Tecnologia: dependência e fatalidade

Preocupa-me um discurso entusiasmado de educadores sugerindo que o uso de tecnologias é um fatalidade. A cadeia argumentiva é mais ou menos a seguinte:

1. as novas tecnologias são maravilhosas;

2. abrem horizontes para assimilação de mais informação e conhecimento;

3. crianças e jovens usam-nas naturalmente;

4. o uso delas é preferível a qualquer outra alternativa;

5.  velhas tecnologias morrerão fatalmente;

6. professores precisam utilizá-las;

7. elas devem estar disponíveis o tempo todo nas escolas;

8. quem não usa tecnologia em educação é atrasado.

Minha descrição parece caricata. Não acho. Eu até poderia carregar um pouco mais nas tintas, pois os tecnófilos rezam sempre um credo tecnológico mais ortodoxo que o credo de Nicéia.

Hoje, caiu uma ficha importante sobre consequências da fé inabalável dos tecnófilos. Percebi “on the spur of the moment” que a tecnofilia resulta em aceitação de depedência e em declarações de fatalidade. Isso é contraditório, uma vez que a maior parte do educadores entusiasmados com artefatos tecnológicos são, consciente ou inconscientemente, escolanovistas. E um dos principais itens da fé da Escola Nova é o de que o aluno deve ser o centro de toda a prática educacional.

E onde está a contradição? Ela está num modo de ver as novas tecnologias como invenções científicas e de engenharia portadoras de progresso. Este último lhes é inerente. Ou seja, quem as usa é progressista, quem não as usa ou sugere moratórias para alguns usos é retrógado. Assim, uma vez que as tecnologias são ontologicamente boas, é preciso a elas se converter e proceder de acordo com o que ditam. Isso não é novo. Donald Nornan, que já foi vice-presidente de pesquisas da Apple e da HP, chama a nossa atenção para o bordão da Feira de Chicago de 1933

  • A ciência descobre, a indústria aplica, os homens se adaptam.

Já nos idos da primeira metade do século passado, a idéia de submissão do humano a conveniências de engenharia (tecnológicas) era um must. Norman, importante cientista no campo das ciências da informação e do conhecimento, denuncia isso. A tecnofilia coloca a tecnologia no centro do palco. O papel dos humanos neste drama é o de submissos personagens que fazem tudo o que o personagem principal determina. Em poucas palavras: no mundo da fé tecnófila as ferrramentas são mais importantes que os seres humanos. Em educação isto significa deslocar o aluno para papel secundário de usuário de tecnologias. O discurso continua escolanovistas, mas a prática nega o ideário inaugurado por Rousseau e concretizado por Dewey.

Alguém dirá que a centralidade do humano se resolverá colocando ferramentas a serviço de seus criadores. Mas esse caminho voluntarista nada muda. A  prioridade continua a ser de máquinas e sistemas. O que é preciso é reconceber a tecnologia a partir de sua gestação. Isso implica em ferramentas bastante diferentes das ferramentas às quais devemos nos adaptar.

Como não posso me estender demais num post, resolvi colocar em Páginas, neste Boteco, um texto de Donald Norman sobre o assunto. Interessados poderão acessá-lo com uma clicada aqui.

5 Respostas to “Tecnologia: dependência e fatalidade”

  1. Legal » Blog Archive » Tecnologia e aprendizado: uma falácia? Says:

    […] No bom e velho estilo recortar-e-colar, compartilho com meus quase quatro leitores a sempre lúcida opinião do Jarbas, esse grande amigo botequeiro virtual… […]

  2. Adauto Says:

    Excelente análise! Com a devida vênia, mandei na íntegra lá para o Legal…

    [ ]s!

  3. Conceição Rosa Says:

    Olá professor

    Sua análise sustenta minha “sensação” de que hoje em dia, em nome da “modernidade educacional” há uma certa obrigatoriedade em utilizar novas tecnologias…
    Parece que o foco de projetos governamentais tem sido o aumento de usuários digitais, embora nas escolas tenhamos que conviver com todo o resto que nos falta – desde professores até respeito.

    • jarbas Says:

      Oi Conceição Rosa,

      Ontem encontrei uma ex-aluna. Ela dá aulas no ensino fundamental. Quer usar algumas soluções mais flexíveis de compudares na escola (WebQuest, por exemplo). Nada feito. Os chefes lhe disseram que o uso dos labs está programado. As definições de uso foram feitas por informatas. E não é permitido sair dos trilhos criados por esses gênios (que muitas vezes se elegem, sem qualquer fundamento, especialistas em tecnologia educacional). Este é um efeito daquilo que critico no meu post.

      Abraço,

      Jarbas

      ET: é sempre um privilégio tê-la aqui neste Boteco.

  4. Tecnologia e aprendizado: uma falácia? | Legal-2 Says:

    […] No bom e velho estilo recortar-e-colar, compartilho com meus quase quatro leitores a sempre lúcida opinião do Jarbas, esse grande amigo botequeiro virtual… […]

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