Em meu primeiro post sobre The Diagnosis, procurei destacar o ponto central da trama do romance de Alan Light, mostrando que, na situação dramática da doença que vai consumindo a vida do protagonista, médicos não decidem o que fazer, mas reúnem mais e mais informação.
Como já disse, vários aspectos da Sociedade da Informação entram na história contada por Lightman. O autor converte em elementos dramáticos alguns traços de tal sociedade, sugerindo reflexões que contradizem o exagerado entusiasmo dos tecnófilos.
Bill Chalmers, o herói da história, é um analista de informação. Ele próprio define sua profissão nestes termos:
_ Eu processo informação. (…) Todo tipo de informação. Principalmente informações na área de negócios. Nem todas elas.
A definição do ofício de Bill acontece em sessão com seu psiquiatra (um dos profissionais de saúde que estuda a doença do protagonista). O médico, na continuidade da consulta, pergunta:
_ Você me estava falando sobre seu trabalho. Você analisa informação. Você também levanta informações?
A resposta Bill sugere especialização extrema no trato com informações:
_ Não, há outras pessoas e companhias que levantam informações. Não temos pesquisadores para isso.
Vale registrar o comentário do psiquiatra:
_ Se vocês estão apenas transferindo informação de A para B, qual é o valor agregado? (…) Me dá impressão que vocês são atravessadores. Acho que não entendo o serviço que vocês prestam.
O escritório para qual Bill trabalha ocupa um nicho de mercado que apareceu a partir da visão de que informação é um bem precioso. Mas, na medida em que a produção de informação vai se multiplicando geometricamente, quem precisa dessa mercadoria não sabe muito bem separar joio do trigo. Excesso de informação gera inação, incapacidade de decidir. Esse cenário é bem diferente de certa propaganda que promove desejo de consumo de informação sem qualquer critério. Essas considerações são importantes em educação. Ao ouvir entusiastas com e pela Internet, fico com a nítida impressão de que essa gente acha que consumo de informação, não importando significado, é a meta. E, na estrada desse consumismo, importa assimilar toda informação possível. Esse perigo já foi assinalado por Alan Kay, muitos anos atrás (1992), num artigo para a Scientific American. Em tal artigo, Kay afirma que cresce o consumo de informação cujo sentido é inteiramente desconhecido pelos consumidores.
A necessidade de lidar com muita informação em tempos cada vez mais curtos é outro elemento dramático na história de Bill Chalmers. A dormência progressiva de seu corpo vai limitando seus movimentos. Com o passar dos dias ele não consegue digitar todas as informações necessárias para atender pedidos dos clientes. Suas contas acabam sendo transferidas para analistas mais jovens. Bill perde esperança de uma promoção desejada e começa a ver seu assistente como alguém que vai lhe roubar todos os projetos. Tenta trabalhar em casa. Estica suas horas de trabalho no escritório. Tudo em vão. Não consegue mais produzir todas as análises necessárias.
O drama profissional de Bill Chalmers funciona como uma parábola para a idéia de que é preciso consumir, cada vez mais, doses cavalares de informação. Essa idéia justifica, por exemplo, observações indignadas contra uso do celular em algumas situações (aulas, celebrações religiosas, audições musicais, teatros). Criou-se um hábito de manter o celular constantemente conectado. Quando interrogo pessoas que acham isso necessário, as justificativas têm a ver com fluxo contínuo de informação. Nada pode ser “perdido”. Tudo tem de ser o mais imediato possível. A vida só é vida se for on line.
Bill entende que suas limitações produtivas decorrem da doença. Admira a tranqüilidade de seus pares e superiores no escritório. Todos eles, aparentemente, conseguem assimilar toda a informação necessária em tempos extremamente curtos. Essa impressão irá desaparecer quando Bill presenciar uma cena impensável.
Nosso herói, finalmente demitido porque não consegue produzir em tempo as análises informativas contratadas pelos clientes da empresa, para evitar constrangimentos, vai buscar suas coisas no escritório num sábado á noite. Para sua surpresa, vê a sala da vice-presidência acesa. Bill vai até lá e encontra o vice-presidente lidando com uma avalanche de informações, auxiliado por sua mulher. Esta acusa o marido de incapacidade profissional, discute com ele e, ao mesmo tempo, acessa informações. O casal tenta, aparentemente em vão, colocar o trabalho em dia, mas é incapaz de organizar e dar sentido a todas as informações sob responsabilidade do segundo homem da firma.
Bill, doente, já não consegue lidar com o imenso volume de informações supostamente necessárias em seu ofício. Mas, o vice-presidente, homem são e poderoso, também é incapaz de processar tudo o que lhe compete na empresa.
Há muita informação. Os sistemas digitais vão multiplicando continuamente a capacidade de produzir e disseminar informações. O capitalismo informacional (o capitalismo que se alimenta da informação-mercadoria) promove consumo cada vez maior de seu produto básico. Uma ideologia que se diz progressista impõe “verdade” de que o consumo cavalar de bens digitais é uma necessidade. Muitos acreditam que a fartura de informação irá nos garantir um paraíso de sabedoria.
Infelizmente o consumismo da mercadoria-informação imposto pelo novo capitalismo não é discutido suficientemente pelos educadores. Aliás, muitos de nós acabamos nos convertendo em entusiasmados vendedores voluntários da mercadoria que mais circula nos dias de hoje. Não vejo qualquer vantagem nisso. Promover a venda de mercadorias não é (e não deve ser) papel dos sistemas educacionais.