Qualidade de ensino e aprendizagem

sigmaAno de 1969. Encontrei-me pessoalmente com a estatística. Eu apenas ouvira até então a palavra. Não tinha sequer idéia do vocabulário mais elementar da área: distribuição, quartil, moda, média, mediana, desvio padrão, curva normal etc. Muito menos tinha colocado os olhos sobre símbolos como o sigma minúsculo (para desvio padrão) ou o sigma maiúsculo (para somatória). Fiquei perdido. O professor, um dos estatísticos mais competentes de São Paulo, não facilitava as coisas. Muito pelo contrário, á medida que explicava a matéria minhas dificuldades aumentavam. Terminei o ano com uma nota sofrível, no limite mínimo da aprovação. Passado o susto, consolei-me com a certeza de que nunca mais cruzaria com a numerália e calculeira da tal de estatística.

Ano de 1983.  Eu cursava o mestrado em tecnologia educacional na San Diego State University. As escolhas de disciplinas a cada semestre eram muito flexíveis. Nada era obrigatório. Eu podia escolher cursos de outros departamentos e até mesmo de outras faculdades.  Elaborava o “meu” currículo com muita liberdade. Havia uma única matéria obrigatória, a Ed490 [Metodologia Científica]. Resolvi fazê-la no segundo semestre. Ao ler o programa, descobri que a 490 era pura estatística. Gelei. Fui falar com meu chefe de departamento, Pat Harrison, gente finíssima. Contei-lhe minhas dificuldades com o conteúdo. Dramatizei. Aleguei trauma incurável. Pat não cedeu, nem se comoveu. A matéria era mesmo obrigatória. Mas, ao ver meu pavor, deu-me um conselho: inscreva-se na turma da Rafaela. Fiz isso, convencido de que iria fracassar.histograma1

No primeiro dia, Rafa aplicou um teste para aferir conhecimentos da turma  sobre matemática. Fui mal. Acertei apenas trinta por cento das questões. Levei o teste para a casa. Minha mulher, professora de matemática, riu muito de minha ignorância. Me disse que qualquer aluno de sétima série acertaria tudo naquele testezinho.

Rafa ou, como dizem os registros oficiais da SDSU, Doutora Rafaela Santa Cruz partiu de nossas ignorâncias. Acalmou todos os matemófobos com eu, fez uma revisão da matemática de ginásio e iniciou sua missão de nos conduzir pelo mundo da estatística. Comecei a entender tudo. A matéria era muito fácil. Acabei me tornando um aluno A+ na Ed490. Fiquei tão à vontade que nos semestres seguintes fiz  Ed620 e Ed820, programas exclusivos para alunos do doutorado, exigindo estudos de estatística avançada (consegui licença especial para cursá-las, pois era apenas mestrando). E adivinhem quem dava tais matérias? A Rafaela, é claro!

Rafa ensinava e continua ensinando muito bem. Seus alunos aprendem. E não só aprendem; entendem a matéria e ganham autonomia na área. Mesmo zeros à esquerda em matemática como eu passam a gostar de números, fórmulas e cálculos. E, mais importante que tudo, passam a entender o significado da estatística em suas aplicações no campo das ciências sociais. Aprendi muito com a Rafa. Não fosse ela provavelmente eu não teria concluído meu mestrado na San Diego State.

Conto esta minha história pessoal por um motivo. Nos meios educacionais, falar em ensino é quase tabu. Muita gente me lembra que o ensino precisa dar lugar para a aprendizagem nas escolas. Falam da centralidade do aluno. Insistem na idéia de que o essencial é que o aluno aprenda. Profissionalmente, nos anos de 1980, passei por situações nas quais falar em ensino era quase que ato criminoso. Acho tudo isso exagero de escolanovismo que não se reconhece como tal. Escolas são instituições de ensino. Professores são (ou deveriam ser) especialistas em ensino. Quando não o são , como foi meu primeiro professor de estatística, aprendemos com muita dificuldade ou nada aprendemos, exceto aquelas manhas para tirar nota mínima nas provas. Quando o são, com é Rafaela Santa Cruz, aprendemos. E aprendizagem no caso significa entendimento, admiração e vontade de aprender mais. Rafa prova que ensino de qualidade é essencial para que haja aprendizagens significativas.

Toda essa minha conversa surgiu a partir de um post no excelente Blog de Física, do Sérgio Lima. Como o post sugere que que um de meus escritos aqui no Boteco (ver Ensinar não é Crime) puxa a corda em demasia para o lado do ensino, comecei a pensar maneiras de voltar a o assunto e retomar minha conversa com o Sérgio. Surgiram muitas idéias. Pena que não disponho de tempo para desenvover todas elas. Mas, dada minha dívida para com Rafaela Santa Cruz, resolvi dar destaque a um caso que mostra com muita clareza a importância do bom ensino para a aprendizagem.

rafaelaNa foto, Rafaela Santa Cruz é convidada a ir ao pódio para receber prêmio pelos relevantes serviços prestados à Faculdade de Educação da San Diego State University. O evento, acho eu, aconteceu na metade dos anos de 1990.

6 Respostas to “Qualidade de ensino e aprendizagem”

  1. Sérgio F. Lima Says:

    Grande Professor Jarbas,

    Contra fatos não há argumentos 🙂 Talvez minha excessiva “satanização” do ensinar tenha estas raízes escolanovistas 🙂

    Eu quero ser este profissional de ensino que cria situações eficazes de aprendizagem nos meus alunos 🙂

    Este é o ponto, a Professora Rafaela preocupou-se que os alunos aprendessem… muitas vezes a Escola só se preocupa, excessivamente, em ensinar (muitas coisas e muitas longe das necessidades e/ou interesses dos estudantes).

    E devo dizer que fiquei inteiramente convencido com as suas sábias palavras:

    Ensinar só faz sentido se o sujeito do verbo acreditar que vale a pena a tentativa de oferecer a quem precisa andaimes de boa qualidade para a construção de determinados conhecimentos. Ensinantes não fazem andaimes por simples gosto de produzí-los.

    Enfim, eu me alegro de sair de uma conversa com outra visão diferente daquela com a qual entrei.

    Obrigado por retomar o assunto e ainda com uma história bem legal.

    abração

  2. Ensino? Aprendizagem? | abruno.com [ Blog ] Says:

    […] no Blog do Professor Jarbas, e foi relembrando pelo Sérgio Lima, o que levou a outra postagem do Professor Jabas. Resolvi fazer minhas considerações […]

  3. Fique por dentro Escola » Blog Archive » Qualidade de ensino e aprendizagem « Boteco Escola Says:

    […] aluno aprenda. Profissionalmente, nos anos de 1980, passei por situações … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

  4. Emara Says:

    Uau posso usar esta sua vivência no meu projeto de tca em matematica? vou abordar o ensino da matematica na alfabetização e segundo ano…

  5. jarbas Says:

    Emara,

    Será um privilégio ver minha história utilizada em seu tca. Se puder, me mande cópia de seu trabalho quando terminado. Abraço, Jarbas.

  6. Emara Says:

    Senhor Jarbas claro que posso enviar. Agradecida

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