Faz bastante tempo que escrevi um material sobre introdução em materiais didáticos. Hoje voltei a dar uma olhada no texto. Acho que ainda vale. Por isso trago-o para cá, esperando que possa de ser de alguma ajuda para alguém que esteja em aventuras de produzir materiais didáticos.
COMO COMEÇAR O ASSUNTO?
Jarbas Novelino Barato
O começo de conversa numa aula, conferência, ensaio ou material didático é sempre um desafio. As introduções precisam ser interessantes, pois é necessário cativar a atenção dos ouvintes ou leitores para o assunto a ser desenvolvido. Por outro lado, ir direto ao assunto nem sempre é uma boa estratégia…
Meu interesse específico aqui são as introduções a manuais, unidades ou atividades de ensino. Tenho observado que, na elaboração de material instrucional, os autores enfrentam alguma dificuldade para escrever introduções motivadoras, claras e elegantes. Além disso, a referida parte de materiais de ensino tem sido para mim uma “questão pessoal”. Sinto alguma desconforto quando tenho de escrever introduções motivadoras, claras e elegantes. Sinto algum desconforto quando tenho de escrever introduções ou de palpitar sobre introduções escritas para outros.
Como orientação geral, tenho me servido do segmento “Writing Introductions” do manual “Introductional Design Workshop” para escrever e palpitar sobre introduções. Acontece, porém, que o referido material está escrito em língua bárbara, nem sempre acessível a todos. Por isto, resolvi, a partir de “Writing Introductions”, elaborar um material que pudesse servir de referência para todos aqueles que estão envolvidos na tarefa de produzir material de ensino.
Convém observar que o presente trabalho é provisório e foi elaborado sem uma experimentação prévia para validá-lo. Desde já, aguardo sugestões.
Antes de ir ao que interessa, eu não poderia deixar de comentar alguns equívocos que caracterizam as introduções a materiais “tradicionais” de ensino. Entre estes equívocos, destaco:
1) a síndrome da etimologia e
2) a mania de definição.
ETIMOLOGIA
Muitas vezes, os autores acham conveniente e importante começar o assunto mostrando a etimologia das palavras-chaves a serem empregadas na unidade, capítulo, segmento ou atividade de ensino. Geralmente, tais palavras-chaves são de origem grega ou latina. Por isto, a forma tradicional é, mais ou menos, a que segue: “O termo X vem do grego Y. Seu sentido original era Z. Por isto empregamos, em português, a palavra X para designar os fenômenos N”. Algumas vezes, os autores vão mais longe e traçam um perfil histórico do termo, desde a sua raiz original até os nossos dias.
O uso da etimologia em introduções é, no mínimo, problemático. Tenho constatado, em alguns casos, que os autores passam informações erradas, tais como: grafia incorreta do termo original, interpretação errônea da história da palavra e atribuição de significado indevido ao termo original. O defeito maior no emprego deste recurso introdutório está, porém, relacionado com motivação. Não me parece que os alunos venham a se interessar mais pelo assunto, caso recebam um verniz informativo sobre a origem das palavras mais importantes a serem utilizadas na instrução.
É possível que a tradição do uso da etimologia em introdução esteja ligada ao desejo de “mostrar erudição”. Autores e professores, mesmo que não intencionalmente, empregam este recurso para passarem uma impressão de “profundos conhecedores da matéria”. Se isto “pegar”, eu acho que o resultado não será motivante para o aluno. Este ficará apenas com a convicção de que o autor ou o mestre é um sábio…
DEFINIÇÕES
É freqüente aparecer em introduções a definição do assunto a ser estudado. Em algumas situações, esta providência até poderia ser adequada, desde que os autores se preocupassem em definir termos não conhecidos pelos alunos. Não é esta, porém, a intenção que percebo na maioria dos materiais convencionais de ensino.
O primeiro problema que vejo com relação ao uso de definições é o de inadequação. Explico melhor: há assuntos não definíveis. Apenas conceitos são passíveis de definição. Não são definíveis, porém, procedimentos ou regras (técnicas de trabalho), fatos (associação arbitrária entre um nome e um fenômeno, acontecimento, objeto ou símbolo) ou princípios (declaração de relação entre causa (s) e efeito (s). É possível, por exemplo, definir o conceito de célula. Não é possível, porém, definir – ou “dar o conceito de” – a técnica de aplicação de “Shampoos” (um procedimento), a fórmula para extração de raiz quadrada (uma regra), a relação dos afluentes do rio Amazonas (um fato) ou a lei da conservação da energia (um princípio).
O segundo problema é o de que as definições, se necessárias, devem merecer um tratamento mais específico. Quando se ensina conceitos, é preciso destacar a definição como um item da unidade, capítulo, segmento ou atividade. E mais, é preciso analisá-la, mostrando claramente quais os atributos críticos que caracterizam o conceito. Assim, quando for o caso, as definições devem ser tratadas como um tópico, em vez de serem apenas um detalhe introdutório.
O terceiro problema é delicado. Aquilo que certos autores chamam de definição não passa de uma explicação genérica e imprecisa sobre um assunto. Nestes casos, há uma falha fundamental em termos de lógica.
CONCLUSÃO PROVISÓRIA
Não quero me estender muito sobre generalidades a respeito de definições. Quero apenas reiterar que escrever introduções motivadoras, claras e elegantes não é tarefa fácil. As páginas que seguem, provavelmente, podem ajudar autores de material de ensino a superar em parte esta dificuldade. Sugiro que você siga em frente e confira o meu palpite.
INTRODUÇÕES
INTRODUÇÃO
Na maior parte dos casos, você irá usar sua experiência e bom senso para decidir se as introduções são ou não necessárias e que informações elas devem conter. Não há regras precisas e mágicas para a tarefa “escrever introduções”, mas as diretrizes gerais, que discutiremos aqui, funcionaram muito bem para diversos materiais que conhecemos.
DIRETRIZES GERAIS
Uma introdução é parte necessária de um manual, unidade ou atividade de ensino todas as vezes que o autor achar que o estudante possa colocar qualquer uma das seguintes questões:
- Do que trata este manual, unidade ou atividade?
- Por que eu tenho de aprender as informações ou habilidades apresentadas a seguir?
- Como este manual, unidade ou atividade se relaciona com instruções prévias ou futuras?
- Há algo especialmente interessante, a respeito do tópico a ser apresentado, que pode motivar o estudante?
- Há algo mais que eu devo saber e que possa orientar o meu estudo?
Uma introdução adequada fornece uma resposta clara e concisa para cada uma das questões atrás formuladas. Nenhuma outra informação é necessária.
MAIS INFORMAÇÕES SOBRE INTRODUÇÕES
Quando começam a estudar um novo manual, unidade ou atividade, os alunos, provavelmente, têm em mente algumas questões sobre os tópicos a serem apresentados. Uma introdução deve procurar “dar conta” dessas possíveis questões, de tal modo que os estudantes possam, uma vez satisfeita a curiosidade inicial, voltar-se especificamente para a matéria a ser aprendida.
ANÁLISE DAS DIRETRIZES
- Do que trata este manual, unidade ou atividade?
Os alunos gostam de saber “onde estão entrando” quando começam a estudar um novo assunto. A forma mais apropriada de trabalhar esta situação é a que segue:
- Para uma atividade: basta uma simples declaração que possa dar uma idéia sobre o resultado final de aprendizagem.
o Exemplo:
Nesta atividade você vai aprender como controlar seu talão de cheques.
- Para uma unidade: basta uma descrição breve de cada uma das atividades, tópicos ou assuntos a serem abordados.
Exemplo 1:
Nesta unidade iremos abordar acentos graves, acentos agudos e regras de uso de crase.
Exemplo 2:
Os tópicos que fazem parte desta unidade são as seguintes:
Atividade 1: Cálculo de porcentagens
Atividade 2: Como converter decimais em porcentagens
Atividade 3: Como converter frações em porcentagens
Atividade 4: Como entender a palavra problema
- Por que eu tenho de aprender as informações e habilidades apresentadas a seguir?
Esta é uma questão que os alunos costumam fazer com muita freqüência. Eles querem saber se e como irão usar as informações e habilidades no mundo real. O conhecimento destas razões pode ser um elemento muito motivante para os alunos.
A resposta mais satisfatória que você pode dar à questão aqui analisada é dizer aos alunos, o mais especificamente possível, como eles irão aplicar os conhecimentos e habilidades aprendidos em situações de trabalho ou do dia a dia.
- Uma situação exemplar:
Suponha que os alunos sejam solicitados a memorizar um código de cores para ler um diagrama elétrico. Suponha, ainda, que eles queiram saber o porquê desta aprendizagem. Dizer-lhes o porquê (uma vez que irão usar o código de cores para ler diagramas elétricos no trabalho) fará com que a instrução tenha mais significado e, consequentemente, seja algo motivante.
- Como este manual, unidade ou atividade se relaciona com instruções prévias ou futuras?
É sempre bom que os alunos saibam como uma seqüência de instruções, como um todo, está articulada. Eles gostam de saber o quanto já progrediram, como a instrução presente se articula com conhecimentos futuros e como o já aprendido se articula com o item a ser estudado. Este tipo de orientação é particularmente importante em situações que demandam um certo controle do processo por parte do aluno.
A seguir, são apresentados alguns exemplos de informações compatíveis com o tipo de problema aqui abordado. Para dizer aos alunos onde eles estão na seqüência do programa, você pode empregar fórmulas tais como:
- Exemplo 1
Esta é a nona unidade do nosso programa. Você, portanto, já aprendeu três quartos da matéria X. À esta altura, sua segurança a respeito do assunto já deve estar num bom nível.
Você pode, ainda, ressaltar a importância de um segmento ou unidade como pré-requisito. Eis um exemplo, nesta direção:
- Exemplo 2
Esta atividade trata de habilidades básicas que você deve dominar antes de prosseguir para as demais atividade
Uma outra possibilidade de informação, que você pode trabalhar aqui, é aquela que procura relacionar o assunto a ser tratado com conhecimento prévios.
- Exemplo 3:
Até agora você vem aprendendo certas habilidades que parecem não ter qualquer relação entre si. Nesta unidade você vai aprender como combiná-las e como usá-las no seu conjunto.
- Há algo especialmente interessante, respeito do tópico a ser apresentado, que pode motivar o aluno?
Para responder esta questão, você pode lançar mão de todos aqueles fascinantes detalhes, notas históricas e anedotas que não constituem propriamente conteúdo da instrução pretendida. Você pode fazer um uso valioso e criativo deste tipo de material na introdução. Não faça isto, porém, com excesso de entusiasmo. Lembre-se de que as informações utilizadas devem chamar a atenção dos alunos e motivá-los para o aprendizado do conteúdo-alvo. Por este motivo, evite a tentação de se dispersar, aprofundando um assunto que lhe interessa pessoalmente mas não tem relação direta com a instrução a ser desenvolvida.
Você deverá ser muito criterioso na escolha das informações do tipo aqui discutido. Parece que o exemplo, mostrado a seguir, possui as virtudes de motivar sem aprofundar em demasia um assunto que não se articula diretamente com aquilo que se quer ensinar.
Exemplo:
Os cometas vêm sendo observados desde o início da história da humanidade. O mistério que os cerca alimentou muitos mitos e lendas. Por causa do misticismo e romantismo que provocaram ( e ainda provocam!), saber a verdade a respeito deles talvez seja um desapontamento… Mesmo que isto ocorra, a beleza dos cometas, no campo das lendas ou no domínio das ciências, é algo permanente.
- ATENÇÃO
As informações a que se referem este item são trabalhadas exclusivamente para aumentar o interesse e a motivação dos alunos. Elas não são, portanto, conteúdo da unidade ou atividade. Conseqüência: não podem ser cobradas em termos de avaliação.
- NOTA FINAL
Ao usar o recurso informativo aqui proposto, lembre-se de contrariar o principio do porco. Ah! Você não conhece este princípio. Vamos a ele: “Quanto mais melhor”. Esta verdade porcina não se aplica aqui. Devemos usar apenas a quantidade necessária para motivar o aluno. Nada mais.
- Há algo mais que eu deva saber e que possa orientar o meu estudo?
Esta é uma questão muito ampla. Ela pode ou não merecer uma resposta. Muitas vezes, não há nada mais que o aluno precise saber (mas, quem sabe o limite do “precisa saber”?). Não parece ser útil entrar numa discussão sobre limites do saber; isto, provavelmente, não daria uma boa pista para quem deseja terminar em tempo hábil um manual decente…
Para responder a questão, a melhor solução talvez seja determinar se há alguma informação de que o aluno necessita para completar uma dada unidade ou atividade de estudo. Entre estas necessidades, destacam-se: orientações sobre como proceder, instruções novas ou especiais, explicações a respeito da estrutura da unidade ou atividade, esclarecimentos sobre termos pouco conhecidos e que serão utilizados no segmento. Normalmente, a maior parte das informações relativas a procedimentos (ensino de técnicas) são trabalhadas em momentos específicos no material, dispensando esclarecimentos na introdução. Se este, porém, não for o caso, você deve incluir as informações necessárias na introdução. Se a informação for muito importante, é preciso colocá-la na introdução, mesmo que ela venha a ser repetida em outras partes do material.
- SITUAÇÃO EXEMPLAR 1:
Suponha que você tenha dito aos alunos, bem logo no começo de uma seqüência de instruções, que eles não deveriam passar de uma para outra unidade sem antes serem avaliados pelo professor. Convém, num caso como este, usar uma parte da introdução de cada segmento para chamar a atenção dos estudantes para a “regra do jogo”.
- SITUAÇÃO EXEMPLAR 2:
Uma outra situação, que talvez mereça destaque nos termos do assunto aqui abordado, é a ocorrência de uma prática que ainda não fora proposta no material.
Veja uma alternativa de informação que corresponde a este comentário:
Esta unidade difere das demais unidades até aqui estudadas, uma vez que ela requer prática em grupo. Ou seja, você deverá fazer os exercícios necessariamente com dois outros companheiros de curso.
NOTA FINAL
Ao escrever introduções, seja breve e conciso. As introduções podem ser muito criativas e elegantes ou “curtas e grossas”, dependendo da natureza do material e das características da clientela-alvo.
A introdução lhe oferece oportunidade para falar de coisas que seriam pouco apropriadas em outra parte do material. Evite, porém, convertê-la num “tratado”. Com a experiência, você irá aprender a escrever introduções equilibradas, com a melodia certa para abrir o apetite dos alunos para a instrução-alvo.