Recebi da minha antiga aluna de Licenciatura, Renata Antunes, via Face, imagem interessante. Minha leitura da cena apresentada volta-se para a tal geração Y. Como dizem que esses jovens tem 20% a mais de área cerebral imagética que gentes de outras gerações, conclui que o material enviado pela Renata retrata essa moçada. Segue imagem para a leitura de vocês.
Archive for agosto \30\+00:00 2013
Geração Y é visual
agosto 30, 2013Aprender a Ser
agosto 20, 2013Blog que não pegou…
agosto 19, 2013
Eu já não me lembrava mais disso. Em 2006, no laboratório de informática, ajudei a Patrícia a por o blog no ar. Como ela não tinha mensagem imediata, redigi o primeiro post para o blog dela. Infelizmente, o projeto não foi para frente. Talvez eu tenha errado ao fazer pela aluna algo que ela deveria tentar, mesmo errando, mesmo tendo dificuldades.
Gramática econômica
agosto 19, 2013Estudei gramática num livraço do Napoleão Mendes de Almeida. Parece que nada ficou. Passei nas provas. Papagueei normas. Decorei algumas dicas sobre usos da crase.
Talvez tenha sobrado alguma coisa dos muitos anos de uso escolar da gramática do velho Napa. Mas, não tenho certeza. Espero que no futuro as gramáticas sejam mais amigáveis e reflitam as regras implícitas utilizadas pelo povão ao falar e escrever o idioma de Camões. Nas linhas que seguem, conto um caso sobre isso e tiro algumas conclusões.
>>> As empresa ruim…
>>> Na quinta, veio só duas …
Expressões perfeitamente econômicas. Quem as ouviu, sabia que eram plurais os objetos da conversa. Para tanto bastou flexionar o artigo no primeiro caso. No segundo, nenhuma flexão foi necessária, pois duas é plural. Nossa gramática exagera. No primeiro caso, dizem que o correto é “as empresas ruins”, com três indicações de plural. No segundo caso, o correto seria “na quinta, vieram só duas”, com o verbo flexionado para concordar com o plural duas. Gastamos flexões em demasia, sem nada acrescentar em termos de comunicação.
Acho que a economia flexional ainda será correta no futuro, com uma gramática bem diferente da ensinada hoje. Sabiamente, o povo já faz economia. O que não dá para adivinhar são as futuras regras para indicar plural economicamente. Mas, acho que no caso dos substantivos predominará a norma de que a indicação de plural aparecerá no artigo. Acho, também, que os verbos serão bastante simplificados, perdendo todas as flexões para nós, vós (quem a usa hoje em dia?) e eles.
Arquitetura e Educação: Catherine Burke
agosto 10, 2013Já postei aqui muitas mensagens sobre arquitetura e educação. O que despertou meu interesse pelo tema foi o livro School, escrito pelos arquitetos Catherine Burke e Ian Grosvenor. Catherine Burke fez uma bela exposição sobre o tema na Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge. Por acaso encontrei o roteiro de tal exposição no formato de pdf.
O roteiro da arquiteta tem muitas fotos de escolas cuja construção procurou criar ambientes de aprendizagem na direção de pedagogias avançadas. Vale ver:
Naufrágios na Web
agosto 4, 2013Em 2004, comecei a escrever um artigo sobre WebGincanas. Mas parei logo no começo. Fiquei apenas na Introdução. Hoje achei, por acaso, o referido texto. Ele retrata a questão do naufrágio de navegadores que buscam informações na internet para fazerem “pesquisas escolares”. No artigo não concluído eu queria usar os casos de naufrágio internético para justificar propostas de uso da Web com estrutura, uma vez que WebGincanas são uma forma estruturada de propor buscas de informação.
Quase dez anos depois, não tenho mais como terminar o artigo que estava escrevendo em 2004. Mas acho que a Introdução que escrevi ainda é uma reflexão útil para conversas sobre usos da internet em educação. Por isso, reproduzo-a aqui nas linhas que seguem.
Naufrágios na Internet: Introdução para um artigo sobre webGincanas
Suponha que você é um professor de biologia e propôs a seus alunos uma pesquisa na internet sobre Teoria da Evolução. Suponha ainda que tais alunos tivessem a intenção de ler com alguma atenção o material selecionado. O que é que os estudantes iriam encontrar? Se entrassem no motor de buscas Google com a expressão Teoria da Evolução (sem aspas), receberiam a informação de que “foram encontradas aproximadamente 86.400” entradas para o termo pesquisado (dado do dia 11.07.2004). Se entrassem no mesmo Google com a expressão “Teoria da Evolução” (com aspas) o valor seria bem menor: 5.840 entradas. O que é que os alunos iriam estudar? Que escolhas fariam? Já fiz essas perguntas diversas vezes para professores do ensino fundamental e médio. A resposta mais freqüente foi a de que os estudantes costumam dar uma olhada nos três ou quatro primeiros endereços listados pelo buscador. No caso de Teoria da Evolução, os três primeiros endereços são: Teoria da Evolução: refutação, Edificador- Conseqüências da Teoria da Evolução e A teoria da evolução é fato comprovado? Coincidência ou não, esses três primeiros sites listados pelo Google se posicionam contra a Teoria da Evolução, refletindo crenças de grupos religiosos fundamentalistas. A que conclusões chegariam os alunos que lessem as três primeiras referências encontradas? Em “Teoria da Evolução: refutação”, logo na abertura, eles encontrariam a seguinte afirmação:
Muitas autoridades científicas já admitem que esta teoria [Teoria da Evolução] se constitui de 10% de má ciência e 90% de má filosofia.
Este seria um mau começo de conversa sobre um tópico importante das ciências biológicas.Nosso aluno hipotético poderia começar seus estudos achando que a evolução é apenas uma alternativa para explicar a vida no planeta. Os dados numéricos (86.400, no primeiro caso, ou 5.840, no segundo) podem ser desanimadores. Os primeiros sites relacionados não são propriamente uma introdução esclarecedora sobre o assunto. Em outros idiomas, os problemas podem ser mais assustadores. Em inglês, por exemplo, as cifras são: 4.510.000, para Evolution Theory (sem aspas) e 39.300 para “Evolution Theory” (com aspas). Em espanhol, 216.000 para Teoria de la Evolución e 13.500 para “Teoria de la Evolución”.
Poucos educadores propõem o uso de operadores lógicos para refinar a busca quando solicito uma pesquisa sobre Teoria da Evolução. Um ou outro sabe, por exemplo, que é possível associar a expressão pesquisada com um complemento por meio do sinal de mais (+). E quando sugiro que Teoria da Evolução seja associada a algo, quase ninguém indica palavra ou expressão capaz de refinar a pesquisa. Minha provocação preferida, no caso, é a de perguntar aos educadores, na seqüência, se a fórmula Teoria da Evolução + Beagle funcionaria a contento. Quase sempre vejo um sorriso de incredulidade nos lábios de meus amigos professores, convencidos de que a menção da raça do simpático Snoopy logo após o sinal de mais (+) é uma brincadeira minha. (“Teoria da Evolução” + Beagle reduz, no Google, a lista de referências a apenas 291 sites) . Gente que estudou biologia há muito tempo costuma esquecer-se do navio científico (Beagle) utilizado por Darwin. É improvável, portanto, que estudantes utilizem espontaneamente complementos como Beagle ou Galápagos para refinar a procura. Mais improvável ainda é a possibilidade de algum aluno sem conhecimentos prévios do assunto, mas conhecedor do idioma inglês, utilizar a fórmula “Evolution Theory “+ “moth population” que pode refinar a busca para apenas 36 entradas.
Uma investigação sobre Teoria da Evolução na internet poderia ainda ser facilitada com a escolha de termos mais adequados do ponto de vista da linguagem científica.(usar, por exemplo, Seleção das Espécies em vez de Teoria da Evolução como tema geral). No Google, para “Seleção das Espécies”, há apenas 361 entradas, uma lista de sites provavelmente mais confiáveis do ponto de vista científico que o conjunto de 5.810 páginas que se obtém com “Teoria da Evolução”.
Com todas essas observações sobre usos de motores de busca e Teoria da Evolução, quero, inicialmente, destacar os seguintes pontos:
● para cada termo ou expressão que merece estudo, há milhares ou milhões de referências na internet.
● as listagens dos sites selecionados pelos motores de busca não apresentam necessariamente uma ordem que favoreça prioridades de pesquisa
● para refinar a busca, associando o tema com chaves que possam levar à criação de conjuntos de dados mais manejáveis, é preciso que o pesquisador conheça certos aspectos do assunto (possibilidade de associar Teoria da Evolução com Beagle, ou Evolution Theory com moth population, por exemplo).
Dominar apenas aspectos técnicos de uso de motores de busca não resolve o problema. Um pesquisador que saiba como operar com o sinal de mais (+) precisa decidir que palavras ou termos são adequados. Ou seja, refinar buscas na internet exige algum conhecimento do conteúdo. Mas o que acontece normalmente, nas pesquisas que os alunos costumam fazer, é uma situação investigativa sem qualquer base ou critério. Não é de se estranhar, portanto, que o resultado mais freqüente das investigações na internet seja uma colagem de textos e figuras cuja importância e sentido os estudantes ignoram. Essas constatações parecem sinalizar um caminho completamente diferente daquele pintado pelo otimismo dos entusiasmados amantes das novidades da Sociedade da Informação.
Náufragos no Oceano Web
Estudantes desafiados a usar internet para pesquisar determinado assunto podem viver aventuras semelhantes aos náufragos dos velhos veleiros do século XVI. Perdidos numa ilha qualquer do imenso mar de informações da Web, esses náufragos do mundo digital acabam mandando mensagens de socorro para qualquer destinatário. Uma das histórias mais ilustrativas sobre isso me foi contada pelo Professor Aquiles Von Zuben.
Ali pelos idos de 2000, Aquiles recebeu o seguinte e-mail:
Querido Professor Aquiles,
Sou estudante do ensino médio e estou pesquisando na internet o sentido da vida. Não encontrei nada. Recorro ao senhor para resolver o meu problema. Mande-me uma resposta sobre o tema. Nada muito longo, bastam duas páginas. E, por favor, responda-me logo, tenho de entregar o trabalho amanhã à tarde.
Abraço,
Fulano de Tal
Ao relatar o episódio, Aquiles ressaltou dois pontos: a solicitação de um texto breve e a urgência da resposta. O autor do e-mail não queria uma explicação, para o sentido da vida, que ultrapassasse duas páginas. Esse pedido é congruente com uma expectativa cada vez mais comum de nossos alunos: textos, sobre qualquer assunto, devem ser sempre breves. A urgência da resposta retrata outra característica de nossa Sociedade da Informação: tudo é para aqui e agora (Barato, 1993). Brevidade e imediatismo das informações são aspectos que revelam algumas das tendências do mundo em que vivemos. Seria bom discuti-los aqui, mas isso fugiria ao foco deste texto. Por isso, deixo apenas um registro das observações do Professor Von Zuben, esperando que o leitor elabore por conta própria essas duas dimensões retratadas pelo e-mail do aluno que pesquisava o sentido da vida.
Meu interesse maior é o de elaborar uma explicação sobre os porquês de mensagens como a enviada para meu amigo Aquiles. Para tanto, acho conveniente fornecer algumas explicações sobre quem é professor ao qual o e-mail foi destinado. Aquiles Von Zuben é doutor filosofia, formado pela Universidade Católica de Louvain. Nos últimos anos, suas investigações tiveram como foco a questão da bioética. Como é que o aluno interessado no sentido da vida chegou ao site do Aquiles? Provavelmente por acaso. E quando viu que estava no território de um filósofo, resolveu jogar uma última cartada para fazer sua tarefa escolar. Em vez de ler, estudar, investigar, o aluno resolveu pedir ao filósofo um pequeno tratado sobre a questão. Por que isso aconteceu? As explicações possíveis são muitas. Provavelmente o aluno foi buscar na internet (com ou sem sugestão docente) material para elaboração de um trabalho solicitado por algum de seus professores. E não faltam informações sobre o tema na internet. Numa busca por meio do Google (dados de 11.07.2004) há indicação de 984.00 entradas para sentido da vida, e 17.400 para “sentido da vida”. (para “sentido da vida” + Aquiles Von Zuben são 20 entradas!). Há, portanto, um oceano imenso de informações que deixa o navegante inteiramente perdido (o que escolher no meio de quase um milhão de documentos disponíveis?). O número imenso de informações disponíveis, em vez de nos tornar mais esclarecidos, tende a nos deixar inteiramente perdidos. Aliás, muito antes da explosão informativa da internet, Caetano Veloso, em verso célebre e comentando apenas o número muito grande de publicações vendidas nas bancas de jornal, perguntava: “quem lê tanta notícia?” Assim, cercado de informações por todos os lados, o navegador da internet não sabe o que utilizar. Naufraga. Um ou outro náufrago, desde uma ilha desconhecida, manda, em garrafas virtuais, apelos desesperados. Forneço mais um exemplo sobre tal comportamento.
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo mantém, na internet, uma página de apoio para educadores que queiram utilizar o modelo WebQuest. Educadores interessados em conversar sobre o tema central da página podem utilizar o e-mail webquest@futuro.usp.br para comunicarem-se com os coordenadores do projeto na Escola do Futuro. De vez em quando, alunos de diversos graus de ensino mandam mensagens de socorro para esse e-mail destinado à troca de idéias sobre usos educacionais de recursos da internet. Tais alunos ignoram completamente as finalidades do referido endereço eletrônico. Recorrem ao e-mail citado solicitando respostas para os mais variados assuntos. Uma das mensagens que chegou ao correio eletrônico do projeto WebQuest dizia:
Prezado WebQuest,
Estou pesquisando a globalização. Preciso de dados e informações sobre Revolução Industrial, sobretudo Inglaterra e França. Séculos XVII, XIX e XX. Eletrônica. Computadores. Novas formas de organização da produção. Mande-me dados e indicação de sites.
Fulano de Tal.
Esse pedido de socorro é parecido com o recebido pelo Professor Aquiles Von Zuben. O solicitante, porém, não se preocupou com qualquer forma de cortesia. Foi direto ao pedido, provavelmente pensando que um serviço da Universidade de São Paulo deve atender de imediato qualquer demanda escolar. Certamente, o autor do pedido não se deu ao trabalho de verificar o conteúdo do site sobre WebQuests, nem observou a natureza do serviço que a Escola do Futuro coloca à disposição dos educadores no caso. Aproveitou a existência de um endereço de uma grande universidade brasileira para obter respostas para sua pesquisa sobre globalização. Entrou na internet para procurar informações. Perdeu-se num mar imenso de referências. Encontrou, provavelmente por acaso, a página WebQuest da Escola do Futuro e resolveu enviar para ela uma garrafa virtual de náufrago do oceano Web.
Na mensagem sobre globalização aparecem informações mais diversificadas que no caso da mensagem sobre sentido da vida. Nela aparecem indícios de que o investigador relaciona o assunto com Revolução Industrial, história da Europa, novas tecnologias etc. Por outro lado, as possíveis associações não estão logicamente ordenadas. São mais palavras de uma possível listagem de aspectos que podem ter alguma relação com o fenômeno da globalização. O teor da mensagem indica provável anotação de instruções de um professor na definição de uma tarefa escolar. Num e noutro caso fica evidente a ausência de critérios para selecionar as informações necessárias.
A esta altura acho conveniente esclarecer que a questão de desorientação em levantamentos sobre determinado assunto não é uma criatura da internet. Dificuldades na busca de referências sobre assunto a ser estudado têm como fonte inabilidades investigativas e ausência de conhecimento. Investigar é uma atividade que exige o domínio de determinadas estratégias, capacidade de fazer indagações conseqüentes, e habilidade de ler, interpretar e julgar informações disponíveis. Todas essas capacidades precisam estar aliadas a alguma familiaridade com o assunto a ser investigado. Sem conhecimento prévio do assunto, é improvável que o investigador faça indagações consistentes. Essa circunstância pode ocorrer em levantamentos numa biblioteca, num centro de documentação ou na internet. Independe, portanto, da natureza da fonte de recursos. É, muito mais, um fenômeno vinculado a domínio do campo de conhecimento por parte do investigador. Em outras palavras, sem conhecimento, fartura de informação não resulta em facilidade investigativa. A questão da necessidade do conhecimento como condição prévia para o bom uso de informações disponíveis mereceu um alerta de Alan Kay (1994) em artigo para uma edição especial de Scientific American. Os dois primeiros parágrafos do texto de Kay colocam com bastante impacto a questão:
O físico Murray Gell-Mann observou que a educação no século vinte assemelha-se a ida ao maior restaurante do mundo para alimentar-se (literalmente) com o livreto do cardápio. Com essa metáfora, o autor pretendia mostrar que as representações de nossas idéias substituíram as próprias idéias; os estudantes são ensinados superficialmente sobre grandes descobertas em vez de serem ajudados a aprender profundamente por si mesmos.
No futuro próximo, todas as representações já inventadas pelos seres humanos serão imediatamente disponíveis em qualquer parte do mundo por meio de computadores pessoais “de bolso”. Mas seremos capazes de passar do cardápio para o alimento? Ou não seremos capazes de distinguí-los? Ou, pior ainda, perderemos a habilidade de ler o cardápio e ficaremos satisfeitos apenas em reconhecê-lo?
Alan Kay teme que as pessoas achem que simples informação é conhecimento, não uma representação que precisa de intérpretes capazes para ganhar sentido. O autor aborda assim uma questão central em nossos dias: o engano freqüente de achar que a produção gigantesca de informação, acompanhada por um consumo cada vez maior desta nova mercadoria, gera automaticamente uma “sociedade do conhecimento”. Esse engano explica os muitos naufrágios no oceano Web.
O Saber do Trabalho
agosto 4, 2013Faz alguns anos que escrevi resenha de livro do Mike Rose sobre saber dos trabalhadores. A resenha foi publicada no Boletim Técnico do Senac, mas não consigo encontrá-la na Web. Por isso, recorro á primeira versão de tal resenha, arquivada entre meus guardados.
Resenha de livro
ROSE, Mike. O Saber no trabalho: valorização da inteligência do trabalhador. Trad. de Renata Lúcia Bottini. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2007, 253 p.
Descritores do conteúdo do trabalho ignoram dimensões importantes dos saberes dos trabalhadores. Tais descritores padecem de sérios limites por causa de modos de ver as profissões e de metodologias que não consideram as tramas cognitivas e sociais demandadas pelo fazer. O resultado são modos de ver a atividade produtiva, sobretudo a manual, como uma prática sem inteligência. As conseqüências disso no campo educacional consagram o famoso erro de Descartes, a divisão insuperável entre mão e cérebro, corpo e mente. Mike Rose, professor da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), busca superar esse modo tradicional de ver o saber dos trabalhadores.
O autor cresceu entre ferroviários e foi criado por uma mãe que sustentou a família com seus ganhos como garçonete. Ele chegou à universidade por meio de mecanismos de inclusão para alunos das camadas populares. Tais acidentes biográficos ajudaram-no a construir uma abordagem do trabalho que faz emergir a riqueza da inteligência presente em profissões como as de garçonete, cabeleireira, carpinteiro. Uma abordagem muito diferente daquelas que alicerçam análises ocupacionais ou definições de competências.
No primeiro capítulo, o autor vê os serviços de restaurante a partir de entrevistas com sua mãe e outras garçonetes. E Rose vê muito mais que competências e habilidades no trabalho das garçonetes. Vê um rico exercício da inteligência que decorre da dinâmica dos fazeres necessários aos serviços de restaurantes. Boa parte dessa dinâmica é invisível para analistas centrados em aspectos observáveis do trabalho. Não fica evidente para esses analistas, por exemplo, estratégias utilizadas para otimizar atendimento a oito mesas com clientes que chegaram em tempos distintos e têm demandas muito diferentes de serviços; ou estratégias de memória para relacionar pedidos e gostos de clientes num horário de rush no qual cada garçonete atente a cerca de trinta pessoas.
No segundo capítulo, o autor analisa a profissão de cabeleireira com base em encontros com profissionais de diversos tipos de salões de beleza. O resultado é bastante parecido com o obtido a partir da conversa com as garçonetes. Nos três capítulos seguintes, Rose estuda profissões da área de construção civil. Mas desta vez suas observações não foram feitas a partir de diálogos com profissionais experientes. Ele examina o saber de profissões como as de encanador, eletricista e carpinteiro acompanhando o cotidiano escolar de estudantes e professores. As análises, no caso, mostram o fluxo de um saber que não cabe na forma dicotômica do par teoria e prática. Ao descrever discurso e fazeres dos estudantes, Rose mostra desdobramentos estéticos e éticos que estudos convencionais ignoram completamente.
O sexto capítulo foi construído a partir de duas biografias de trabalhadores: um supervisor de linhas de montagem, uma soldadora que ensina seu ofício num curso de nível tecnológico. O supervisor formou-se em atividades do chão de fábrica. A soldadora aprendeu seu ofício em cursos técnicos e tecnológicos. Ambos, porém, vêem o saber do trabalho a partir de uma cultura operária. Nos capítulos finais, Rose procura articular toda a riqueza de suas análises de profissões manuais com a elaboração do saber. Para isso recorre a estudos contemporâneos no âmbito das ciências cognitivas. E observa que tais estudos tornam inadequado o tratamento dicotômico do saber em teoria e prática, conhecimento e habilidade. Para mostrar que a visão tradicional estigmatiza certo trabalho manual, o autor acompanhou, no regime de residência de um hospital, a formação de cirurgiões. Uma das conclusões de Rose é a de que o fazer-saber de médicos cirurgiões tem a mesma natureza que o fazer-saber de carpinteiros. Ocorre, porém, que o trabalho médico tem um status muito elevado, circunstância que valoriza as técnicas de cirúrgicas sem considerar sua natureza de saber em ação.
A escolha da profissão de garçonete como ponto de partida para os estudos que resultaram no livro não foi determinada apenas pela biografia do autor; Rose escolheu a garçonete como um ícone de seus estudos porque essa profissão é vista nos Estados Unidos como atividade que requer pouca inteligência e escassa capacitação. Referências á garçonete são muito parecidas com as afirmações que se fazem no Brasil sobre o pedreiro. Num e noutro caso, ambas a profissões são vistas com destino para pessoas de limitadas capacidades intelectuais. A riqueza dos saberes exigidos pelas duas profissões acaba ficando invisível. Os próprios trabalhadores que exercem tais ofícios são invisíveis. Essa invisibilidade ocorre por causa dos pressupostos a partir dos quais pesquisadores abordam o trabalho manual. A invisibilidade do saber profissional no caso é conseqüência de uma escolha metodológica. Saberes, tradições, visões de mundo e valores elaborados pelos trabalhadores em seus fazeres profissionais acabam não entrando na pauta de investigação. Sobram apenas habilidades mensuráveis e objetivamente descritíveis.
O aspecto central do livro de Mike Rose é a interação entre o trabalhador e sua obra. O autor desvela a relação entre o profissional e a vontade de realizar um trabalho bem feito. Este modo de ver não reduz o saber trabalhar a habilidades ou competências, a parcelas de conhecimento desvinculadas de compromissos sociais e da satisfação de produzir. Esta orientação para a obra pode ser muito promissora para investigações sobre conteúdos do trabalho e escolhas metodológicas na área de educação profissional.
Prazer de redigir
agosto 4, 2013Muitas das redações que os alunos se veem obrigados a fazer são um martírio. Por isso, não me parece estranho que certas pessoas odeiem redigir. Mas, há modos inventivos e prazerosos de aprender redação. Não sou professor de português, mas acho que tenho algumas ideias que podem tornar o ato de redigir mais agradável.
Já propus aqui duas estratégias que podem animar atividades de redação: redação cooperativa e microcontos. Faço mais uma sugestão: micro-horóscopos.
Horóscopos tem um ar de mistério. Exigem muita imaginação para prender a atenção do leitor. São um desafio interessante de redação. Penso que horóscopos bem curtos, com o máximo de 150 toques (pontuação e espaços inclusos) podem funcionar bem como desafios de redação capazes de empolgar os alunos.
Para tal atividade, proponho este roteiro:
- Promova uma atividade de leitura de horóscopos de jornais aos quais os alunos têm acesso, ou a de um site do gênero.
- Peça a cada aluno para escrever livremente um horóscopo para qualquer signo.
- Peça aos alunos para voluntariamente lerem o que escreveram.
- Converse com a classe sobre algumas características de textos de horóscopos, com base nas leituras feitas e nas redações que foram lidas publicamente.
- Introduza a ideia de micro-horóscopos (textos que não podem ultrapassar 150 caracteres – pontuação e espaços inclusos).
- Sugira que os micro-horóscopos tenham algum traço de humor, sempre que possível.
- Informe que micro-horóscopos precisam ter alguma relação com o nome do signo de que tratam
- Solicite a redação de micro horóscopos.
- Forme grupos de cinco alunos, para que estes, cooperativamente, avaliem o que escreveram e produzam um conjunto de micro-horóscopos para publicação na Internet (em blog, Twitter ou Face).
Para ajudar quem quiser entrar numa aventura de redação como a que estou propondo, ofereço aqui um exemplo de micro-horóscopos que escrevi e publiquei no Face:
Áries. Abandone sua tradicional mansidão. Para fazer carreira, você precisará de grandes doses de agressividade.
Touro. Chifre é um belo ornamento, mas não fica bem em cabeça de casado. Considere seriamente realização de uma cirurgia para removê-lo.
Gêmeos. Ela acha seu irmão muito mais interessante que você. Encontre outra namorada, com opinião inversa.
Câncer. Olhe com carinho para os que temem dizer seu nome.
Leão. As leoas do seu harém ficaram espertas. Elas não vão mais caçar pra você.
Virgem. Todos duvidam de sua opção de vida. Seja mais ousada para conseguir credibilidade.
Balança. Aquela gordinha, carinhosa e simpática, quer te ver pelas costas.
Escorpião. Não gaste seu veneno com inimigos pequenos. Guarde-o para os grandes.
Sagitário. Seu interesse obsessivo por éguas de corrida pode levá-lo à ruína. Procure diversificar suas fontes de prazer.
Capricórnio. Não dispute espaço com Touro e Áries. Vocês têm muito em comum. Una-se a eles.
Aquário. Apesar de ser de Peixes, ela nunca nadará em suas águas.
Peixes. Sua relação com Aquário fez de você um escravo. Busque a liberdade em águas mais generosas.
Valores e Educação Profissional
agosto 2, 2013Acabo de redigir um texto para os anais do XI Congresso Internacional de Tecnologia Educacional que acontecerá no Recife, em setembro próximo. No evento farei uma comunicação sobre valores e educação profissional.
O texto que escrevi não é um síntese da minha comunicação. Ele é um aperitivo para os dois temas que quero abordar com mais ênfase: valores do fazer e valores do espaço da educação. Para interessados, reproduzo, a seguir, o mencionado texto. Se alguém quiser colaborar com comentários que eu possa integrar à minha comunicação, ficarei muito grato.
Valores, Trabalho e Educação Profissional
Jarbas Novelino Barato
As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender. (Paulinho da Viola)
A verdadeira fidalguia é a ação. O que fazeis, isso sois, nada mais. (Antonio Vieira)
Começo com uma cena que vi muitas vezes na construção civil.
O pedreiro está assentando azulejos. Usa técnicas hoje desaparecidas, que exigem confecção de massa especial e umedecimento de azulejos em nível que assegura boa fixação na parede. O profissional está no meio do serviço. Ele já assentou umas seis fileiras de peças. Nesta altura, para, pega um pano úmido e retira restos de massa que se acumularam sobre os azulejos. Afasta-se a alguns passos da parede.
À distância, o pedreiro contempla o que fez. Tem um olhar atencioso. Vê o alinhamento dos azulejos. Considera o conjunto do que já está pronto. Percorre com olhos, vagarosamente, sua obra. Para companheiros que estão próximos, comenta: “está ficando bonito”. Aproxima-se da parede e passa com delicadeza a mão grossa e cheia de calos sobre a superfície azulejada. Manifesta contentamento. Volta ao serviço e continua a assentar azulejos. Mais à frente poderá repetir o ato de contemplação da obra que acabo de descrever.
A cena descrita nos parágrafos anteriores não é uma atividade técnica para verificar acertos, prumo e alinhamento dos azulejos. Ela é um momento contemplativo, envolvendo ética, axiologia e estética. O ator dessa cena é um celebrante da obra, que não separa competência profissional de responsabilidade pelo que faz e de compromisso pessoal com um serviço bem feito. Ele aprendeu valores na ação. Aprendeu fazendo.
Coloquei este início de minha comunicação na Web. Minha amiga IvetePalange leu o texto e fez um comentário que complementa as observações sobre a cena do pedreiro assentando azulejos.
Ivete lembra que, muitos anos atrás, ela e equipe estavam produzindo, no SENAI de São Paulo, um vídeo sobre colocação de pisos cerâmicos e azulejos. Os profissionais da construção civil, envolvidos com a produção, destacaram que o serviço precisava ser feito com muito capricho. Por essa razão, os produtores resolveram dar ao vídeo o titulo “No maior capricho…”.
Há muitas traduções para capricho, no caso. A melhor delas tem a ver com a ética do cuidado. Bons profissionais importam-se com a obra que produzem. Identificam-se com ela. Em sua mensagem, Ivete acrescenta mais uma dimensão do capricho, a beleza da obra. E repara que, muitas vezes, essa beleza é invisível para leigos. Os profissionais conseguem vê-la, buscam atingi-la, sentem-se frustrados quando ela fica ausente da obra.
Na mensagem da Ivete há um detalhe que quero reiterar. O capricho é valor de uma comunidade de prática, de uma corporação profissional. Ele independe do usuário ou do cliente. Os profissionais garantem-no, mesmo que prováveis beneficiários sejam incapazes de apreciá-lo.
Ensaio interpretativo
Contados os casos, tento interpretar alguns de seus significados.
A cena da minha memória de menino, que vivia em canteiros obra acompanhando o trabalho de meu pai e outros profissionais do ramo, e a história da produção de vídeo, narrada pela Ivete Palange deixam muito claro que o trabalho é prenhe de significados estéticos, axiológicos, éticos. E mais: os trabalhadores têm consciência disso, embora nem sempre a expressem verbalmente. Muitas vezes tal consciência emerge em atos de apreciação da obra. Em outras palavras, para melhor conhecer valores do trabalho é preciso observar o que fazem os trabalhadores.
As duas histórias são um convite para pensarmos ou repensarmos a questão da aprendizagem de valores em educação profissional. Mostram que a ética, a axiologia e a estética são dimensões intrínsecas do trabalho. Não são desenvolvidas a partir de reflexões sobre um quadro de valores – geralmente distante do fazer concreto de cada dia – apresentado verbalmente em ambientes de sala de aula, ou estudado a partir de um código de valores, escrito em papel no formato de uma lista de deveres. Valores são parte integrante da dinâmica de produzir obras.
Onde estão os valores do trabalho? Há duas respostas para esta pergunta. A primeira delas é a de que os valores do trabalho estão no interior de uma comunidade de prática. Para evitar interpretações que opõem teoria e prática, acho conveniente explicar o sentido de prática quando esta palavra é associada a comunidade. Prática no caso não é o oposto de teoria. Prática no caso é práxis, ou seja, é prática social que pode ser percebida nas dinâmicas de um grupo que compartilha interesses comuns de vida. No caso do trabalho, há comunidades de prática em atividades produtivas cujos atores percebem em seus fazeres cotidianos os sentidos sociais das obras – tangíveis e intangíveis – de seu ofício. Mesmo quando o que produzem é feito isoladamente, esses atores sentem-se partícipes de uma comunidade que se sabe senhora de uma arte.
A segunda resposta é a de que os valores estão presentes na percepção que cada um dos atores tem de suas obras. Essa percepção é fundamental em termos de definição da identidade do trabalhador. Ele é o que ele faz. Ele se projeta em seus feitos. Ele se vê naquilo que produz. Nesse caso, o resultado do trabalho, mudando certa dimensão de mundo, muda o ser humano que o produz. A identidade se molda a partir do aprender que resulta do desvelamento de ser das coisas em fazeres próprios de uma profissão. Vemos isso claramente no ato de contemplação do pedreiro que descrevi no começo dessa comunicação. Aquele pedreiro se vê no que faz. Se vê em sua compreensão das matérias primas que utilizou para construir uma parede bem azulejada.
Faço aqui uma primeira ponte entre educação e valores no e do trabalho. Quem ensina valores do trabalho é um mestre de ofício. Não é um filósofo bem formado que reúne os alunos em sala de aula para conversas sobre ética, valores e estética. O mestre do ofício ensina integralmente sua arte, comunicando a arte de fazer bem feito. Ele não separa execução de apreciação.
No ato de demonstrar a técnica TIG (Tungsten Inert Gas) de soldagem, por exemplo, o mestre do ofício destaca os movimentos apropriados, a natureza dos materiais que entram em cena, a beleza do trabalho, a perfeição do resultado, a garantia de que a soldagem é de boa qualidade, a capacidade de avaliar continuamente o resultado, etc. Para um observador de uma demonstração assim desenvolvida não há como separar valores de tecnologia. O fazer do soldador não é um ato ao qual se atribui valores antes ou depois da ação. Os valores estão ali. Nos metais. Nas ferramentas de soldagem. Nas atividades do soldador. As aparências são as de uma ação sobre materiais para obtenção de um resultado. Mas, se o trabalho é visto com simpatia, salta à vista o engajamento do trabalhador com aquilo que produz. E esse engajamento não é uma operação mecânica para criar hábitos e automatismos favoráveis à produção. Para quem observa o fazer do soldador com simpatia, fica evidente o engajamento com materiais, ferramentas e práticas sociais de uma comunidade que compartilha significados. Fica evidente a definição que uma soldadora utilizou para seu ofício numa conversa com Mike Rose: “soldagem é a arte da fusão de metais”.
Os valores de uma profissão, os valores do trabalho, certamente serão aprendidos nos laboratórios, não nos auditórios. Sirvo-me aqui de uma analogia proposta por meu amigo Steen Larsen, educador dinamarquês. Ele caracteriza o modelo escolar que conhecemos como auditório, não importando os recentes usos de TIC ou as metodologias que incentivam participação dos alunos. O modelo escolar, construído pelas elites para instruir seus filhos na linguagem estruturante do poder, é o alvo da crítica do Steen. Tal modelo entra em confronto com o modelo construído pelos trabalhadores para que seus filhos aprendessem a trabalhar[1] Há, nesse sentido, um engano que precisa ser considerado. Com a avalanche de modelos escolares soterrando a educação profissional, os valores do trabalho foram ocultados por discursos e atividades que pretendem enriquecer a formação técnica e tecnológica com a agregação de valores humanistas. Fica parecendo que a mais autêntica manifestação de humanidade, o trabalho, é apenas um evento fisiológico ao qual é preciso acrescentar sentido ou significado humano.
Há algum tempo, examinei roteiro de orientações pedagógicas[2], anexo ao plano de curso técnico voltado para uma profissão com sólidas bases na tradição das profissões como artes e ofícios. No curso, os alunos produzem diversas obras típicas da profissão. As peças produzidas exigem muita arte, concentração, avaliação contínua do processo, e podem ser objeto de admiração. Mas, as orientações pedagógicas ignoram completamente o fazer profissional ao abordar valores. Elas examinam os valores a partir da tradição escolar e sugerem aos professores atividades de leitura de textos curtos sobre ética, acompanhada por discussões em grupo. Nenhuma das temáticas sugeridas sequer tangencia valores intrínsecos do trabalho. Além disso, os valores são discutidos antes que os alunos entrem na oficina e comecem a construir obras próprias do ofício que estão aprendendo. Na concepção do plano de curso predomina visão decorrente da tradição escolar, da tradição literária, como observa Liv Mjelde.
Já posso enunciar agora algumas teses sobre o que anda acontecendo com a abordagem de valores no campo da educação profissional. Aqui vão elas:
· O modelo escolar define, cada vez mais, as decisões pedagógicas no campo da capacitação do profissional.
· Os valores intrínsecos ao trabalho continuam vivos, mas vão ficando cada vez mais invisíveis para os profissionais de educação.
· Valores do trabalho que integram o fazer vão perdendo força na medida em que mestres de ofício são substituídos por professores em laboratórios, oficinas e espaços de produção.
· Há, nas escolas, tendência de criar obstáculos para a celebração do trabalho.
· No discurso, o fazer é reduzido à execução, fazendo com que não se percebam os múltiplos significados da ação.
· A obra deixa de ser o centro do aprender a trabalhar, sendo substituída por uma orientação que privilegia a aquisição de competências pessoais.
Estes enunciados são apenas uma parte dos problemas que vejo nas tendências atuais de planejamento e concepção da educação profissional quando se examina os valores do e no trabalho em suas relações com a capacitação de trabalhadores. Entendo que é preciso recuperar modelo da formação profissional com raízes na tradição da aprendizagem de artes e ofícios.
Acho que leitores atentos já devem ter percebido que estou propondo completa revisão metodológica no ensino de valores em educação profissional. Sugiro que o núcleo dos valores a serem desenvolvidos pelos alunos está no fazer, está na obra. Sugiro que o melhor espaço para perceber valores, de modo vivo e expressivo, é a oficina. Sugiro também que o melhor professor para comunicar (colocar em comum) valores é o mestre de ofício. No fazer o aluno se sente membro de uma comunidade de prática que é também uma comunidade de significados. Sentir-se integrante de tal comunidade exige atividade, ação, produção de obras, e não apenas uma reflexão redutível a discurso.
Por razões de tempo e espaço, não entro em detalhes sobre metodologias. Mas, tenho certeza de que os leitores, aceitos meus argumentos, poderão vislumbrar os novos caminhos que julgo necessários no campo do desenvolvimento de valores pelos alunos que buscam capacitação profissional.
Deixo em aberto o temas dos valores presentes nos fazeres dos trabalhadores e sugiro exploração de outra área que precisa ser considerada quando se quer abordar ética, estética e axiologia na educação profissional: a arquitetura escolar.
Espaço e construção de identidade
Catherine Burke e Ian Grosvenor escreveram recentemente (2008) um belo livro sobre arquitetura e educação. Os autores escolheram a seguinte citação para mostrar a direção do estudo que fizeram sobre edifícios escolares e educação:
O aluno típico que acaba de concluir estudos de ensino médio passou cerca de 13.000 horas entre as paredes de uma escola pública. Essas 13.000 horas são potencialmente as mais impressionantes e valiosas de sua vida… Por meio do ambiente […], o inteiro e custoso processo de educação encorajou-o ou anulou-o. O edifício escolar é a evidência visível e tangível da atitude do público para com a educação. (William G. Carr, National Education Asociation, 1935).
A arquitetura ensina valores muito mais que a exortação de professores. Num inquérito sobre o significado do espaço escolar para os alunos, um jovem que estudou num prédio sujo, mal conservado, com espaços reduzidos para circulação, com móveis em péssimo estado declarou: “na escola aprendi que sou um lixo”. O livro de Burke e Grosvenor, assim como outras obras recentes sobre o espaço escolar, enfatiza a profunda influência da arquitetura das instituições escolares no plano simbólico.
Não se costuma ler a arquitetura escolar na direção aqui apontada. Geralmente se pensa em conforto, em segurança e em conveniências de caráter didático para definir espaços escolares. Pouco se pensa nas profundas influências que tais espaços acabam desempenhando no desenvolvimento de valores, na construção da autoestima, na construção da identidade.
Escolas de lata, por exemplo, não são apenas uma evidência de falta de cuidado com a educação; elas são uma confissão de como as crianças da periferia são vistas pelas políticas educacionais que julgam que ficar trancado em containers de metal, com temperaturas em torno dos 50 graus, é apenas uma situação passageira de desconforto.
Observações feitas em the Message of the Schoolroom, artigo de Alison Lurie no New York Review of Books, edição de 04 de dezembro de 2008, iluminam alguns dos aspectos do tema arquitetura e educação. Reproduzo seletivamente algumas dessas observações a seguir:
De acordo com o clichê popular, toda instituição escolar, da creche ao programa de pós-graduação, é um tipo de fábrica. O prédio pode ser parecido com uma bela mansão ou com um armazém caindo aos pedaços, mas a função é a mesma. A matéria prima (aluno) entra e quase sempre é transformada num tipo de pessoa convencionalmente associada com a instituição.
Em qualquer fábrica, empregados e tipo de planta física são necessários ao processo. Muito se escreveu a respeito da influência exercida por diferentes tipos de professores e de abordagens didáticas sobre os alunos, mas pouco se escreveu a respeito da influência dos edifícios escolares. […] O prédio pode ajudar a fabricar obediência automática ou atividade independente, ele pode criar elevada autoestima ou baixa autoestima.
[…]
Para os alunos, os efeitos da arquitetura escolar podem ser muito grandes e permanentes. Para as crianças do pré, a creche ou escola infantil transmite-lhes uma mensagem silenciosa, mas dramática. Equipamento de qualidade e bonito, salas confortáveis, e grande número de brinquedos interessantes não só deixam as crianças felizes, mas também lhes dizem que elas merecem o melhor. O pátio sem árvores e grama de uma creche popular, com suas gangorras avariadas e piscina de plástico furado, passa a mensagem contrária; mensagem que nem mesmo a professora mais carinhosa e capaz pode contradizer totalmente.
Por meio da arquitetura, as escolas podem também ensinar aos alunos como pensar sobre raça e classe social. No Sul [dos EUA], antes do movimento dos direitos civis, o contraste entre escolas públicas amplas e bem conservadas para os brancos, e escolas pequenas, dilapidadas e com classes muito cheias para os negros passava silenciosamente para os afro-americanos a mensagem de que eles valiam menos que os brancos.
As lições ensinadas pela arquitetura escolar ainda precisam de grande aprofundamento se quisermos compreender as mensagens do espaço na educação em todos os níveis de ensino. Há três anos, promovi uma conversa sobre o tema no webespaço. Quis aprofundá-lo, mas outros interesses surgiram pelo caminho. Agora volto ao mesmo por causa de uma observação que colhi durante período de estudos sobre valores e trabalho numa escola de metalurgia do SENAI.
O diretor da escola me passou diversas informações sobre a organização da escola e sobre os cursos que oferece. Na conversa, ele me disse casualmente que o edifício tinha passado por uma reforma recente. Falou sobre alguns detalhes interessantes. Ressalto um deles. Nas oficinas, o piso reformado agora é claro. Claras também são as máquinas em todos os laboratórios e oficinas. Essa decisão rompeu com uma tradição de chão e máquinas de cor escura capaz de esconder a sujeira que vai acumulando em ambientes de oficina. As cores claras das oficinas exigem limpeza cuidadosa para que o ambiente se mantenha sempre agradável e higiênico. A medida tem várias consequências. Ela mostra para os alunos que eles:
· são importantes e respeitados,
· devem desenvolver hábitos de limpeza como os que lhes asseguram aquele ambiente agradável,
· fazem um serviço em que a poeira e aparas de metais não devem caracterizar seu ofício como uma atividade “suja”.
Os novos ambientes de oficinas da escola que visitei passam mensagens convincentes sobre valores e trabalho, sem necessidade de qualquer discurso. O espaço fala em alto e bom som que os alunos são importantes, são respeitados, que sua profissão é uma arte respeitável, que seu trabalho é bonito.
Pode existir situação contrária à que acabo de examinar: ambientes precários de laboratórios ou oficinas em programas de educação profissional. Vi algo em tal direção, anos atrás, quando programas de governo buscaram oferecer oportunidades de capacitação básica para trabalhadores desempregados. Os ambientes para desenvolvimento de técnicas eram acanhados. Faltavam ferramentas de trabalho, faltavam insumos, não havia espaço suficiente para todos os alunos, os equipamentos quase sempre eram sucatas recuperadas. Havia boa intenção, mas a mensagem implícita no ambiente era a de que aqueles trabalhadores em busca de trabalho decente não eram candidatos ao paraíso ocupacional. Deviam se contentar com ocupações marginais, mal remuneradas. A capacitação que recebiam tinha, socialmente, pouco valor.
Não há aqui espaço suficiente para avançar mais no campo da arquitetura e educação em programas de capacitação para o trabalho. Mas, acho que indiquei um rumo que vale a pena explorar.
Observações finais
Este texto não contempla todos os aspectos que pretendo abordar em minha comunicação no XI Congresso de Tecnologia Educacional, no Recife, dia 29 de setembro de 2013. Em vez de apresentar uma síntese da minha fala, resolvi destacar dois aspectos pouco estudados quando se abordam valores, trabalho e educação profissional: desenvolvimento de valores na ação e significados simbólicos dos espaços de educação.
Minha escolha se deve à percepção de que a educação profissional está cada vez mais escolarizada, perdendo contato com suas raízes históricas. Com isso, no campo de valores, os programas de capacitação profissional deixam de lado riquezas de significados que se constroem no fazer e nos espaços do trabalho. Elaborei minhas observações neste paper com a intenção de fazer um convite aos educadores: olhem para o trabalho e nele descubram ética, axiologia e estética. Essas dimensões valorativas estão lá, aguardando olhares atentos e simpáticos. Esses olhares são essenciais caso queiramos delinear metodologias adequadas para que nossos estudantes tenham consciência dos valores significativos que podem desenvolver trabalhando.
Valores não são saberes. Valores não são redutíveis a competências. Valores são modos de ser. Como diz Antonio Vieira “o que fazeis, isso sois, nada mais”.
Referências
Este não é um texto acadêmico. Por essa razão, não julguei necessário referenciar explicitamente todas as obras que inspiraram meu escrito. Mas, achei que convinha listar aqui a bibliografia básica que utilizei para esta conversa sobre valores, trabalho e educação.
BARATO, J.N. A Moral do Trabalhador na Educação Profissional. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 39, n. 1, jan/abr 2013.
BURKE, C. & GROSVENOR, I. School. London: Reaktion Books, 2008.
CRAWFORD, M.B. Shop Class as Soucraft: An inquiry into the value of work. New York: Penguin Books, 2009.
LAVE, J. e WENGER, E. Situated Learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
LURIE, A. The Message of Schoolroom. The New York Review of Books, December 4, 2008.
MJELDE, L. Las Propiedades Mágicas de la Formación em el Taller. Toronto: The Centre for the Study of Education and Work: University of Toronto, 2011.
MJELDE, L. From Hand to Mind. In Livingstone, D.W. (org.), Critical Pedagogy and Culture Power. New York: Bergin & Garvey Publishers, 1987.
ROSE, M. O Saber no Trabalho: Valorização da inteligência do Trabalhador. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2007.
ROUSSELET, J. A Alergia ao Trabalho. Lisboa: Edições 70, 1974.
VÁZQUEZ, A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
WENGER, E. Communities of Practice: Learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.