A Escola Nova fez uma crítica severa à memorização em processos de aprendizagem. Essa crítica foi aceita pelos educadores e o horror à memorização tornou-se uma crença hegemônica. Infelizmente, tal crença pode provocar equívocos inteiramente bobos.
Nicholas Carr, em What The Internet Is Doing To Our Brains _ THE SHALLOWS, tem um capítulo inteiro mostrando que transferir todas as operações de memória para a Web resulta em perda irreparável na elaboração do saber dos seres humanos. Num trecho, o autor resolve mostrar que memorização não é necessariamente um ato mecânico desprovido de sentido. O processo de memorização na verdade é uma ação para colocar as informações que nos interessam em estruturas cerebrais que nos deem possibilidade de sintetizá-las e recuperá-las em contextos significativos. Esse modo de entender a memorização não é novo. Erasmo já o sugeria no século XVI. Para quem se interessa pelo assunto, reproduzo, numa tradução livre, um pedacinho do livro do Carr:
O humanista holandês, Erasmo, em sua obra De Copia, de 1512, sublinhava a conexão entre memória e leitura. Ele incentivava os estudantes a fazer marcas em seus livros, usando um “pequeno sinal apropriado”, para assinalar “ocorrência de palavras que mereciam destaque, pronúncias arcaicas e novas, passagens estilísticas brilhantes, adágios, exemplos e observações expressivas merecedoras de memorização”. Ele também sugeria a cada estudante ou professor para manter um caderno, organizado por assunto, “de tal maneira que pudesse destacar algo digno de nota e escrever este algo na seção apropriada”. Transcrever normalmente trechos de texto, e repetindo-o verbalmente de modo sistemático para mantê-los e fixá-los na mente. As passagens selecionadas deveriam ser vistas como “um tipo de flores”, retiradas de páginas de livros para serem preservadas nas páginas da memória.
Erasmo, que em seu tempo de menino memorizou extensos trechos da literatura clássica, incluindo as obras completas de Horácio e a obra teatral de Terêncio, não estava recomendando memorização por memorização, como exercício mecânico para reter fatos. Para ele, memorizar não era simplesmente uma maneira de armazenar [informação]. Memorização era o primeiro passo num processo que leva a um entendimento mais profundo e pessoal. Ele acreditava, como explica a historiadora clássica Erika Rummel, que a pessoa precisa “digerir e internalizar o que aprende e reflete em vez de reproduzir servilmente qualidades do autor modelo”. Longe de ser um processo mecânico e irracional, o tipo de memorização proposta por Erasmo engaja a mente de maneira total. “Ele exige”, escreve Rummel, “criatividade e julgamento”.