A escola de sala única de Don Crowdis

Em alguns posts sobre arquitetura e educação, abordei a escola americana de sala única (The Little Red School). Tal tipo de escola é uma instituição respeitável na história americana. Hoje, lembranças românticas da little red school projetam uma educação gentil, integrada, cooperativa, com fortes raízes éticas. Ficam esquecidos os aspectos negativos de tal escola. Má iluminação, aquecimento precário durante rigorosos invernos, pobreza de recursos, qualificação insuficiente dos professores, indisciplina, construção em terrenos inóspitos (a localização das escolas era determinada sobretudo por limitações financeiras que não permitiam construção nos terrenos mais valorizados) são aspectos varridos da memória. Esse tipo de escola também existiu em outros países, porém, sem a importância alcançada nos Estados Unidos.

Meu pai estudou numa escola de sala única. Fez os três anos de ensino primário numa escolinha de roça regida por uma professora que orientava alunos de três diferentes séries no mesmo espaço. Alunos mais velhos ajudavam os mais novos e até substituiam a professora quando essa, por qualquer razão, se ausentava. No último ano de escola, meu pai foi ao aluno que mais vezes substituiu a mestra. Conheci alguns dos livros que circulavam naquela escolinha de roça. O de geografia tinha linguagem e conteúdo que só fui encontrar no meu terceiro ano de ginásio.

Sempre fico imaginando a grande competência de organização e planejamento da professora que lecionava na escola de sala única nas remotas fazendas do Minas, onde viveu meu pai. É preciso notar que os alunos de tais escolas eram bem alfabetizados e tinham bom domínio das quatro operações. E chegavam a avançar em seus estudos. Meu pai, por exemplo, com apenas três anos de escolaridade, sabia fazer escrituração contábil e fiscal, uma competência necessária para quem ganhou a vida durante muitos anos como meieiro em fazendas de café.

Volto ao assunto da escola única para homenagear Don Crowdis, o blogueiro mais velho do planeta durante alguns anos. Postei aqui e no Facebook notas sobre ele recentemente e quis saber se Don ainda vivia, pois seu último blog estava mudo desde novembro de 2008. Uma de minhas ex-alunas, Ângela Vicente, acaba de me informar que Don faleceu no final do ano passado, aos 98 anos. A notícia da morte dele pode ser vista no seguinte link: Globelife.

Don foi muito ativo nas áreas de educação , cultura, ciência e comunicações. Ele começou sua carreira como professor de uma escola de sala única na qual se congregavam alunos de nove diferentes séries. Por isso, resolvi homenagear esse grande blogueiro reproduzindo um post que ele publicou em 2008, num registro sobre sua experiência como professor de escola de sala única. Traduzi o texto do Don com certa liberdade, tentando conferir ao escrito em português o mesmo estilo coloquial que ele empregava em seus blogs. Nessa minha tentativa, talvez eu tenha cometido alguns erros de interpretação. Mas, como se diz popularmente, o que vale é a intenção.

 

Post de Don Crowdis

Não fui aluno de escola de sala única, mas ensinei numa delas. Antes de lá chegar, me parecia impossível ensinar nove séries diferentes numa única classe. Porém, aprendi que não é. Fazíamos juntos estudos da Natureza, e em excursões ao longo até a praia, os maiores cuidavam dos menores. Durante muito tempo, cada um estudava de modo independente. Mas, os alunos procuravam-se mutuamente para ajuda, do mesmo modo que me procuravam. Quando lia histórias para os pequenos, os maiores também ouviam. Quando alguém chegava a níveis mais avançados já tinha visto a matéria antes, mais de uma vez. Assim, o próximo passo em aritmética ou gramática não era uma surpresa. As amizades aconteciam sem barreiras de idade e os alunos que iniciavam alguma ação de bullying não iam muito longe.

Eu gostaria de ter ficado mais tempo naquela escola para melhor acompanhar os alunos, pois eles eram meus amigos e acho que foram bem em seus estudos e na vida. Eles não tiveram as vantagens do ônibus escolar, dos sistemas de som, dos audiovisuais, do professor especialista em cada matéria, da cantina, da orientação vocacional. Na verdade, não tiveram vantagem alguma. O sistema de aquecimento eram dois barris de óleo e a água encanada [banheiro incluso] ficava fora do prédio. Mas eles aprenderam a trabalhar sem supervisão e a ajudar-se mutuamente, aprenderam a fazer o máximo com os recursos disponíveis. Certamente não eram alienados ou perdidos entre dois mil outros alunos vagando pelos corredores. Hoje você vê gente defendendo as vantagens das unidades pequenas, do estudo independente; e dos professores que são amigos, guias e orientadores. Tudo isso soa muito parecido com minha escola de sala única de muito tempo atrás.  

3 Respostas to “A escola de sala única de Don Crowdis”

  1. Fernando Moretto Says:

    Quem é o autor deste texto???

  2. Fernando Moretto Says:

    Quem é o autor do texto publicado no link:

    A escola de sala única de Don Crowdis


    de título: A escola de sala única de Don Crowdis

    • jarbas Says:

      Caro Fernando, o texto é meu. Meu nome é Jarbas Novelino Barato, curador deste Boteco Escola e autor de todos os textos aqui publicados, exceto quando reproduzo escritos de alguns amigos com as devidas referências. No caso deste post, traduzi, no final, um post do Don Crowdis (conforme está explicado no texto). Obrigado pela sua visita a este Boteco. Abraço grande.

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