Bruner e educação

Jonathan Zimmerman, professor da história da educação na University of Pennsylvania, escreve artigos interessantes sobre educação na revista The Atlantic. São textos de qualidade e sem ranço acadêmico. Vez ou outra, traduzo algum deles. Eis aqui um exemplo:

Jerome Bruner: Uma busca inacabada em educação

Jerome Bruner promoveu a psicologia cognitiva, uma ideia que as escolas ainda lutam para adotar.

Jonathan Zimmerman

The Atlantic, June 7, 2016

Alguns anos atrás, Jerome Bruner visitou um curso de pós que eu coordeno na New York University sobre pesquisa educacional e política. Eu disse a Jerry que concordava com quase tudo que ele escreveu sobre educação, mas temia que muitos americanos não concordassem com tais ideias. O que aconteceria se o país não aceitasse o que ele estava propondo?

“Bem”, disse Jerry com um largo sorriso: “então você teria em mãos uma boa história”.

A própria história admirável de Bruner chegou ao fim na segunda feira passada, quando ele faleceu aos 100 anos. Filho de imigrantes poloneses, ele foi uma criança sem visão até que uma cirurgia o livrou da cegueira aos dois anos de idade. Bruner dedicou toda sua vida estudando a percepção humana, e os modos pelos quais as histórias que contamos sobre o mundo influenciam como pensamos e aprendemos sobre ele.

Ao longo do caminho, ele ajudou a revolucionar a psicologia americana. Quando Bruner foi para sua pós-graduação na Harvard University, nos anos de 1930, predominava uma pesquisa psicológica que examinava o comportamento que as pessoas exibiam frente a pressões externas e estímulos. Mas tal modelo não levava em conta nossa mente individual, que filtra e interpreta tudo que experimentamos.

Bruner decidiu estudar o que ele chamou de “psicologia cognitiva” – como as pessoas pensam e raciocinam, não apenas como reagem e respondem. Para a educação, particularmente, as implicações eram enormes. Bruner descobriu que mesmo as crianças muito novas construíam seu próprio conhecimento – ou seja, davam sentido a novas informações com base em experiências e entendimentos prévios. O trabalho dos professores era o de ajudar os estudantes construir conhecimento sobre o que já sabiam.

Não fazia sentido então empanturrar as crianças com fatos, que elas esqueceriam assim que a prova terminasse. A meta era ajuda-las  a reconhecer relações entre fatos. Você não precisa ser um físico ou um historiador para entender a gravidade ou a Guerra Civil. Mas você precisaria de um professor que pudesse ajuda-lo a pensar como um físico ou como um historiador, ordenando e analisando as informações como eles fariam.

Meio século depois que Bruner propôs essas ideias em sua obra mais importante, The Process of Education, elas acabaram sendo aceitas como “melhores práticas” nas escolas americanas. Mas poucos professores e alunos as praticam. Há um enorme fosso entre a história que os Estados Unidos conta sobre educação e o caminho em que ela realmente percorre.

A primeira razão tem a ver com a preparação de professores no país. Para instruir os alunos da maneira imaginada por Bruner, você precisa ter um profundo conhecimento da matéria que ensina. Sou professor de educação numa grande universidade, mas eu não poderia ensinar biologia no curso secundáio. Eu poderia fazer com que os alunos memorizassem partes de um átomo ou de uma célula, mas não poderia ajuda-los a entender como a biologia funciona: como ela levanta questões, delineia teorias, reúne evidências.

E aqui há um fato deprimente: boa parte dos professores do país não tem esse tipo de conhecimento. Embora em muitos estados se exija que os professores sejam formados na matéria que lecionam, a legislação não demanda que os mestres dominem de fato os saberes próprios de sua disciplina. Provenientes dos grupos de baixo e médio desempenho de distribuição de desempenho acadêmico, muitos professores americanos simplesmente carecem de um forte background de saber específico para ajudar os alunos a mergulharem na disciplina que estudam.

Enquanto isso, professores que possuem a necessária expertise são prejudicados pela besta da “accountability”. Desde que o Congresso aprovou a lei conhecida como No Child Left Behind em 2001, normas federais e estaduais atrelaram o financiamento das escolas – e, em alguns lugares, o salário dos professores – ao desempenho dos alunos em testes padronizados [algo parecido com o nosso ENEM]. Particularmente nas comunidades mais pobres, o resultado tem sido a antítese do que Bruner imaginava: uma pedagogia triste de memorização apenas prepara os alunos para o próximo teste padronizado.

Finalmente, não é claro que os cidadãos americanos – essa gente que paga impostos e elege os membros de conselhos escolares – desejam o tipo de instrução que Bruner desejava. Ele aprendeu isso de maneira bastante dura quando desenvolveu um currículo financiado pelo governo federal nos anos de 1960, chamado Man: A Course of Study (MACOS), que usava exemplos de diferentes lugares e eras para gerar questões básicas sobre o comportamento humano e a moralidade – especialmente sua descrição dos Netslik Eskimos, que praticavam infanticídio e eutanásia – chamou atenção dos conservadores, que queriam que a seus filhos fosse ensinado um único código moral. O Congresso acabou cancelando o financiamento do MACOS, o que nos faz lembrar dos perigos de encorajar as crianças a pensarem por elas mesmas. Elas podem terminar discordando de seus pais, e muitos americanos – talvez a maioria – não querem isso.

O final de sua carreira, Bruner se voltou para a questão da cultura e educação, examinando como diferentes sociedades influenciam o crescimento e desenvolvimento humanos. Meu temor é o de que a cultura americana não aceite verdadeiramente a estória que Bruner nos contou sobre o ensinar. Mas, sempre serei agradecido a ele pelo que disse, insistentemente, na esperança de que a nação um dia aprendesse a lição.

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