TIC e Educação: onde as coisas mudam?

Tiro na mosca. Marion Strecker  [A Glória da Dirupção]explora um caminho que o povo da educação parece ignorar: as mudanças educacionais da TIC acontecem fora da escola. Por outro lado, o uso de TIC nas escolas é, quase sempre, irrelevante.

 

Todas as tecnologias recentes – da invenção do telefone até nossos dias – provocaram profundas mudanças culturais, inauguraram novos valores, estabeleceram novos costumes. Tudo isso aconteceu “fora” da escola. Acho que os impactos do computador e da internet são mais profundos que os de outras tecnologias aparecidas do final do século XIX para cá.

 

A análise da Marion Strecker merece várias leituras no campo da educação. Fico com apenas uma, a da ignorância do saber selvagem dos novos meios. Me explico: estudos recentes no campo de antropologia/ciência do conhecimento mostram que fora da escola funciona um saber (não domesticado por conveniências de controle ou por babaquices didáticas) que surge das necessidades de troca de informação para que as coisas aconteçam. [O cara pra se ler aqui é Hutchins, em Cognition in the Wild].

 

O que rola é que os educadores, erradamente, querem domesticar a internet. Exemplifico no varejo. A maior parte dos educadores quis domesticar os blogs. Ainda na semana passada, repórter de uma revista educacional me fez pergunta sobre uso “didático” dos blogs. Respondi-lhe que o ponto de partida para examinar os blogs em educação não é a didática, é a comunicação. Blogs didáticos não são blogs de verdade, e os alunos, já educados na internet, sabem disso. Quando educadores ignoram as virtudes comunicativas dos blogs “in the wild” reduzem uma ótima ferramenta a um caderninho eletrônico sem graça, sem vida, sem alma.

 

Volto à minha infância. Fui gibizeiro fanático. Lia tudo (Águia Negra, Dick Tracy, Mandrake, Flash Gordon, Pinduca, Reizinho, Zorro, Tarzan, etc. etc. Quase tudo. Não lia Epopéia, um gibizão didático que apresentava, no formato de histórias em quadrinhos, fatos históricos. Um saco! Deve ter sido invenção de alguém que quis didatizar os gibis, ignorando linguagem, traço, ritmo das histórias em quadrinhos. Acho que os gibis foram elementos importantes no desenvolvimento da minha imaginação. Não havia nada na escola que exercesse papel tão importante nesse sentido. Acho também que os gibis, mais que a escola, despertaram em mim gosto pela leitura. Não acredito que os educadores de meus tempos de criança percebessem as profundas mudanças culturais desencadeadas pelas histórias em quadrinhos.

flash gordon

A influência da internet é muito mais avassaladora que a dos gibis. Os alunos já chegam às escolas aculturados em internet. Isso cria grande dificuldade para educadores que queiram utilizar o ambiente WWW e o computador para educação. Lembro-me de meu filho de nove anos falando com grande ironia do Logo, que suas professoras usavam com entusiasmo. Ele me dizia que elas nada sabiam dos ótimos jogos que ele e seus amigos jogavam no computador. Para os meninos como meu filho o Logo era uma coisa bobinha. E, os educadores loguistas ignoravam o saber selvagem e sofisticado dos meninos que dedicavam horas do dia em jogos muito desafiadores (em termos de imaginação, em termos de lógica, em termos de estratégias cognitivas…). Algo análogo acontece hoje com a domesticação de muitas ferramentas comunicativas da internet.

 

Não sei se haverá uma solução para que computadores e internet mudem radicalmente a escola.  E, embora critique a pedagogização de blogs, twitter , jogos etc. por educadores bem intencionados, mas ignorantes no campo das comunicações, acho que precisamos continuar a busca por usos mais eficazes das novas mídias para ajudar as pessoas em projetos de aprendizagem sistemática.

 

Escrevi algumas observações sem muito cuidado e ordem. O assunto merece algo mais elaborado e pensado. Acho que fiz algo parecido num material que escrevi para a revista Quaderns Digitals faz algum tempo. O que escrevi não aborda diretamente o tema proposto pelo artigo da Marion Trecker. Mas, acho que vai em direção parecida. Se alguém estiver interessado em ver esse meu texto, deixo link aqui, observando que o editor da revista acabou publicando uma versão que eu não tinha revisado:

8 Respostas to “TIC e Educação: onde as coisas mudam?”

  1. Sérgio Lima Says:

    Professor Jarbas,

    Eu acho uma maldade se associar didática a chatura!

    Quando eu me preocupo com a didática, as aulas tendem a ser melhores e os alunos gostam mais. Quando negligencio a didática é que tudo falha miseravelmente 🙂

    Os alunos acham a escola chata não é porque ela é didática, mas porque ela está inadequada:. Conteudista, fordista,, classificatória, burocrática e etc.

    No mais concordo que as TICs não devem ser um verniz para “mais do mesmo”… ela devem ser, no mínimo, uma catalizador das contra-hegemonias possíveis!

    Digo isso, pois se fala do Professor como se ele pudesse mudar o que quiser e fazer qualquer coisa.

    Na sala de aula real, que está dentro de uma superestrutura gigante, as vezes o Professor é também vítima desse dinossauro chamado escola 🙂

    abração

    • jarbas Says:

      Caro Sérgio,

      Li e reli meu texto à procurade suposta maldade de associação entre didática e chatura. Não encontrei. O que tentei comunicar foi uma crítica ao erro de achar que as ferramentas são neutras e podem ser didatizadas. Quando isso acontece, as ferramentas são violentadas em sua alma. Cansei de ver blogs “educacionais” que fazem isso.

      Faço um parênteses. Embora meu texto não malhe a didática, me vejo obrigado a responder à sua provocação. As aulas mais chatas em toda a minha longa vida de estudantes foram as de didática. A pior palestra que já ouvi em minha vida, foi a a de uma didata que me precedeu numa mesa sobre centros públicos de educação profissionalizante, em Belô. A distinta acadêmica jogou pra cima da gente, um discurso chatissimo e longo, desconsiderando educadores de prestígio, como Isaura Belloni, que estavam no simpósio. Achou que éramos um bando de ignorantes porque não sabíamos didática.

      Volto ao assunto. Insisto que meu ponto no texto é “alma”. Ou, se me permitir filsofar, a ontologia das mídias. O que rola é uma atitude dos educadores que ignora a manifestação de ser de cada formato de mídia na internet, achando que a natureza – o ser – delas pode ser objeto de resignificação.

      A ignorância da ontologia das mídias acabou gerando monstruosidades como “novela pedagógica”, um monstrengo produzido pela TVE nos anos 70 e que eu tive o desprazer de conhecer. Hoje muita coisa das novas TIC repetem o mesmo erro daquela novela pedagógica.

      • Sérgio Lima Says:

        Caro Professor Jarbas,

        Talvez interpretação de texto não seja meu forte, mas quando leio:

        “A maior parte dos educadores quis domesticar os blogs. Ainda na semana passada, repórter de uma revista educacional me fez pergunta sobre uso “didático” dos blogs.”

        “Quando educadores ignoram as virtudes comunicativas dos blogs “in the wild” reduzem uma ótima ferramenta a um caderninho eletrônico sem graça, sem vida, sem alma.”

        Pra mim algo sem graça, sem vida e sem alma é algo chato! E me pareceu que o que tornou a ferramenta sem graça, sem vida e sem alma (aka, chata) foi seu uso didático!

        E se pairasse dúvida, o Sr. comenta que a sua aula mais chata foi a de didática!

        Uma pena, pois tive ótimas aulas de didáticas que foram didáticas! Por isso foram legais e nada chatas!

        Longe de mim querer ensinar padre a rezar missa, mas parece que o problema não é a didática ou a domesticação da ferramenta.

        O problema é usar qualquer ferramenta num contexto “escolar” em que o aprendiz não escolhe o que, como, onde aprender e ainda por cima tem que faze-lo no tempo que alguém definiu.

        Se eu escolher usar uma faca na aula de física para ensinar, por exemplo, o conceito de pressão vou domesticar o seu uso, para atingir meus objetivos. E são essas escolhas didáticas que farào os objetivos serem alcançados! Agora se os alunos precisarem ou desejarem aprender esse conceito o efeito será um. Aqueles que não desejam ou não precisam terão outra relação com a aula!

        Usar qualquer ferramenta para fazer mais do mesmo é que é o problema não o uso didático ou domesticado do mesmo. Mas claro, essa é só a minha opinião 🙂

        E como sempre, obrigado por problematizar o tema e estender as conversações!

        abração

        abs

  2. Fátima Campilho Says:

    Jarbas, eu também era gibizeira fanática, mesmo porque não havia a variedade de livros infantis e juvenis da atualidade e os livros eram caríssimos. Dos contos de fadas e Lobato parti para a literatura adulta.
    Alunos da rede pública não têm tanto contato assim porque a pobreza é grande, mas de jogos entendem muito. Eu nunca gostei deles, aquele Atari me irritava, gostava mesmo de uma boa leitura.
    Sempre fui uma professora diferente e os modelos de blogs apresentados e mais visitados não me atraem e os alunos só os acessam quando obrigados.
    Fiz um comentário no blog da Tatiane, mas ainda ainda não está publicado. Passe lá para ler.
    Abraço

  3. Augusto Cuginotti (@acuginotti) Says:

    Muito interessante Jarbas! Obrigado por compartilhar texto e artigo.

    Acho que a questão levantada se traduz para mim na compulsão de transformar toda oportunidade de aprendizado em estratégias educacionais.

    Escrevi algo na linha… O computador ou Internet mudam a escola, mas não radicalmente: http://augusto.blog.br/esperancas-tecnologicas-contribuicoes-e-cuidados-em-aprendizagem

  4. Um registo de conversa virtual | Miriam Salles Says:

    […] professor Jarbas Novelino publicou, em seu Boteco Escola, o post TIC e Educação: onde as coisas mudam?  Dele destaco o ponto que me chamou a atenção e me fez […]

  5. Heitor Says:

    Peço licença para deixar aqui um comentário: entendi bem o sentido da crítica e penso que tenho o direito de pedir então que o sr. apresente uma forma didaticamente correta de trabalhar com as TICs. Aguardo sugestões. Só uma, tá?
    Sudações curiosas!

    • jarbas Says:

      Caro Heitor, você não precisa pedir licença, a casa é sua.

      Segue a sugestão solicitada: ‘Webgincanas: um uso estruturado da internet para a educação’, capítulo do livro ‘Computadores em sala de aula: métodos e usos’, Porto Alegre: Penso, 2012.

      Esclareço que tal capítulo é de minha autoria. Não sei se minha proposta concreta é de boa qualidade, nem se ela é uma(apenas uma) solução para didatizações equivocadas da mídia.

      Critico. Mas, critico de dentro, pois lido com mídias digitais deste 1982. Não sou um outsider mau humorado, chutando o pau da barraca. Sou mais um crítico amoroso sem medo de apontar as muitas bobagens que nós (educadores) fazemos.

      Mais uma sugestão: Iivestigando Textos com Sherlock, software de David Carraher. Problema: não houve mais investimentos na produção do soft do David, por isso ele não pode ser encontrado no mercado, e uma proposta de colocá-lo na internet não foi para a frente. Tenho mais sugestões, mas as deixo para outra ocasião.

      Abraço grande

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