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História da Tecnologia Educacional

março 28, 2017

Um dos livros de referência em Tecnologia Educacional é Instructiuonal Technology Foundation, editado por Robert Gagné. Na obra, há um capítulo que recomendo: Instrucional Technology: A History, escrito por Robert A. Reiser. No final dos anos de 1990 fiz uma pequena resenha do texto de Reiser. Complementei a resenha com mais informações, procurando traçar um perfil bastante completo da História da Tecnologia Educacional. Reproduzo este meu velho texto aqui para quem se interessar.

HISTÓRIA DA TECNOLOGIA EDUCACIONAL:  OS MEIOS AUDIOVISUAIS

Jarbas Novelino Barato

Tecnologia Educacional é uma disciplina pedagógica muito nova. Por esta razão, não é fácil defini-la. Os especialistas a entendem como aplicação das modernas ciências do conhecimento. Mas, os leigos, e mesmo os profissionais de educação e treinamento, a vêem como a arte de usar recursos mecânicos e eletrônicos. Por outro lado, a disciplina em estudo ganhou importância, sobretudo na área de treinamento, como abordagem sistemática de instrução (em inglês, Instructional System Design – ISD). Estas três possibilidades definem, em conjunto, o que é Tecnologia Educacional atualmente.

Educação e treinamento, como regra geral, são atividades baseadas na linguagem, sobretudo a linguagem oral. A linguagem escrita desempenha um papel importante no processo, mas não substitui até hoje a oralidade. Assim os meios audiovisuais ainda são vistos como recursos auxiliares de ensino.

O uso de meios audiovisuais foi proposto por Comenius (em torno de 1600). Este autor ressaltava a importância das ilustrações na aprendizagem e escreveu o primeiro livro didático ilustrado (Orbis Sensualium Pictus) em 1650.

 

As idéias de Comenius não tiveram resultado imediato na educação e, por outro lado, a produção de audiovisuais em massa teve que esperar as invenções do século XIX: fotografia, telefone, rádio, telégrafo, disco, cinema, papel fotográfico e imprensa rotativa. Assim, o movimento dos audiovisuais surge apenas neste século, por volta de 1905, ano em que são criados os primeiros “museus pedagógicos” nos Estados Unidos. Tais museus funcionavam como centros  de recursos visuais, tais como mapas, ilustrações, slides e filmes. O movimento de audiovisuais cresce cada vez mais e tem sua grande expansão durante a II Grande Guerra. Nesta época, ele sai da escola e passa a ser uma atividade típica de treinamento, sobretudo de treinamento militar. O governo americano investe milhões de dólares em materiais audiovisuais para formar soldados e para treinar  uma mão-de-obra, quase toda ela feminina, que iria substituir os trabalhadores convocados pelo exército.

Depois da Guerra, por volta dos anos 50, o meio audiovisual que encantou os educadores foi a televisão. Acreditou-se que esta última poderia substituir a escola. O governo americano e fundações privadas investiram pesado na televisão educativa, entendida como aulas filmadas que poderiam chegar a toda parte. Este modelo foi um grande fracasso e hoje praticamente não existem televisões educativas nos EUA. Existem televisões públicas que transmitem programas culturais e fazem um jornalismo analítico. Este último modelo influenciou muito a TV Cultura de São Paulo.

Atualmente o audiovisual em evidência é o computador. O uso de computadores em educação começou nos anos 60. Naquela época apenas as grandes universidades americanas podiam usar o novo meio, pois os programas educacionais dependiam de redes acopladas a computadores de grande porte. Nos anos 70, com o surgimento dos computadores pessoais, a “informática educativa” passa a ser mais acessível. Nos últimos 20 anos houve um crescimento muito grande de softwares educacionais e de CBT (Computer Based Training: Treinamento Assistido por Computador).

Hoje a grande novidade em termos de audiovisuais em educação e treinamento é a possibilidade de integrar todos os meios em grandes redes eletrônicas ( a INTERNET, por exemplo). Nestas grandes redes, texto, imagens, fotos, cinema, televisão e som podem ser integrados por meio do computador em comunicações interativas.

Até hoje os meios audiovisuais prometeram muito e, com o tempo, fracassaram. Educação e Treinamento continuam a ser atividades baseadas na linguagem oral e escrita. Cabe, portanto, perguntar por que tanta “tecnologia” ainda não deu certo…

HISTÓRIA DA TECNOLOGIA EDUCACIONAL: O PLANEJAMETO SISTEMÁTICO DO ENSINO

A história da tecnologia educacional começa pelos recursos. Em 1905 o movimento de audiovisuais ganha campo graças às descobertas, no século XIX, da maioria dos recursos de comunicação que conhecemos hoje. Mas em torno dos anos 50 começa a surgir uma tendência voltada para o PLANEJAMENTO. Ou seja, a nova disciplina pedagógica começa a ser entendida como “aplicação científica de princípios, particularmente as teorias de aprendizagem, para melhorar o ensino.” É neste contexto que surge o ISD, ressaltando que toda a atividade educacional deve ser planejada de modo sistêmico.

No âmbito do planejamento sistemático do ensino, surgiram diversos conceitos que tiveram uma grande influência em educação e treinamento. Entre estes conceitos, podem ser destacados: taxonomia em objetivos, objetivos comportamentais (desempenho), avaliação baseada em critério, avaliação formativa e avaliação somativa.

Um planejamento sistemático só é possível quando se sabe com clareza quais os resultados a alcançar. Em educação e treinamento estes resultados foram descritos como objetivos comportamentais ou desempenhos desejáveis de treinandos/educandos. A idéia de desempenho relativiza conteúdos: não é importante o que ensinar, mas o que o treinando será capaz de fazer ao final de um treinamento. Além de destacar a importância do desempenho os especialistas em objetivos começaram a propor TAXONOMIAS (modelos de classificação de objetivos educacionais). Há diversas taxonomias na praça; as 3 mais interessantes e conhecidas são as de Bloom, Gagné e Merril.

Outra idéia importante em termos de ISD é a de avaliação baseada em critério. As avaliações comuns em educação e treinamento são baseadas em normas. Ou seja, descrevem resultados cuja distribuição esperada corresponde a uma curva normal. Em outras palavras, as avaliações mais utilizadas são comparativas e indicam a posição de uma pessoa dentro de um grupo. A avaliação baseada em critério está fundada numa idéia completamente diferente; ela mede o quanto uma pessoa aprendeu tendo em vista um resultado esperado. Assim, o aprendiz não é comparado com ninguém, mas avaliado individualmente tendo em vista uma meta. Em avaliações baseada em critério não há notas. Passa quem atinge a meta e quem não a atinge volta a estudar para completar o que ainda não aprendeu.

A idéia de avaliação formativa está relacionada com desenvolvimento. Em planejamento sistemático do ensino há uma fase que é a elaboração de protótipos. Estes protótipos são testados com amostras de pessoas que utilizarão o produto final. Testa-se o método, a linguagem, o conteúdo, o formato, os aspectos motivacionais etc. Testa-se, em outras palavras, uma proposta pedagógica em formação. Esta é também uma idéia nova. No geral, as propostas pedagógicas não são testadas-avaliadas no processo de formação do produto.

A avaliação somativa é sobretudo uma avaliação de proposta pedagógica já testada. Ele procura medir sobretudo a eficácia de uma proposta. Ou seja, procura medir até que ponto um planejamento sistemático deu certo…

Planejar sistematicamente educação e treinamento é muito caro. Por esta e outras razões, continuamos a educar e treinar de improviso

HISTÓRIA DA TECNOLOGIA EDUCACIONAL: AS CIÊNCIAS DO CONHECIMENTO

A Tecnologia Educacional começou como um movimento de uso de recursos, passou por uma fase de valorização do planejamento (anos 60 e 70) e, finalmente, chegou ao estágio das ciências do conhecimento.

O interesse pelas questões do conhecimento nasceu fora dos meios educacionais. Ele começa na área de comunicações (1949) com Shannon e Weaver. Em engenharia das comunicações descreve-se um modelo que envolve um emissor e um receptor, e um canal  ou meio através do qual a mensagem é enviada. Os autores de tais modelos enfatizavam que durante o planejamento de comunicação era necessário considerar todos os elementos do processo, e não apenas o meio como o fazem muitos especialistas em audiovisuais. Berlo, um especialista em comunicação afirmava em 1963: “Como homem de comunicação eu devo argumentar fortemente que o processo é o aspecto central na comunicação e que os meios, apesar de importantes, são secundários”.

Além da área de comunicação, as áreas de ciências de computação, de psicologia do conhecimento e de lingüística colocam a questão dos processos cognitivos como foco central da educação.  Em todas estas áreas, desenvolvem-se teorias de representação. Tais teorias rompem com a visão ingênua da reprodução. Em lingüística, é importante o nome de Noam Chomsky que argumenta a favor de um mecanismo inato da linguagem, propondo que por trás das línguas conhecidas há um aparato universal (comum a todas as pessoas) de representação simbólica. Na área de computação fica evidente que os recursos internos de armazenagem de informações são representação (símbolos colocados no lugar da coisa representada),  pois os impulsos digitais não são cópias de imagem, som, cenas, movimentos, etc.

No campo da psicologia, por volta dos anos 70, começam a ganhar força estudos sobre o conhecimento e a mente humana. Esta linha de estudos já fora desenvolvida por Piaget, Vigostky e Brunner, mas a psicologia que dominava o cenário era a experimentalista (contrária a qualquer teoria da representação).

Todos os estudos sobre a questão do conhecimento passaram a ter uma influência muito grande na área de Tecnologia Educacional. Merril e Gagné, já citados em outra parte, deixam o experimentalismo e afirmam que qualquer proposta de ensino deve ser, sobretudo, uma proposta favorecedora da elaboração do conhecimento. Esta é mais uma tendência contrária ao conteudismo e à educação reprodutora ou bancária. Também é uma tendência que relativiza os meios. Na verdade, de acordo com as modernas ciências do conhecimento, o que importa não são os meios, mas os processos pelos quais os seres humanos elaboram e reelaboram o saber.

O desafio cognitivista é muito recente em educação e treinamento. Quase todos os educadores e treineros acreditam que importantes são os conteúdos. Por outro lado, pensar o pensar e criar oportunidades desafiadoras para que os aprendizes elaborem o seu próprio saber não é uma tarefa banal. Assim, a idéia de Tecnologia Educacional como uma aplicação das modernas ciências do conhecimento ainda é um campo a ser explorado.

(texto escrito no final do anos 90)

 

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