Archive for junho \29\+00:00 2011

Ctrl-Alt-Supr

junho 29, 2011

O título deste post é uma expressão que foi muito utilizada no manejo de computadores pessoais. Caiu em desuso. Gente mais jovem, assim como gente mais madura que não utilizou computadores com muita frequência nos anos oitenta, talvez não esteja com ela familiarizada.

Por enquanto não vou explicar a expressão em tela. Antes disso preciso oferecer ao amável leitor o contexto que dará sentido a Ctrl-Alt-Supr.

Em viagens a países cujo idioma é acessível, criei o hábito de adquirir um ou mais exemplares de livros de ficção de autores contemporâneos da terra. Em estada recente em Montevidéu, minha busca foi facilitada porque encontrei numa livraria estante com obras de autores uruguaios de safra recente. Fiz a festa. Comprei seis romances de escritores da terra. Acabo de ler o terceiro romance de tal aquisição, Ctrl-Alt-Supr reiniciar, de Félix Acosta Fitipaldi.

O romance de Félix Acosta é uma ficção científica bastante colada em tendências que estamos experimentando agora. O autor não faz voos de muita advinhação sobre rumos futuros da ciência (característica quase sempre presente na ficção científica tradicional). Começa a história nos anos de 1960 e chega apenas até 2034. Escreve uma obra que, em termos de projeção temporal, guarda semelhanças com 1984, de George Orwell. Acosta tece uma trama na qual os heróis são três hackers que participam da época áurea (romântica) da introdução dos computadores pessoais em nosso mundo. Esses heróis percorrem caminhos análogos aos de hackers conhecidos. Além de viverem as aventuras de desenvolvimento de um saber informático que se reflete no formato e funcionamento de máquinas e sistemas que estamos utilizando agora, os três heróis são envolvidos por um movimento político dirigido por seitas secretas, com traços de neoliberalismo extremado, plutocracia,  neomalthusianismo e darwinismo social.

Os três hackers dedicam boa parte de seus esforços profissionais na criação de uma nova plataforma computacional, o Softdef (software definitivo). Sua meta é a de criar um sistema capaz de autocorreção, evitando bugs (toda aquela tralha programática que trava continuamente nossos micros, além de reduzir velocidade e efetividade das máquinas). Quando o movimento político das seitas secretas consegue seu objetivo, afastar fracassados, marginais e pobres da nova sociedade, o Softdef é adotado como plataforma exclusiva para o controle de produção de energia, registros contábeis, supranet (versão elitizada da internet que fora suprimida), segurança pública, tráfego, etc. O resultado é marginalização completa dos seres humanos que não integraram a nova utopia, o Umbral. Fome, violência, epidemias e outros males vão eliminando as massas indesejáveis. Sobra, em cidades de alta tecnologia e inacessíveis para as massas, uma elite rica assistida por maravilhas da técno-ciência. O sonho do Umbral acaba desmoronando quando um componente do trio de heróis cria poderosos vírus que irão afetar profundamente o Softdef.

Quem viveu as constantes melhorias dos sistemas computacionais nos anos oitenta acompanha com saudade a emocionante expectiva dos três hackers quanto ao surgimento de novos arranjos de hardware. A história deles é uma saga de esforços para sair do PC 286 para o 386, depois para o 486. Faz tão pouco tempo que isso era uma realidade para nós! Mas, já soa muito estranho falar nos processadores de final 86 que foram se sucedendo no mundo da informática. Acosta inclui na trama outra coisa que traz de volta a lembrança de grandes proezas de micreiros dos anos oitenta, um recurso de formação de rede chamado BBS (Bulletin Board System). Todos os três heróis de Ctrl-Alt-Supr são bambas em criar BBS autorizadas ou clandestinas.

Não é minha intenção fazer uma resenha mais apurada do romance de Félix Acosta. O que escrevi nos dois últimos parágrafos já é suficiente para que o leitor tenha uma boa idéia da história contada pelo escritor uruguaio.

Já é hora de explicar o Ctrl-Alt-Supr. Em nota sobre fala de um dos personagens, Acosta observa:

Nick se refere a “Ctrl-Alt-Supr”, combinação de teclas criada no amanhecer da informática pelo engenheiro da IBM David Bradley. Sua missão consistia em forçar os PC’s bloqueados ou travados a cessar sua tarefa ou reiniciar quando nenhum outro comando dava sinal de vida. (p.165)

O romance do escritor uruguaio integra à literatura elementos da cultura informática e dos desdobramentos desta no mundo em que vivemos. Isso ainda não é muito frequente na literatura. Não estou falando aqui de ficção científica que se descola inteiramente de nosso tempo e circunstâncias. Estou falando de uma ficção que está muito próxima daquilo que experimentamos em nosso cotidiano. Nessa direção, acho que um dos autores que melhor se apropriou da sociedade da informação para construir uma trama interessante (e assutadora) é Alan Lightman em The Diagnosis. Já escrevi sobre tal obra num outro blog ( o Aprendente), mas voltarei um dia ao romance de Lightman aqui neste Boteco.

Uma das coisas que mais me impressionou em Ctrl-Alt-Supr foi a caracterização dos três hackers que protagonizam o romance. Eles são jovens muito imaginativos e inteligentes, recém chegados, por caminhos diversos, ao mundo da informática que desabrochava explosivamente nos anos de 1980. São adolescentes criativos, sonhadores, inteligentes. Descobrem nos códigos computacionais um novo mundo. E não só descobrem tal universo. Passam a construí-lo com entusiasmo. Nenhum deles faz curso superior. Na univerisdade, nada veem que lhes interesse. Querem programar. Querem inventar jogos. Querem descobrir caminhos que derrubem sistemas mal ajambrados.

Na medida em que lia a caracterização dos três hackers do romance de Acosta fui me lembrando do que faziam os criativos colaboradores que trabalhavam comigo no PIE (Programa de Informática e Educação) nos anos de 1980. Gente jovem, muito inteligente, muito criativa. Gente avessa à universidade. Fernado Fonseca, Luciano Ramalho. Carlos Seabra. (Excessão ficou por conta do Paulo Cândido que, na época, estava terminando o curso de psicologia na USP). Os quatro citados compuseram o núcleo do PIE, acompanhados por uma psicóloga que não dominava as estranhas dos computadores, Sonia Zaitune. Além dessa equipe, o PIE contou com a colaboração de um grande grupo de hackers cujo modo de ser muito se aproximava dos perfis traçados por Félix Acosta.

Meu registro de leitura de Ctrl-Alt-Supr tem pretensão de homenagear os hackers geniais com os quais tive o privilégio de trabalhar por uma década. Ler o romance do escritor uruguaio, além do prazer proporcionado por uma bela obra de ficção, foi uma oportunidade para que eu rememorasse o privilégio de convívio que tive com a turma do PIE. Haveria muito mais o que dizer. E do dito, o leitor veria que a história dos hackers tem muito a ver com tecnologia educacional. Mas, devo parar por aqui. Talvez volte ao romance, ao PIE, aos hackers numa outra ocasião.

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Ilha de Curaçao

junho 28, 2011

Este é um momento de puro recreio no Boteco Escola.

Saldo uma dívida antiga. Estou lendo finalmente um dos clássicos das ciências sociais brasileiras, Geopolítica da Fome, de Josué de Castro.

Na página 90 da segunda edição da obra em português (1952), li  história que quero contar aqui. Josué de Castro narra episódio no qual um grupo de marinheiros portugueses, embarcados em navio de uma das viagens de Colombo à América, é acometido por uma doença terrível, o escorbuto. A doença era um dos terrores dos mares na época das grandes navegações. Ela acabou com a vida de milhares de marinheiroros. Para não se tornarem alimento dos peixes do Caribe, os lusitanos pediram para serem deixados numa ilha, em local aparentemente desabitado. Queriam morrer em terra firme, com alguma dignidade. Colombo lhes fez as vontades.

Reproduzo desfecho da história na linguagem elegante e deliciosa do próprio Josué de Castro:

Estes [os marinheiros], enquanto aguardavam a morte certa, foram-se alimentando de folhas, frutos e brotos silvestres, dos quais a terra era fértil. Meses depois, quando o barco regressava pela mesma rota, ao passar pela ilha antes  deserta, o piloto avistou gente fazendo sinais em terra. Abordada a costa, lá foram encontrados, cheios de vida e saúde, todos os marinheiros deixados como mortos e que se haviam milagrosamente curado com o uso de alimentos frescos. A ilha, onde se processou o milagre da ressureição daqueles condenados à morte pelo escorbuto, estava situada na região tropical a 12º de latitude Norte e chama-se hoje ilha do Curaçao, graças ao episódio, desde que “curação”, em português, significa cura. Ilha da milagrosa cura do escorbuto.

Como veem é uma história do tipo “nice to know” (not necessaraly “need to know”). Ou, falando português claro, é uma história boa para momentos de jogar conversa fora em qualquer boteco. Eu não sabia que essa era a origem do nome Curaçao. E vocês?

Lição de tecnologia

junho 28, 2011

O cientista Donald Norman observa que prodígios de engenharia não são suficientes para criar formas revolucionárias de comunicação. Novas tecnologias, segundo ele, só ganham importância no palco da história quando artistas criam formas originais de expressão com base nos novos meios. Um exemplo clássico disso é o cinema. Inventado no final do século XIX, este só se tornou uma linguagem importante de comunicação em 1915, ano em que Griffith filmou The Birth of a Nation(Cf. Boorstin,  The Creators, 1992, 741-4).

Relembrei observação que já fiz várias vezes para justificar assunto abordado neste post. Dias atrás, recebi de meu amigo Juvenal Alvarenga indicação de  link para uma coleção de fotos realizadas no período de 1909-1912. A referida coleção é obra do fotógrafo russo Sergei Mikhailovich Prokudin.

As fotos são, supreendentemente, modernas. Prokudin utilizou técnicas de tricromia (superposição de três cores básicas na gravação de uma mesma imagem para obter colorido bastante parecido com o original; recurso que ainda era comum nos anos de 1960 quando trabalhei como tipógrafo). E o que impressiona, no caso, é como um grande artista consegue resultados que um “engenheiro” jamais alcançaria.

Registro o caso da obra do fotógrafo russo para reiterar que ainda estamos longe de obras primas como as dele no campo da utilização de computadores no campo da comunicação. Ainda curtimos admiração por maravilhas de engenharia. Ainda não temos uma arte original de narrativas completamente inéditas para ambientes computacionais.

Reproduzi aqui duas fotos de Sergei Mikhailovich Prokudin. Para ver mais exemplos da arte do fotógrafo russo, em imagens feitas cem anos atrás, clique aqui.

Professores e qualidade da educação

junho 23, 2011

Predomina nos discursos reformistas a idéia de que os grandes culpados pelos fracassos escolares são os professores. Isso acontece aqui e em outras plagas.

Em recentes propostas de reformas educacionais, é notável a presença de empresários – Ricardo Semler, Bill Gates etc. – como mocinhos. O papel de bandidos fica entregue aos professores. Há que se perguntar: que saberes tem os empresários para nos dizer como nossos filhos devem ser educados?

Nos Estados Unidos, a voz de uma grande educadora, Diane Ravitch, tem se levantado em defesa dos mestres. Para conhecer Diane e suas idéias, clique aqui . Para aguçar seu desejo de saber mais sobre uma de minhas educadoras preferidas, segue uma frase dela:

… é confortável culpar os professores pela baixa qualidade da educação, porque isso livra muitos outros de suas próprias responsabilidades por anos de negligência educacional.

Para terminar, não resisto à tentação de registrar outra frase de Diane:

Aqueles que não coseguem ensinar, criam leis sobre como avaliar os professores.

Educação, Trabalho, Cultura

junho 22, 2011

Reproduzo, para atender pedido de divulgação do evento feito por meu amigo Sigfredo Chiroque, folheto de seminário internacional que acontecerá em Lima no início do mês de agosto.

Tecnologia, educação e eficiência

junho 22, 2011

Com a rede mundial de computadores o acesso à informação fica cada vez mais fácil, mais imediato, menos trabalhoso. E essa constatação coloca em xeque a educação cujos meios informativos ainda vivem os efeitos de um acordo que entronizou nas escolas a fala e a  escrita. Muitos educadores ficam entusiasmados com as novidades que vão aparecendo na Internet. Boa parte desses educadores acredita que agora temos uma solução contra a “chatice” da escola e fórmulas que deixarão os alunos entusiasmados com a aprendizagem.

Entusiasmos e promessas de um paraíso educacional que pode ser construído com os recursos das novas tecnologias me preocupam. E minha preocupação nada tem a ver com sentimentos negativos quanto à Internet, ao computador. O que me preocupa é a tecnofilia que exalta a fé nos novos instrumentos, mas não considera fins da educação. Ou, quando conversa sobre fins da educação, reduz tudo a uma interpretação que costumo chamar de “pedagogia da eficiência”.

As considerações que fiz até aqui se devem a conversa que tive com uma de minhas ex-alunas, Claudinha Caroprezo, a partir de uma provocação dela via Face Book. Claudinha me convidou uma conversa sobre tecnologia educacional a partir de um diálogo que ela manteve com o educador holandês Matthijs Leendertse  .  O diálogo era bastante interessante e abordava questões relativas a interesse e motivação dos alunos. Ambos os interlocutores acreditam que as novas tecnologias podem criar ambientes muito mais favoráveis à aprendizagem que os meios tradicionais que ainda predominam nas escolas. O caminho que sugerem nos dá esperança de que as coisas podem melhorar muito em educação.

Além da conversa entre Matthijs e Claudinha, entrei em contato com uma coleção de eslaides que sintetizam palestra do primeiro num evento recente: EBU Conference 2011. O professor holandês centrou sua fala no Futuro da Aprendizagem. Vejam aqui o roteiro da palestra de Matthijs Leendertse:

Os eslaides refletem um modo de pensar baseado na pedagogia da eficiência. O autor começa com sugestões de que temos em nosso bolso ou bolsa instrumentos que podem mudar radicalmente percursos de aprendizagem. Um desses instrumentos é o celular. Ou seja, em qualquer tempo e lugar podemos acessar informação que nos interessa.   Ele ilustra isso com uma frase do Bill Gates:

Daqui a cinco anos, na web gratuita, você será capaz de encontrar as melhores aulas do mundo.

A seguir, o professor holandês mostra porque é preciso reformar a educação. Mostra duas fotos de salas de aula, uma de 1900, outra de 2011. Ambas as salas são praticamente idênticas. Depois disso, apresenta sequência de eslaides comentando situação atual e futuro da aprendizagem. Tudo isso prepara o palco para mostrar como anda a educação. O autor destaca então que

Os Mercados de Trabalho Estão Mudando Rapidamente.

No quadro seguinte, o professor holandês destaca dados de uma pesquisa recente. Em tal pesquisa – provavelmente um levantamento de opinião – aparecem  os seguintes números:

  • 52%  pensam que em 2025 os formandos não terão habilidades cruciais
  • 88%  indicam que é impossível para a educação formal antecipar todas as mudanças na sociedade e no mercado de trabalho
  • 81% dizem que é necessária maior cooperação entre as empresas e as escolas

O roteiro segue com observações sobre novas formas de educação, enfatizando uma aprendizagem personalizada e o uso preferencial da Internet.

O que me impressiona na exposição do Dr. Leendertse é a definição de educação como uma atividade de preparação para o mercado de trabalho. Essa, a meu ver, é uma das consequências da pedagogia da eficiência. Ficam esquecidos, no caso, fins tradicionais da educação. Cabe perguntar se a educação do futuro não terá compromissos com cidadania, valores, ética, vida democrática, civilização, arte. Sobrarão apenas demandas do mercado?

Não tenho aqui tempo e espaço para mostrar o engano de uma educação atrelada a supostos interesses do mercado. Como já observou Cláudio Salm no clássico Escola e Trabalho, “o capital utiliza os resultados da educação de acordo com seus interesses”. Nesse sentido, o mecanicismo de uma congruência entre instituições educacionais e mundo do trabalho é uma bobagem levada a sério.

Apresentar a pedagogia da eficiência como abordagem vinculada à tecnologia educacional é outro aspecto que merece crítica. Boa tecnologia educacional, antes de planejar modos de apresentar informação, preocupa-se com levantamento de necessidades. Ou seja, preocupa-se com diferenças entre situação constatada e situação desejada. E é claro que modos de ver situação são essenciais. Nos meus distantes anos de mestrado em tecnologia educacional (1983/4), Brock Allen não se cansava de dizer que para determinar situações e levantar necessidades é preciso recorrer a várias fontes. Listo e comento tais fontes de acordo com um pequeno subsídio elaborado pelo Brock:

  1. Aprendentes. Na escola ou em centros de treinamento. é preciso ouvir alunos e treinandos. Eles têm expectativas quanto ao que precisam aprender. Vêem o conhecimento de acordo com seus interesses. Assim conteúdo, organização da informação e mídia precisam ser pensados de acordo com os aprendentes com os quais vamos trabalhar.
  2. Professores. Em qualquer processo de aprendizagem há dois atores fundamentais: professor e aluno. Professores têm experiência. Conhecem o conteúdo. Têm expectativas. Conhecem dificuldades dos aprendentes. Por isso tudo e outras coisinhas mais precisam ser ouvidos e considerados.
  3. Especialistas. Em qualquer campo de saber há especialistas. Eles conhecem a matéria. Têm opiniões bem fundamentas sobre o que é importante, o que é atualizado, o que pinta em termos de futuro nas suas áreas de conhecimento. Assim, não se pode pensar em aprendizagem de literatura sem considerar o que pensam os especialistas no ramo. Idem com relação à física. Etc.
  4. Sociedade. Os aprendentes vivem numa sociedade. Essa alimenta expectativas com relação ao saber de seus membros. Enfatiza certos valores. Tem sonhos quanto a uma vida melhor para todos. Vê qualquer atividade de educação como oportunidade para concretizar seus melhores sonhos.
  5. Mercado de Trabalho. Uma dimensão importante na vida em sociedade é o trabalho. Ela não pode ser esquecida quando se planeja educação.
  6. Representantes dos Cidadãos. Qualquer atividade educacional acontece numa sociedade politicamente organizada. No nosso mundo, as políticas educacionais são responsabilidade de gente que elegemos para nos representar. Por isso, é preciso considerar as diversos níveis de políticas educacionais quando planejamos organização de informações para fins de aprendizagem.

A sugestão do Brock valia para grandes cenários e para pequenas decisões no campo da educação. Em todos os casos, levantamentos de necessidades precisavam considerar atores muito diferentes. Ouvir apenas os aprendentes e atender as suas demandas, como insistem os talibans da Escola Nova, é uma bobagem. Deixar de lado os especialistas, acusando-os de conteudistas, é um ato de pura ignorância. Servir apenas a interesses do mercado é outra bobagem. Comentários semelhantes podem ser feitos quando se elege apenas uma das dimensões dessa lista proposta pelo Brock. Resumo da ópera: é preciso considerar todas as dimensões e conciliá-las. Quando se faz isso, como já disse, faz-se boa tecnologia educacional.

Quem chegou até aqui deve ter reparado que pouco falei sobre mídias. Não que elas não sejam importantes. Mas, em planos bem feitos de tecnologia educacional, elas devem estar a serviço de fins educacionais.

Tenho muito mais o que falar sobre o assunto. Mas, paro por aqui. Já ultrapassei em demasia os limites máximos de um post.

Dona Verdade: tema de redação cooperativa

junho 13, 2011

Em 2009, para verificar como andava o desenvolvimento de conceitos no campo da Epistemologia, propus a meus alunos um exercício que deveria ser feito num processo de redação cooperativa.

Tal processo começa com um trecho escrito pelo professor. Os alunos se dividem em grupos de cinco e dão continuidade ao escrito. A cada parágrafo escrito, os alunos mudam de computador e continuam a história no ponto em que esta parou. Na quinta troca será preciso dar um fecho para o escrito. Com isso, chega-se à produção de cinco histórias diferentes. Cada grupo examina os resultados e decide qual das histórias ficou melhor. A história escolhida passa a ser o texto “oficial” do grupo. É essa história que deve ser entregue ao professor ou divulgada para conhecimento de toda a classe.

Fiz a introdução acima para solicitar um favor a leitores do Boteco Escola. Vou reproduzir aqui o começo da história que utilizei em exercício com meus alunos. Quem quiser e puder poderá me ajudar continuando a história em comentário para este post. Alguém mais organizado pode até propor uma redação que conte com a colaboração de outras pessoas conhecidas.

Espero que a proposta esteja clara. Aqui vai o trecho inicial de nosso exercício:

Dona Verdade Chegou

Ela é uma senhora. Bonita. Vivida. Bem humorada. Nasceu muito longe, numa outra galáxia. E ninguém sabe por que ela resolveu fixar residência no planeta Terra. Ah! O nome dela? Dona Verdade.

Faz alguns anos que Dona Verdade anda por aqui. Já visitou todos os países. Já participou de muitos eventos históricos. Sempre desejou ser bem conhecida, mas, numa entrevista, declarou que muita gente sequer olha para ela. E tudo que ela quer é estar presente na vida de todos.

Nos últimos tempos, Dona Verdade parece muito preocupada. Na maior parte dos lugares por onde passa ninguém lhe dá a mínima. Ela até andou pensando que o problema é de aparência. “Talvez eu esteja ficando velha”, pensou a bela senhora. Considerou fazer uma plástica e até uma lipo. Porém, depois de muito pensar, ela chegou a uma conclusão terrível. Ninguém mais a vê. Ela ficou invisível.

As coisas precisam mudar, pensa Dona Verdade. Para tanto, ela começou a conversar com seus vizinhos, amigos e conhecidos dos velhos tempos: pensamento, percepção, razão etc. Ela acha que vai encontrar um modo de recuperar a visibilidade.

Começou assim uma grande aventura. No fim desta história saberemos se Dona Verdade tem ou não chances de recuperar sua visibilidade.

Filosofia do corpo

junho 13, 2011

Faz algum tempo que li The Meaning of the Body. de Mark Johnson. A obra é um livro de filosofia que procura caminho diferente do modo hegemônico de pensar, cartesiano, dualista. Uma filosofia do corpo, que sugere abandono de pares antitéticos como mente/corpo, corpo/alma, material/espiritual, teórico/prático, pode nos indicar mudanças substanciais em modos de ver a vida, a aprendizagem, o conhecimento, a educação.

Minha investigação de doutorado, cuja versão final resultou no livro Educação Profissional – Saberes do Ócio ou Saberes do Trabalho?, foi um estudo que buscava caminhos de superação do pensamento dicotômico no campo da formação profissional. Pena que na época daquele estudo o livro de Mark Jonhson ainda não fora publicado. Ele poderia iluminar muitas das minhas observações sobre modos de entender aprendizagens relacionadas com a técnica, com o trabalho.

Pretendo fazer uma resenha de The Meaning of the Body. Isso vai levar um tempo. Mas, enquanto a oportunidade não chega, vou aguçar curiosidade dos leitores com tradução das duas páginas iniciais do livro de Mark Johnson. Leiam o texto e comecem a pensar na necessiadade de abandonar pares antitéticos como mente/corpo ou teoria/prática.

Mark Johnson

A tese central deste livro é a de que a chamada “mente” e o chamado “corpo” não são duas coisas, mas apenas aspectos de um mesmo processo; assim, todos os nossos significados, pensamentos e linguagem emergem a partir das dimensões estéticas dessa atividade corporal. As dimensões estéticas mais importantes são qualidades, imagens, padrões e processos senso-motores, e emoções. Nas três últimas décadas, acadêmicos e pesquisadores em diversas disciplinas colecionaram uma pilha de argumentos e evidências sobre a corporeidade da mente e do significado. Entretanto, as implicações para tais pesquisas não chegaram à consciência pública. Por isso a recusa do dualismo mente/corpo ainda é uma afirmação  altamente provocativa que muitas pessoas acham improvável e até mesmo ameaçadora. Examinar nossa corporeidade é uma das mais profundas tarefas filosóficas que podemos confrontar. Reconhecer que cada aspecto do ser humano está assentado em formas específicas do nosso engajamento corporal com o meio ambiente requer um repensar exigente de quem e o que nós somos, de uma maneira que contraria muito várias tradições religiosas e filosóficas que herdamos da cultura ocidental.

Para ver o que essa reconceptualização significa, considere o que segue. As mais avançadas idéias em biologia, psicologia, neurociência cognitiva e fenomenologia nos dizem que formas humanas da experiência, consciência, pensamento e comunicação não existiriam sem nossos cérebros, as quais, por sua vez, estão ativamente engajados com os ambientes físicos, sociais e culturais nos quais os humanos vivem. Mudemos nossos cérebros ou nossos ambientes de maneira significativa, e mudaremos como experimentamos nossos mundos, como as coisas são, e mesmo o que nós somos.

A ilusão da mente sem corpo

Compare a tese da corporeidade com a visão de senso comum. Apesar de muitas pessoas não pensarem muito a respeito disso, elas vivem as suas vidas pressupondo e agindo de acordo com um conjunto de dicotomias que distinguem mente de corpo, razão de emoção, e pensamento de sentimento. O dualismo mente/corpo está tão profundamente enraizado nas nossas tradições filosóficas e religiosas, nos nossos sistemas conceituais compartilhados, e na nossa linguagem que ele parece ser fato inescapável da natureza humana. Uma manifestação hegemônica desse dualismo em muitas de nossas práticas éticas, políticas é religiosas é o pressuposto de que possuímos um livre arbítrio radical, independente de nossos corpos e capazes de controlá-los. Nós postulamos um eu “superior” (a parte racional) que deve exercer o controle do eu “inferior” (corpo, desejo, emoção). Nós pressupomos que cada um de nós tem um núcleo interior (o “verdadeiro eu”, a “alma”) que transcende nosso seu situado corporalmente. Nós acreditamos na idéia de que o pensamento é uma atividade conceptual pura que transcende o corpo, mesmo quando nós compreendemos que não há pensamento sem um cérebro.

Essa ilusão hegemônica de uma mente, pensamento e significado incorpóreos é explorada de forma muito bonita pelo poeta americano Billy Collins que desmascara nosso sonho de um pensamento puro, mostrando que podemos pensar e imaginar apenas por meio de nossos corpos.

PUREZA

Meu tempo favorito para escrever é o da tarde,

Em dias de semana, particularmente as quartas feiras

Eis aqui como atuo:

Pego uma xícara de chá e vou para o escritório, fecho a porta

Tiro então toda a minha roupa e coloco peça sobre peça

e tudo se passa como se eu tivesse derretido e minha herança fosse apenas

uma camisa branca, uma calça e uma xícara de chá

Depois removo minha carne e a penduro numa cadeira

Eu a removo de meus ossos como se ela fosse um tecido de lã

Faço isso para deixar puro tudo o que escrevo

Completamente limpo de tudo que é carnal

Sem qualquer contaminação vinda doe preocupações do corpo

Finalmente eu retiro meus órgãos

E os acomodo numa mesinha perto da janela

Eu não quero escutar seus antigos ritmos

Quando tento criar ritmos com meu próprio tamborilar

Sento então diante da mesa, pronto para começar

Estou completamente puro, nada mais que um esqueleto e um teclado

Devo observar que algumas vezes deixo o meu pênis

Acho difícil vencer a tentação

Sou então um esqueleto com um teclado e um pênis

Nessa condição escrevo poemas extraordinários de amor

Muitos deles explorando as conexões entre sexo e morte

Sou a própria concentração: existo num universo

Onde nada mais há que sexo, morte e teclado

Depois de expressar isso, removo também  meu pênis

Sou então um crânio e ossos digitando tarde afora

Apenas o absolutamente essencial, nada supérfluo

Agora só escrevo sobre morte, o mais clássico dos temas

Numa linguagem leve como o ar entre minhas costelas

Depois disso, permito me recompensar com uma volta de carro pelas redondezas

Recoloco meus órgãos e visto minha carne de novo

Assim como minha roupa. Tiro o carro da garagem

E dirijo através dos bosques por estradas do campo

Passando por muros de pedra, casas de fazenda, e lagoas geladas

Todos arrumados como palavras num soneto famoso

Ah! Como seria bom se a mente pudesse flutuar liberta de seu peso carnal, pensando pensamentos puros das coisas corretas, eternas e boas.

Desescolarização

junho 12, 2011

Como já disse várias vezes, fico impressionado com a vitalidade do discurso da Escola Nova. Esse movimento, surgido no final do século XIX, é responsável por um discurso que, dentro e fora da escola, define para consumo público o que é educação. Ou seja, educadores e meios de comunicação continuam a rezar o credo escolanovista, quase sempre sem o saber.

Preocupa-me sobretuto a equiparação do construtivismo ao escolanovismo. Muito do que se afirma sobre construtivismo, na verdade é uma conversa requentata da fala dos evangelistas da Escola Nova.

Confusão entre idéias da Escola Nova e abordagens críticas dos sistemas escolares é muito comum. Acho que exemplo disso é um vídeo sobre Ivan Illich produzido pela UNIVESP. Vejam-no:

Na época em que esse vídeo foi produzido eu prestava serviços à UNIVESP. Avaliei a versão incial do material. Algumas de minhas observações foram consideradas, outras não. Para interessados no assunto, reproduzo, a seguir, meu parecer sobre o vídeo em análise:

Sociedade sem Escolas

observações sobre o roteiro

 

 

 

Jarbas Novelino Barato

17/03/2008

 

 

O vídeo está bem realizado e desperta interesse pela obra de Ilich. Mas há alguns detalhes que precisam ser revistos. Vamos a esses pontos.

 

1.     Na escola, o professor é o dono da verdade. Ele está ali para ensinar.

 

Essa é uma crítica que reflete certo pensamento hegemônico sobre o professor em nossos dias. Mistura certo radicalismo da Escola Nova com uma interpretação simplificada do construtivismo. Não é, propriamente, a crítica fundamental de Illich. O autor critica as instituições, burocráticas, dominadoras, defensoras do status quo. Sei que é muito difícil representar isso graficamente. Mas acho que é preciso amenizar um pouco a impressão de que o culpado maior por tudo é o professor. Este representa um poder, mas não é “o poder”.

 

O que pode ser feito? Não tenho uma sugestão clara e simples. De qualquer forma, acho que seria bom substituir a afirmação “Na escola, o professor é o dono da verdade” por algo mais ou menos assim: “Na escola, o professor decide o que os alunos precisam aprender”. 

 

Não sei como resolver um outro problema. No trecho em análise, a crítica aparece como uma constatação atual, não como uma observação de Illich. Tal constatação poderia ser um pouquinho mais explicada. Exemplo: “Apesar de muitas reformas, a escola continua a ser uma instituição com muitos problemas. Exemplo disso é o que se passa na maioria das salas de aula ainda hoje”.

 

2.     O papel mais importante do aluno é conseguir os diplomas e certificados que são necessários no mercado de trabalho.

 

Essa parece ser outra crítica que não é propriamente illichiana. A idéia de uma escola que serve exclusivamente interesses do mercado é também fruto de um radicalismo que deixa de examinar muita coisa que acontece no processo de escolarização. Como Illich ainda não entrou na história, suponho que tal interpretação não é dele, mas funciona mais uma vez como uma constatação. E essa constatação precisa, no mínimo, ser discutida.

 

O que fazer? Mais uma vez é preciso evitar uma simplificação. Certificados e diplomas são muito mais expectativas cartoriais de uma certa sociedade que proposta da escola. Quem valoriza certificados e diplomas é a sociedade, não necessariamente a escola. Talvez um comentário similar ao que segue possa amenizar as coisas: “Os alunos vão para escola esperando obter certificados e diplomas, em vez de procurar conhecimento…”

 

Tudo mais que segue, a partir da menção de Illich, parece adequado. Não vou por isso fazer qualquer tipo de consideração. Algumas das conclusões, porém, precisam ser revistas.

 

3.     A televisão e a Internet são novas fontes de conhecimento com uma linguagem diferente: uma nova forma de estimular os estudantes. A tecnologia está a serviço da educação.

 

Não creio que tal conclusão seja de Illich. Ela é uma interpretação. A afirmação “ A tecnologia está a serviço da educação” é bem problemática e não teria as bênçãos  de Ivan Illich. O autor pensava em oportunidades de aprendizagem autônomas, fruto de iniciativa e interesses dos aprendizes. Esse sonho pode ser facilitado pela mídia. Mas esta não está a serviço da educação. Solução? Creio que a afirmação poderia ser substituída por algo como: “ Tecnologia é uma ferramenta que pode dar ao estudante grande liberdade para aprender”.

 

4.     Segundo o New York Times, cerca de 500 mil crianças americanas não vão à escola. Aprendem com seus pais ou estudam online. Escolas online já operam em 18 estados.

 

Os dois casos citados não são exemplos de desescolarização. A crítica de Illich não se prendia a prédios escolares. O sistema de home schooling (permissão para que os pais eduquem em casa seus filhos) é bastante escolar. Os pais firmam um acordo com a autoridade escolar local, com a obrigação de seguir um determinado programa. O mesmo pode ser observado com relação a educação online nos moldes praticados hoje nos EUA. Os programas online são muito estruturados, deixando pouca ou nenhuma iniciativa para os alunos.

 

Na perspectiva illichiana, as novidades tecnológicas seriam libertadoras se os aprendizes pudessem escolher livremente o que aprender. Esse é um potencial da Internet. Mas quando os educadores “domesticam” a Internet essa passa a ser um instrumento de escolarização, não de desescolarização. A grande novidade é a possibilidade de um uso “não reguladas novas tecnologias de informação e comunicação. Situação bastante diferente do home schooling ou da educação online.

 

O que fazer. Mais uma vez não tenho uma solução definitiva. Acho apenas que home schooling e educação online não são bons exemplos de desdobramentos daquilo que Illich esperava. Minha sugestão é a de substituir o trecho por algo que mostre o interesse das pessoas por ferramentas (blogs, chats, orkurt, listas etc.) que não são controladas opor ninguém. Por algo que mostre também que é possível aprender sem programas ou burocracias que se dizem especialistas em educação. Acho que o trecho poderia ser substituído por algo que comunicasse algo mais ou menos assim: “Hoje é possível aprender muito, sem entrar na escola ou em programas escolares a distância. A Internet e outras tecnologias permitem que qualquer pessoa diga sua palavra, sem controle, sem censura, sem necessidade de aprovação. Por outro lado, basta curiosidade e alguma conhecimento de como buscar informações na rede mundial de computadores para elaborar conhecimentos. E nessa rede, gente de toda parte pode formar comunidades de aprendizagem, lidando com o conhecimento de maneira muito informal, mas aprendendo coisas que jamais veria em instituições escolares”.

Escola Nova e educação hoje

junho 12, 2011

Impressiona-me o fato de que o discurso pedagógico de hoje seja um eco do distante movimento conhecido como Escola Nova. As linhas gerais desse movimento foram definidas na última década do século XIX. As idéias escolanovista começaram a ganhar concretude no Brasil por volta de 1920. Um dos educadores que elaborou as idéias escolanovistas para o ambiente tupiniqum foi Lourenço Filho.

Fiz pequena introdução sobre a Escola Nova para situar o conteúdo deste post. Durante alguns meses participei do projeto UNIVESP, trabalhando com a equipe encarregada de produzir vídeo e tv para Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Uma das minhas responsabilidades era a de palpitar sobre conteúdos, sugerindo temas ou avaliando propostas feitas por outros educadores. Entre as coisas que fiz naquele ofício, há um texto de proposta de produção de vídeo sobre a Escola Nova. O material acabou não sendo aproveitado, mas acho que o mesmo ainda tem certa atualidade e passa algumas das idéias que tenho de como introduzir uma conversa sobre Escola Nova nos dias de hoje.

Para quem interessar possa, reproduzo meu citado escrito aqui.

Escola Nova

comentários e sugestão para produção de vídeo

 

Projeto Univesp

Jarbas N Barato

23/03/2008

O Movimento da Escola Nova nasce no final do século XIX . Ele está ligado a necessidades de expansão do ensino fundamental e ao desenvolvimento de uma nova ciência, a psicologia. Um caminho para apresentar tal movimento poderia ser um pequeno resumo histórico acompanhado por destaques sobre principais princípios do escolanovismo. Tal resumo poderia enfatizar alguns aspectos que continuam a ser muito importantes no discurso pedagógico dos nossos dias. Proponho, porém, algo ligeiramente diferente. Proponho que a apresentação da Escola Nova se faça a partir de uma obra clássica da literatura pedagógica brasileira: Introdução ao Estudo da Escola Nova, de Lourenço Filho. Mais particularmente, proponho que a apresentação da Escola Nova se faça de acordo com o capítulo final do livro de Lourenço Filho: Questões Gerais de Aplicação.

Antes de propor as linhas gerais para um roteiro, faço aqui alguns esclarecimentos. O livro Introdução ao Estudo da Escola Nova foi publicado pela primeira vez em 1930. Ele reflete, portanto, uma das linhas originais de pensamento sobre o que era o movimento escolanovista. [Tenho a primeira edição da obra, escrita naquela deliciosa ortografia dos anos trinta. Se o roteirista quiser utilizá-la, posso fornecer uma cópia do último capítulo]. É interessante notar que muitas das coisas escritas por Lourenço Filho na distante década de 1930 continuam muito atuais.

Segue um resumo das indicações de Lourenço Filho no capítulo final de seu livro:

Princípios:

 

  • Caráter socializador da Escola Nova. Aprende-se em sociedade. E a escola deve ser um ambiente social que favorece aprendizagens. “O homem não se  apresenta como homem, para depois viver em comunidade; sem esta comunidade, o ser humano não é, de modo algum, um homem” (p.188). A escola tem assim um destacado papel de formação para a vida em sociedade.
  • Caráter de respeito à individualidade da criança. Não se opõe à socialização. A socialização que se quer é a de uma formação para a democracia onde se espera que as pessoas possam se expressar livremente.
  • Caráter funcional da educação. Entendimento de que a educação precisa atender a necessidades de cada um.
  • Caráter vitalista da educação renovada. Entendimento de que a educação deve estar voltada para as dimensões afetivas da vida, acompanhado por uma crítica ao intelectualismo da educação acadêmica (tradicional)

Questões críticas:

 

  • A questão dos programas. Na educação tradicional há programas de estudo bastante rígidos. A Escola Nova propõe que o centro de estudos seja o interesse dos alunos. Volta-se contra o programa rígido, o ensino acadêmico, centrado em matérias.
  • Uma dificuldade no ensino graduado. Uma conveniência administrativa, não uma determinação em termos de aprendizagem.
  • A solução:o programa  mínimo. Lourenço Filho defende certo padrão nacional (posição contrária ao radicalismo de nenhum programa defendida por alguuns escolanovistas). Aceita um programa mínimo, mas com bastante liberdade para que as coisas se organizem de acordo com necessidades e interesses das crianças.
  • A questão do horário. A rigidez do horário escolar contraria a naturalidade das crianças. A passagem de uma para outra disciplina, em intervalos rigidamente controlados, e sem qualquer ligação estrutural entre elas, é artificial, desinteressante. É preciso repensar a questão do tempo na escola…
  • Horário de rotação semanal. Uma possível solução, com mais tempo para cada assunto, sem interrupções e esfacelamento disciplinar.
  • A questão da disciplina. Algo inexistente na Escola Nova… Nada de controle.
  • Então, as crianças fazem o que querem? Não, os que as conduz é o interesse, a educação autêntica.
  • O brinquedo na educação.  “O jogo é atividade de coordenação profunda, forma de auto-educação por excelência.” (p. 206).
  • Jogo, interesse, esforço.
  • Autonomia dos escolares
  • Liberdade das crianças

 

Indicação para realização de vídeo

 

Pode-se pensar uma forma de apresentar a Escola Nova, com base no escrito de Lourenço Filho, da seguinte maneira:

Apresenta-se um discurso sobre educação, com críticas à escola tradicional e com propostas inovadoras. Quem faz o discurso e o ambiente onde a fala ocorre não são revelados.

 

O discurso enfatiza:

 

  • Educação como uma atividade socializadora. Aprende-se com os outros. Conviver com outros é condição definidora de humanidade. A escola não prepara para a vida. Ela é vida. É convivência. É local onde uns aprendem com outros em trocas sociais.
  • Respeito à individualidade. O indivíduo só ganha sentido vivendo em sociedade.
  • Princípio de liberdade. Mas sem converter o aprendiz num ser isolado
  • A educação não é assimilação de um repertório de conteúdos. É elaboração de saberes baseados nos interesses dos aprendizes.
  • Educação não é preparo intelectual. É preparação de gente que sente, se emociona, vive, participa.
  • Horários rígidos, programas pré-definidos, controle (disciplina), sisudez, falta de liberdade e outras características da velha escola precisam desaparecer, dando lugar à liberdade, flexibilidade, autonomia, interesse etc.
  • Outros princípios podem ser apresentados, sempre com base no escrito de Lourenço Filho.

 

O discurso pode ser apresentado como uma série de slides, com textos e imagens, comentados com uma voz ao fundo, mas sem identificar o dono da voz. Tal apresentação pode ser feita de outro modo, desde que o expositor não seja revelado. O que se quer no caso é mostrar uma coleção de idéias que fazem parte do ideário pedagógico contemporâneo. Ideário, aliás, que repete praticamente tudo que se pregava nos meios da Escola Nova no início do século passado.

 

Quando a exposição do ideário chegar ao fim, algum recurso de movimentação de câmara ou de corte deverá mostrar uma surpresa. Aparecerá o expositor, figura que será imediatamente identificada como alguém dos anos trinta. Seguir-se-á um comentário para dizer que apesar da surpresa, a situação é historicamente correta. O personagem está apenas repetindo idéias que podem ser encontradas num livro de 1930: Introdução ao Estudo da Escola Nova. [trechos da obra com a ortografia de 1930 podem ser mostrados como fundo ou como sucessão de páginas, ou qualquer outro recurso dinâmico que estabeleça um contraste entre a velha ortografia e a atualidade das idéias do livro]O final poderá ser uma indicação sobre Lourenço Filho e leitura de seu livro para aqueles que quiserem saber mais sobre o movimento escolanovista.

 

O que estou propondo é um vídeo que mostre que muitas idéias da Escola Nova estão aí, desafiando a educação, definindo papéis dos educadores. Acho que isso pode ser apresentado com algum apelo dramático. Por isso estou sugerindo uma exposição de idéias com certo ar de mistério. Nem ambiente nem personagem deverão ser revelados na primeira parte. Com isso, espera-se que o expectador chegue a pensar que se trata de alguma exposição muito recente (coisa de algum congresso de educação deste ou do ano passado). Á certa altura o mistério é revelado, se possível sem palavras, mas imageticamente (pode-se então ver um personagem em vestido como um cavalheiro de 1930). A partir daí faz-se a ponte entre Escola Nova e pensamento pedagógico contemporâneo. Depois disso, recomenda-se a leitura da obra de Lourenço Filho. Sei que estou me repetindo. Mas é isso aí…