018. Edgar Morin e Internet
Registro aqui, numa tradução feita por minha filha, Taís Cardoso Barato, fala de Edgar Morin sobre a Internet. Poderia fazer mais comentários sobre o texto, mas não disponho de tempo. Importante agora é disponibilizar a fala do velho filósofo. Mais tarde volto ao assunto.
Tradução – fala de Edgar Morin
Se pegarmos essa palavra muito polivalente que é “informação” no sentido que é dado pela Teoria – dita científica – da Informação, de Shannon e Weaver (que é uma teoria da informação e da comunicação), percebemos que, se devemos distinguir informação de comunicação, não podemos dissociar estes três termos: informação, comunicação e cognição. E se vocês falarem de computadores, há também o termo computação. Por quê? Porque a informação sozinha é apenas ruído. Uma informação pura, no sentido de sua formação – o bit – a unidade elementar de informação, isolado, não significa nada. Como demonstrou a teoria de Shannon, para que haja comunicação na informação, é preciso um código comum. Se um fala em chinês e o outro não entende chinês, não há um código comum, isso é evidente. Porém, o que é mais interessante nessa mesma teoria é a idéia de redundância. Quer dizer que, para que uma informação ganhe um sentido, é preciso que ela entre num conhecimento comum às duas partes, no qual ela possa se inscrever. E por que isso é importante na perspectiva planetária? Porque se não há esse um mínimo de conhecimento comum, é evidente que nós podemos fazer todo o esforço possível, mas as informações transmitidas não terão sentido.
Há também o terceiro termo, que é sem dúvida o mais importante; o que é a cognição, o conhecimento? É a organização da informação, é, de alguma maneira, intervir nesse sistema, na informação. E, finalmente, o que é a computação? É simplesmente associar e dissociar as informações, de modo a organiza-las num todo coerente. É aqui que se coloca um problema fundamental, que é aquele de um conhecimento pertinente, porque um conhecimento separado de um objeto, uma informação separada de seu contexto tem um sentido insuficiente. Uma informação isolada de sua relação natural com outras informações ou outros objetos leva a um conhecimento insuficiente. Então, é certo que é preciso militar também por um conhecimento pertinente. Ou seja, um conhecimento que saiba introduzir suas informações num contexto que é o seu, introduzi-las na globalidade e, cada vez mais, nós somos obrigados a introduzir tudo o que sabemos num sistema planetário, global. É um conhecimento que permite estabelecer relações. Então, quando dizemos hoje que estamos numa sociedade DO conhecimento, isso não é correto. Nós estamos numa sociedade de conhecimentos separados que nós devemos, talvez, religar. Então, a meu ver, existe como condição a um conhecimento pertinente – quer dizer, a uma boa transmissão de informações – a necessidade de uma pedagogia e de um ensino do conhecimento pertinente. A técnica, por si só, não resolve esse problema.
Agora, há um segundo ponto que eu gostaria de citar, sobre a comunicação. A comunicação permite muitas transmissões de conhecimento, mas ela não fornece a compreensão. A compreensão não pode se reduzir aos conhecimentos objetivos, às coisas mesuráveis. A compreensão humana, ao nível humano, necessita de uma relação de abertura, de simpatia e de compreensão, precisa justamente da atenção dos outro. E hoje é evidente que a multiplicação de redes de comunicação favorece a compreensão, mas não a produz. E é aqui que está a pertinência do que dizia Wolton [Dominique Wolton, pesquisador do CNRS que divide a mesa com Edgar Morin nesse evento] em seu artigo recente, de que a compreensão nos coloca o problema da diversidade cultural. Quer dizer, nesse mundo globalizado, é um mundo no qual nós podemos compreender o outro, diferente de nós mesmos, o outro enquanto indivíduo e o outro enquanto pertencente a uma cultura.
O terceiro ponto é o sistema atual de comunicação, que se desenvolveu com o telefone celular, com todas as redes e, fundamentalmente, com a Internet. Tudo isso é inseparável do que a gente chama de globalização hoje. Se não existissem essas redes, não existiria isso que a gente chama hoje de globalização. Então, já é uma parte integrante de um processo histórico muito importante. E a gente pode dizer que hoje a Internet constitui um sistema neuro-cerebral planetário semi-artificial. Semi-artificial poque, evidentemente, ele é constituido de máquinas, mas há também os humanos que estão aqui. Então, o que é interessante é: por que eu diria que esse sistema é complexo? Porque cada um, cada computador e cada pessoa com o seu computador está numa situação holográfica, como um ponto dentro de um holograma. O ponto no holograma contém quase toda a informação que ele representa e o computador contém, potencialmente, toda a informação da Internet. Evidentemente, é preciso manipula-la. Então não é só a parte no todo, mas o todo se encontra virtualmente na parte. E isso é que é importante na nossa época planetária e é aí que está o interesse da Internet. Por outro lado, é um sistema que se auto-produz e, como todos os sistemas auto-produzidos, ele tem necessidade de ser alimentado, de ter alimentos exteriores, mas ele é incessantemente auto-produzido. E essa auto-produção, em que cada elemento novo transforma e enriquece o sistema, precisa ser entendida também como um elemento complexo. Além do mais, ela é fundada principalmente sobre a ideologia, quer dizer, as trocas são feitas não somente entre diferentes interlocutores, mas entre diferentes modos de pensar. Esse é o lado ideológico, que pode ser extremamente rico. Dizendo de outra maneira, todo o desenvolvimento dessa potencialidade é essencialmente positivo. E eu creio que se, efetivamente, o importante é a democratização do nosso sistema de comunicação, essa democratização é atualmente inseparável de uma consciência planetária. Algumas pessoas, talvez extremamente otimistas, pensam que essa consciência planetária já está formada pela simples existência da Internet. Digamos que ela é potencial. Ela ainda não esta formada, mas a Internet contribui para isso, ela é a infra-estrutura de uma sociedade mundial que pode emergir, mas que evidentemente ainda não consegue emergir, por todos os fatores de caos, conflito e incompreensão que vocês conhecem bem. Então, vocês podem ver que a Internet, como tudo o que é técnico, é extremamente polivalente. Ela é polivalente e hoje também é a difusora de toda a pornografia, o tráfico, esse tipo de coisa. Mas, é evidente que, dentro dessa polivalência, os formidáveis fatores positivos que podem se desenvolver merecem não só nossa atenção, mas nossas intervenções, eu diria, fervorosas.
Então, eu termino dizendo que, em tudo isso, há, evidentemente, a liberdade. Liberdade que alguns podem ver como perigosa por causa da pornografia ou das idéias perversas e nefastas. Mas eu acho que, atualmente, essa liberdade é um bem fundamental a proteger. Há a possibilidade de se introduzir certos elementos de regulação, mas eu acredito nos fatores positivos e, sobretudo nos sistemas onde as pessoas são privadas de liberdade política e de comunicação, as vantagens são mais importantes que as desvantagens. Proteger a liberdade, proteger também a gratuidade. Nós compreendemos muito bem que os interesses dominates tentam ganhar com as trocas nesse sistema, mas a gratuidade faz parte da essência desse novo mundo, porque nesse novo mundo há uma sociedade mundial e deve haver também bens cognitivos comuns. E é por isso que é preciso privilegiar troca e gratuidade. Isso implica também o retorno das formas não monetárias de troca e de valor, porque nós sabemos que as formas não monetárias de troca e de valor são as formas de relação de pessoa a pessoa, muito concretas entre os humanos. É uma rehumanização da nossa civilização.
Tradução: Taís Cardodo Barato
Paris, 08/07/2009
julho 8, 2009 às 8:38 pm |
[…] da fala de Morin. O texto acaba de chegar e já está publicado em Páginas com o título Edgar Morin e Internet. Há muita coisa na fala de Morin que merece conversa. Pretendo destacar pontos da citada fala em […]
julho 8, 2009 às 9:37 pm |
[…] Edgar Morin e a Internet > https://jarbas.wordpress.com/018-edgar-morin-e-internet/ […]
novembro 16, 2014 às 10:41 am |
Por favor, incluir mais sobre a referência do texto traduzido.
setembro 15, 2019 às 2:31 am |
Prezado,
Você teria o texto original? Porque estou citando em meu trabalho.
Obrigado,
Luis