Moro num paraíso canino, Higienópolis, São Paulo. No bairro, tudo é feito para dar mais conforto e qualidade de vida aos melhores amigos do homem (e da mulher, para ser politicamente correto). Em minhas andanças, sempre encontro alguém dialogando com seu cão. É um falar cantado, quase sempre doce, raramente áspero. Uma coisa que já havia notado é que o cachorrês utilizado por gente em conversa com seus animais é muito parecido com o modo de falar utilizado pelos adultos para falar com as criancinhas de zero a três anos de idade. E cheguei a pensar que os canífilos humanizam em demasia seus totós, dirigindo-se a eles como se estes fossem filhotes da espécie homo.
Vale aqui uma excursão pela linguagem utilizada em conversas com bebês. Ela é um fenômeno universal e provavelmente qualquer adulto já a utilizou pelo menos uma vez. Como esse tipo de comunicação é mais utilizado por mães, Pinker, num livro que todo mundo precisa ler, O Instinto da Linguagem, o chama de motherese. Acho que a gente pode aportuguesar o termo para manhês. Conclusão: cachorrês e manhês são idiomas da mesma família.
Toda esta minha conversa sobre comunicações com bebês e cães começou com uma re-leitura que estou fazendo do precisoso The Singing Neanderthals – The origins of music, language,mind, and body, de Steven Mithen, livro que escolhi para começar um empreendimento de slow blogging lá no Aprendente. No capítulo 6 – Talking and singing to baby – o autor examina a forma particular de lingugem que utilizamos para “conversar” com as criancinhas (IDS – infant directed speech, ou o manhês, em minha tradução livre). Mithen observa que, no manhês, sintaxe semântica não têm a menor importância. Importa apenas a prosódia. Cito uma passagem, pois o autor explica o fenômeno muito melhor do que eu poderia fazer:
Falamos assim porque os bebês humanos demonstram um interesse e sensitividade por ritmo, compasso e melodias da fala , muito antes de serem capazes de entender o significado das palavras. Em suma, as características usualmente melódicas e rítmicas da linguagem falada – prosódia – são muito exageradas [no manhês] de tal maneira que nossos ditos adotam um caráter explicitamente musical (p. 69).
A musificação do falar quando nos dirigimos aos bebês é uma tendência natural. Não precisamos aprender o manhês. Ele nos vem naturalmente. E para que serve o manhês? Serve para criar laços comunicativos entre falantes que já dominam um idioma e crianças que ainda não falam. Esses laços são profundamente afetivos. E tudo indica que o manhês é um idioma primitivo que surgiu na evolução de nossa espécie muito antes que a humanidade conseguisse criar discursos articulados. Isso explica porque manhês e cachorrês estejam tão próximos.
Faço aqui uma observação final: o capítulo de The Singing Neanderthals cuja leitura deu origem a este post é material de muito interesse para quem estuda educação infantil. Alguém poderia traduzí-lo, caso a obra de Steven Mithen não venha a ser editada em português.
A foto que ilustra este post é da Veja São Paulo, em matéria que noticia o livre trânsito de cães no Shopping Center Higienópolis [ vejasaopaulo.abril.com.br/…/2054/m0155713.html].