Archive for the ‘Literatura’ Category

Fazer Bem Feito: Resenha

maio 3, 2019

fazer bem feito

O Boletim Técnico do Senac acaba de publicar resenha do meu livro Fazer Bem Feito: Valores em Educação Profissional e Tecnológica, uma edição da UNESCO. O texto foi escrito por professores do Instituto Federal de Santa Catarina: Crislaine Gruber, Olivier Allain e Paulo Wollinger. A apreciação que fizeram é bastante simpática e relata alguns dos pontos mais importantes do meu livro.

Quem se interessar pelo assunto pode acessar a resenha clicando aqui.

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Meus escritos no BTS

abril 15, 2019

Parte das matérias que escrevi para o Boletim Técnico do Senac aparece numa relação organizada pela revista. Boa parte da relação é composta por resenhas. Ana, antiga editora do periódico, me convidou para publicar resenhas no BTS. Era algo que eu não havia feito até então. O convite tinha cara de desafio. Topei. E aprendi fazendo. Com o tempo, acho que minhas resenhas foram melhorando. Além disso, com os resultados, acabei gostando muito de tal tipo de produção textual. Em parte, aprendi a resenhar lendo os ótimos artigos sobre livros publicados no New York Review of Books.

Para quem quiser ver a relação dos meus textos no BTS, clique aqui.

Tecnologias do não

novembro 28, 2017

escovao

Li em algum lugar que muitos avanços tecnológicos são descritos em desfechos que começam por um NÃO. E a negativa descreve o fim de alguma habilidade até então necessária. Cabe um exemplo. Antigamente, azulejos, antes de serem assentados. ficavam vários dias imersos n’água. Era comum ver em canteiros de obras enormes tambores, cheios de água, onde os pedreiros colocavam os azulejos que iriam usar. Isso era necessário porque azulejos secos dificilmente permaneceriam nas paredes. Eles precisavam de muita umidade para serem fixados decentemente. Mas, além da permanência em barris, os azulejos exigiam outros saberes dos pedreiros. Eles eram assentados com cuidado e, no geral, os profissionais davam leves pancadas nas peças até que cada uma delas se acomodasse sobre a massa e ficasse no prumo esperado. Nos velhos tempos, exigia-se dos azulejistas capacidade de avaliar o grau de umidade dos azulejos, assim como de avaliar a qualidade da massa preparada pelo servente: exigiam-se também gestos finos para assentar cada peça, e um bom ouvido para sentir por meio daquela pancadinha se a peça estava bem acomodada.

Nenhuma das velhas técnicas dos azulejistas é mais necessária. Não é preciso deixar as peças dormindo em barris de água. Não é preciso preparar massa para assentar azulejos. E aquelas pancadinhas que ofereciam feedback sobre qualidade do assentamento são apenas uma lembrança de velhos profissionais. Hoje, uma massa pré-preparada é espalhada sem muito cuidado pelas paredes e os azulejos, secos, são praticamente, colados na superfície. Com as novas técnicas, NÃO é mais preciso umedecer azulejos, preparar massas, treinar o ouvido para interpretar as famosas pancadinhas. O profissional que assenta azulejos hoje NÃO precisa mais de muitas habilidades que compunham necessariamente o repertório de bons azulejistas. As novas técnicas de assentar azulejos eliminaram muitas habilidades. Podem ser descritas com vários “não é mais necessário”.

Abri este post com a imagem de um escovão. Esse instrumento, tão comum nas residências de outrora, saiu de cena. Como muitos talvez nunca tenham visto um escovão, é preciso acrescentar aqui outra história de tecnologia que resultou em vários NÃOS. Nos velhos tempos, pisos de madeira e, às vezes, de cimento precisam ser encerados. O superfície do piso era cuidadosamente limpa. Depois disso, com um pano, flanela de preferência, espalhava-se cera por toda a superfície. Mas, a cera não se entranhava na madeira ou no cimento para dar o esperado brilho. Era preciso fricciona-la até que ela penetrasse na superfície. Isso podia ser feito com enceradeiras elétricas, máquinas com um pequeno motor que fazia girar escovas sobre o piso até que a gente ficasse satisfeito com o brilho obtido. Mas tais máquinas eram caras. Famílias pobres não tinham grana para compra-las. A solução era pois a de um substituto que com certa força bruta pudesse encerrar o piso até que o desejado brilho aparecesse. E o substituto era o escovão. Um instrumento de ferro, bastante pesado, com escovas que a dona ou dono de casa fazia deslizar sobre os tacos ou a superfície de cimento vermelhão. Os escovões sumiram. São hoje peças de museu. E ninguém mais precisa encerrar pisos. Nas superfície de madeiras aplica-se cascolac ou sinteko. Para manter a limpeza do piso basta varreção e aplicação de um pano úmido. O vermelhão praticamente desapareceu e deu lugar a cerâmicas brilhantes que dispensam uso de cera. Hoje NÃO é mais preciso encerrar o chão, usar enceradeiras, ou usar escovões. Saber encerrar superfícies é uma habilidade que se foi…

Se considerarmos o introdução das novas tecnologias de informação e comunicação, podermos desfilar um grande numero de NÃOS. Não vou examinar todas as possibilidades. Fico com apenas numa que despertou meu interesse numa conversa incidental sábado passado (25/11/2017).

Um amigo, tecnófilo de carteirinha, estava com o celular na mão numa festa em que a gente queria mais era colocar a conversa em dia. Mas, gente como ele, não consegue guardar o celular em nenhuma circunstância. Aproveitei a situação para dizer que não gosto de celulares. E uma das razões para meu desgosto são aquelas teclinhas onde a gente tem que dedar textos. Aquelas teclinhas não foram feitas para gente idosa como eu. Meu amigo disse que NÃO é mais preciso digitar textos em computadores ou no celular. Já há, segundo ele, um aplicativo que aceita ditados e converte fala em texto. Outro amigo, velho jornalista e editor, observou que fala e texto são idiomas diferentes. Transcrição de fala não resultará em bom texto. Nosso amigo tecnófilo ignorou o argumento e comentou que com novas tecnologias o antigo texto tem mais mesmo é que morrer. Em outras palavras, num futuro bem próximo, NÃO será mais preciso saber escrever.

Como disse, não pretendo examinar muitos casos de “não é preciso mais”  que decorrem das novas tecnologias da informação e comunicação. O caso da escrita já é um bom ponto de partida para gerar reflexões. Exames de outros NÃOS serão necessários para que a gente saiba que habilidades estamos perdendo. Espero que muitos de nós não aceite o desfecho passivamente. Espero, por exemplo, que a escrita de boa qualidade ainda seja uma habilidade respeitável no próximos tempos, mesmo que algum aplicativo consiga escrever por nós.

Tecnologia Educacional: Uma Visão Crítica

abril 1, 2017

Faz muitos anos que traduzi um artigo que propõe uma leitura crítica da tecnologia educacional. Eu pretendia usar o texto com meus alunos. No caminho, desisti. Hoje não desistiria, pois acho que o escrito vale leitura. Por isso trago-o aqui para o Boteco.

 

UM DESAFIO ÀS ATUAIS CRENÇAS SOBRE TECNOLOGIA EDUCACIONA

Randall G. Nichols

Educational Technology/November 1990

Um lado Negro da Tecnologia Educacional

A tecnologia educacional, como as demais criações humanas, é multidimensional em suas relações com outros fenômenos. Por esta razão, os tecnólogos educacionais andam não apenas por caminhos pavimentados mas também por trilhas pouco apropriadas em termos de como pensar e usar  tecnologias. De modo geral não escolhemos (intencionalmente) caminhos excusos e, certamente, não perseguimos nada inapropiado. Porém, existe, um “lado negro” da tecnologia  educacional. Por este motivo, utilizando notas e exemplos selecionados que reuni recentemente, quero especular sobre as bases conceituais e algumas características da disciplina em questão. Tentarei algo mais: vou nomear algumas ramificações pouco óbvias dessas bases conceituais. Finalmente, vou, sobretudo, sugerir leituras relacionadas com as idéias aqui desenvolvidas.

Crenças Atuais sobre Conhecimento, Aprendizagem e Instrução

Uma das maneiras mais básicas de analisar tecnologia educacional é estabelecer contrastes entre esta disciplina e um quadro geral de algumas dimensões de aprendizagem, conhecimento e instrução desenvolvidas nas últimas décadas. Tais dimensões não freqüentam normalmente a literatura especializada no campo da tecnologia educacional. São novos paradigmas (filosofia, movimentos, modos de pensar?) e podem, talvez, ser chamados de “pós-estruturalismo” (cf. Cherryholmes, 1988) ou, no âmbito educacional, de “nova sociologia da educação” (cf. Yourng, 1971) ou “pedagogia crítica”  (cf. Giroux, 1988, em especial, ou Aronowitz e Giroux, 1985). Maxine Greene (1986) também discute diversas dessas noções num artigo intitulado “Filosofia do Ensino”.

Em resumo, conhecimento, aprendizagem e instrução são entendidos da seguinte maneira:

  • O conhecimento é construído (Fosnot, 1984). E construído numa trama em que distinções bem delimitadas entre aprendiz e outros fenômenos não são muito claras – uma entidade nunca é a única causa de um efeito sobre uma outra entidade. O conhecimento é vinculado a contexto, e contexto significa que um todo é um pouco maior que a soma de suas partes. Este contextualismo parece ser especialmente verdadeiro no campo da aprendizagem  de conceitos (Brown, Collins, e Duguid, 1989). Boa parte do contexto é sócio-cultural. O conhecimento é tanto tácito como consciente. Estas características do conhecimento são aplicáveis a outras formas do saber, não apenas à dimensão cognitiva; habilidades motoras e emoções também são construídas. Verdade e significado, aspectos do conhecimento, são igualmente resultados de construções (Cherryholmes, 1988). O conhecimento, na verdade, inclui as demais dimensões atrás listadas. Uma vez que o conhecimento é construído pelo aprendiz, conhecimento e aprendizagem são virtualmente sinônimos.
  • Conhecimento e aprendizagem, em grande parte, são criados desde o contexto sócio-cultural via linguagem (Cherryholmes, 1988). Winograd e Flores (1987) concluem sua interpretação dentro desta linha como segue: “Assim, a linguagem não é apenas um meio reflexivo mas constitutivo (do conhecimento). Criamos e damos sentido ao mundo em que vivemos e compartilhamos com os outros. Ou, assumindo as conclusões de modo mais radical, planejamos nós mesmos…por meio da linguagem” (p.78).

De modo  análogo, a comunicação  –  um modo de conformação do conhecimento e da aprendizagem – é um ato pelo qual se cria o significado a partir da intencionalidade (Winograd and Flores (1987), um ato cuja meta é alcançar  consenso social (Harbemas, 1984, 1987).

Como método de pesquisa , a análise da linguagem pode explicar as posturas filosóficas, políticas, sociais, éticas e estéticas de uma comunidade ou de um indivíduo (cf. Carr e Kemmis, 1986, para, nesta linha, verificar os contornos de uma teoria  crítica de análise da linguagem).

Obviamente, outros tipos de conhecimento e de aprendizagem humanos relacionados  com as capacidades visuais, tácteis e auditivas, por exemplo, podem ser criados sem uma associação tão estrita com a linguagem.

  • Conhecimento, aprendizagem e linguagem são atos econômicos e políticos, potencialmente importantes para influenciar e exercer poder sobre os outros. Nesta direção, estudiosos como Aronowitz e Giroux (1985) afirmam que um dos primeiros passos na especificação do que nós enquanto comunidade queremos da educação é “determinar meios que assegurem tanto a importância como as limitações da crítica da linguagem” (p. 19). Os mesmos autores afirmam: “Acreditamos que os educadores, em todos os níveis de escolarização, devem ser vistos como intelectuais que, enquanto mediadores, legitimadores e produtores de idéias e práticas sociais, exercem uma função pedagógica essencialmente política por natureza” (p. 19).
  • Conhecimento, aprendizagem e linguagem possuem uma dimensão estética. Maxine Greene dedicou grande parte de sua vida à estética na educação. Esta autora argumenta que “Da mesma forma que a alfabetização verbal e numérica, a alfabetização estética proporciona aproximação com linguagens específicas, como é o caso, por exemplo, do que ela faz com modos particulares de percepção e imaginação… (e esta alfabetização) pode garantir uma familiaridade mais enriquecida com a aparência das coisas (com o sentimento, com o som), alargando os repertórios simbólicos necessários para se pensar sobre o mundo e expressar o que é pensado” (Greene, 1981, p. 120).
  • Conhecimento, aprendizagem e linguagem possuem um aspecto ético. Um exemplo: ao explicarem a teoria da competência comunicativa de Habermas (cf. Habermas, 1984 e 1987, para mais explicações sobre a teoria), Carr e Kemmis (1986) afirmam que ela é uma teoria ética uma vez que “sua proposta é estabelecer como, desde uma perspectiva inerente à antecipada pela fala humana, há um concepção de uma forma ideal de vida pela qual o desabrochar da autonomia racional, mediada pelo interesse emancipatório, pode ocorrer  (p. 141). (“Interesse emancipatório” é uma forma de conhecimento pouco ou nada  discutida no interior dos círculos de tecnologia educacional). Vem crescendo a convicção de que devemos não apenas ensinar ética mas também de que conteúdos e métodos de ensino carregam uma ou outra ética (a de que o “progresso técnico é bom”, por exemplo).
  • A instrução, portanto, é constituída por atos construtivos lingüísticos, sociais, políticos, econômicos, estéticos e éticos. A educação, na verdade, é tudo isto. E se educar-se significa, pelo menos em parte, ser responsável por si mesmo, tornando-se consciente, reflexivo e ativo nas relações com os fenômenos a nosso redor, os educadores são obrigados a levar em conta todas estas dimensões da instrução. Temos que trabalhar com aprendizes que “planejam” a si próprios e que não são (não devem ser) predominantemente planejados , sem o saber, por outros.

Cherryholmes (1988) propõe certos caminhos que podem facilitar o alcance destas metas pelos educadores. Desde sua visão pós-estruturalista ou, como autor prefere, “crítico-pragmática”, são relevantes as seguintes indicações:

  1. Descreva as relações entre desenvolvimento histórico, e práticas políticas, e a teoria e prática curricular. Como é que dá forma ao discurso curricular e por quê certos conteúdos predominam sobre outros?
  2. Descreva os grupos poderosos. Quem, individual e coletivamente, é premiado ou perdoado, quem é alienado?
  3. Aprofunde a leitura do discurso curricular e analise-o cuidadosamente. Quem ouve? Quem é excluído? Que metáforas e argumentos são apresentados?
  4. Analise as categorias dominantes e mais valorizadas. Que valores e ideologias dão sustentação às categorias?
  5. Gere interpretação alternativa daquilo que os alunos podem aprender.
  6. Examine proposta, ênfases e outros aspectos do currículo sob a luz da mudança e de descobertas em outras disciplinas que não as tradicionais áreas do saber pedagógico (pp. 145-146).

Crenças de alguns tecnólogos educacionais

Com as sugestões que já reuni, minhas conclusões sobre o conteúdo predominante na área de tecnologia educacional podem ser sumarizadas conforme segue:

  • Muitos especialistas em tecnologia educacional parecem desconhecer as idéias atrás delineadas ou, até mesmo, defendem posições contrárias a elas. As principais organizações americanas da área de tecnologia educacional – particularmente aquelas relacionadas com computadores – raramente produzem algo remotamente parecido com as idéias educacionais até aqui descritas. Termos como “pós-estrutural” ou teoria/pedagogia crítica” quase nunca aparecem em obras daqueles especialistas. (Existem algumas exceções , tais como Becker, 1987; Fosnot, 1984 e 1988; Hlynka, 1988; Koetting, 1983; Nichols, 1987; Streibel, 1989; Taylor e Swartz, 1988). Algumas das crenças e posturas predominantes dos especialistas em tecnologia educacional parecem, pelo contrário, caminharem nas seguintes direções:
  • O conhecimento é objetivo e existe a priori. É composto por parcelas discretas de informação. Conhecimento é diferente de aprendizagem, por esta razão prescreve-se uma análise de tarefas antes de decidir que resultados de aprendizagem podem ser esperados. Boa parte da aprendizagem é manipulação de parcelas de informação por funções cerebrais causadas predominantemente pela instrução. Conhecimento, aprendizagem e instrução podem ocorrer, até certo ponto, sem relações com o contexto, por esta razão é possível uma separação temporal entre planejamento e execução da instrução. Nunan (1983) desenvolve uma boa discussão contra esta des-contextualização.
  • Os especialistas em tecnologia educacional, geralmente, não falam sobre os papéis da linguagem na direção atrás delineada. As exceções, no caso, incluem Deckman (1984) e Taylor e Johnsen (1986). Tiberius (1986) realiza um bom trabalho ao desvendar as metáforas relacionadas com tecnologia educacional. Porém, muito poucos são os especialistas que abordam o modo pelo qual a tecnologia educacional reproduz cultura, por exemplo. Ocasionalmente discutimos comunicação em termos de troca (Heinich, Molenda e Russel, 1989), apesar desta idéia parecer estar fora de moda. Comunicação agora é entendida como manipulação de parcelas discretas de informação para ganhos individuais, não para a construção de conhecimento compartilhado em contextos reais.
  • Talvez, muito mais seriamente, deixemos de considerar a idéia de que conhecimento, aprendizagem, instrução e tecnologia são estéticos. Sei que há alguma discussão sobre a arte e a criatividade que as tecnologias recentes podem fazer desabrochar. Suspeito, porém, que tal discussão não passa de um discurso parecido com o de John Sculley, presidente da Apple. Ele afirma, em sua introdução a Interactive Multimedia (Ambron e Hooper, 1988) que o aplicativo Hypercard abrirá para professores e alunos todo o mundo do conhecimento, e dar-lhes-á a ferramenta para criar e crescer num mundo mágico. Sei que ele está vendendo um produto com esta fala, mas apesar disto, me pergunto se ele entende que ninguém está a beira de possuir todo o conhecimento, ou que os detentores do poder irão ou podem dar o resto de nós acesso livre ao pouco conhecimento que dominam. Informação é não só uma ferramenta livremente disponível para a educação. Ela é, por outro lado, um bem econômico e político pouco disponível. Precisamos fazer perguntas sobre a estética da própria idéia de tecnologia. Que poder, eficiência e controle há na tecnologia que tanto atrai os seres humanos?
  • As discussões econômicas e políticas sobre tecnologia educacional são também raras, embora mais visíveis porque os autores como Heinich (1984, 1985) abordaram aspectos políticos. Ele fala de “sistemas de clientes”, de “poder”, e de “níveis mais elevados de decisão”. Porém, minha opinião é a de que a fala política de Heinich é muito limitada, pois ela quase sempre deixa de fora a política mais geral da educação, e não aborda a questão de como muitas pessoas podem ter mais poder ou perdê-lo na sociedade a partir daquilo que os “especialistas” em tecnologia educacional fazem. Faço o mesmo tipo de crítica à discussão de Stewart (1985) sobre a tecnologia educacional americana  e as contribuições desta para as mudanças sociais no Exterior. Também merece crítica o relatório de Holloway (1984) sobre os caminhos que os tecnólogos educacionais parecem percorrer, buscando tecnologias fora do campo da educação em vez de adaptá-las ou de criar uma tecnologia genuinamente educacional. Apple (1986), por outro lado, faz abordagens menos limitadas. Faz perguntas sobre tecnologia, escolarização, e sobre poder social e político. Quer saber quem perde e quem ganha.
  • Parece que há um movimento significativo nos círculos de tecnologia educacional no que tange à questão da ética e tecnologia. Schwen (1988), Taylor & Swartz (1988) e outros autores realizaram estudos realizaram estudos com este tipo de preocupação. O comitê de ética da AECT (Association for Educational Communications and Technology) é atuante – atualmente ele é responsável pela coluna de ética na revista Tech Trends Magazine. Mas o nível de nosso interesse profissional por questões éticas não tem, a meu ver, a mesma profundidade que podemos observar em outros campos com relação a armas atômicas,medicina e ecologia. No campo da tecnologia educacional não geramos idéias e análises do fenômeno tecnológico que guardem qualquer relação com as indagações radicais produzidas sobre tais áreas. Será que os tecnólogos educacionais estão conscientes que nossa tecnologia está associada com a tecnologia em geral e com seus efeitos – efeitos ecológicos, por exemplo? (ver Nichols, 1987)

Neste ponto convém sublinhar que os comentários de Winn (1989) são alentadores considerando o clima até aqui descrito. Ele afirma que o planejamento da instrução talvez seja uma arte; por esta razão deve basear-se em reflexões sobre a prática, não apenas em mais cursos de planejamento e modelos prescriptivos. Ele observa também que as máquinas não podem adaptar-se tão bem como os professores, não podem ensinar melhor do que muitos professores. Porém, como vou argumentar mais à frente, não concordo com Winn quando este sugere que deixemos de trabalhar para os professores mais experientes. Divirjo dele também sobre o futuro impacto que as ciências do conhecimento possam ter qualquer avanço real no planejamento da instrução. Ainda não relacionei meus argumentos, mas suspeito que nenhum conhecimento  adicional no âmbito do paradigma psicocognitivo irá nos ajudar a criar conhecimento, aprendizagem ou instrução mais significativos  que aqueles existentes agora.

Em resumo, o racionalismo parece ser a filosofia predominante de muitos tecnólogos educacionais. Dentro do quadro deste racionalismo, pressupomos que o mundo “real” é feito de fatos objetivos que tem certas propriedades; fatos “objetivos” não dependem de interpretação; fatos são registrados em nossos pensamentos e sentimentos exclusivamente pela via da percepção; e que pensamentos e intenções podem provocar de alguma forma, movimentos físicos em nossos corpos (cf. Winograd e Flores, 1987, p. 31). O método sumarizados a seguir é uma decorrência  destes pressupostos:

  1. O método sumarizado em termos de objeto identificáveis com propriedades bem definidas.
  2. encontre regras gerais aplicáveis a situações nos termos daqueles objetos e propriedades.
  3. aplique as regras logicamente a situação em questão, chegando a conclusões a respeito do que deve ser feito (Winograd e Flores, p. 15).

Ramificações das Crenças

Quais são as possíveis ramificações dos princípios atrás descritos? Ironicamente, nossa adesão a algumas idéias e formas de racionalismo, bastante datadas (incluindo o behaviorismo), indicam que, pelo menos do ponto de vista filosófico, alguns aspectos do campo da tecnologia educacional são velhos , não são novos.

Além disto, pode-se argumentar que “tecnologia educacional” está se tornando um rótulo  inapropriado. Isto está acontecendo não só porque os aprendizes não vem sendo ajudados a serem responsáveis pela sua própria aprendizagem mas também porque nossas organizações profissionais estão se afastando do ambiente educacional e se transferindo para o mundo do treinamento. Winn (1989) sugere esta transição para a AECT. O Encontro Anual de Professores de Tecnologia Educacional parece cada vez mais preocupado em atender necessidades das organizações de treinamento do que necessidades educacionais de professores e alunos. Na verdade, tecnologia educacional não é sequer um dos tópicos relevantes em esforços de reforma como, por exemplo, a Iniciativa Holmes para professores de educação. Talvez devamos nos aproximar, em vez de nos afastarmos, das estruturas educacionais e dos professores.

Este último assunto levanta a questão: até que ponto a tecnologia educacional é uma disciplina de pleno direito? Muitos não nos vêem oferecendo algo diferente daquilo que eles já tem. Professores de matemática, física ou inglês já estão planejando seu próprio ensino, por que então eles devem esperar alguma contribuição nossa? Será que temos uma base conceitual própria? (em outras palavras, será que tecnologia educacional  é um área  de conhecimento com contornos  definidos?). Com o advento dos computadores pessoais perderemos cada vez mais a fama de “especialistas”. Todo mundo já pode ter um computador. Talvez a ausência de uma base conceitual própria explique a diminuição do número de sócios na AECT.

Como já mencionei antes, está sob suspeita uma abordagem de ciência cognitiva quando queremos entender  melhor o que é conhecimento , aprendizagem  e ensino. Será que esta ciência  não está nos ajudando a compreender e, por consequência  controlar o aprendiz para servir interesses alheios, em vez de ajudar os aprendizes a serem responsáveis por eles mesmos? Será que ela não atomiza o saber num mundo em que a compreensão do todo é tão necessária? Será que o predomínio da ciência  do conhecimento e da psicologia da mente não exclui as outras dimensões  do conhecimento, aprendizagem e ensino discutidas atrás neste artigo? Após décadas e décadas de pesquisa, que resultados da investigação psicológica estão sendo utilizados em salas de aula? Muito menos do que nós gostaríamos,  a julgar pelos movimentos de reforma educacional que estão ocorrendo agora.

Finalmente, se  os meus comentários até aqui fazem sentido, acredito que apoiamos de modo acrítico o desenvolvimento da tecnologia; tal atitude, em grandes linhas, é o mesmo que apoiar as ideologias estreitas e atuais do “progresso” e do “individualismo” que estão triturando a sociedade. Incentivamos, em outras palavras,  as ideologias ecológicas tão bem analisadas por Bowers (1988). Talvez possamos julgar nossa própria culpa pelo esfacelamento da sociedade se analisarmos até que ponto acreditamos que os problemas enfrentados hoje em nosso planeta podem ser resolvidos com mais “progresso” tecnológico.

Conclusão

Acho que vários leitores não concordam com  muitos dos meus pontos de vista. Isto pode ser positivo se a discordância gerar debates e escritos sobre o tema; se gerar pesquisa, refinamento teóricos  e desenvolvimento instrucional que contribuam criticamente para uma visão mais equilibrada do que é tecnologia educacional. Se isto acontecer, acredito que iremos fortalece as bases conceituais de nossa disciplina. Além disto, espero que as indicações aqui reunidas tenham mostrado que é preciso ampliar consideravelmente os horizontes da tecnologia educacional.

 

[ Tradução: Jarbas Novelino Barato, Fev/94]

 

[ Original: A Challenge to Current Beliefs About Educational Technology]

 

 

Referências

Ambron, S. and Hooper, K. Interactive Multimedia. Redman, Washington: Microsoft Corporation, 1988.

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Aronowitz, S. and Giroux, H. A. Education Under Siege. Cambridge, MA: Bergin and Garvey Publishers, Inc., 1985.

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Young, M. F. D.  (Ed.) Knowledge and Control. London: Collier-Macmillan, 1971.

 

 

Formação de leitores

junho 28, 2016

Queremos formar leitores. Para isso é preciso colocar crianças em contato com livros, bons livros. Além disso, é preciso que as crianças encontrem bons livros em espaços bem transados. Na livraria mostrada pelo vídeo que trago para cá a coisa acontece. Vale a pena ver e considerar a proposta da criadora desse universo de leitura para crianças e jovens.

Nós na Rede

abril 15, 2016

Acaba de sair Nós na Rede, livro de contos da minha amiga Ivete Palange. Todas as histórias tem enredo que inclui decorrências de uso de alguma tecnologia da informação. A autora me honrou com convite para que eu apresentasse a obra. Para que os amigos tenham uma ideia sobre o livro da Ivete, trago para cá minha apresentação de Nós na Rede.

 

Apresentação

 

Tecnologias alteram cenários e acrescentam novos atores aos dramas humanos. Mudanças acontecidas desde a segunda metade do século XIX, com o telégrafo, a fotografia, o cinema, o rádio, a televisão e o computador, ainda não são completamente entendidas em nosso cotidiano. Surpreendemo-nos com alterações que dão novas direções ao viver. E essas alterações podem trazer alegria ou tristeza, paz ou violência, vitórias ou derrotas. As consequências, numa ou noutra direção, tecem dramas sociais e individuais até então impensados.

Ivete conhece bem as tecnologias da informação e comunicação, assim como os cenários e atores que elas acrescentam aos dramas do viver. Ela usou largamente tais tecnologias em seu ofício de educadora.  

As ligações dos seres humanos com as ferramentas de sua invenção é um fenômeno bem conhecido. Agora essas ligações ganham contornos originais. Não temos mais apenas instrumentos que estendem as capacidades humanas. Temos também novos atores que são objetos de amor e ódio em suas interações com os seres humanos. Sherry Turkle, cientista do MIT, vem estudando há bastante tempo relações de afeto entre humanos e robôs.  Os encontros entre pessoas e esses novos atores sugerem dramas jamais sonhados.

O que Sherry aborda em seus estudos acadêmicos, Ivete nos mostra em histórias deliciosas nas quais as tecnologias fazem com que os personagens apareçam em novos enredos da velha paixão humana. Em cada história, a autora sugere reflexões sobre rumos da Sociedade da Informação e, ao mesmo tempo, nos surpreende com o pathos de personagens que vivem experiências inusitadas.

Neil Postman cunhou bordão que vale repetir: “a tecnologia dá, a tecnologia tira”. Há muito entusiasmo com a eliminação de distância nas relações entre os seres humanos, proporcionada pelas tecnologias digitais. Por outro lado, as supostas facilidades de contato podem gerar sentimentos de solidão. É isso que a protagonista de Avatar, uma das histórias de Ivete, experimenta: “Vivia a contradição do uso de tecnologia que aproxima aqueles que estão distantes e distancia as pessoas presentes na vida real”.

O tema da distância, alargada e encurtada, perpassa várias histórias. Na primeira história, Casamento a Distância, num mundo que ainda não conhecia computadores nem internet, o tema já aparece. E ele voltará várias vezes em dramas cujos personagens são entusiastas usuários das maravilhas eletrônicas que entraram definitivamente em nossas vidas. A gente não percebe todos os dramas que  acontecem quando as pessoas aparentemente esquecem o entorno e se concentram em suas telinhas. Ivete nos faz entender que esse enredamento, tão visível por toda parte, pode ser uma janela para paixões, medos amores, sofrimentos, alegrias, invisíveis para quem vê apenas pessoas entretidas com seus celulares.

Na minha leitura vieram diversas lembranças de obras ficcionais. Uma delas é Tia Júlia e o Escrevinhador, de Vargas Llosa. No romance do escritor peruano, Pedro Camacho, autor de radionovelas, transforma sentimentos dos ouvintes e de sua própria vida. Camacho e noveleiros viajam por mundos que jamais conheceriam sem as ondas do rádio. Num de seus contos, a autora nos leva aos tempos áureos do rádio. Mas, além do rádio, ela nos remete a outros mundos que computadores e internet estão criando continuamente. Em cada um desses mundos a aventura do viver vai ganhando contornos que Ivete nos mostra com muita beleza.

Na minha leitura, outro escritor apareceu várias vezes a dialogar com o texto, Alan Lightman, autor de Diagnosis. Lightman explora em seu romance decorrências dramáticas da fartura de informação  consumida sem qualquer freio. Essa fartura é examinada de modo agudo por Ivete, com decorrências que podem resultar em muita informação, mas pouco conhecimento. Esse é um aspecto que a educadora sugere continuamente à contista. Esse é um aspecto que, na leitura da obra, pode nos levar a pensar de modo mais equilibrado o uso de tecnologias e, ao mesmo tempo, perceber em cada história como os dramas humanos têm agora um mundo que se expande cada vez mais, embora as velhas paixões continuem as mesmas.

 Os personagens dos contos têm muito a ver com gente de carne e osso que conhecemos em nosso dia a dia. O livro de Ivete nos ajuda a entender melhor  novos cenários e personagens produzidos pelas tecnologias da informação e comunicação. E a autora nos oferece essa oportunidade de uma maneira muito prazerosa e gentil, por meio de histórias que dão aos novos espaços do viver rumos até agora desconhecidos.

 

 

O Significado do texto

janeiro 26, 2016

Tem gente que manifesta estranheza quando leitores não entendem um texto na direção que elas esperam. Mas, isso é normal. É o leitor quem dá sentido ao texto. Para evitar interpretações indesejáveis, os autores precisam ter muito cuidado. E, mesmo que cuidados sejam tomados, o sentido desejado não fica garantido. Essa é uma questão muito importante no campo didático. Muitas vezes, textos de livros didáticos podem levar os alunos a entenderem um assunto em direção completamente diferente daquela que autores e professores querem.

Para oferecer situações de discussão sobre o problema aqui indicado eu costumava, em minhas aulas e em formação de professores, utilizar certos exemplos de textos preparados para experimentos no campo de investigações orientadas por princípios construtivistas.

Recentemente encontrei uma professora que me disse utilizar até hoje um exercício que apresentei numa formação da qual ela participou. Tal exercício, baseado em estudos construtivistas do ato de ler, procura mostrar que o sentido do texto pode ficar muito difícil quando as referências são retiradas ou restringidas. Não achei o texto mencionado pela professora. Mas encontrei outro texto que eu também utilizava, em minhas aulas e em formações docentes, com a mesma finalidade. Tal texto costuma ser interpretado de muitas e muitas maneiras diferentes. E geralmente os leitores não conseguem sequer desconfiar da situação original à qual o escrito se refere (ou deveria se referir).

Para interessados em utilizar tal texto, reproduzo-o a seguir.

>> “Se os balões estourassem o som não poderia ser levado, uma vez que tudo ficaria muito distante do andar certo. Uma janela fechada também poderia impedir o som de chegar ao destino, pois muitos edifícios hoje dispõem de isolamento acústico. Uma vez que a operação inteira dependia de um fluxo constante de eletricidade, um fio partido também causaria problemas. É claro que o cidadão poderia gritar, mas a voz humana não é suficientemente potente para ir tão longe. Um problema adicional era a possibilidade de que uma corda do instrumento se partisse. Assim não haveria acompanhamento para a mensagem. É claro que a melhor situação envolveria menor distância. Haveria então poucos problemas potenciais. Num contato face a face, um número menor de cosias poderia dar errado.”

Vocês podem distribuir o texto e pedir à pessoas, alunos ou professores, para indicar a cena ou situação à qual o texto se refere. A lista de opiniões irá variar muito. E, dificilmente, alguém indicará a situação na qual o autor pensou ao produzir esse escrito.

É preciso observar que o texto que estou reproduzindo aqui foi preparado com muito cuidado para que os leitores não soubessem ao que ele se referia. Todas as pistas referenciais foram cuidadosamente retiradas. Por essa razão, as pessoas costumam “viajar” quando procuram dizer como entendem essa história de balões, fios, janelas, sons, eletricidade, dificuldades para que o som chegue ao destino etc.

Depois que os participantes fizerem sua adivinhações, vocês devem mostrar a eles um desenho sobre a história e pedir que leiam mais uma vez o texto. Tudo ficará mais claro, pois os referentes são dados pela imagem.

Aqui está a imagem:

desafio de uma paixão

 

 

 

Blogs, comunicação e educação

dezembro 2, 2015

Quando planejei este Boteco Escola, tinha como objetivo principal criar um espaço de conversa sobre blogs na confluência dos diários eletrônicos coma comunicação e a educação. Ao mesmo tempo, o espaço foi imaginado como referência para minhas alunas e alunos da pedagogia desafiados a publicar blogs.

Com o passar do tempo, outros assuntos entraram na prosa: tecnologia educacional, educação, NTIC’s, usos educacionais da internet, redação cooperativa, obras de grandes educadores, e até filosofia.

Este Boteco Escola ganhou certo destaque nos meios educacionais. Por esse motivo, fui convidado diversas vezes para entrevistas sobre uso de blogs em educação. Parte do que eu disse ou escrevi para tais entrevistas aparece aqui na forma de posts e páginas. Além disso, traduzi diversos artigos sobre blogs e seus usos nas comunicações e na educação para enriquecer papos neste boteco. Mas, nos últimos anos pouco publiquei sobre blogs neste espaço. Em parte isso se deve a redução do entusiasmo por blogs no ciberespaço.  Novas formas de publicação como o Twitter e o Facebook foram ocupando o lugar dos blogs na internet. Mas, os blogs não morreram. Estão por aí, como espaços privilegiados de autoria e comunicação.

Tempos atrás apareceu um livro importante sobre blogs, Blog Theory, de Jodi Dean. Escrevi resenha da obra e indiquei aqui no Boteco link para a mesma. Agora, para reavivar conversas sobre blogs neste espaço, resolvi trazer para cá a dita resenha, publicada nos idos de 2011.

blog imageDEAN, Jodi. blog theory: feedback and capture in the circuits of drive. Malden, MA: Polity Press, 2010. 153 p.

Novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) ganham espaço cada vez maior na vida cotidiana. Essas tecnologias são vistas como avanços desejáveis, pois os ganhos que trazem em termos de ampliação do conhecimento são imensos. Tal interpretação do papel das NTICs tem uma dupla face. De um lado, ela entende que produção e acumulação de saberes é um processo contínuo e cumulativo. De outro, ressalta a necessidade de se adotarem as mudanças que as mais recentes tecnologias trazem. Comentários nos meios de comunicação e em produções acadêmicas tendem à tecnofilia. Ao mesmo tempo, a aceitação entusiasmada das NTICs tem muitos traços de ingenuidade.

O pensamento hegemônico sobre as novas tecnologias da informação e comunicação sugere que sociedade e indivíduos têm conhecimento cada vez maior, que a educação dará um salto de qualidade e que a prática política ganhou grandes espaços de exercício da liberdade. Tais conclusões não são fruto de análises aprofundadas das NTICs. São, muito mais, consequências de crenças que ignoram qualquer análise crítica dos novos meios de comunicação.

Blog Theory, obra de Jodi Dean, contesta o pensamento hegemônico. Examina o fenômeno dos blogs, tentando perceber o significado dessa prática comunicativa na sociedade e para os blogueiros individualmente. A autora, porém, não se restringe aos blogs. Na verdade, realiza uma análise mais ampla, incluindo em seu estudo outras práticas comunicativas que ganharam espaço expressivo na web.

A intenção de Dean é analisar criticamente as NTICs a partir de uma tradição que busca entender o significado e impactos sociais das tecnologias, assim como a maneira pela qual as forças hegemônicas se apropriam das ferramentas de comunicação. Ela procura superar o nível das aparências para desvelar o que está acontecendo nos planos coletivo e individual. Há mudanças. Mas, que mudanças estão acontecendo em modos de ver a vida, no plano dos valores, na vida política, no plano epistemológico? Respostas a essas perguntas balizam o caminho percorrido por Dean.

A autora reconhece que analisar criticamente as NTICs não é tarefa fácil. A atualidade das análises é efêmera, pois as novas redes de comunicação são turbulentas, sempre mutantes. Muitos de seus aspectos definidores desaparecem em pouco tempo. A obsolescência de equipamentos e ferramentas é extremamente acelerada. Por esses motivos, livros que abordem criticamente os novos meios de comunicação correm o risco de ficarem desatualizados assim que chegarem às livrarias. Por outro lado, utilizar a própria web para registrar aspectos críticos em blogs e outros ambientes de publicação digital é providência vã, pois o conteúdo não merecerá a devida atenção.

Dean mostra que os livros desempenham papel importante na elaboração e no registro de análises críticas. Sugere que as mídias digitais não conseguem substituí-los em tal função. Conclui que eles continuam a ser o veículo mais adequado para articular análises que evidenciem as consequências mais profundas das NTICs.

O funcionamento da Internet, segundo a autora, mostra a emergência do capitalismo da comunicação. Esse fenômeno vem recebendo diversos nomes, com destaque para “sociedade da informação”. No entanto, quase sempre os analistas ignoram o capital como o maior interessado na produção, na circulação e no uso de uma commodity intangível que vem mudando as relações entre as pessoas, a formação de identidade e os modos de ver o mundo. Para Jodi Dean, “o capitalismo marca a estranha convergência da democracia e do capitalismo em redes de comunicações e mídias de diversão” (p. 4).

Para mostrar os desdobramentos ideológicos do ambiente mediático de nossos dias, Dean examina como movimentos de esquerda com raízes nos anos 1960,
acreditando em virtudes intrínsecas das redes de comunicação, acabaram caindo em armadilhas e passaram a defender valores que criticavam. Para ela, esse é o caso, por exemplo, dos novos comunalistas. Estes, ao abraçarem promessas libertárias da Internet, aliaram-se aos adversários de outrora – as forças armadas, o capital, a burocracia –, promovendo ideias neoliberais e justificando a flexibilização do trabalho e outras decorrências de um capitalismo no qual se entranha a comunicação.

As observações de Jodi Dean sobre aspectos ideológicos promovidos no e pelo uso das redes digitais nada têm a ver com teorias conspiratórias. A autora examina as práticas comunicativas correntes e nelas encontra características que não são evidentes para usuários e entusiastas das novas mídias. Ela busca caracterizar que cultura e sociedade estão sendo construídas naquilo que se convencionou chamar de “sociedade da informação”.

Na produção e circulação de informações, a autora vê um fenômeno que precisa ser considerado: o fenômeno da reflexibilidade. Este, em síntese, é caracterizado por uma circularidade, na qual informação gera mais informação, sem qualquer referência a realidades que não integrem as redes digitais. No plano individual, a reflexibilidade gera comportamentos análogos aos da obsessão pelo jogo. Usuários de redes sociais entram em um circuito que não privilegia conteúdos, mas o constante uso de veículos de informação.

Nos planos axiológicos e epistemológicos, Jodi Dean sugere que a utilização das novas mídias caminha na direção do declínio da eficiência simbólica. Ou seja, as pessoas deixam de ter uma referência sólida para julgar a informação. Vale tudo. Em
Blogs e outros meios de expressão digital, acredita-se que todas as opiniões sejam válidas. A tendência reforça traços de relativismo já presentes na cultura ocidental antes do advento das redes digitais. No caso dos valores, há um esvaziamento de referências aceitas coletivamente. No caso da ciência, há uma crença de que todo e qualquer saber é equivalente. O resultado dessas maneiras de ver é que banalidades sem fundamento e afirmações ancoradas em investigações sistemáticas em nada diferem. São informações que entram no circuito, reivindicando tratamento igualitário.

Predomina na rede digital impulso para o uso, não importando outros fins. A lógica do sistema é a de um consumo cada vez mais avassalador de informações, não pelo valor intrínseco destas últimas, mas pelo sentimento de participar de um processo informativo que não cessa. A comunicação constante é uma obrigação. Mais ainda: uma obsessão. É preciso comunicar-se, não importa para quê, nem o que comunicar.

Dean consagra um capítulo inteiro à questão do afeto (Affective
Networks). A autora observa: “O capitalismo da comunicação manda nos divertirmos, ao mesmo tempo que nos adverte de que não estamos nos divertindo o bastante, ou tão bem como os outros. Nossa diversão permanece frágil, arriscada”(p. 92).

A ordem para nos divertirmos aparece de diversas formas. Uma delas é a de sentir-se membro de uma comunidade que, segundo a autora, “é uma comunidade sem comunidade”. Contraditoriamente, as redes facilitam a superação do isolamento, embora as pessoas continuem isoladas. Outra forma é a da repetição. Faz-se a mesma coisa o tempo todo. Não importa o significado do que é repetido, mas sempre a repetição, em um ritmo cada vez mais envolvente. Repetição e redundância é o nome do jogo. Isso já era característico nos meios de comunicação de massa que chegaram um pouco mais cedo que as redes digitais. Essa circunstância foi e é largamente utilizada em publicidade na TV.

Convém, mais uma vez, recorrer ao texto da autora:

A dimensão aditiva da comunicação pela comunicação marca um excesso.
Esse excesso não é novo significado ou perspectiva. Ele não se refere a um novo conteúdo. Em vez disso, advém da repetição, agitação ou emoção por mais. Na duplicação reflexiva da comunicação, a diversão incorporada à comunicação pela comunicação desaloja intenção, conteúdo e significado. O extra na repetição é diversão, a diversão que é capturada no impulso e na diversão expropriada pelo capitalismo da comunicação. (p. 116)

A meta, como já se disse, é a de usar a rede. E usá-la à exaustão. O discurso ideológico justifica tal uso com promessa de mais conhecimento. Mas, conforme diz a autora, “quanto mais conhecimento incorporamos, menos sabemos”. Na verdade, o
que predomina é a circulação de informação, não a sua apropriação pelos usuários. Uma das consequências disso é a falta de ação. Em vez de agir, busca-se mais informação. Os resultados encontrados não satisfazem. Por isso, mais informações são procuradas. Esse processo não tem fim, e estar nele é fonte de prazer. A produção de informação com características de reflexibilidade é uma criação dos usuários. Eles acabam produzindo o ambiente em que vivem, pois as conexões estabelecidas no interior do sistema configuram as pessoas. Gerar informação, consumi-la, reproduzi-la, dentro de um loop, substitui busca de sentido, de significado; é tudo que se quer.

Apesar do título de seu livro e de ter um capítulo dedicado aos
blogs, estes não são o foco de Dean, mas, sim, as práticas mediáticas que se tornaram comuns com a chegada dos recursos digitais. A autora faz menção às características técnicas dos diários eletrônicos e examina as analogias mais comuns que são utilizadas para defini-los. Ela, porém, não se prende a visões mais tradicionais. Para além de aparências óbvias de blogs como diários eletrônicos ou formas de expressão de um novo jornalismo, Jodi Dean mostra como a prática deles está a serviço da expressão da subjetividade.

A autora vai buscar nas práticas epistolares do antigo Império Romano, assistida por estudos realizados por Michel Foucault, analogias para iluminar o sentido da escrita em diários eletrônicos. Revela que as correspondências produzidas pelos latinos tinham acima de tudo características de auto-escrita. A arte de escrever cartas era vista como um elemento de reflexão. Nesse sentido, importava pouco o que comunicar. Importava o próprio exercício de produzir as cartas, mesmo que estas não fossem enviadas aos seus destinatários. Essa é uma descoberta intrigante. O ato, a prática era mais importante que o escrito. E é isso o que acontece com os blogs: valem para eles as observações feitas para todo o sistema de comunicação digital. Eles são uma alternativa de ingresso na ciranda interminável de gerar e consumir informação, pouco importando o conteúdo. Também concretizam o sentimento de participação no qual se acentua a dimensão afetiva. Não são, assim, diferentes de qualquer outro formato que facilita a participação dos usuários na Web.

Blog Theory é um livro denso e exigente. A autora, para desenvolver seus argumentos, recorre a uma ampla literatura, influenciada principalmente por Lacan. Cada capítulo da obra mereceria uma resenha própria para que não se perdessem elementos importantes das análises feitas por Dean. Porém, os registros aqui feitos são suficientes para situar a obra e sua importância em áreas relacionadas com informação e comunicação. Importa assinalar como Blog Theory sugere novos modos de ver as NTICs em educação. O estudo de Dean mostra que aproveitamentos de qualidades aparentes da web para finalidades pedagógicas não podem acontecer de modo ingênuo. O predomínio de práticas de comunicação pela comunicação é um traço que deveria merecer análises críticas dos educadores. Usos educacionais das NTICs, caso ignorem uma visão crítica, irão apenas facilitar ingresso dos alunos em circuitos comunicativos que desconsideram conteúdos e significados.

Educação Profissional : Livro

novembro 25, 2014

No Youtube há um vídeo com sinopse de um dos meus livros. Trago para cá tal vídeo.

Ciência e escrita

julho 18, 2014

 

Fazer ciência é uma paixão. Cientistas dignos do nome são apaixonados pelas áreas de saber que estudam e pesquisam. É justo, portanto, que a gente espere textos apaixonantes quando descobrimos alguma investigação que nos interessa. Mas, no geral, textos escritos por pesquisadores são imensamente chatos. Há exceções. Mas, a regra é a chatice.

Muita gente explica a qualidade intragável dos textos científicos por causa da necessidade de uma linguagem que evite as imprecisões do discurso comum. Confesso que isso não me convence. Mas, as praxes da Academia já consagraram certas regras que barbarizam textos em nome da cientificidade. Um horror!

O pior de tudo é que o discurso acadêmico acaba caracterizando como científicos textos sobre supostas investigações. Ou, em outras palavras, há um enorme volume de produção acadêmica, escrita de acordo com um discurso esotérico, que não tem qualquer mérito científico.

Já abordei o assunto em outras ocasiões. Voltei ao tema agora por causa de um escrito que acabo de ler.

Ao ver na revista Arterfactum artigo sobre Facebook e pensamento crítico, me animei a ler. Na leitura me decepcionei. A definição do foco da investigação aponta para irrelevâncias. O texto, pomposamente acadêmico, afasta o leitor. Cito dois pequenos trechos:

Faz parte da natureza humana o pensar, portanto todo mundo pensa.

“Esto”, diriam meus amigos espanhóis, “es verdad a Pero Grullo“. Ou, na nossa tradição portuguesa: isto é profundamente acaciano. Será que algum leitor tem qualquer dúvida quanto a tal verdade? O argumento não caberia sequer num artigo sem pretensões científicas.

Para esse estudo, optou-se por uma pesquisa qualitativa por buscar-se aprofundamento na compreensão de um fenómeno, desvendando encontros e desencontros da prática e por esta, ser orientada para análise de casos concretos.

O trecho tem vários problemas de redação. Não vou comentá-los aqui. Além disso, esse modo de enunciar metodologia é bastante obscuro. Uma pena! Eu tinha esperança de encontrar matéria que pudesse abrir caminhos interessantes para usos do Face em educação. Não foi desta vez.

Segue link para o artigo: