No momento estou conversando com meus alunos sobre o começo de planejamento para produção de WebQuests. Todo mundo está envolvido com a criação de tarefas. Belas idéias. Muitas dúvidas. Algum entusiasmo. Certa desconfiança. Tudo coisa normal no andamento de projetos que exigem produção. Apesar de alguns anos de experiência no ramo, acho que estou fazendo algumas descobertas importantes. A coisa não está muito clara. Por isso resolvi escrever este post. Para compartilhar cismas. Para externar uns sentimentos cujo rumo ainda desconheço. Para abrir um espaço a fim de que meus alunos e ciberamigos possam colaborar com minhas tentativas de entender melhor o papel de tarefas em WebQuests e em processos de planejamento educacional.
Costumo enfatizar a importância da tarefa no modelo WebQuest. Ela é o coração e alma de tudo. Por causa disso, muitos de meus alunos estão criando tarefas antes de planejarem claramente o conteúdo com o qual gostariam de trabalhar em suas WQ’s. Preocupei-me. Chamei a atenção de alguns grupos para a necessidade de estabelecer, antes de tudo, tema e conteúdos a serem estudados. Mas, pensando melhor, acho que não há nenhum mal em começar pela tarefa. Esse modo de planejar pode eliminar todo aquele academicismo e falta de contextualização que caracterizam o planejamento de ensino.
Mergulhar numa definição bem clara da tarefa pode ser um exercício salutar para dar sentido aos saberes que gostaríamos de ensinar e ver aprendidos. Isso muda completamente modos de pensar sobre conteúdos da educação. Em atividades tradicionais de planejamento trabalhamos com conteúdos de conhecimento ditados por certo modo de organizar as ciências [não importando muito se a abordagem é uni ou multidisciplinar]. A idéia, no caso, é a de desenvolver saberes científicos independentemente das demandas sociais do conhecimento. Esse formalismo pode ser ultrapassado se trabalharmos a idéia de tarefa com profundidade e empenho.
Qual é o sentido de tarefa no modelo WebQuest? No modelo, a tarefa é uma descrição clara de um produto ou evento cuja execução exige articulação de saberes de diversos ‘especialistas’. Sirvo-me de um exemplo para continuar a conversa. Recentemente estive envolvido na produção de um vídeo interativo sobre dinâmicas do mercado de trabalho para jovens e adultos com baixa escolaridade. Fernando Fonseca, assessor educacional da Fundação Padre Anchieta, propôs o desafio pensando numa adaptação da famosa coleção de software educacional Decisions/decisions a um vídeo com certa interação. Trabalhei na concepção inicial do produto definindo possíveis percursos de um jovem trabalhador que perde o emprego e vai à luta para encontrar um rumo profissional. Meu trabalho foi convertido por Márcio Araújo, roteirista e diretor teatral, em sinopse para uma ‘novela’. Nessa altura, Fernando entrou na arena para, com sua competência em armação de jogos, definir um número manejável de percursos (propus 108, ele reduziu para 37!), tendo em vista tempo, possibilidades de produção etc. O material inicial de nossa proposta foi examinado e criticado por um grupo de técnicos da Secretaria de Relações de Emprego e Trabalho (SERT) do Estado de São Paulo. Depois disso, nasceu um roteiro. Mais conversa entre os ‘especialistas’ para conferir dinâmica, adequação de conteúdos, teor dramático etc. Outros profissionais entram em cena, gente de produção coordenada pela Áurea, também da Fundação. Finalmente um diretor( o próprio Márcio), muitos atores e muitos profissionais de TV compareceram. O produto, um vídeo interativo, ficou pronto. Nesta história toda, diversos saberes foram articulados, confrontados, comparados, somados, sintetizados para que o produto tivesse qualidade profissional e pudesse servir ao fim proposto, um ponto de partida para que trabalhadores possam conversar sobre sua vida produtiva com bons fundamentos. Que saberes entraram na história? Sociologia do trabalho. Metodologia de ensino. Psicologia. Metodologia de criação de enredos com decisões. Dramaturgia. Diversos formatos de redação (sinopse de jogos de decisão, sinopse dramática, roteiro de vídeo etc.). E muito mais. A tarefa exigiu tudo isso. Essa história mostra um caminho em termos de planejamento de conteúdos de ensino:em vez de partir das ciências, partir da vida, partir de interesses sociais. Evidencia-se assim que os saberes humanos devem ser interessados.
Não sei se estou me explicando bem. A tarefa em WebQuest não é apenas uma alternativa de metodologia de ensino. Ela é um olhar educacional que procura espelhar-se em modos pelo qual os saberes ganham vida na vida cotidiana. Em outras palavras, necessidades humanas geram produtos e eventos que vão tecendo a vida em sociedade. Tais produtos exigem saberes. Se tais saberes já existirem no mundo será preciso articulá-los. Se ignoramos alguma coisa, vamos atrás, construímos novos saberes. Tudo isso significa articular saberes socialmente distribuídos [ninguém sabe tudo, alguns sabem coisas que outros não sabem, a associação de saberes é uma exigência do fazer, do produzir, a cooperação cognitiva é uma decorrência disso tudo). É essa dinâmica da vida que a tarefa em WQ’s procura imitar. Saberes ganham sentido. A necessidade de estudar, de saber mais, idem.
Será que estou sendo claro? Não tenho certeza. A decisão é de meus alunos e dos leitores. Comentários a este post serão por isso muito bem vindos. Mas ainda falta muito a dizer. Continuo o papo por mais algumas linhas.
Há um número imenso de tarefas (de produções que exigem articulação de saberes) na vida. No mundo do trabalho elas são muito comuns. Essa realidade deve iluminar nossa escolha de tarefas para WebQuests. Escolher tarefas é, de certa forma, escolher desafios de estudo que imitam a vida. Muita coisa que pode ganhar forma de tarefa em WQ’s é realista. Mas há lugar também para invenções que têm mais a ver com imaginação do que com o cotidiano. Um exemplo: “voltamos aos anos de 1800, o Paraguai se desenvolve de modo espetacular, e na famosa guerra contra Argentina , Brasil e Uruguai, sai-se vencedor; com esta história reescrita, a missão de vocês é a de fazer uma reportagem sobre Paraguai do século XXI, com destaques para geografia da América do Sul, idiomas, insdústrias, cultura etc.”. Não cheguei a desenhar a tarefa para a WebQuest “Um Outro Paraguai” de modo definitivo. Mas acho que minha sugestão indica um rumo: construção de propostas ficcionais com base no “e se …” . Imaginem outra proposta, uma tarefa cujo ponto de partida seria: “e se Pelé tivesse sido jogador do Corinthians”. A história mundial do futebol provavelmente seria mais gloriosa…
No que é que estou insistindo? Estou insistindo na idéia de que inventar uma tarefa é uma maneira bastante original de estabelecer compromissos de aprendizagem a partir de usos sociais do conhecimento. Uma tarefa bem formulada mostra que nossos saberes precisam estar encarnados no mundo. Eles não são apenas “matéria”, são ferramentas que nos ajudam a produzir, viver melhor, avaliar o que rola na sociedade, ganhar a vida, ter mais prazer, ser mais felizes. Tudo isso é “ação”, não um conhecimento desapaixonado cuja sede é apenas a cabeça do agente do saber.
Há mais o que dizer, mas acho que já estou me enrolando e, quase certamente, enrolando o leitor. Eu devia parar por aqui. Mas aí me lembrei de um reparo. Ao falar em aprendizagem cooperativa devo ter dado a impressão que uma tarefa exige articulação harmoniosa de saberes. Em algumas situações isto pode ser verdade. Mas em muitas situações produtivas a colaboração de saberes acontece em fazeres de muita contradição, de confronto. Esse aspecto deve sempre estar presente na mente dos planejadores de WebQuests.
[Ilustrei esta conversa com fotos de xilogravuras de Rodrigo Barato, meu sobrinho. Elas não têm muito a ver com o assunto, mas são arte que merece uma chance.]