053. TV e Educação
Faz bastante tempo que me pediram para levantar questões para um programa que abordaria o tema “A TV na Educação”. Escrevi um documento provocativo que trago para cá, compartilhando-o com amigos que queiram dar uma olhada na matéria.
TV & EDUCAÇÃO
Temas para debate
- 1. Por que as TV’s educativas não deram certo?
Na década de 50 gastaram-se fortunas com programas educativos nos EUA. Aulas, cursos e palestras, com os melhores professores do país, resultaram num imenso fracasso. Coisa parecida aconteceu no Brasil quinze anos depois, as TV’s educativas tupiniquins colocaram aulas e cursos no ar. Mas não houve nenhuma revolução na educação nacional. O mínimo que se pode dizer é que a TV educativa foi (e continua sendo) ignorada pelos educadores.
No início dos anos 70, o SENAC de São Paulo e a Fundação Padre Anchieta ofereceram um curso técnico pela TV. Era o curso técnico de comércio exterior. O Canal 2 colocava no ar, em rede aberta e horário nobre, as aulas do curso. O programa alcançava todo o Estado de São Paulo. Nas últimas semanas do tal curso tínhamos cinqüenta alunos! Mas nem todos eles viam o programa, pois achavam melhor estudar a matéria no teleposto, com um professor e após a transmissão.
Japão, Inglaterra e Holanda possuem TV’s educacionais que parecem dar certo. Mas elas não são TV’s educativas. São, muito mais, na sua relação com as escolas, produtoras e fornecedoras de um rico material audiovisual integrado ao currículo. Os programas educativos da BBC e da NHK não são autônomos, embora alguns deles sejam bons shows de televisão.
- 2. De quem é a culpa pelo fracasso das TV’s educativas: dos produtores de TV? dos educadores?
No início do século, Tomas Edison, entusiasmado com o potencial do cinema, previu que toda a estrutura escolar de 1º grau americana seria substituída – com muitas vantagens – por cerca de 5000 ou 6000 filmes que cobririam todo o currículo. Este sonho de Edison foi reavivado nos anos 40 com o surgimento da televisão. Mas a colaboração do novo meio para educação escolar tem sido muito modesta. A televisão nunca entrou na escola para valer.
O relativo fracasso da TV enquanto meio de educação é explicado de duas formas distintas. Uns acham que a TV produz um lixo cultural que deve mesmo ficar longe da escola. Outros pensam que os educadores, quase sempre muito ignorantes no que diz respeito às tecnologias da comunicação, jamais souberam criar meios didáticos para aproveitar o imenso potencial do veículo chamado televisão.
- 3. A televisão deseduca?
Professores de todos os níveis e de todas as matérias revelam um grande descontentamento com o desempenho de seus alunos em duas habilidades fundamentais: escrita e leitura. Ninguém quer ler, nem mesmo os livrinhos especialmente fabricados para quem se enfada depois da terceira página. E a escrita? Um amontoado de palavras desconexas, desconhecendo sintaxe, acentuação, concordância , regência e quetais. Culpados? Entre outros, dizem muitos educadores, a televisão.
Muitos educadores, além de políticos e gente do povo, acham que a televisão deseduca em diversos sentidos. Vai aqui uma pequena lista.
A TV:
- banalisa (e promove) a violência.
- elimina (artificialmente) as diferenças culturais.
- aniquila valores éticos profundos
- elimina o senso histórico, valorizando apenas o “aqui e agora” noticiável.
- promove valores e costumes descartáveis e superficiais.
- impede relações familiares mais autênticas.
- ridiculariza valores morais tradicionais.
- converte política em mero espetáculo.
- promove uma visão espetacular da realidade.
- 4. A TV comercial deve educar?
É comum a expressão “TV é entretenimento”. Ou, em português: “TV é diversão”. Neste sentido, dizem os entendidos, o novo veículo não deve ter qualquer compromisso educacional.
Mas há quem cobre compromissos educativos da TV comercial. E que compromissos seriam esses? Essa pergunta, ressalvada as devidas diferenças, é parecida com a indagação: quais são os compromissos educacionais do circo?
Algumas vezes discute-se o “compromisso educacional” como sendo uma dimensão da responsabilidade social da TV. Mas, quase sempre, os “compromissos sociais” acabam sendo desculpa para aqueles que querem promover censura (explícita ou velada) sobre o meio.
- 5. A educação exige uma linguagem própria de TV?
A televisão é um veículo com uma linguagem especial. Cria ritmos e seqüências que, para serem realistas, não respeitam a realidade. TV, por exemplo, não é um bom veículo de análise. Quase sempre na TV é preciso fundir, sintetizar.
Quase sempre os conteúdos educacionais demandam análise, tempo real, espera, maturação. Será que é possível produzir uma TV com estas características? Será que é necessário uma linguagem didático-televisiva para a educação?
6. Por que o uso didático de certos gêneros televisivos é tão chato?
Nos anos setenta, a TV educativa e o Departamento de Ensino Supletivo do MEC produziram uma “novela didática”. Todo o enredo foi elaborado por educadores e autores do gênero, numa parceria muito bem intencionada. A novela pretendia educar adultos, oferecendo dentro das tramas conteúdos de português, matemática, ciências e estudos sociais. Ninguém mais se lembra disto. Apesar do entusiasmo dos produtores, a novela didática foi um fiasco.
Outros gêneros de grande sucesso na telinha já foram didatizados. Sempre com o mesmo resultado: tremendo fracasso.
Fica, portanto, a pergunta, por que o uso didático dos gêneros de sucesso da TV é tão chato?
- 7. Há lugar para uma TV educativa?
As TV’s educativas, principalmente aquelas que seguem modelos escolares, são reconhecidamente um fracasso. Então por que mantê-las?
As TV’s públicas (modelo americano e canadense) não tem um alvo educacional definido. O Canal 2 de São Paulo transmitia o campeonato japonês de futebol! Será que isto é educativo? Futebol japonês também é cultura?
Estão em jogo aqui diversas coisas. Uma delas é a questão relativa à possibilidade de uma linguagem didática na televisão. A outra é a questão relativa ao modelo de TV’s culturais. Para terem audiência, essas TV’s devem se aproximar muito das TV’s comerciais. E quando desaparecem as diferenças, é adequado perguntar se o cidadão deve manter uma TV que não faz diferença.
Há alguns anos atrás (começo dos anos 90), o sistema americano de TV’s públicas (PBS) foi colocado em xeque. Seus opositores diziam que ele não fazia diferença. Além disto, o jornalismo da PBS chegava a ser (para alguns críticos) anti-americano!
Mas, afinal de contas, por que as TV’s públicas não podem fazer sucesso?
- 8. Os educadores estudam TV seriamente?
A TV quase nunca entra na escola. E quando entra não exerce influência notável. Ao que tudo indica, os educadores são leigos em TV. Faculdades de Educação continuam a ensinar tradicionalmente. Nelas, a TV, quando muito, é simples curiosidade. Coisa séria é o quadro negro, o livro, o caderno e a fala do professor. Talvez a TV não eduque por esta razão. Os educadores não sabem como manejá-la. Preferem os velhos meios.
- 9. Uma antena parabólica em cada escola é uma medida necessária?
O projeto TV Escola é a menina dos olhos do atual ministro da educação. Milhares de escolas já dispõem de uma antena parabólica e de um aparelho de TV. Programas da TV Escola e produções de outras fontes poderão chegar facilmente às escolas. Professores poderão assistir cursos de atualização. Há planos de capacitação docente que privilegiam o veículo TV. Será que esta é uma forma correta de uso da televisão para fins educativos? A audiência ainda não é grande. Apenas 50 e pouco por cento das escolas antenadas estão ligando os aparelhos no horário escolar. Mas o ministro acha que isso é um sucesso. Será?
10. Quais são os limites da TV enquanto veículo de educação?
Muita gente, incluindo professores de usos educacionais da televisão, pensa que o veículo é muito limitado. Serve para apresentar grandes sínteses. É um bom recurso quando a imagem é a principal informação a ser trabalhada educacionalmente. É um bom veículo para apresentar conteúdos que podem ser dramatizados. Não é adequado para propósitos analíticos. Não é um bom veículo para a reflexão. Não é um bom material de estudo. Não é facilmente manipulável. Não é interativo.
Como a TV é um veículo imensamente poderoso, a maioria das pessoas acha que ela que poderia ser aproveitada de modo mais intenso em educação. Mas esta esperança (ou ameaça) não é verdadeira. A TV é um péssimo veículo para ensinar a pensar, refletir. Esta, pelo menos, é a opinião de dois dos mais importantes cientistas da computação: Alan Kay e Donald Norman. Ambos acham que o veículo não é adequado para qualquer tipo de aprendizagem mais exigente.
São Paulo, 02 de dezembro de 1997.
ASSESSORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
Jarbas Novelino Barato
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