O título deste post é uma expressão que foi muito utilizada no manejo de computadores pessoais. Caiu em desuso. Gente mais jovem, assim como gente mais madura que não utilizou computadores com muita frequência nos anos oitenta, talvez não esteja com ela familiarizada.
Por enquanto não vou explicar a expressão em tela. Antes disso preciso oferecer ao amável leitor o contexto que dará sentido a Ctrl-Alt-Supr.
Em viagens a países cujo idioma é acessível, criei o hábito de adquirir um ou mais exemplares de livros de ficção de autores contemporâneos da terra. Em estada recente em Montevidéu, minha busca foi facilitada porque encontrei numa livraria estante com obras de autores uruguaios de safra recente. Fiz a festa. Comprei seis romances de escritores da terra. Acabo de ler o terceiro romance de tal aquisição, Ctrl-Alt-Supr reiniciar, de Félix Acosta Fitipaldi.
O romance de Félix Acosta é uma ficção científica bastante colada em tendências que estamos experimentando agora. O autor não faz voos de muita advinhação sobre rumos futuros da ciência (característica quase sempre presente na ficção científica tradicional). Começa a história nos anos de 1960 e chega apenas até 2034. Escreve uma obra que, em termos de projeção temporal, guarda semelhanças com 1984, de George Orwell. Acosta tece uma trama na qual os heróis são três hackers que participam da época áurea (romântica) da introdução dos computadores pessoais em nosso mundo. Esses heróis percorrem caminhos análogos aos de hackers conhecidos. Além de viverem as aventuras de desenvolvimento de um saber informático que se reflete no formato e funcionamento de máquinas e sistemas que estamos utilizando agora, os três heróis são envolvidos por um movimento político dirigido por seitas secretas, com traços de neoliberalismo extremado, plutocracia, neomalthusianismo e darwinismo social.
Os três hackers dedicam boa parte de seus esforços profissionais na criação de uma nova plataforma computacional, o Softdef (software definitivo). Sua meta é a de criar um sistema capaz de autocorreção, evitando bugs (toda aquela tralha programática que trava continuamente nossos micros, além de reduzir velocidade e efetividade das máquinas). Quando o movimento político das seitas secretas consegue seu objetivo, afastar fracassados, marginais e pobres da nova sociedade, o Softdef é adotado como plataforma exclusiva para o controle de produção de energia, registros contábeis, supranet (versão elitizada da internet que fora suprimida), segurança pública, tráfego, etc. O resultado é marginalização completa dos seres humanos que não integraram a nova utopia, o Umbral. Fome, violência, epidemias e outros males vão eliminando as massas indesejáveis. Sobra, em cidades de alta tecnologia e inacessíveis para as massas, uma elite rica assistida por maravilhas da técno-ciência. O sonho do Umbral acaba desmoronando quando um componente do trio de heróis cria poderosos vírus que irão afetar profundamente o Softdef.
Quem viveu as constantes melhorias dos sistemas computacionais nos anos oitenta acompanha com saudade a emocionante expectiva dos três hackers quanto ao surgimento de novos arranjos de hardware. A história deles é uma saga de esforços para sair do PC 286 para o 386, depois para o 486. Faz tão pouco tempo que isso era uma realidade para nós! Mas, já soa muito estranho falar nos processadores de final 86 que foram se sucedendo no mundo da informática. Acosta inclui na trama outra coisa que traz de volta a lembrança de grandes proezas de micreiros dos anos oitenta, um recurso de formação de rede chamado BBS (Bulletin Board System). Todos os três heróis de Ctrl-Alt-Supr são bambas em criar BBS autorizadas ou clandestinas.
Não é minha intenção fazer uma resenha mais apurada do romance de Félix Acosta. O que escrevi nos dois últimos parágrafos já é suficiente para que o leitor tenha uma boa idéia da história contada pelo escritor uruguaio.
Já é hora de explicar o Ctrl-Alt-Supr. Em nota sobre fala de um dos personagens, Acosta observa:
Nick se refere a “Ctrl-Alt-Supr”, combinação de teclas criada no amanhecer da informática pelo engenheiro da IBM David Bradley. Sua missão consistia em forçar os PC’s bloqueados ou travados a cessar sua tarefa ou reiniciar quando nenhum outro comando dava sinal de vida. (p.165)
O romance do escritor uruguaio integra à literatura elementos da cultura informática e dos desdobramentos desta no mundo em que vivemos. Isso ainda não é muito frequente na literatura. Não estou falando aqui de ficção científica que se descola inteiramente de nosso tempo e circunstâncias. Estou falando de uma ficção que está muito próxima daquilo que experimentamos em nosso cotidiano. Nessa direção, acho que um dos autores que melhor se apropriou da sociedade da informação para construir uma trama interessante (e assutadora) é Alan Lightman em The Diagnosis. Já escrevi sobre tal obra num outro blog ( o Aprendente), mas voltarei um dia ao romance de Lightman aqui neste Boteco.
Uma das coisas que mais me impressionou em Ctrl-Alt-Supr foi a caracterização dos três hackers que protagonizam o romance. Eles são jovens muito imaginativos e inteligentes, recém chegados, por caminhos diversos, ao mundo da informática que desabrochava explosivamente nos anos de 1980. São adolescentes criativos, sonhadores, inteligentes. Descobrem nos códigos computacionais um novo mundo. E não só descobrem tal universo. Passam a construí-lo com entusiasmo. Nenhum deles faz curso superior. Na univerisdade, nada veem que lhes interesse. Querem programar. Querem inventar jogos. Querem descobrir caminhos que derrubem sistemas mal ajambrados.
Na medida em que lia a caracterização dos três hackers do romance de Acosta fui me lembrando do que faziam os criativos colaboradores que trabalhavam comigo no PIE (Programa de Informática e Educação) nos anos de 1980. Gente jovem, muito inteligente, muito criativa. Gente avessa à universidade. Fernado Fonseca, Luciano Ramalho. Carlos Seabra. (Excessão ficou por conta do Paulo Cândido que, na época, estava terminando o curso de psicologia na USP). Os quatro citados compuseram o núcleo do PIE, acompanhados por uma psicóloga que não dominava as estranhas dos computadores, Sonia Zaitune. Além dessa equipe, o PIE contou com a colaboração de um grande grupo de hackers cujo modo de ser muito se aproximava dos perfis traçados por Félix Acosta.
Meu registro de leitura de Ctrl-Alt-Supr tem pretensão de homenagear os hackers geniais com os quais tive o privilégio de trabalhar por uma década. Ler o romance do escritor uruguaio, além do prazer proporcionado por uma bela obra de ficção, foi uma oportunidade para que eu rememorasse o privilégio de convívio que tive com a turma do PIE. Haveria muito mais o que dizer. E do dito, o leitor veria que a história dos hackers tem muito a ver com tecnologia educacional. Mas, devo parar por aqui. Talvez volte ao romance, ao PIE, aos hackers numa outra ocasião.