decretando que o aluno deve construir sem qualquer influência “seu conhecimento”, parecem desconhecer completamente a natureza da memória humana. Um dos grandes problemas da aprendizagem é o de que certos saberes contrariam o funcionamento comum de nossa memória.

Resta comentar uma outra visão de memória associada a questões educacionais. No geral, quando falamos de memória, pensamos em reprodução fiel de informações (a criticada decoreba). A maior parte dos educadores abomina memorização de informações. Acho tal radicalismo um erro. Em diversas circunstâncias da vida há necessidade de recuperar rapidamente informação bem armazenada pois não há tempo ou não fica bem consultar um manual ou a internet. Pensem no primeiro caso num piloto de avião que tem de tomar decisões imediatas numa situação de risco. Pensem no segundo caso num médico realizando um processo comum de consulta. Se o piloto for atrás de informação, em vez de usar as que domina, talvez não haja tempo para tomar decisões. No caso do médico, se este recorrer a um manual para procedimentos comuns de consulta, o paciente ficará com a impressão de que o profissional não tem segurança. Alguém dirá, com toda razão, que não gostamos de decorar informações. É verdade. Mais uma vez estamos diante de uma necessidade que contraria o funcionamento normal da memória humana. E para superar a “natureza” é preciso esforço e embarque em atividades que trazem certo desconforto. Sobre o tema, acho conveniente citar passagem de livro que estou lendo no momento, The Crafstsman, da Richard Sennett:

Precisamos ver com suspeita afirmações sobre talento inato, sem treinamento. “Eu poderia escrever um belo romance se tivesse tempo”, ou “se eu pudesse dispor de um tempinho…” são normalmente fantasias narcisistas. Repetir continuamente uma ação, pelo contrário, permite-nos auto-crítica. A educação moderna teme a aprendizagem repetitiva, rotulando-a de entorpecedora da mente. Com medo de aborrecer as crianças, ávido por apresentar estimulação sempre nova, o professor iluminado pode evitar a rotina – mas priva as crianças da experiência de estudarem suas próprias práticas e de modulá-las por dentro. (p.37-38)

A figura do senhor que aparece neste post é uma foto de Fredric C Bartlett, um dos três maiores psicólogos do século XX. Ela foi retirada do arquivo Bartlett da Universidade de Cambridge.

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Reformas educacionais

dezembro 30, 2008

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Estou lendo uma obra imperdível, The Craftsman, de Richard Sennett. A cada passo da leitura, encontro idéias, provocações, explicações e tiradas que valem a pena. Provavelmente vou fazer uma resenha da obra para uma revista acadêmica e, talvez, escrever um artigo inspirado pelas observações de Sennett sobre o conhecimento e aprendizagem de habilidades. Os assuntos fogem um pouco do foco deste Boteco, mas há algumas coisas que podem ser objeto de prosa aqui. Uma delas é o tema das reformas no campo das instituições sociais.

Ao comentar contrastes entre o culto à eficiência decorrente de uma visão industrial e a dedicação à obra bem feita no âmbito de uma visão do trabalho artesanal, o autor se serve de uma análise sobre as recentes reformas da National Health Service (NHS), o serviço público de saúde do Reino Unido. E tantas são as mudanças acontecidas em duas décadas no setor que Richard Sennett constata que os profissionais de saúde britânicos estão sofrendo de fatiga de reforma. A expressão serve como luva para as reformas educacionais em nosso país. Padecemos no Brasil de fadiga de reformas em educação. E há um agravante: para sanar tanta fadiga inventam mais reformas

Tempo e história

dezembro 28, 2008

Como ver o tempo? Mil anos é muito? Que tal dez mil? Ou duzentos? Parece que os anos que se passaram ganham sentido dependendo daquilo que queremos examinar. No prólogo de seu TheCraftsman , Richard Sennett faz uma observação que merece destaque. O autor, dada a ausência de perspectiva histórica predominante nos dias de hoje, relembra uma proposta de John Maynard Smith.the-craftsman1

Smith nos pede para imaginar um filme de duas horas sobre a evolução dos vertebrados. Em tal película, nossa aparição como “fabricantes de instrumentos” aconteceria apenas no último minuto. Ele nos convida para um segundo experimento: um filme sobre o inventor de instrumentos. Nessa nova película, “a domesticação de animais e plantas apareceria apenas na segunda parte do minuto final, e o período entre a invenção do motor a vapor e da energia atômica seria apenas de um segundo”.

As propostas cinematográficas de Smith pretendem contrapor-se àqueles que acham que o passado é um território estrangeiro. Nos quinze segundos finais de nossa história estão Homero, Agostinho, Shakespeare e Goethe. Numa perspectiva histórica de longo prazo, estes grandes homens são nossos contemporâneos. Embora diferentes de nós, podem ser bem entendidos, assim como o seu tempo.

Insisto em um dos meus preferidos, Agostinho. Ele viveu de 354 a 430. Parece muito distante. Não é. Se usarmos as lentes dos filmes propostos por Smith, Agostinho é um contemporâneo. Aliás, uma das coisas mais inteligentes que já li sobre o tempo foi escrita pelo grande africano que viveu nos séculos quarto e quinto de nossa era.

Prazer em descobrir

dezembro 28, 2008

img_2131Quando a gente descobre alguma coisa a partir de raciocínio ou reflexão, há sempre um instante de prazer, um instante daquilo que os gringos chamam de ahá! Neste tempo de blog pouco movimentado, aproveito para registrar uma descoberta que fiz hoje. Coisa banal. Certamente muita gente não verá qualquer motivo de prazer na minha descoberta.

Descobri que podemos traduzir o nome John River por João Ribeiro. Nada grandioso, como já disse. Mas a descoberta veio a iluminar meu entendimento de um sobrenome muito comum em português, o Ribeiro de meu compadre Martônio. Até hoje eu nunca havia atentado para a relação entre Ribeiro e ribeirinho ou ribanceira. De manhã, ao ver um noticiário sobre enchentes na cidade de São Paulo, escutei um coronel da defesa civil dizer que a Zona Sul da cidade tem muitas ribeiras. Caiu a ficha. Ribeiro deve ser algum tipo de corrente de água. Vem de river, no latim, que deu origem a rivière, rio em francês. Ribeiro, em inglês e francês, refere-se a grandes correntes de água. Em português, nada mais é que um córrego maiorzinho, mesmo quando aparece no aumentativo ribeirão. Faço todos esses comentários sem ir ao dicionário. Deduzo, a partir da descoberta que fiz. No fundo já sabia de tudo isso, mas nunca acionei as necessárias conexões. Ribeiro, river e ribeirão sempre estiveram na minha fala. Mas até hoje eu não tinha percebido a raiz única de todos esses termos.

A foto que ilustra este post foi feita em Colônia, Uruguai. Mostra um pequeno trecho do Rio da Prata, na margem oposta a Buenos Aires.

Fim da História

dezembro 9, 2008

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Na Folha de hoje (09/12/08), li a seguinte mensagem na seção Painel do Leitor:

Infelizmente, o senhor Sílvio Luiz Lofego defende sua categoria, a dos historiadores, ao criticar decisão do governo do Estado de reduzir as aulas de história no ensino médio.

Mas o que poderia fazer o governador? Tirar matemática e língua portuguesa? Creio que estas duas disciplinas são, sim, mais importantes do que história em um Estado onde os alunos mal sabem ler e escrever.

Obrigado a colocar no currículo disciplinas que pouco têm a acrescentar, o Estado agiu bem ao manter o foco em escrita, leitura e matemática. E deixo aqui claro que sou administrador de empresas, sem nenhuma ligação com história, filosofia ou sociologia. [Ubajara Penante]

É o fim da História. Para cumprir a lei da obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia, o governo do estado de São Paulo, alegando razões de custo, resolveu cortar aulas de História no ensino médio. A mensagem de tal medida é a de que a disciplina menos importante do currículo é aquela que pode nos ajudar a entender a condição humana. E o senhor Penante (gente de verdade ou uma invenção?) pega carona na decisão para dizer que a disciplina em foco não tem importância. Estamos mal. No governo. No meio de cidadãos que acham que estudos históricos são um luxo dispensável.

Espanta-me a ignorância histórica de meus alunos na universidade. Para eles, vinte, duzentos ou dois mil anos não fazem diferença. Historicidade é um conceito sem significado. Vivem um aqui-agora que me amedronta. Não os culpo. A secundarização da formação histórica das pessoas já era uma marca forte nos inícios da Escola Nova, promotora de um imediatismo (espacial e temporal) em nome de alegados interesses dos alunos (afinal de contas, diriam os escolanovistas, que apelo podem ter fatos ocorridos num passado distante para os jovens de hoje?). Livros didáticos da disciplina são, cada vez mais, material sem profundidade, com muita ilustração desnecessária e pouco texto. Tudo isso é retrato de um tempo, nosso tempo, que resolveu ignorar a aventura humana que nos produziu. E, como já disse um grande autor, quem não aprende com a História está condenado a repeti-la de modo ridículo. Mas não é só isso. Aprender História é um modo de nos prevenir contra a barbárie. Ignorar os males recentes do fascimo e do nazismo, por exemplo, é meio caminho andado na direção de novas barbaridades. Como bem diz Diane Ravitch:

Uma sociedade que volta suas costas ao ensino de história encoraja a amnésia das massas, fazendo com que as pessoas ignorem eventos e idéias importantes do passado da humanidade, e provocando a erosão da inteligência cívica necessária para o futuro.


Voltemos ao senhor Penante. Ele critica aqueles que introduziram novos conteúdos obrigatórios – Filosofia e Sociologia – na grade curricular. Mas pensa da mesma forma que as pessoas que critica. Ou seja, manifesta a crença de que basta colocar matérias no currículo para promover educação. E esta, a meu ver, é a questão da recente obrigatoriedade de Filosofia e Sociologia no currículo do ensino médio. Quem batalhou por isso, descontados interesses corporativistas, acredita que inserir uma dada disciplina no currículo traz mudanças significativas. Nestes termos, o senhor Penante e as pessoas que ele critica lutam por mais ou menos disciplinas em todos os níveis de ensino. Mas, como diria alguém pouco respeitoso, o buraco é mais em baixo. Língua e Literatura Portuguesa são importantes. Mas sua presença numa grade curricular nada garante em termos de aprendizagem. Há uma carga horária respeitável de disciplinas relacionadas com nosso idioma. Apesar disso, muita gente com diploma do colegial lê e escreve muito mal. A conversa sobre isso dá pano para manga; não vou, porém, amolar o leitor com mais argumentos. Deixo a prosa no ar. Se alguém se der ao trabalho de comentar, posso continuar o assunto.

Volto à questão da História. Ela é mais importante para a vida que a matemática. Não saber fazer alguma conta pode acarretar pequenos prejuízos na hora de calcular ou dar um troco. Ignorar os perigos de novas formas de barbárie e não saber calcular como elas podem provocar genocídios, dadas lições que a História nos fornece, é um caso de vida ou morte (muitas mortes…).

A foto (by Ana Maria Barato) que ilustra este post é uma imagem da Calle de los Suspiros, Colônia, Uruguai. A cidadezinha é um sítio histórico importante de nossa América do Sul. Mostra diferenças sensíveis entre os projetos portugueses e espanhóis na arquitetura colonial. Hora dessas escrevo mais sobre Colônia, com fotos minhas ou de minha mulher.

WebQuest em Revista

dezembro 9, 2008

bons-fluidos2A edição de dezembro/2008 da revista Bons Fluidos acaba de publicar matéria sobre WebQuest. O repórter resolveu enfatizar uma recomendação para introduzir os alunos em tramas que exigem cooperação: colocar-se no lugar de um profissional que faz parte de uma equipe de trabalho. Essa não é propriamente uma característica das WQ’s, mas a forma como a matéria aborda o assunto pode ajudar bastante na compreensão do modelo criado por Bernie Dodge.

A reportagem é uma boa introdução às WQ’s. As explicações sobre estrutura da Tarefa e dinâmicas do Processo são muito claras. Vale a pena ler o material. Recomendo-o como uma referência inicial em programas de capacitação sobre elaboração e uso de WebQuests. Para ver a matéria clique em “Cada um em seu lugar? Não, um no lugar do outro“.

A ilustração deste post é um detalhe da arte feita para a matéria sobre WebQuest na Bons Fluidos.

Educação nas alturas

dezembro 9, 2008

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Nos últimos dias de novembro passado estive em Huancayo, cidade situada num vale andino. Participei na ocasião de seminário promovido pela Universidad Nacional del Centro de Peru. No sábado palestrei sobre tecnologia, educação e gestão. Parece que a reação dos participantes foi boa, apesar do meu portuñol sofrível.

O evento, promovido pelo setor de post-grado em educação, contava sobretudo com professores, a maioria deles mestrandos em educação da universidade. Conversei com alguns desses professores e professoras. E, assim com já ocorrera em contato que tive com educadores peruanos cinco anos atrás em Lima, fiquei muito impressionado com a dedicação dos mestres do ensino público daquele país irmão. Duas histórias de trabalho que me foram contadas em Huancayo merecem registro. Ambas são muito parecidas. Duas professoras trabalham em comunidades rurais dos Andes, em altitudes de cinco mil ou mais metros. Em tais alturas das montanhas não há estradas por onde possam circular veículos de qualquer espécie. As professores, para chegar às escolas, andam por caminhos nos cimos da cordilheira. Algumas vezes essas andadas duram até três horas, muitas vezes sob um frio em torno dos dez graus negativos. Essas aventuras diárias das mestras foram me contadas sem qualquer tom de reclamação. Elas queriam que eu apenas tivesse uma idéia das condições de trabalho de uma professora de ensino fundamental nas zonas rurais dos Andes. As crianças daquelas paragens são privilegiadas. Contam com professoras entusiasmadas e dedicadas. E reparem: essas professores estão fazendo mestrado em educação.

Depois de conversar com docentes que têm experiências tão expressivas de vida e de sala de aula, fiquei me perguntando que importância teria minha comunicação no evento. Minha fala, elaborada a partir de reflexões (abstratas) sobre a natureza da Internet, era algo muito distante do fantástico trabalho realizado num dos tetos do planeta. Senti-me terrivelmente estrangeiro em todos os sentidos. E meus sentimentos ficaram mais agudos quando aquela gente admirável me honrou com atenção, elogio, e perguntas inteligentes. Fui levar-lhes novidades sobre tecnologia. Mas sinto que minha colaboração foi pequena se comparada com tudo que aprendi como testemunho dos professores da rede pública do Peru.

Nos intervalos e refeições, três professoras do programa de pós da Universidad Nacional me acompanharam. Manifestaram em cada ocasião um “cuidado” que meu amigo Mário Sérgio Corttella diz ser o fundamento da ética. Não tenho como agradecer tanta amabilidade. Posso apenas dizer: “muchas gracias”, Marta, Carmen e Luisa. Aprendi muito com vocês. Aprendi educação. Aprendi cuidado.

No capítulo agradecimento não posso deixar de dizer um imenso muito obrigado a meu velho amigo Sigfredo Chiroque Chunga, grande educador peruano, que me indicou para o evento. Além da indicação, Chiroque me cumulou de gentilezas o tempo todo, mesmo quando me pôs numa fria, ao propor palestra que tive de improvisar para professores e recém-formados da Faculdade de Educação da Universidad Mayor de San Marcos. Passado o susto de se ver improvisando uma comunicação num ambiente acadêmico, fiquei muito grato pela oportunidade de conhecer a mais antiga universidade das Américas (fundada em 1551).

A foto que abre este post é uma imagem que vi desde a janela do ônibus na viagem de volta para Lima. Altidude da estrada no pedaço: 4930 metros.