Hoje vi num mural FB italiano (infelizmente não consigo recuperar o nome do companheiro de Face lá da Bota) referência a um vídeo do matemático e lógico Piergiorgio Odifreddi: Godel e Turing: La nascita del Computer. Vi o material. É longo (cerca de uma hora e vinte). Aqui e ali, há algumas ilustrações. Mas, no geral, há exposições de Pier. O italiano não é difícil. O matemático tem ótima dicção e apresenta os temas de modo muito inteligível. Dá para ver o vídeo em segmentos. Acho que é um material que deve merecer atenção de quem trabalha com tecnologia educacional. Acho também que professores de tal disciplina podem desafiar os alunos a verem o algumas partes mais interessantes da fala do matemático e lógico italiano.
Piergiorgio Odifreddi gravou muitos outros vídeos em áreas de ciência em matemática, física e lógica. É bom saber que podemos contar com comunicações comos as dele, que aproximam as pessoas comuns do conhecimento científico. Em outra ocasião vou explorar outros vídeos do Pier e, se for ocaso, recomendar o material aqui no Boteco.
Para os interessados, segue o vídeo sobre história dos computadores.
A narrativa de Piergiorgio tem muitas pontes com um livro recente, The Information, de James Gleick.
Li essa obra ano passado. A foto que segue, sacada por minha mulher num trem Roma/Florença, me mostra lendo The Information com muito interesse.
O cinema é um veículo poderoso para mostrar assuntos que merecem reflexão, aprofundamento, diálogo. Exemplo recente de uso do cinema para tal fim é a obra de um jovem estudante da San Diego State University (SDSU), Nadir Bouhmouch.
Nadir, estudante de cinema na SDSU, é marroquino e se convenceu de que é preciso ser um militante depois que a polícia de seu país confiscou sua câmara numa de suas voltas à pátria. O absurdo do ato policial e as dificuldades burocráticas para recuperar sua filmadora abriram os olhos do jovem estudante para o que acontece em seu país.
O estudante da SDSU filmou um belo documentário sobre o movimento marroquino por liberdade. O filme, com mostras em diversas partes do mundo neste ano de 2012, chama-se My Makhzen & Me e retrata as manifestações do Movimento 20 de Fevereiro, a versão marroquina da Primavera Árabe. No vídeo que segue, vocês podem conhecer melhor esse estudante brilhante e realizador.
Nadir é muito jovem. Tem apenas 21 anos. Jovens também são os líderes do Movimento 20 de Fevereiro no Marrocos.
Vale a pena ver o filme produzido pelo aluno da SDSU, universidade onde fiz meu mestrado em Tecnologia Educacional. Para tanto cliquem no link que segue e vejam versão do filme em espanhol:
Trabalhei trinta anos no SENAC. Depois de bastante tempo na instituição comecei a pensar que a fórmula teoria & prática é um equívoco. A desconfiança de que algo estava errado com o uso desse par antitético me levou a estudar a epistemologia do fazer-saber. E tal estudo acabou sendo sitematizado numa tese de doutorado que defendi na Unicamp.
Minha tese foi publicada na forma de livro, com o título Educação Profissional: Saberes do Ócio ou Saberes do Trabalho? A proposta fundamental que faço é a de que é necessário abandonar a idéia de que o saber técnico deve ser dividido em teoria e prática, com a primeira sempre precedendo a última nos percursos de aprendizagem. Reproponho o modo de ver a questão, sempre insistindo que o que chamam de prática é um conhecimento com status epistemológico próprio que em nada depende do saber que chamam de teoria.
No percurso investigativo entrei em contato com muitas obras interessantes. Uma delas é o livro The Hand, de Frank Wilson. A mão, como mostra o autor, é uma maravilha que nos passa desapercebida. Só notamos sua importãncia quando vemos um músico ou um artesão impossibilitado de usá-la. Em situações de crise, como em doenças neorológicas, que nos impedem de usar a mão propriamente, sentimos como ela nos faz tão especiais. Wilson, médico neurologista, começou a perceber isso quando músicos famosos vieram procurá-lo para recuperar movimentos finos das mãos. O drama deles não era apenas motor. Era um drama de vida, pois eles eram o que suas mãos conseguiam realizar.
Mais recentemente, tomei conhecimento de uma frase de Anaxágoras, filósofo que viveu há mais de 2.500 anos: “somos o animal mais inteligente porque temos mãos”. Em outras palavras, somos o resultado daquilo que nossas mãos são capazes de fazer.
Não vou aqui amolar o amável leitor com mais explicações. Tudo o que esrevi até este ponto foi uma explicação preliminar para fazer um convite. Convido todos os interessados a refletir sobre inteligência a partir de uma conjunto de belas imagens sobre velhos ofícios. As ditas imagens não são acompanhadas por palavras. Falam por si mesmas. Dispensam discurso. Vejam quantas inteligência há nas mãos dos trabalhadores mostrados no power point cujo link segue abaixo:
Há uns vinte dias, a jornalista Roberta Braga me pediu para falar sobre blogs e educação, tendo em vista matéria que ela estava escrevendo para a revista Profissão Mestre. Minhas opiniões seguiram, por escrito, na forma de respostas a duas perguntas formuladas pela Roberta. Como norma geral, as respostas que a gente dá para pergutas de jornalistas que estão escrevendo uma matéria nunca são publicadas na íntegra. Em parte, isso é explicado por conveniências de edição. Em parte, pela existência de outras fontes consultadas por quem redige a matéria.
Caso receba exemplar da revista com a matéria da Roberta, farei o devido registro aqui no Boteco. Para quem quiser ver o que repondi, publico aqui texto que encaminhei à jornalista:
1-Os blogs são uma boa ferramenta para ensino-aprendizagem? Por quê?
Blogs são instrumentos de comunicação no ciberespaço. São um convite à conversa. Oferecem a qualquer pessoa oportunidade de ser autor ou autora. São vitrines que apresentam o cidadão do ciberespaço para outros cidadãos que tem os mesmos interesses. Permitem que o autor expresse opiniões pessoais com muita liberdade.
Além de ser um espaço de liberdade para expressar pensamentos pessoais, os blogs apresentam diversas vantagens técnicas. São muito fáceis de criar. Além de texto, podem apresentar imagens, vídeos e ilustrações. Outra vantagem: são fáceis de editar. Por isso, os autores podem sempre corrigir ou eliminar mensagens.
Uma característica dos blogs é sua natureza de espaço para diálogos. Comentários a posts podem ser oportunidades para troca de ideias, para a manifestação de discordâncias, para a indicação de informações etc.
Ressaltei até aqui as virtudes comunicativas dos blogs. Fiz isso porque prefiro começar pela comunicação, não pela pedagogia ou pela didática. Quando começamos a análise dos blogs pelas vantagens educacionais, corremos o risco de domesticá-los, limitando em demasia suas virtudes no campo da comunicação. Acho que os blogs podem ser uma boa ferramenta de ensino-aprendizagem se seus usos na escola não reduzirem as possibilidades comunicativas dos mesmos ao local, á sala de aula, aos professores e alunos.
2-Como usar os blogs na educação?
Começo com uma resposta aparentemente óbvia: os blogs precisam ser utilizados como blogs. Ou seja, precisam ser utilizados como instrumento de autoria e comunicação no ciberespaço. Qualquer proposta de uso de blogs em educação precisa garantir que os alunos sintam-se cibercidadãos.
Como acontece com qualquer instrumento de comunicação, é preciso que os blogs sejam utilizados com imaginação. Tento esclarecer isso com uma fórmula que está num artigo que publiquei na revista Quaderns Digals: tecnologia = ferramenta + imaginação. Nesse sentido, não há cartilhas prontas sobre o assunto. O uso de blogs nas escolas depende muito de professores que consigam criar bons desafios de comunicação para os alunos.
Não quero dar uma resposta fechada para a pergunta, mas sugiro que o como usar blogs em meios educacionais pode ser orientado por um conjunto de princípios. Listo aqui mais importantes para mim:
Promova a autoria. Incentive seus alunos a escreverem seus próprios textos.
Busque autenticidade. Procure fazer com que seus alunos se envolvam com assuntos que são do interesse da sociedade. Evite escolarização dos blogs.
Garanta liberdade de expressão. Não censure a produção dos alunos.
Incentive circulação pelo ciberespaço. Não pare na escola e em interesses curriculares imediatos. Procure fazer com que os blogs de seus alunos ganhem espaço na web, com a máxima participação possível de cibernautas de toda parte.
Promova contatos internacionais. Os blogs são ótimos instrumentos para andar pelo mundo, conhecer gente de outros países. Tente fazer com que seus alunos vivam tal experiência.
Ajude a construção de identidades digitais. Nas comunicações via internet, as pessoas vão construindo uma nova dimensão de identidade, ancorada em sentimentos de cibercidadania. Essa é uma oportunidade que não podemos perder ao blogar.
Nas academias e no ministério da educação falam um idioma que não entendo, o pedagogês. Acadêmicos pacientes me explicaram que tal linguagem é necessária para conferir maior objetividade ao discurso. “Ela é”, dizem eles, “uma linguagem científica”. Não fico convencdo. Acho que o tal discurso é obscuro, feio, chato, horroroso.
Hoje, ao ler o texto Limites do relativismo cultural, no ótimo De Rerum Natura, deparei-me com mais uma jóia do pedagogês, trecho de um texto escrito por eduburocrata do ministério da educação de Portugal. Ele nada fica a dever a nossas teses de doutorado das faculdades de educação ou a documentos do nosso MEC:
“Tendo em vista melhorar a eficácia da resposta educativa aos problemas surgidos da diversidade dos contextos escolares e assegurar que todos os alunos aprendam mais e de um modo mais significativo, o Departamento da Educação Básica editou (…) agora “Histórias do Povo Cigano”, adaptadas a crianças, contribuindo para a construção de uma escola de qualidade, mais humana, criativa e inteligente. Os excertos de histórias aqui apresentados resultam de uma recolha (…) entre Junho e Dezembro de 1998, no âmbito do Projecto “ROM-SF” (Programa Sócrates), desenvolvido em parceria com os Ministérios da Educação da Suécia e Finlândia. Conscientes da multiplicidade de situações quotidianas, queremos apenas sugerir-lhe algumas abordagens possíveis, que não se esgotam aqui (…) o(a) professor(a) poderá seleccionar competências, organizar conteúdos e desenvolver o seu trabalho, segundo a concepção de estratégias/actividades diversificadas que criem condições para a transversalidade das aprendizagens, numa perspectiva de desenvolvimento integral do aluno e de uma efectiva educação para a cidadania.”
Hoje pensei em escrever uma nota sobre microcontos, sugerindo linhas gerais de aproveitamento dos mesmos em atividades educacionais. Acabei não escrevendo tal nota. Descobri que já havia feito isso em 2008, num subsídio para minhas aulas de tecnologia educacional.
Acho que o dito subsídio passa bem o que eu quis escrever hoje. Por essa razão, e também por causa de alguma preguiça, reproduzo-o aqui.
Microcontos
Microconto é uma forma bem moderna de fazer literatura. Tudo nele é muito contido. Tudo é feito para caber em pequenos espaços – uma tela de celular, uma camiseta, um adesivo. Tudo é feito para leitura rápida. Por isso precisa ser micro. Mas precisa ter virtudes: humor, beleza.
Em qualquer microconto, o autor precisa contar ou sugerir uma história. Nessa forma de microliteratura, portanto, é preciso ter personagem ou personagens, movimento. É preciso ter alguma história.
Há diversas formas de definir limites para um microconto. Vamos utilizar a definição que diz que um microconto é uma história (ou sugestão de história) contada em até cento e cinqüenta caracteres (espaços e pontuações inclusos).
Exemplos:
Ela beijou o sapo. Hoje é mãe de dez girinos. (j. novelino)
Trabalhavam na mesma empresa. Ele gerente, ela secretária. Casaram-se para evitar rumores de assédio sexual. (Senir Fernandez)
Pela última vez, escreveu seu nome na orla da praia e ficou vendo as ondas o apagarem para sempre. (C. Seabra)
As chamas queimaram tudo. Nos escombros do prédio, aquela privada, branca e reluzente, não fazia o menor sentido. (C.. Seabra)
Bígamo e muito devoto, ele frequenta duas igrejas. (j. novelino)
No desastre, o motorista perdeu o caminhão e a fé em São Cristóvão. (j. novelino)
O músico era tão perfeccionista que naquela tarde, quando seu gato miou uma oitava acima, não hesitou em atirá-lo pela janela. (Zezé Pina)
Quando soube da verdade, gelou. Era verdade! (Zeca Ildefonso)
Era loira, sensível, culta, inteligente e muito bonita. Fingia-se de burra para não desagradar a seu marido empresário. (Erre Erre)
Abraçou fortemente a sua solidão com a certeza de que nunca mais seria por ninguém abandonado. (Erre Erre)
Exorcista famoso, mundialmente reconhecido, dorme abraçado aos demônios que durante o dia expulsa e se embriaga com a água benta que sobra. (Erre Erre)
Finalidades:
· Destravar quem tem medo de escrever
· Oferecer resultado rápido e completo de redação
· Exercitar imaginação dentro de um quadro de restrições bem claro
· Oferecer um desafio que tenta as pessoas
Usos:
· Redação
· Levantamento de idéias dentro de determinado assunto
Já não dou aula de ética. Se estivesse na ativa, certamente usaria o vídeo aqui mostrado em minhas aulas. Problemas de moralidade privada invadem o espaço público e políticos oportunistas se fingem de santos para ganhar votos de gente que gosta de impor seus valores aos demais. Não preciso falar muito sobre o assunto, ele sempre volta à baila a cada campanha eleitoral. Vamos ao vídeo.
Na MPB, alguns compositores e cantores são italianíssimos, apesar do nome artistico que escolheram. O caso mais expressivo: Adoniran Barbosa. Outro caso paradigmático: Paraguassu.
Estou num recreio voltado para festas italianas. Provoco amigos com sobrenomes da Bota no Face. Convoco meus sobrinhos Baratos para a conversa. E ouço música dos italianíssimos Adoniran e Paraguassu. Se algum amigo deste Boteco quiser me acompanhar neste mergulho no passado dos nonnos, ouça esta maravilha dos velhos tempos, na voz de Paraguassu, o Italianinho do Brás.
A foto que abre este post é ilustração publicada em Boletim do Instituto Claro, numa matéria sobre inclusão digital promovida por uma ONG em Minas Gerais. Copio o primeiro parágrafo da matéria:
Há educadores e especialistas em TICs que defendem que o laboratório de informática na escola, naquele modelo tradicional, montado em uma sala em separado e com computadores lado a lado, é algo ultrapassado. Na Escola Municipal Maria Coeli Ribas Andrade e Silva, em Pirapora (MG), as máquinas estão assim dispostas, mas basta chegar ao laboratório e acompanhar o trabalho que lá é feito para se ter certeza de que o termo ultrapassado, ao menos ali, não se encaixa.
Faço parte do time dos educadores que criticam laboratórios de informática. Sempre reparo que em usos de computadores, a unica área que insiste em laboratóriso é a de educação. Em todas as outras áreas o computador está onde ele é necessário para o trabalho ou atividade fim.
Na foto há um detalhe que sempre me irrita: o design de interiores que coloca computadores voltados para a parede. Esse é um modelo muito comum em laboratórios financiados pelo MEC. Certo dia, perguntei a um coordenador de NTE (Núcleo de Tecnologia Educacional) por que as máquinas estavam voltadas para a parede. O coordenador me disse que isso acontece porque fica mais fácil (e barato) distribuir tubos e fios, necessários para alimentar as máquinas com energia e cabeamentos da rede interna e externa.
O design de interiores com computadores voltados para a parede coloca conveniências de engenharia acima de conveniências educacionais. Em muitos lugares em que desenvolvi workshops e cursos, essa disposição das máquinas é um sério problema para trabalhos em equipes. O design dificulta muito conversas para trocas de idéias. Em poucas palavras, a disposição das máquinas favorece apenas trabalhos individuais, ou reduz a possibilidade de cooperação a parceiros que estejam utilizando alguma rede. Ao que tudo indica, propostas de cooperação, tendo o computador como uma ferramenta utilizada por um grupo de trabalho, não fizeram parte do planejamento do laboratório.
Já observei diversas vezes neste blog que a arquitetura passa mensagens importantes em educação. Assim, mesmo que os educadores tenham ótimas intenções, o ambiente fala mais alto que discursos e exortações. No caso de laboratórios de informática com máquinas voltadas para a parede fica muito evidente a mensagem de que o que importa é uma aprendizagem individual na qual a cooperação, quando existente, acontece exclusivamente por meio de recursos digitais.
Minha inteção aqui não é a de analisar a questão, mas apenas a de propor uma conversa sobre a criação de ambientes hostis a cooperação in loco. Por isso, paro por aqui, esperando comentários de quem trabalha no ramo.
Continuo a buscar informações sobre Edible Schoolyard, projeto que, desde 1991, é uma bela aventura da Martin Luther King Jr. Middle School, Berkeley, Califórnia. A idéia mestra do projeto é a de oferecer aos alunos oportunidades de aprender fazendo, num percurso que vai da semente à mesa e, a seguir, da mesa á semente. Em tal percurso, os alunos enriquecem o solo, plantam, cultivam, colhem, preparam os alimentos e comem o que produzem. Não se trata de uma horta na escola. É muito mais que isso.
Como já observei em outro post, na Martin Luther King há um sítio, com plantas de horta, pomar e jardim. Há também galinhas. O ambiente inteiro é similar a uma pequena propriedade em que se planta de tudo.
Uma das fontes de informação sobre The Edible Schoolyard é um vídeo realizado pelo grupo Growing a Greener World. O vídeo conta um pouco do projeto, relaciona princípios que alimentam o que ali se realiza, e mostra algumas das atividades que acontecem na plantação e na cozinha. Neste post quero examinar mais de perto a atividade em que um professor e seus alunos articulam o cultivo de muitos vegetais com estudos de história e cultura.
O Professor Benjamin Eichorn observa que um dos melhores ângulos para abordar história é verificar como povos em todo o mundo, em diversas épocas, produziram seus alimentos. Isso pode estar escrito nos livros. Isso pode ser encontrado na internet. Na Martin Luther King a exploração da relação entre alimentos e história dos povos não fica restrita a um tratamento acadêmico. Ela ganha vida por meio das plantas cultivadas no sítio da escola.
No Edible Schoolyard há uma grande variedade de plantas, oferecendo um quadro bastante rico do que se cultiva ou se cultivou em todo o planeta. Quando os alunos cuidam de um canteiro de aveia ou de milho, aprendem que esses cereais tiveram papel fundamental no Egito ou na Mesoamérica. E não aprendem isso apenas oralmente. Aprendem cuidando de todo o ciclo de reprodução e consumo dos cereais: preparando o terreno, plantando a semente, acompanhando o crescimento das plantas,colhendo, moendo e assando a farinha em pratos deliciosos.
Ao cultivar as plantas, os alunos entendem melhor os cuidados que agricultores de ontem e de hoje. No caso dos cereais, o projeto adota técnicas de moer cereais manualmente, muito parecidas com as técnicas utilizadas no início de uso de sementes de gramíneas como fonte alimentar. Assim, literalmente, os alunos põem a mão na massa. Com todos esses cuidados, compreender a importância de cereais como o trigo, a aveia, o arroz e o milho em diversas civilizações fica muito mais claro, mais vivo. Como diz o professor Benjamin, os alunos aprenderão para sempre a importância dos cereais na história da humanidade.
Deixo por alguns instantes o Edible Schoolyard. A importância da alimentação como fator determinante a história e cultura dos povos já foi explorada de diversas formas. Nos anos sessenta, por exemplo, o projeto Plato de usos de computadores em educação incluiu entre seus softwares a simulação Aztlan, aventura de um obscuro líder asteca tentando chegar ao trono imperial. O elemento central dessa simulação era o cultivo, armazenagem e distribuição do milho, cereal domesticado por povos que viveram em regiões onde está hoje o México e a América Central. Uma das versões de Aztlan para microcomputadores foi feita por equipe que eu coordenava nos anos de 1980. Neste Boteco fiz pequeno registro sobre Aztlan que pode ser visto aqui.
A importância do cultivo de plantas e domesticação de animais é um dos pontos centrais de um livro deslumbrante, After Ice: A global human history , 20,000-5000 BC. Nessa obra, escrita em ritmo de aventura, Steven Mithen examina o surgimento de formas de organização social até então inexistentes na história humana. Em diversas partes do mundo, há dez mil ou mais anos, grupos humanos começaram a usar intensivamente plantas silvestres numa direção que as levou à domesticação. A narrativa de Mithen vai tecendo histórias que mostram profundas mudanças nas formas de produzir a existência humana a partir da produção dos alimentos. Em After Ice, produção de alimentos, surgimento dos primeiros núcleos urbanos e desenvolvimento de culturas cujas marcas ainda estão muito presentes em nosso mundo são tecidos em relações que tornam a história humana objeto de grande fascínio.
After Ice é um livro volumoso, com mais de seiscentas páginas e, apesar de escrito numa linguagem acessível, não pode ser aproveitado no ensino básico. Mas, é uma inspiração e sinaliza muitas maneiras de fascinar crianças e jovens nos estudos de história. E, como já observei, a alimentação é o fio condutor da narrativa de Mithen. Professores de história, se surgir oportunidade, precisam dar uma olhada em After The Ice. O autor apresenta a história de nossos antepassados, em desafios para vencer grandes mudanças climáticas, de uma maneira que meu saudoso amigo Hugo Assman chamaria de encantamento.
After Ice enfatiza um aspecto que, no geral, não é explorado pelos livros de história. Não me lembro de ter estudado, por exemplo, o que se comia no Brasil do século XVI. Não me lembro de aulas em que meus professores de história no ginásio dessem qualquer importância à dieta nos primeiros anos da Colônia. Até hoje eu gostaria de saber o que ia para o prato de um Martim Afonso de Sousa. Nos livros de história há um registro abstrato sobre importância de alguns alimentos americanos como a batata, o milho e a mandioca. Mas, a saga do encontro de europeus e índios nas roças e cozinhas não integra até hoje conversas sobre história em nossas escolas, embora os primeiros cronistas tenham registrado a profunda admiração dos europeus por muitas das frutas encontradas nas Américas. Aliás, uma das plantas americanas que mais se universalizou depois da chegada dos europeus foi desenraizada de suas origens com expressões tais como batata inglesa ou batata holandesa. É muito provável, por isso, que nossos alunos pensem que a batata veio do velho mundo. Quem já esteve alguns dias no Peru deve ter ficado abismado com a variedade de batatas que podem ser encontradas nos planaltos andinos.
Em 2010, propus que um Desafio para o programa da TV Escola que explorasse as fontes de alimentação genuinamente americanas. O desafio proposto era o do que os alunos estudassem alimentos das Américas e preparassem um jantar cujo menu incluísse apenas itens do novo mundo. Já divulguei vídeo do programa aqui no Boteco. Mas, para facilitar a vida do leitor, repito a dose.
Como atividade preparatória no Desafio, elaborei uma WebGincana. Ela também já foi divulgada aqui. Mesmo assim, repito indicação para o link onde a WG pode ser encontrada:
O Desafio Mesa Americano, desenvolvido em ritmo de televisão, talvez não tenha engajado os alunos de forma a criar um encantamento pelo estudo da história das Américas a partir de nossas matrizes alimentares. Os alunos deveriam ter manipulado mais os alimentos in natura. Deveriam visitar algumas plantações. Deveriam ir para rua e verificar se pessoas comuns tem alguma idéia sobre origem histórica dos alimentos que vão diariamente para nossas mesas. De qualquer forma, o programa sinalizou uma direção que as escolas podem explorar.
Um site sobre Çatalhoyuk, sítio arqueológico de um dos primeiros aglomerado urbanos do planeta, há um jogo chamado Faça um Jantar Neolítico. Há nove mil anos, os habitantes do lugar recorriam a diversas fontes de alimentos, incluindo em sua dieta sementes de cereais selvagens que eram moídas manualmente. A idéia é a de proporcionar aos estudantes experiência similar à dos seres humanos daquela vila que oferece, depois de décadas de pesquisa, muitas surpresas sobre a história de nossa espécie.
Faça um Jantar Neolítico tem mais limitações que o Desafio Mesa America, mas, como este último, sugere direções interessantes para que os alunos explorem vivencialmente um tempo histórico distante.
Faço um último desvio de rota. Gosto muito de um livro do biólogo Lawrence Slobodkin. Ele escreveu uma obra instigante sobre filosofia da ciência: Simplcity & Complexitiy in Games of Intellect. Slobodkin faz referência a muitas informações em sua área de investigação. Mas, navega também por outros campos. No capítulo 4, Three Dinner Parties, por exemplo, mostra que aspectos culturais que envolvem a alimentação humana podem ser jogos intelectuais interessantes de complexificar ou simplificar a realidade. Alimentar-se não é apenhas uma forma de atender a demandas biológicas. É também uma forma de mostrar entendimentos sobre a natureza, os outros, o prazer etc.Traduzo um trecho do primeiro parágrafo do citado capítulo:
…O processo nutricional biológico comum se torna foco de arte e é elaborado, simplificado, ou minimilizado por muitas razões, assim como o ato biológico comum de andar e correr é convertido em dança. Ao considerar o ato de jantar podemos introduzir, de um modo simples e acessível, exemplos do que essencialmente pode ser simplificado ou complexificado. (p. 81)
Slobodkin usa situações de jantar em diversas culturas para mostrar que a alimentação pode ser uma atividade que reflete costumes capazes de mostrar cultura e história em situações aparentemente banais. Mostra que alimentar-se não é apenas uma atividade biológica, mas uma elaborada forma de celebrar a vida.
Fiz algumas viagens rápidas para locais aparentemente distantes do Edible Schoolyard. Tal excursão buscou mostrar que a articulação entre alimentos e história é um caminho muito interessante. Esse caminho não é uma atividade que se esgota em si mesma. Ele é uma forma de engajar os estudantes em atividades que podem ajudá-los a entender melhor a aventura humana de buscar fontes de alimentação, elaborando descobertas em novas tecnologias e cercando a produção com elaborações culturais.
Já vi alguns casos em que escolas incentivam os alunos a cultivar uma horta. Parece-me que tal atividade é muito limitada. O projeto da Edible Schoolyard vai muito mais longe. O número de vegetais cultivados é expressivo. As vinculações do cultivo com ciências, linguagens e comunicação, e história ficam muito bem estabelecidas. Professores de diversas áreas dão aula no sítio e ou na cozinha. Faço todas essas observações para ressaltar que as escolas que tem horta precisam avançar mais.
Os responsáveis pela projeto Edible Schoolyard avisam: nada de pressa, nada de buscar resultados imediatos. Um projeto bem feito que articule produção de alimentos com cultura, história e ciência leva tempo. É preciso ter muitos aliados, principalmente professores e pais de alunos. É preciso investigar muito para descobrir todas as plantas que podem se significativas para uma dada comunidade escolar. É preciso profissionais que entendem do riscado na horta, no jardim, no pomar. É preciso, finalmente ter muita imaginação para criar eventos expressivos que deem sentido ao que se planta e ao que se come.
Na Martin Luther King o projeto levou três anos para amadurecer. A área de plantio surgiu três anos após a ideia de produzir alimentos na escola. Digo isso, para que alguém apressado não pense que uma horta com plantas de cultivo rápido pode reproduzir algo parecido com o projeto Edible Schoolyard.
Em Berkeley, a alma de tudo é Alice Waters. Ela é uma chef famosa. Mais que famosa, é uma entusiasta pela alimentação sadia, culturalmente enraizada, fundada em produção local. Em projetos parecidos, será preciso buscar apoio de alguém que fora da escola tenha prestígio e cuja voz seja ouvida. Não dá para encontrar uma Alice Waters em cada esquina, mas, é possível envolver gente da área de restaurantes que tenha entusiasmo por educação. Uma figura assim é essencial para mobilizar governo e comunidade para obter recursos E recursos quer dizer dinheiro, adubo, sementes, ferramentas etc.
Este post já está muito longo. Hora de encerrar o texto. Mas, o assunto não se encerra aqui. O projeto da escola de Berkeley merece mais estudo e atenção. Educadores que vislubram possibilidades de vincular produção e preparação de alimentos com diversas disciplinas escolares precisam pensar em aventuras similares. O projeto é uma delícia.